quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Argentina: democracia e golpes

Ao contrário do Chile, que não conhecia intervenções militares na política há mais de setenta anos, a Argentina viveu muitos golpes militares no decorrer do século XX. No princípio dos anos de 1970, porém atravessava uma fase de democratização, com a volta dos militares aos quartéis e a autorização para que Juan Domingo Perón, exilado desde 1955, voltasse ao país.
Perón retornou em 1973 e foi eleito presidente. Com sua morte no ano seguinte, sua mulher e vice, Isabelita, assumiu o cargo. A diversidade interna do peronismo, que então se mostrava bastante dividido, e o cenário crítico da economia argentina mantinham a situação interna tensa e instigavam os militares a volta à política. Setores da alta burguesia argentina aproximavam-se dos quartéis e, em 1975, já se cogitava a hipótese de um golpe e, em março do ano seguinte, os militares derrubaram o presidente.
Os golpistas denunciavam a falta de projeto político, alertavam para a falta de autoridade e para o risco do comunismo. Apresentavam-se como representantes do conjunto da sociedade argentina, acima das divisões de classe e sem interesses ideológicos ou financeiros.
Assumiram, perante a sociedade argentina, a imagem de árbitros neutros, num discurso semelhante ao que já fora empregado em golpes anteriores. Uma junta militar composta de membro das três armas assumiu o poder e propôs implantar o “processo de Reorganização Sindical”.

A ditadura argentina

No decorrer dos sete anos que dirigiram a argentina, no entanto, nenhum projeto nacional foi desenvolvido, nem o país foi efetivamente reorganizado. A ausência de políticas econômicas clara, a corrupção intensa e os conflitos internos dificultaram os investimentos na produção. O capital estrangeiro fugiu do país e a Argentina iniciou um processo de declínio acelerado. A violenta repressão contra supostos adversários, organizações estudantis e de trabalhadores marcou o regime e instaurou um quadro de terror no país, que resultou em milhares de mortos e desaparecidos. Além disso, há casos de filhos de presos políticos, mortos pela ditadura, que foram adotados, sigilosamente, por famílias ligadas ao regime.
Grupos de resistência armada e a oposição política reagiram ao poder extremo dos governantes. As madres de Mayo iniciaram seus protestos em 1977 e, além de denunciar o desaparecimento de seus filhos, tentavam obter informações e notícias de perseguidos políticos. Em 1982, o regime militar argentino já estava bastante desgastado dentro e fora do país. As notícias de extorsões e de crimes comuns praticados por policiais circulavam e indicavam que os governantes haviam perdido o controle sobre o aparato repressivo, que passara a agir autonomamente, em benefício de seus membros.

A Guerra nas Malvinas

Para desviar a atenção dos argentinos nos problemas internos e manter por mais tempo o regime, o presidente Leopoldo Galtieri invadiu as ilhas Malvinas, no extremo sul do continente americano, em abril de 1982, e reivindicou a soberania argentina sobre as terras. Objeto de disputa entre Argentina e Grã-Bretanha desde o século XVIII, as Malvinas estavam sob domínio britânico desde a década de 1830.
A Inglaterra reagiu e os dois países foram a guerra. Nos dois meses e meio que durou o conflito, parte da sociedade argentina se envolveu com a possibilidade de uma conquista nacional e o apoio ao governo de Galtieri aumentou sensivelmente.
A derrota para a Grã-Bretanha, porém, revelou a fragilidade das forças armadas nacionais e expôs de maneira ainda mais clara a corrupção e o autoritarismo do regime. Pressionado, Galtieri acabou substituído por outros militares, que convocaram eleições para o ano seguinte.
Raúl Alfonsín venceu as eleições e assumiu a presidência no final de 1983, iniciando um novo período de redemocratização argentina. A economia do país estava arrasada, com taxas altíssimas de inflação e moeda desvalorizada. O nível de industrialização regredira durante os anos militares e o nível de tensão social era intenso.
Diferentemente do que ocorreu no Brasil e no Chile, onde os crimes cometidos por representantes dos regimes militares foram anistiados ou esquecidos, a Argentina realizou um longa e profunda investigação, que desembocou em acusações, julgamentos e punições, inclusive a ex-governante, acusados de participação na Guerra Suja, nome que se deu ao terrorismo de Estado desencadeado entre 1976 e 1983. As investigações e os processos revelaram uma grande quantidade de crimes comuns (como tráfico de armas, extorsão de empresários e sequestro de crianças).
A revisão do passado também gerou fortes reações militares. Durante o governo de Raúl Alfonsín, rebeliões lideradas pela extrema-direita militar, os chamados carapintadas, exigiam o fim das investigações e ameaçavam novo golpe de Estado.

A Argentina – planos econômicos e neoliberalismo

A Argentina foi um dos países da América Latina cuja vida política sofreu mais desgastes em função do fracasso de sucessivos planos econômicos assentados nas teorias neoliberais.
Os problemas começaram a se aprofundar ainda no governo de Carlos Menem, eleito em 1989. Para controlar a inflação, o ministro da Economia, Domingos Cavallo, promoveu a abertura do mercado para o comércio internacional e atrelou a moeda argentina ao dólar, conseguindo sucesso temporário, graças ao qual Menem reelegeu-se em 1995. Contudo, a eclosão das crises mexicanas e asiáticas, entre 1994 e 1997, redundou no descontrole da economia argentina.
Com a imagem desgastada, Menem foi sucedido por Fernando de La Rúa, cuja política econômica não conseguiu acabar com o cenário de recessão, marcado por uma onda de falências, pelo desemprego e pela hiperinflação. Em dezembro de 2001, munidos de panelas, os argentinos saíram às ruas promovendo um barulho ensurdecedor em protestos contra o governo. O panelaço (como a manifestação ficou conhecida) desandou em enfrentamentos com a polícias e a decretação do estado de sítio. Contudo, mesmo sob repressão, a “bateção” de panelas continuou, levando à renúncia do presidente.
Diante da grave situação econômica, o presidente interino, Adolfo Saá, decretou a moratória da dívida externa argentina. Sob intensa pressão, foi obrigado a renunciar após uma única semana no cargo. Seu sucessor, Eduardo Duhalde, acabou com o regime de convertibilidade, que atrelava o peso argentino ao dólar, mas não conseguiu driblar a crise: as medidas econômicas de seu governo causaram a fuga de capitais e fizeram crescer o descontentamento, provocando violentos protestos.
A economia argentina só se estabilizou em 2004, no governo de Néstor Kirchner, que num único pagamento cancelou à divida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), libertando a argentina da inspeção e dos planos de ajuda do Fundo, e conseguiu retomar o crescimento da economia nacional.


O Plano Condor

Montada no início da década de 1970, a Operação Condor foi uma ação militar com o objetivo de destruir todos aqueles que eram considerados adversários políticos das ditaduras instaladas na América Latina. Os países participantes foram Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. A ação foi conjunta, financiada com dinheiro, apoio logístico e treinamento oferecidos pelo governo dos Estados Unidos. A troca de informações sobre perseguidos políticos entre os governos militares sul-americanos, já existia desde a década de 1960. Porém, a Operação Condor só foi formalizada em 1975, XI Conferência dos Exércitos Americanos, realizada em Montevidéu, capital do Uruguai. Quem propôs sua criação foi o general Jorge Rafael Videla, comandante do exército argentino que se tornaria chefe do governo militar de seu país.
No decorrer dos anos 1980, quase todos os países da América Latina passaram por processos de redemocratização e poucos mantiveram governos ditatoriais. O retorno à democracia e a divulgação de informações sobre os anos de poder armado permitiram que se desvendasse inclusive a existência de mecanismos de colaboração (como o Plano Condor entre as polícias políticas dos países do Cone Sul), que se ajudavam mutuamente na perseguição e, em muitos casos, execução de adversários políticos. Embora muitos documentos sobre o período ainda não sejam públicos, é possível, hoje, saber como o poder foi brutalmente exercido pelas ditaduras militares e quais foram suas estratégias para controlar o Estado.
Com a Operação Condor, a polícia política de um país podia atuar livremente nos outros países envolvidos, prendendo, sequestrando e torturando pessoas. Um dos episódios mais conhecidos envolvendo a Operação Condor foi o atentado que matou o general Carlos Prats, militar chileno que se exilara em Buenos Aires após o golpe de Estado ocorrido em seu país. Outro caso foi o assassinato do general boliviano Juan José Torres, que governou a Bolívia de outubro de 1970 até agosto de 1971, quando foi derrubado por um golpe de Estado. No Brasil, a Operação Condor permitiu o sequestro do casal de uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias, em Porto Alegre.
Documentos liberados nos EUA e a descoberta do chamado “Arquivo do Terror” em Assunção, Paraguai, revelam que o serviço secreto chileno montado em dezembro de 1973, foi estruturado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) brasileiro. Os encarregados pela repressão política no Brasil ofereceram aos chilenos cursos de planejamento, organização e técnicas de interrogatório – neste caso, ensinaram aos militares chilenos um tipo de tortura chamado “pau de arara”, típico no Brasil.


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