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Argentina: democracia e golpes

Ao contrário do Chile, que não conhecia intervenções militares na política há mais de setenta anos, a Argentina viveu muitos golpes militares no decorrer do século XX. No princípio dos anos de 1970, porém atravessava uma fase de democratização, com a volta dos militares aos quartéis e a autorização para que Juan Domingo Perón, exilado desde 1955, voltasse ao país.
Perón retornou em 1973 e foi eleito presidente. Com sua morte no ano seguinte, sua mulher e vice, Isabelita, assumiu o cargo. A diversidade interna do peronismo, que então se mostrava bastante dividido, e o cenário crítico da economia argentina mantinham a situação interna tensa e instigavam os militares a volta à política. Setores da alta burguesia argentina aproximavam-se dos quartéis e, em 1975, já se cogitava a hipótese de um golpe e, em março do ano seguinte, os militares derrubaram o presidente.
Os golpistas denunciavam a falta de projeto político, alertavam para a falta de autoridade e para o risco do comunismo. Apresentavam-se como representantes do conjunto da sociedade argentina, acima das divisões de classe e sem interesses ideológicos ou financeiros.
Assumiram, perante a sociedade argentina, a imagem de árbitros neutros, num discurso semelhante ao que já fora empregado em golpes anteriores. Uma junta militar composta de membro das três armas assumiu o poder e propôs implantar o “processo de Reorganização Sindical”.

A ditadura argentina

No decorrer dos sete anos que dirigiram a argentina, no entanto, nenhum projeto nacional foi desenvolvido, nem o país foi efetivamente reorganizado. A ausência de políticas econômicas clara, a corrupção intensa e os conflitos internos dificultaram os investimentos na produção. O capital estrangeiro fugiu do país e a Argentina iniciou um processo de declínio acelerado. A violenta repressão contra supostos adversários, organizações estudantis e de trabalhadores marcou o regime e instaurou um quadro de terror no país, que resultou em milhares de mortos e desaparecidos. Além disso, há casos de filhos de presos políticos, mortos pela ditadura, que foram adotados, sigilosamente, por famílias ligadas ao regime.
Grupos de resistência armada e a oposição política reagiram ao poder extremo dos governantes. As madres de Mayo iniciaram seus protestos em 1977 e, além de denunciar o desaparecimento de seus filhos, tentavam obter informações e notícias de perseguidos políticos. Em 1982, o regime militar argentino já estava bastante desgastado dentro e fora do país. As notícias de extorsões e de crimes comuns praticados por policiais circulavam e indicavam que os governantes haviam perdido o controle sobre o aparato repressivo, que passara a agir autonomamente, em benefício de seus membros.

A Guerra nas Malvinas

Para desviar a atenção dos argentinos nos problemas internos e manter por mais tempo o regime, o presidente Leopoldo Galtieri invadiu as ilhas Malvinas, no extremo sul do continente americano, em abril de 1982, e reivindicou a soberania argentina sobre as terras. Objeto de disputa entre Argentina e Grã-Bretanha desde o século XVIII, as Malvinas estavam sob domínio britânico desde a década de 1830.
A Inglaterra reagiu e os dois países foram a guerra. Nos dois meses e meio que durou o conflito, parte da sociedade argentina se envolveu com a possibilidade de uma conquista nacional e o apoio ao governo de Galtieri aumentou sensivelmente.
A derrota para a Grã-Bretanha, porém, revelou a fragilidade das forças armadas nacionais e expôs de maneira ainda mais clara a corrupção e o autoritarismo do regime. Pressionado, Galtieri acabou substituído por outros militares, que convocaram eleições para o ano seguinte.
Raúl Alfonsín venceu as eleições e assumiu a presidência no final de 1983, iniciando um novo período de redemocratização argentina. A economia do país estava arrasada, com taxas altíssimas de inflação e moeda desvalorizada. O nível de industrialização regredira durante os anos militares e o nível de tensão social era intenso.
Diferentemente do que ocorreu no Brasil e no Chile, onde os crimes cometidos por representantes dos regimes militares foram anistiados ou esquecidos, a Argentina realizou um longa e profunda investigação, que desembocou em acusações, julgamentos e punições, inclusive a ex-governante, acusados de participação na Guerra Suja, nome que se deu ao terrorismo de Estado desencadeado entre 1976 e 1983. As investigações e os processos revelaram uma grande quantidade de crimes comuns (como tráfico de armas, extorsão de empresários e sequestro de crianças).
A revisão do passado também gerou fortes reações militares. Durante o governo de Raúl Alfonsín, rebeliões lideradas pela extrema-direita militar, os chamados carapintadas, exigiam o fim das investigações e ameaçavam novo golpe de Estado.

A Argentina – planos econômicos e neoliberalismo

A Argentina foi um dos países da América Latina cuja vida política sofreu mais desgastes em função do fracasso de sucessivos planos econômicos assentados nas teorias neoliberais.
Os problemas começaram a se aprofundar ainda no governo de Carlos Menem, eleito em 1989. Para controlar a inflação, o ministro da Economia, Domingos Cavallo, promoveu a abertura do mercado para o comércio internacional e atrelou a moeda argentina ao dólar, conseguindo sucesso temporário, graças ao qual Menem reelegeu-se em 1995. Contudo, a eclosão das crises mexicanas e asiáticas, entre 1994 e 1997, redundou no descontrole da economia argentina.
Com a imagem desgastada, Menem foi sucedido por Fernando de La Rúa, cuja política econômica não conseguiu acabar com o cenário de recessão, marcado por uma onda de falências, pelo desemprego e pela hiperinflação. Em dezembro de 2001, munidos de panelas, os argentinos saíram às ruas promovendo um barulho ensurdecedor em protestos contra o governo. O panelaço (como a manifestação ficou conhecida) desandou em enfrentamentos com a polícias e a decretação do estado de sítio. Contudo, mesmo sob repressão, a “bateção” de panelas continuou, levando à renúncia do presidente.
Diante da grave situação econômica, o presidente interino, Adolfo Saá, decretou a moratória da dívida externa argentina. Sob intensa pressão, foi obrigado a renunciar após uma única semana no cargo. Seu sucessor, Eduardo Duhalde, acabou com o regime de convertibilidade, que atrelava o peso argentino ao dólar, mas não conseguiu driblar a crise: as medidas econômicas de seu governo causaram a fuga de capitais e fizeram crescer o descontentamento, provocando violentos protestos.
A economia argentina só se estabilizou em 2004, no governo de Néstor Kirchner, que num único pagamento cancelou à divida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), libertando a argentina da inspeção e dos planos de ajuda do Fundo, e conseguiu retomar o crescimento da economia nacional.


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