A distribuição das terras e o tamanho das propriedades no Brasil revelam uma concentração fundiária (concentração de terras) no território: quase metade das terras ocupadas pertence a um pequeno número de proprietários.
A maior parte dos estabelecimentos rurais no Brasil é composta por pequenas propriedades (com área inferior a 100 hectares). Elas correspondem a quase 90% das propriedades agrárias do território nacional e ocupam aproximadamente 20% da área total dos imóveis rurais.
As médias propriedades (com área entre 100 e 1 000 hectares) correspondem a 10% do total das propriedades agrárias e ocupam 35% da área total dos imóveis rurais. As grandes propriedades rurais (com área igual ou superior a 1 000 hectares), representam 1% das propriedades agrárias e ocupam 45% das terras agrícolas.
Questão agrária
Desde a colonização até meados dos anos 1950, o Brasil foi um país essencialmente agrário: os
principais produtos que geravam riqueza e receitas de exportação eram provenientes do campo.
O ponto central da questão agrária brasileira é a estrutura ou organização fundiária. O Brasil apresenta
uma grande concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, pessoas civis e empresas, e parcela
expressiva de trabalhadores rurais e de famílias não têm terra própria para morar e dela extrair os meios
necessários à manutenção de suas vidas,
A origem do problema da concentração de terras está na história da formação do território e do Estado
brasileiro, e também das transformações econômicas com o capitalismo. Antes da colonização, as terras
daqui não eram propriedades, e sim de uso comunal. Havia disputas entre os povos originários por algumas
delas, mas não existia compra e venda.
Ao tornar essas terras propriedade da Coroa portuguesa, seu uso e sua exploração foram alterados. No
intuito de gerar riqueza, imensas porções de terra – as capitanias hereditárias – foram cedidas a alguns
poucos privilegiados da corte. Por sua vez, essas terras foram subdivididas em sesmarias e concedidas
àqueles que se dispusessem a torná-las produtivas e remunerar o governo com uma sexta parte da produção. Entretanto, o sesmeiro não era proprietário da terra, ele poderia ter sua concessão cancelada caso não
a explorasse, o que era feito sobretudo com mão de obra escravizada de indígenas e africanos, estes, sim,
suas propriedades. Portanto, o capital não era mobilizado na aquisição de terras, e sim na compra de mão
de obra escravizada. A terra tinha valor de uso e não de posse, ou seja, seu valor estava naquilo que poderia
produzir e não era permitido vendê-la.
A organização territorial da produção colonial ocorreu em grande medida pela expulsão de
povos indígenas de suas terras, e a base do sistema produtivo no período colonial se deu com a
concessão de títulos de sesmarias (grandes porções de terras a serem cultivadas ou exploradas)
para colonos vindos de Portugal, enquanto as populações indígenas e africanas eram utilizadas
como mão de obra escravizada. Mesmo com a proibição da escravidão e a chegada de imigrantes às terras, o acesso a elas continuou sendo restrito.
A Lei de Terras de 1850
As terras brasileiras só se tornaram propriedades privadas a partir de 1850, com a Lei de Terras, o que impediria ex-escravizados, indígenas, camponeses e imigrantes pobres de se tornarem proprietários de terra, porque, a partir de então, elas deveriam ser compradas.
Estabeleceu-se com essa lei que a aquisição
de terras no Brasil se daria pela compra. Para os que já possuíam terras, ficou determinado que deveria ser paga uma taxa para a regularização do título de propriedade, o que excluiu boa parte dos
proprietários mais pobres, que não possuíam recursos suficientes.
Ao mesmo tempo, a população recém-liberta, sobretudo após a abolição da escravidão, permaneceu como mão de obra barata nas fazendas ou se dirigiu às cidades como mão de obra pouco qualificada e mal remunerada.
Não bastava mais tornar produtivas as terras desocupadas, nomeadas de terras devolutas. Para explorá-las, era preciso pagar por elas, comprá-las.
Assim, as terras passaram a ter um valor de posse, ou seja, poderiam gerar riqueza por meio de sua compra
e venda, mesmo que não fossem exploradas para nada.
Essa lei perpetua um dos maiores problemas sociais brasileiros: a não reparação dos escravizados pelos
anos de exploração e ainda o impedimento deles, por si sós, de conseguirem viver a partir seus próprios
trabalhos na terra, tendo que a trabalhar para outras pessoas. Lembrando que a abolição da escravidão só
foi ocorrer em 1888, quando a nova política de acesso à terra já estava consolidada.
Reforma agrária
Ao longo dos anos, a mobilização pelo acesso à terra, pela conquista de uma parcela de solo no campo
para trabalhar e viver dignamente e se livrar da pobreza e exploração às quais muitos camponeses e trabalhadores rurais estavam submetidos levou a mobilizações sociais, lutas e movimentos que provocavam
e provocam instabilidades políticas. Diante do grande problema social e político, o governo elaborou, em
1964, o Estatuto da Terra, instrumento legal que visava desmobilizar os embates no campo.
O Estatuto da Terra classifica as propriedades rurais segundo tamanho e produtividade e estabelece a
política de reforma agrária, de distribuição de terras para camponeses, segundo diversos critérios. Entretanto, não foi elaborada uma política de apoio ao desenvolvimento do pequeno produtor, como financiamento, assessoria técnica, compra, escoamento da produção, etc.
A reforma agrária também está prevista na atual Constituição do país, promulgada em 1988, que estabeleceu a necessidade de a terra ter função social.
Entretanto, até agora, nenhum governo levou a cabo toda a necessidade de
redistribuição de terras previsto no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
Portanto, a questão agrária brasileira e seus desdobramentos, como grilagem
de terra, violência, ocupações e assassinatos de camponeses, ainda permanecem um grave problema atual.
Além do acesso à terra, a reforma agrária envolve outras medidas, como construção de estradas e acesso a transportes para escoar a produção; abastecimento de água e instalação de energia elétrica; facilidades para a compra de equipamentos, sementes e adubos; orientação de especialistas sobre técnicas de produção para aumentar a produtividade; e acesso das famílias a serviços públicos básicos, como atendimento médico e escola.
Embora a reforma agrária e a função social da terra estejam contempladas nas leis brasileiras, por muito tempo essas questões foram deixadas de lado, favorecendo os grandes proprietários, principalmente aqueles que possuem terras improdutivas. Por isso, organizações de trabalhadores rurais lutaram, e ainda lutam, pela reforma agrária, pelo cumprimento de leis trabalhistas no campo, pela alimentação saudável e pela saúde do trabalhador rural, com defesa da agroecologia e outras reivindicações.
Entre essas organizações estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), entre outras. Uma das formas de ação desses movimentos é a ocupação das propriedades improdutivas por meio da instalação de acampamentos, além de marchas e passeatas com o objetivo de chamar a atenção da sociedade e pressionar os governos para atender às reivindicações.
Os movimentos sociais e a luta pelo
acesso à terra
A partir da década de 1940, formaram-se os primeiros movimentos sociais de luta pela terra. Entre esses movimentos, as Ligas Camponesas
foram os de maior repercussão, começando em Pernambuco e, pouco a
pouco, difundindo-se para outros estados. Junto de outros movimentos
rurais, conseguiram exercer pressão a tal ponto que, em 1964, foi estabelecido o projeto de reforma agrária pelo então presidente João Goulart.
No entanto, com o golpe militar nesse mesmo ano, as ligas camponesas e
a proposta de reforma agrária foram combatidas e desarticuladas.
O Movimento Sem Terra (MST)
Em 1964 foi aprovado o Estatuto da Terra, que previa a possibilidade de
reforma agrária e a desapropriação de terras que não fossem produtivas.
Com a organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), no final da década de 1970, muitas propriedades improdutivas passaram a ser ocupadas, exercendo pressão pelo assentamento e regularização de famílias de agricultores do movimento. Com a Constituição
Federal em 1988 e com a pressão dos movimentos sociais em busca de
reforma agrária, houve o aumento do número de assentamentos.
Assentamentos
Os assentamentos são lotes de terra redistribuídos pelo governo nos programas de reforma agrária e resultam da mobilização dos trabalhadores rurais sem terra e do cumprimento das leis pelos governantes comprometidos com a justiça social no campo.
Os trabalhadores rurais e as suas famílias passam a morar e a produzir nesses lotes de terra, comprometendo-se a usar exclusivamente mão de obra familiar. Além da propriedade da terra, pela qual devem pagar ao longo dos anos, os assentados recebem auxílios para a compra de produtos e ferramentas agrícolas e para melhorias das técnicas de trabalho. Enquanto não terminam de pagar os lotes para se tornarem proprietários definitivos, os assentados não podem vender, alugar nem emprestar a terra a outras pessoas.
Nos assentamentos, deve-se construir moradias, instalar rede elétrica, abrir estradas e melhorar os acessos locais, entre outras benfeitorias para garantir estrutura digna para as famílias. Até metade da década de 1990, poucas famílias foram assentadas no campo brasileiro. Nos anos posteriores, esse número aumentou.
Conflitos e tensões
No Brasil, ainda persistem muitos conflitos no campo, principalmente os que envolvem disputas pela posse da terra. Há enfrentamentos que vitimizam inúmeros trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas e pessoas envolvidas com movimentos sociais. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, ocorreram 1 190 conflitos por terra apenas em 2020, em diferentes Unidades da Federação.
Esses conflitos são mais comuns em terras nas quais vivem posseiros, indígenas e quilombolas, onde há invasões por grileiros, mineradoras e garimpeiros, ou implantação de grandes obras, como estradas e hidrelétricas. Na maioria das vezes, o direito das vítimas de permanecer e produzir nas terras é desrespeitado.
Além dos conflitos pela terra, há muitas ocorrências de desrespeito às leis trabalhistas, como ausência de férias remuneradas, 13º salário, entre outros direitos dos trabalhadores rurais. Há também muitos registros de condições precárias e perigosas de trabalho, assim como formas de trabalho análogas à escravidão. No campo brasileiro, o trabalho escravo é encontrado na produção agropecuária, na produção de carvão vegetal, na mineração, no extrativismo, entre muitas outras atividades.
Violência no campo
Mesmo com a conquista de direitos ao longo do século XX, muitos
movimentos sociais rurais continuam mobilizados em defesa de uma distribuição de terra mais equilibrada no Brasil. Principalmente nas áreas de
fronteira agrícola da Amazônia, muitas vezes esses grupos são alvo de
violência por parte de grandes proprietários de terra, garimpeiros ilegais,
posseiros, grileiros, etc.
Também são frequentes os assassinatos de trabalhadores sem-terra e líderes sociais que lutam
pela reforma agrária. Grileiros contratam pessoas
armadas (jagunços) para expulsar os posseiros
(pessoas que sobrevivem da terra que ocuparam,
geralmente chamadas de terras devolutas, há muitos anos).
Outro problema social no espaço rural brasileiro
é o deslocamento e os embates com as populações
tradicionais e grupos indígenas por meio do avanço
de fronteiras agrícolas, formação de lagos artificiais
para hidrelétricas, invasão de garimpeiros em terras
protegidas (geralmente Terras Indígenas) e mineração industrial.
Trabalho escravo no campo
Pela lei, a escravidão no Brasil foi abolida em 1888, há mais de 130 anos. Porém, ainda são encontradas formas de trabalho escravo no campo e na cidade. Na versão atual da escravidão – chamada de “condição análoga ao trabalho escravo” –, o trabalhador se mantém ligado ao empregador por meio de dívidas que é obrigado a fazer. Além disso, tem péssimas condições de trabalho, enfrenta maus-tratos, falta de liberdade, entre outras violações de direitos.
A grilagem de terras
A grilagem é uma prática ilegal de acesso à terra e ocorre por meio da invasão (geralmente de
terras indígenas, quilombolas ou de outros povos tradicionais e de propriedades do governo federal), do desmatamento e da falsificação de documentos de propriedade de terra.
Essa tem sido uma prática recorrente no Brasil, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Norte, onde grandes extensões de terras estão sob a posse do governo federal e de povos originários
e tradicionais.
Quilombos e Terras Indígenas
As comunidades remanescentes de quilombos, assim como os povos indígenas,
também produzem o espaço agrário no Brasil, mas de modo peculiar, já que conservam grande parte das áreas em que vivem há séculos.
De certo modo, esses dois segmentos sociais da população brasileira podem
ser analisados como parte dos setores que praticam agricultura orgânica. Afinal,
eles desenvolveram a agricultura sem devastar os lugares em que vivem usando
técnicas para explorar o solo sem esgotá-lo, preservando sementes e selecionando espécies de acordo com seus interesses. Além disso, utilizam a água com
parcimônia nas práticas agrícolas e conservam os rios porque eles oferecem alimento por meio da pesca.
O estilo de vida desses povos, porém, está ameaçado. Pressões para que
abandonem suas áreas surgem de várias frentes. Existem empresas e indivíduos
que desejam explorar os recursos naturais de suas terras. Outros invadem essas
áreas para retirar madeira ou extrair água, por exemplo. A contaminação da água,
bem como a diminuição do volume em alguns rios, também pressiona para que
eles abandonem suas terras.
Apesar disso, essas comunidades resistem e mostram que sua cultura e seu
modo de produzir no campo devem ser mantidos, já que na maior parte dos casos
encontram-se maior biodiversidade que nas áreas agrícolas, além de rios com água
em melhores condições que aqueles que atravessam grandes áreas monocultoras.