Pular para o conteúdo principal

Currículo e as teorias pós-críticas

 

CONCEITO

Durante muito tempo o termo currículo esteve atrelado à lista de conteúdos que deveriam ser ensinados pela escola. O debate sobre Currículo e sua conceituação é necessário para que saibamos defini-lo e para conhecer quais as teorias que o sustentam na educação. No entanto, o currículo é mais do que isso. Percebe-se que o currículo é muito mais que uma relação de disciplinas. Antes, é tudo aquilo que é valorizado, trabalhado na prática pedagógica.   Um Currículo não é um conjunto de conteúdos dispostos em um sumário ou índice. Pelo contrário, a construção de um Currículo demanda:

a) uma ou mais teorias acerca do conhecimento escolar;

b) a compreensão de que o Currículo é produto de um processo de conflitos culturais dos diferentes grupos de educadores que o elaboram;

c) conhecer os processos de escolha de um conteúdo e não de outro (disputa de poder pelos grupos) (LOPES, 2006).

O currículo constitui o elemento nuclear do projeto pedagógico, é ele que viabiliza o processo de ensino e aprendizagem.  É preciso entender o que as teorias do currículo produzem nas propostas curriculares e como interferem em nossa prática. Uma teoria define-se pelos conceitos que utiliza para conceber a realidade. Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção para certas coisas que sem elas não veríamos. Os conceitos de uma teoria organizam e estruturam nossa forma de ver a realidade (SILVA, 2005, p.17).

Tomaz Tadeu da Silva entende que “O currículo é lugar, espaço, território. (...) é relação de poder. (...) é trajetória, viagem, percurso. (...) é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. (...) é texto, discurso, documento. (...) é documento de identidade.” 

Para Silva (2005, p.17) as teorias do currículo se caracterizam pelos conceitos que enfatizam. São elas:

Teorias Tradicionais: surgiu no século 20 – John Franklin Bobbit. Conhecido como teorias técnicas ou mecânicas. “propunha que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer empresa comercial ou industrial”. Representação do pensamento da classe dominante, onde visa adaptar o estudante ao contesto social existente.

Enfatizam - Aceitação, ajuste e adaptação, ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos.

Teoria Críticas: surgiu nos anos 60 para superar o modelo tradicional de currículo. Rompe com o modelo que o estudante é um depósito de informações. Objetivando formar cidadãos críticos. Em que o indivíduo pertence a um determinado grupo social, e luta para transformar a sociedade para que essa sociedade seja mais justa.

Enfatizam -  Ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação, libertação, currículo oculto, resistência.

Teoria Pós-Críticas: As teorias pós-críticas têm designado o resultado da influência do pós-modernismo, do pós-estruturalismo e das filosofias da diferença, bem como dos estudos culturais, pós-colonialistas, pós-marxistas, multiculturalistas, ecológicos, étnicos e dos estudos feministas e de gênero sobre teorizações, pesquisas e práticas no campo educacional. As reformulações engendradas por tais teorias favorecem a “diminuição das fronteiras entre, de um lado, o conhecimento acadêmico e escolar e, de outro, o conhecimento cotidiano e o conhecimento da cultura de massa”

 Enfatizam - Identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo.

     As teorias tradicionais consideram–se neutras, científicas e desinteressadas, as críticas argumentam que não existem teorias neutras, científicas e desinteressadas, toda e qualquer teoria está implicada em relações de poder.

Falar em teoria crítica remete a citar Paulo Freire, um grande pensador, que se preocupou intensamente com a educação popular, com os problemas educacionais brasileiros e que contribuiu significativamente para a teoria crítica do currículo. Segundo o pensamento de Freire, para que ocorra uma mudança significativa na educação, é preciso transformar a maneira como o ensino está sendo concebido, para uma forma de emancipação, como prática de liberdade.

O pensamento Freire, portanto, contribuiu fortemente para a teoria crítica do currículo, mas atualmente o que se percebe é que ainda a teoria tradicional prevalece nas práticas pedagógicas dos professores. Para melhor compreender a ênfase dada às teorias tradicionais e às críticas e suas diferenças pode ser observado de forma resumida o quadro abaixo:

Teorias do currículo

Conceitos das diferentes teorias do currículo:

Teorias Tradicionais

Teorias Críticas

Teorias Pós-Críticas

ensino

ideologia

identidade, alteridade, diferença

aprendizagem

reprodução cultural e social

subjetividade

avaliação

poder

saber-poder

metodologia

classe social

significação e discurso

didática

capitalismo

representação

 

organização

relações sociais de produção

cultura

planejamento

conscientização, emancipação e libertação

gênero, raça, etnia, sexualidade

eficiência

currículo oculto

multiculturalismo

objetivos

resistência

---------------------

Fonte: SILVA, 2007, p. 17.

As teorias pós-críticas abordam com ênfase as preocupações com a diferença, com as relações saber-poder no âmbito escolar, o multiculturalismo, as diferentes culturas raciais e étnicas, enfim, não é uma questão de superação da teoria crítica, mas segundo Silva (2007, p. 147). O currículo, a partir da teoria pós-crítica, deve ser visto como um complemento, como uma forma de aprofundamento e ampliação às teorias críticas. 

Segundo Tomaz Tadeu da Silva, a difusão dos ideais pós-críticos (em suas várias vertentes: pós-modernistas, pós-estruturalistas, multiculturalistas) deu-se de modo amplo e intenso nos estudos do currículo, ainda que nem sempre de forma claramente percebida ou assumida pelos personagens da educação:

“Não se pode falar de uma teoria pós-estruturalista do currículo, mesmo porque o pós-estruturalismo, tal como o pós-modernismo, rejeita qualquer tipo de sistematização. Mas há certamente uma “atitude” pós-estruturalista em muitas das perspectivas atuais sobre currículo. […] o que se observa é que muitos autores e autoras contemporâneos da área de estudos do currículo simplesmente passaram a adotar livremente alguns dos elementos da análise pós-estruturalista”. (SILVA, 1999, p. 122-123)

Ainda que as chamadas teorias pós-críticas no campo curricular já circulem em língua portuguesa desde os anos 1990, apenas em meados dos anos 2000 elas se tornaram francamente dominantes, fazendo parte das referências inclusive daqueles que não estão de acordo com os seus pressupostos, mas são levados a debater teoricamente sobre os seus efeitos. No caso do Brasil, após uma apropriação inicial de Foucault e dos estudos culturais nos anos 1990, desenvolvida principalmente por influência das várias traduções que Tomaz Tadeu da Silva realizou de estudos foucaultianos (1994, 1998), de autores vinculados aos estudos culturais de corte pós-crítico (Silva, 1995, 1999; Hall, 19971) e mesmo de estudos problematizadores dos aportes pós-modernos (Silva, 1993), temos uma larga apropriação de estudos pós-estruturais.

As ideias de centro e margens, de superioridade cultural, disciplinaridade e nação, o eurocentrismo e os registros orientais no ocidente são questionados, de forma associada às discussões sobre gênero, raça, classe, sexualidade e linguagem. Tais questões são discutidas em termos de império e imperialismo, cultura popular e diáspora, identidade/identificação, representação e multiculturalismo (Asher, 2010).

O pós-estruturalismo, todavia, não se constitui como um movimento ou um conjunto de doutrinas comuns. A ideia de estrutura é substituída pela ideia de discurso: não há estruturas fixas que fechem de forma definitiva a significação, mas apenas estruturações e reestruturações discursivas. É destacada a contingência e são questionadas noções como a transcendência e a universalidade.

A contribuição das teorias pós-críticas ao debate curricular é significativa e densa. Cabe aqui mencionar algumas dessas contribuições: a crítica feita à hegemonia da cultura acadêmica nos conteúdos curriculares, às discriminações de classe, de gênero e étnicas presentes tanto nos currículos oficiais quanto nos materiais didáticos e nas práticas escolares; a crítica às ideias de centro e margens, de superioridade cultural e ao eurocentrismo.

Manifestação do currículo

Currículo formal:

- É o currículo estabelecidos pelos sistemas de ensino ou instituições de ensino;

- Também chamado de currículo, estabelecido ou prescrito (PCN, Diretrizes curriculares);

Currículo real:

- É aquele efetivamente trabalhado em sala de aula, em decorrência do planejamento.

Currículo oculto:

- São os valores implícitos presentes na escola. Forma de cooperação e de relacionamento entre os colaboradores e entre os estudantes. Metodologias utilizadas pelos docentes nas aulas. “É constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes.” (Silva, 2003)

Currículo fechado:

Corresponde ao currículo por disciplinas isoladas, grade curricular. Inexiste a relação interdisciplinar, dispensando a colaboração dos educadores em sua formatação.

Currículo aberto:

Corresponde ao currículo integrado. Mais flexibilidade na definição de objetivos e seleção de conteúdos em torno de áreas interesses e temas geradores. A elaboração e o desenvolvimento curricular contam com a participação dos professores, respeitando a autonomia.


  

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Zabala - Os ‘materiais curriculares’

  Os ‘materiais curriculares’ e outros recursos didáticos O PAPEL DOS MATERIAIS CURRICULARES Os materiais curriculares, corno variável metodologicamente são menosprezados, apesar de este menosprezo não ser coerente, dada a importância real que têm estes materiais. Uma olhada, mesmo superficial, permite que nos demos conta de que os materiais curriculares chegam a configurar, e muitas vezes a ditar, a atividade dos professores. A existência ou não de determinados meios, o tipo e as características formais, ou o grau de flexibilidade das propostas que veiculam são determinantes nas decisões que se tomam na aula sobre o resto das variáveis metodológicas. A organização grupai será cie um tipo ou de outro conforme a existência ou não de suficientes instrumentos de laboratório ou de informática; as relações interativas em classe serão mais ou menos cooperativas conforme as caraterísticas dos recursos; a organização dos conteúdos dependerá da existência de materiais com estruturações disc

A Revolução Francesa

O Antigo Regime – ordem social que garantia os privilégios do clero e da nobreza – foi sendo abalado e destruído lentamente por uma série de fatores, como as revoluções burguesas na Inglaterra, o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Independência dos Estados Unidos da América. Mas o fator que aboliu de vez o Antigo Regime foi a Revolução Francesa (1789-1799), uma profunda transformação sócio-política ocorrida no final do século XVIII que continua repercutindo ainda hoje em todo o Ocidente. O principal lema da Revolução Francesa era “liberdade, igualdade e fraternidade”. Por sua enorme influência, a Revolução Francesa tem sido usada como marco do fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea. Embora não tenha sido a primeira revolução burguesa ocorrida na Europa, foi, com certeza, a mais importante. 1. Situação social, política e econômica da França pré-revolucionária a) Sociedade A França pré-revolucionária era um país essencialmente agrícola. O clero e a nobreza possuíam en

SIMBOLISMO EM PORTUGAL E NO BRASIL

  O Simbolismo, assim como o Realismo-Naturalismo e o Parnasianismo, é um movimento literário do final do século XIX. No Simbolismo , ao contrário do Realismo , não há uma preocupação com a representação fiel da realidade, a arte preocupa-se com a sugestão. O Simbolismo é justamente isso, sugestão e intuição. É também a reação ao Realismo/Naturalismo/Parnasianismo, é o resgate da subjetividade, dos valores espirituais e afetivos. Percebe-se no Simbolismo uma aproximação com os ideais românticos, entretanto, com uma profundidade maior, os simbolistas preocupavam-se em retratar em seus textos o inconsciente, o irracional, com sensações e atitudes que a lógica não conseguia explicar. Veja as comparações: Parnasianismo 1. Preocupação formal que se revela na busca da palavra exata, caindo muitas vezes no preciosismo; o parnasiano, confiante no poder da linguagem, procura descrever objetivamente a realidade. 2. Comparação da poesia com as artes plásticas, sobretudo com a escultura. 3. Ativid