No entanto, não demoraram a surgir vários conflitos entre a
Igreja e o Estado. Desde a vitória da revolução cubana, em 1959, muitos
militantes católicos passaram a ver no socialismo uma opção viável para a luta
contra a miséria do povo brasileiro. Quando a polícia começou a prender os
militantes da Ação Católica e os colaboradores do MEB (Movimento de Educação de
Base), por suas eventuais simpatias com o socialismo, a Igreja mobilizou-se em
sua defesa.
Os conflitos cresceram em intensidade a partir de 1968:
numerosos padres foram presos, torturados e expulsos do Brasil; o bispo de Nova
Iguaçu, Dom Adriano Hypólito, foi sequestrado e maltratado; houve órgãos da
Igreja censurados e até fechados. A Igreja do Brasil teve também seus mártires:
o padre Antônio Henrique Pereira Neto, assessor de Dom Hélder Câmara, foi
sequestrado, torturado e morto no Recife; frei Tito de Alencar Lima suicidou-se
na França em consequência das torturas sofridas no Brasil; o padre João Bosco
Penido Burnier foi assassinado por um soldado da polícia militar, quando
acompanhava o bispo Dom Pedro Casaldáliga à cadeia de Ribeirão Bonito, Mato
Grosso, para defender duas mulheres que estavam sendo torturadas. São apenas
alguns exemplos, entre tantos outros, do testemunho cristão de religiosos e
leigos, operários e camponeses.
Acompanhando o relato do padre josé O. Beozzo sobre a atuação
da Igreja em várias regiões brasileiras:
“No Nordeste, a crítica da Igreja dirigiu-se às condições de
miséria da população, agravada pela industrialização forçada e o descaso do
campo, à concentração da renda e aos desequilíbrios regionais. No Centro-Oeste,
a crítica voltou-se mais à ocupação das terras por multinacionais e pelos
empresários do Sul, com expulsão de posseiros, exploração de peões e massacre
de indígenas.
O CIMI (Conselho Indigenista Missionário, 1973) veio dar
grande alento a essa luta pelo índio, pela sua cultura e sobretudo por sua
terra, como pressuposto de sua sobrevivência. A Comissão Pastoral da Terra
(CPT) estendeu a luta do CIMI pelas terras indígenas à luta por um pedaço de
chão por parte de todos os deserdados da terra: camponeses e posseiros,
boias-frias, peões e favelados das cidades.
Em São Paulo, a ação da Igreja destacou-se pelo dinamismo de
sua Comissão de Justiça e Paz, sua posição firme contra as torturas em favor
dos direitos humanos, a mobilização da periferia e sua ação em comum com
intelectuais, imprensa, universidade e sindicatos para uma mudança do a regime
vigente e a conquista da participação popular dentro de um Estado de pleno
direito. A partir de 1977, a questão dos trabalhadores e seus direitos, nos
conflitos e greves no ABC, encontraram uma Igreja aberta e solidária com a
classe operária e com sua luta”. (Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns)
A essa reflexão sobre a prática do povo oprimido, iluminada
pela doutrina da Igreja e pela Sagrada Escritura, chamou-se “Teologia da
Libertação”. No Brasil, essa corrente teológica foi defendida e aplicada, entre
outros, por frei Leonardo Boff, cujo livro Igreja: carisma e poder,
provocou forte discussão.
No segundo semestre de 1984 o próprio Vaticano entrou na
discussão, tornando públicas suas discordâncias em relação à Teologia da
Libertação, através de um documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da
fé e chamando frei Boff a Roma para discutir o assunto.
As comunidades eclesiais de base
O movimento mais importante dessa Igreja voltada para os
pobres é o das comunidades eclesiais de base (CEBs). Elas “são pequenos grupos
organizados em torno da paróquia (urbana) ou da capela (rural), por iniciativa
de leigos, padres ou bispos. As primeiras surgiram por volta de 1960, em Nísia
Floresta, arquidiocese de Natal, segundo alguns pesquisadores, ou em Volta
Redonda, segundo outros. De natureza religiosa e caráter pastoral, as CEBs
podem ter dez, vinte ou cinquenta membros. Nas paróquias de periferias, as
comunidades podiam estar distribuídas em pequenos grupos ou formar um único
grupão a que se dá o nome de comunidade eclesial de base. É o caso da zona
rural, onde cem ou duzentas pessoas se reúnem numa capela aos domingos para
celebrar o culto.
São comunidades, porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertence
à mesma Igreja e moravam na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas
vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia,
de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras.
São eclesiais, porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidade
de fé. São de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as próprias
mãos (classes populares): donas-de-casa, operários, subempregados, aposentados,
jovens e empregados dos setores de serviço, na periferia urbana; na zona rural,
assalariados agrícolas, posseiros, pequenos proprietários, arrendatários, peões
e seus familiares.” (Frei Beto)
As CEBs, porém, não acabaram. Elas continuam se deixando
conduzir pelo espírito do Concílio, agora renovado por Francisco. É claro que
há muitos bispos e padres que ainda preferem aliar-se aos interesses dos
poderosos, sem dar o devido valor aos grandes problemas que afligem o povo.
Ainda há na Igreja estruturas e preconceitos que devem ser superados. No
entanto, deve-se reconhecer que a Igreja avançou em direção ao povo, para
caminhar junto com ele e partilhar a sua sorte.
Fonte: Nelson Piletti – História do Brasil; Ática
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