Do século XX ao XXI: fases da indústria no Brasil
Até o início do século XX, o Brasil ainda não havia se industrializado, a agropecuária respondia por 45% do PIB brasileiro e a produção de café para exportação era a principal atividade do país. A maioria dos produtos industrializados que eram comercializados no Brasil ainda vinha da Europa, quando a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) eclodiu. O conflito provocou a diminuição da oferta de mercadorias dos países europeus e as tornou mais caras. Nesse período, novas fábricas surgiram no Brasil, substituindo as importações de alguns produtos estrangeiros.
Crises externas e desenvolvimento industrial brasileiro
As reduções do preço do café no mercado internacional e os períodos de
crise econômica mundial, decorrente em parte da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918) e da quebra de empresas e da Bolsa de Valores de Nova York em
1929, levou ao deslocamento de parte dos recursos destinados à produção cafeeira para o desenvolvimento da indústria. Esses fatores criaram novas oportunidades de lucro com a produção e venda de bens até então importados
pelo Brasil, para os quais já havia mercado consumidor interno
Na década de 1920, parte dos ganhos obtidos com a venda de café passou a ser investida na criação de bancos e indústrias. Em 1929, uma crise econômica começou nos Estados Unidos e afetou outros países. O preço internacional do café despencou e muitos cafeicultores faliram em nosso país. Com isso, o governo e os investidores se voltaram para a criação de indústrias, e, a partir da década de 1930, o Brasil intensificou sua industrialização. Por essa razão, foi chamado de “país de industrialização tardia”, quando comparado à Inglaterra, à França ou aos Estados Unidos.
O processo de industrialização brasileiro foi, em grande parte, possibilitado pelo capital acumulado na rede bancária e que não seria reinvestido nas plantações de café, em razão da reduzida possibilidade
de lucro diante do contexto econômico mundial. Fabricou-se aqui, sobretudo, bens de consumo não duráveis e semiduráveis, como sapatos,
roupas, produtos de higiene, alimentos, bebidas, gráfica (papelaria),
móveis, etc., que exigiam pouco investimento financeiro e tecnologias
mais simples. Para isso, importou-se máquinas dos países que eram
expoentes industriais, deixando de investir no desenvolvimento tecnológico nacional e tornando o país dependente da tecnologia externa.
Primeiro governo Vargas
Com o governo do presidente Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945 (que exerceria a presidência novamente
entre 1951 e 1954), o Estado passou a investir fortemente na industrialização do país, sobretudo nas indústrias de base, que exigem grande volume de investimento e retorno a longo prazo e são essenciais (ainda
mais naquela época) ao processo de industrialização, pois favorecem o desenvolvimento dos demais setores industriais.
Destacam-se a criação de indústrias estatais de siderurgia (1941: Companhia Siderúrgica Nacional –
CSN), bens de capital (1942: Fábrica Nacional de Motores – FNM) e mineração (1942: Companhia Vale do Rio
Doce – CVRD).
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) também favoreceu a industrialização brasileira por meio de crises de abastecimento e necessidade de produção local daquilo que ainda era importado e de negociações
que o governo fez para vincular seu apoio aos Aliados na guerra (Estados Unidos, Reino Unido e França) em
troca de investimento e repasse de tecnologia industrial. Ou seja, novamente a substituição de importações foi um grande motivador do desenvolvimento industrial brasileiro.
Na década de 1940, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o desenvolvimento da indústria nacional foi novamente estimulado pela substituição de produtos importados por nacionais. Esse foi um período de muitos investimentos estatais na produção de energia, aço e máquinas, sem os quais outras indústrias dificilmente surgiriam.
Pós-Segunda Guerra Mundial
Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a industrialização brasileira
ganhou uma nova configuração ao se desenvolver por meio da instalação de filiais de empresas estrangeiras (de origem europeia, japonesa e estadunidense)
que passaram a se internacionalizar na busca por mercado consumidor, oferta
de matéria-prima e energia, mão de obra mais barata e legislação favorável.
50 anos em 5
Na década de 1960, visando modernizar a indústria, o governo de Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil entre 1956 e 1961, estabeleceu um ambicioso projeto de modernização do país, denominado Plano de Metas.
O
projeto tinha como slogan promover o avanço econômico do país de 50 anos em
5 anos. Com especial atenção para as áreas de energia, transporte e indústrias de base (química, siderúrgica, elétrica etc.).
O incentivo à industrialização mobilizou a instalação de infraestrutura
viária e desenvolvimento do setor energético. Aumentou-se consideravelmente
a geração de energia elétrica e extração de petróleo, assim como a abertura e
pavimentação de estradas, estimulando a vinda de montadoras automobilísticas estrangeiras ao país. Por outro lado, o transporte ferroviário foi praticamente abandonado.
É desse período também o projeto e construção
de Brasília, a sede da nova capital federal. Além disso, foram criados mecanismos fiscais e financeiros
que incentivaram a importação de maquinário pelos empresários brasileiros e a entrada de capital
estrangeiro na participação nos empreendimentos
e na economia nacional. Esse período foi marcado
pelo aumento da entrada de empresas multinacionais no território brasileiro.
Governos militares
Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, quem assumiu foi seu vice, João Goulart, que tentou promover um conjunto de reformas, como a agrária, a cambial, a tributária, a educacional, entre muitas
outras que desagradaram os setores mais conservadores da sociedade, uma grande parte da elite urbana e
rural, bem como parte de empresas e investidores estrangeiros, que se mobilizaram para impedi-las.
Em 1964, os militares brasileiros, com apoio de parte da sociedade civil, destituíram o presidente (Golpe
de Estado), fecharam o Congresso e assumiram o poder executivo no país, que deixou de realizar eleições
diretas para presidente até 1989.
Os governos militares assumiram uma postura
desenvolvimentista e que promoveu a industrialização e a construção de grandes empreendimentos de infraestrutura, com significativo desenvolvimento do setor de bens de produção até por volta
de 1980. Entre 1968 e 1973, o país cresceu a uma
média de 10% ao ano. Em 1979, pela primeira vez na
história do país, a exportação de bens industrializados superou o de gêneros primários (agrícolas,
minérios, etc.). Esse desempenho foi chamado de
“milagre brasileiro”. Entretanto, também foi o período de grande endividamento externo do país,
redução do valor de compra do salário-mínimo,
não reajustado adequadamente, e aumento da desigualdade social.
“a década perdida”
A década de 1980 foi conhecida como “a década
perdida” por ter sido marcada pela grande recessão e crise econômica vivida pelo país e que se desdobrou até o início dos anos 2000. Foi um período
de estagnação das atividades industriais e muitas
fábricas foram deslocadas dos grandes centros urbanos para cidades menores no mesmo estado ou
até para outros estados, que ofereciam condições
fiscais mais vantajosas.
Na década de 1990, já em governo eleito
democraticamente e com grande influência
da globalização econômica e financeira, foi
promovida no país uma abertura comercial
e ampliada à concorrência com empresas
estrangeiras. Esse movimento levou a uma
maior competitividade interna, falência ou
compra de empresas, privatizações e nova
onda de modernização e competitividade
(mão de obra bastante qualificada e novas
tecnologias).
Com o término de alguns mecanismos de
protecionismo à indústria nacional, ocorreu a facilitação da entrada de máquinas e
equipamentos industriais de última geração,
possibilitando a modernização de parte do
parque industrial brasileiro, melhorando a
qualidade de alguns setores, tornando-os
mais competitivos.
Com a economia mais estável, alguns segmentos industriais voltaram a crescer. Outros, porém, tiveram dificuldade para superar a concorrência dos produtos importados após a abertura comercial desse período.
O setor industrial brasileiro no século XXI depende cada vez mais do desenvolvimento tecnológico para melhorar seu desempenho. Apesar de os investimentos em ciência e tecnologia serem crescentes, ainda não têm sido suficientes para tornar o Brasil independente tecnologicamente.
Concentração e relativa desconcentração industrial
Desde o início, a industrialização do Brasil concentrou-se na Grande Região Sudeste, principalmente nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na metrópole paulista, essa concentração ocorreu no chamado “ABCD”, que reúne os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema. A Rodovia Anchieta, que liga esses municípios ao Porto de Santos, a disponibilidade de energia elétrica e a proximidade do mercado consumidor foram fatores determinantes para a escolha dessa localização industrial. A partir da década de 1950, intensificou-se a implantação de indústrias ao longo de quatro principais eixos rodoviários paulistas: a Rodovia Presidente Dutra, a Rodovia Presidente Castelo Branco, o Sistema Anchieta-Imigrantes e o Sistema Bandeirantes-Anhanguera-Washington Luís. A instalação de indústrias nesses eixos rodoviários mostra a desconcentração industrial em relação à Região Metropolitana de São Paulo. Entretanto, esse processo vem ocorrendo também em âmbito nacional. Assim, há um declínio relativo na atividade industrial do estado de São Paulo e da Grande Região Sudeste. Em outras palavras, a industrialização do estado de São Paulo e da Grande Região Sudeste está crescendo em um ritmo mais lento do que o de outros estados e regiões do Brasil, produzindo, assim, uma nova distribuição espacial das indústrias.
A desconcentração industrial e suas causas
Apesar da relativa desconcentração industrial em curso, a Grande Região Sudeste, sobretudo o estado de São Paulo e as Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro, continua sendo a principal área industrial do Brasil. Porém, é importante destacar os fatores que estão levando a essa desconcentração. Estudaremos, a seguir, quais são eles.
Política industrial do governo militar
Durante o governo militar, no período de 1964 a 1985, instituíram-se diversas políticas de industrialização e planos econômicos de desenvolvimento dirigidos à descentralização industrial no país. Foram realizados investimentos em infraestrutura essenciais para a criação de polos industriais. Destacam-se a exploração de minérios em Carajás (PA), Trombetas (PA), Caraíba (BA) e Patos (MG); os portos de Itaqui (MA) e Tubarão (ES); as petroquímicas de Camaçari (BA), Paulínia (SP) e Canoas (RS); a indústria automobilística em Betim (MG); além de outros.
Elevação dos custos de produção
Ao longo do tempo, a Grande Região Sudeste, sobretudo a Região Metropolitana de São Paulo, perdeu vantagens na produção industrial para outras unidades da federação e regiões do Brasil. Isso porque passou a apresentar altos custos produtivos resultantes de um conjunto de fatores, como congestionamento de trânsito e impostos e salários mais altos.
A guerra fiscal
Principalmente a partir da década de 1990, vem ocorrendo a atração de indústrias para fora da Grande Região Sudeste em razão da intensificação de vantagens fiscais oferecidas por governos estaduais, distrital ou municipais de outras regiões do Brasil. Exemplos dessas vantagens são: incentivo fiscal, doação de terrenos com infraestrutura de saneamento básico, de transporte, de comunicação etc. A chamada guerra fiscal, somada às outras causas da desconcentração industrial apresentadas, ajuda a explicar a atual distribuição das indústrias no Brasil e a participação desse setor da economia em cada região do país.
Indústria, inovação tecnológica e transformações socioeconômicas do território
Durante o século XIX e parte do século XX, um dos fatores que diferenciavam os países do mundo em desenvolvidos, subdesenvolvidos e em desenvolvimento era o nível de industrialização por eles alcançado. As técnicas de produção, que impulsionaram a industrialização nesses séculos, assumiram, por volta da década de 1970, uma nova etapa graças à Terceira Revolução Industrial. Também conhecido como Revolução Técnico-Científico-Informacional, tal processo caracteriza-se pela intensa aplicação de conhecimentos científicos à produção e pelo desenvolvimento tecnológico em diversas áreas, como a informática – com o amplo uso de computadores e de redes de comunicação, como a internet; as telecomunicações – satélites artificiais; a robótica – uso de robôs no processo de produção; além de outras. Certos países já se encontram na Quarta Revolução Industrial, chamada também de Indústria 4.0, que se caracteriza pelo aperfeiçoamento das máquinas e dos equipamentos.
Economia do conhecimento
A atividade industrial, considerada o “motor” do desenvolvimento econômico e social dos países durante os séculos XIX e XX, passou a disputar importância, de alguns anos atrás para os dias atuais, com a produção de conhecimento sobre as técnicas; daí se falar, hoje, em economia do conhecimento. O “saber fazer” tornou-se uma valiosa mercadoria, sendo produzida e comercializada em escala global, beneficiando países, instituições e pessoas que produzem conhecimento e desenvolvem novas tecnologias. No início da década de 1950, algumas empresas de tecnologia se estabeleceram no Vale do Silício (Silicon Valley), no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, região onde há universidades importantes, como Stanford e Berkeley. Logo, a região transformou-se em importante polo de tecnologia avançada nos setores de eletrônica, informática e comunicação. O elemento químico silício inspirou o nome dado à região por ser a matéria-prima usada na produção de grande parte dos pequenos circuitos eletrônicos (chips). Várias empresas de tecnologia dinamizaram e promoveram uma reorganização do território na região. Elas atraíram pessoas de outras áreas dos Estados Unidos e do mundo, induziram o crescimento urbano, a construção de infraestruturas, o desenvolvimento do comércio e de indústrias etc. Não tardou para que surgissem polos de tecnologia avançada em outros países, como França, Alemanha, Japão, Reino Unido, Coreia do Sul e Países Baixos.
O Brasil e a economia do conhecimento
A inserção do Brasil na economia do conhecimento ainda é modesta se comparada à dos grandes centros mundiais de produção científica e tecnológica. No país, as pesquisas são realizadas principalmente em universidades e instituições governamentais e, em menor proporção, em empresas do setor privado – diferentemente dos Estados Unidos, onde a maior quantidade de pesquisadores trabalha em empresas privadas. No Brasil, os pesquisadores de instituições governamentais enfrentam diversos problemas, entre eles a escassez de recursos financeiros, a ineficiência dos órgãos públicos para autorizar a aquisição de materiais e substâncias necessárias para a realização de pesquisas, além de outros.
Parques científicos e tecnológicos no Brasil
Um parque tecnológico corresponde a uma concentração geográfica de instituições dedicadas a atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e envolvidas na produção de bens e serviços, como universidades, centros de pesquisa, laboratórios e empresas. A instalação de um parque científico e tecnológico exige investimentos em infraestrutura e mão de obra qualificada. Porém, pode estimular a economia e integrar territórios com os espaços nacional e internacional.
Parques científicos e tecnológicos e reorganização espacial
Além de atrair populações e empresas, os parques científicos e tecnológicos dinamizam a economia e estimulam o crescimento do setor terciário (comércio e serviços), favorecendo, assim, as comunidades locais. Têm, nesse sentido, uma função de reorganização do espaço geográfico. De modo geral, atraem e criam demanda por empreendimentos, como agências bancárias, hotéis, centros de convenção, lojas, lanchonetes, hospitais, entre outros. Além disso, quando são implantados, geram a necessidade de infraestrutura básica (como a criação de vias de circulação, energia, saneamento e telecomunicações); fomentam a construção civil por meio de edificações para a instalação de empresas, laboratórios e outros espaços de trabalho etc.; e favorecem o surgimento de empresas de serviços (limpeza, segurança, alimentação, entre outras) para atender à sua estrutura administrativa.
Por exemplo, a implantação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), respectivamente nos anos de 1950 e 1971, no município de São José dos Campos, no estado de São Paulo, reorganizou o território do município e de suas proximidades.
Em 1960, a população de São José dos Campos somava 40 mil habitantes e sua economia era predominantemente de base agrícola. Em 2021, sua população chegou a 730 mil habitantes e sua economia passou a ser de base industrial. O município conta com várias universidades e faculdades, atraindo estudantes de todo o Brasil e do exterior.