terça-feira, 23 de julho de 2024

Divisão dos poderes

Os três poderes

O Estado constitucional baseia-se na divisão material de funções e na separação formal de poderes. Por essa razão, na atividade comum do Estado, distinguem-se três funções: a de aprovação de leis (legislativa), a de executar os mandatos contidos nas leis (executiva) e a de resolver os conflitos que possam surgir da sua aplicação e interpretação (judicial). Para assegurar uma certa especialização no exercício de tais poderes e evitar sua concentração, o constitucionalismo atribui cada uma destas três funções a diferentes órgãos: a função legislativa é atribuída aos parlamentos; a executiva é atribuída aos governos e à administração; e a judiciária é atribuída ao conjunto de órgãos que controlam a justiça.
A divisão de poderes que estabelece a atual estrutura política dos estados democráticos de direito conta com pouco mais de dois séculos de história e é consequência direta da Revolução Francesa, que conduziu à prática os ideais do Iluminismo e conseguiu afastar os esquemas de poder do absolutismo. Nas monarquias absolutistas, o poder estava concentrado nas mãos do rei, o único depositário da autoridade. Desse modo, só o rei podia julgar ou fazer julgar, e era ele quem decidia quando e onde era conveniente a aplicação da justiça, visto que os juízes se subordinavam a ele.
A divisão de poderes, defendida por autores como Montesquieu, formalizou-se na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que proclamava que a nação desprovida de uma declaração de direitos individuais e de separação de poderes não tinha uma verdadeira Constituição. A Revolução Francesa estendeu a ideia de que a soberania reside na nação, da qual emanam todos os poderes.
Após a Revolução Francesa, os juízes passaram a estar apenas submetidos às leis, o que, no moderno Estado constitucional, implica a independência de quem julga, que não deverá estar submetido a nenhuma ordem ou instrução que possa afastá-lo da estrita aplicação da lei. No entanto, além da independência dos que julgam, conseguiu-se o reconhecimento da independência do poder judiciário como poder de Estado, com uma esfera de autogoverno que tanto o poder executivo como o legislativo devem respeitar.
Sendo o Brasil um Estado de direito democrático, também a divisão de poderes é um princípio consagrado na Constituição da República.

O poder judiciário

O poder judiciário é um poder do Estado. Além disso, a função de administrar a justiça, que corresponde aos juízes e magistrados, constitui um serviço público derivado do monopólio estatal do poder jurisdicional.
É integrado por um conjunto de órgãos – tribunais de vários tipos e instâncias – encarregados de administrar a justiça. Essa função consiste em julgar e fazer executar as sentenças decididas em qualquer julgamento, mediante a aplicação do direito. Isso é necessário sempre que surjam conflitos entre os cidadãos ou entre estes e os poderes públicos.• A independência do poder judiciário e o seu alcance
Do princípio de separação de poderes deriva a necessidade de os órgãos investidos da função jurisdicional serem distintos dos titulares das decisões políticas que emanam dos poderes legislativo e executivo. Essa independência se verifica mediante uma série de mecanismos de caráter orgânico, funcional, assim como das garantias de estatuto pessoal do juiz.
Fala-se de independência orgânica sempre que se faz referência à não intromissão do governo na organização e administração dos tribunais. De uma perspectiva funcional, a independência é a própria essência da função jurisdicional e está relacionada com outros princípios, como o de unidade e o de exclusividade jurisdicional.
A função judicial está nas mãos de um conjunto de juízes magistrados independentes e imparciais, submetidos apenas à Constituição e às leis que determinam a aplicação da justiça, sobre os quais não se pode exercer nenhum tipo de pressão ou manipulação.
No que se refere ao estatuto pessoal do juiz, estabelecem-se uma série de garantias para velar pela sua independência tanto orgânica como pessoal: a inamovibilidade, a reserva da lei para os pressupostos de separação, suspensão, transferência e reforma, assim como o estabelecimento de um rígido sistema de incompatibilidades que chega ao ponto de impedir a sua filiação a partidos e organizações sindicais.• A organização da administração da justiça
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, que forma a cúpula do poder judiciário, tem como função primordial a defesa do cidadão contra o arbítrio. Entre suas atribuições, tem a de interpretar e aplicar a Constituição federal e decidir os litígios entre a União e estados estrangeiros, a União e os estados federados e dos estados entre si. Os outros órgãos do judiciário são o Superior Tribunal de Justiça que, entre suas atribuições, tem a de julgar crimes comuns cometidos por governadores dos estados e outras autoridades; os tribunais regionais federais e juízes federais; os tribunais e juízes do trabalho; os tribunais e juízes eleitorais; os tribunais e juízes militares; e os tribunais e juízes dos estados e do Distrito Federal. Existem ainda Juizados Especiais cíveis e criminais, para causas de menor complexidade.
O poder legislativo
Desde que John Locke (1632-1704) e Montesquieu (1689-1755) formularam a teoria da divisão de poderes, o poder legislativo tem sido atribuído ao parlamento, o qual, todos os regimes democráticos, assume a função legislativa e encarna a representação nacional, sendo os seus membros designados por um processo de eleição baseado no voto igualitário, livre e secreto dos cidadãos.

Em alguns países esse órgão é conhecido por assembleia, em outros por congresso, corte etc. Contudo, independe da nomenclatura que receba, o parlamento é um colegiado formado por um vasto número de membros, eleitos pelos cidadãos, em sua representação. Em geral, sua composição se renova periodicamente, variando entre dois a seis anos, segundo o sistema político adotado. No Brasil, o mandato de deputado federal é de quatro anos e o de senador, de oito. O poder legislativo pode ser composto por uma só câmara ou por duas. A maior parte dos Estados opta por um parlamento bicamaral, formado por uma câmara alta (no Brasil, o Senado) e uma câmara baixa (Câmara dos Deputados), que geralmente é a mais importante. Adotam esse sistema países como a Alemanha, a Itália e a Espanha, onde cabe ao parlamento, como órgão titular do poder legislativo, eleger o chefe do poder executivo. Esses regimes são ditos parlamentaristas.

No sistema político democrático parlamentarista existe uma separação de poderes atenuada, já que há mecanismos de colaboração entre eles, sobretudo entre o governo e o parlamento. Este elege o chefe de governo, que pode ser destituído por meio de alguma moção de censura ou se perder o apoio da maioria parlamentar que lhe permitiu chegar ao poder.
No sistema político democrático presidencialista, adotado pelos EUA e pelo Brasil, existe uma divisão de poderes muito mais estrita. O poder executivo, dirigido por quem assume a dupla função de chefe de Estado e de governo, não necessita do apoio parlamentar para governar, pois o chefe do poder executivo não é eleito pelo parlamento mas sim pelos cidadãos.

O poder executivo

O poder executivo é essencialmente atribuído ao governo, no qual o presidente (que pode ou não coincidir com o chefe de Estado, segundo as diversas formas de governo) ou o primeiro-ministro ocupa o papel central. Abaixo do governo situa-se a administração pública, que também é considerada elemento integrante do poder executivo.
À parte, deve-se destacar o caráter residual do poder executivo em relação aos outros poderes do Estado liberal democrático: o legislativo e o judiciário. Historicamente, a esfera de competência dos demais poderes, sobretudo do legislativo, foi-se alimentando das competências que anteriormente tinham pertencido ao monarca, de modo que este passava a conservar apenas aquelas que não tinham sido atribuídas expressamente a outros órgãos, como sucedia nas monarquias limitadas, ou só as que lhe atribuía a Constituição, como sucedia nas monarquias constitucionais.
Com o tempo, essas competências residuais do monarca passaram a ser exercidas por um órgão, o governo, que se tornou o titular do poder executivo. Juntamente com o governo, destaca-se a administração pública, um poder público com personalidade jurídica própria que também exerce funções executivas. Importa distinguir dois tipos fundamentais de executivos: monistas e dualistas.
Os executivos monistas, com um órgão que exerce toda a função executiva, é característico dos sistemas presidencialistas inspirados no dos EUA, nos quais o chefe de governo e o chefe de Estado são a mesma pessoa. Nesses sistemas, o presidente representa e simboliza o Estado, dirigindo também a política governativa. Encabeça o poder executivo e, para desenvolver a sua tarefa executiva, nomeia livremente ministros e/ou secretários, aos quais delega funções. O presidente pode ser eleito diretamente pelos cidadãos, quando estes escolhem um entre vários candidatos, ou indiretamente, quando os cidadãos elegem delegados que, por sua vez, escolhem a pessoa que deve ocupar a presidência.
Nos executivos dualistas, o chefe de governo distingue-se do chefe de Estado, que é o presidente da República – como em Portugal, Itália, Alemanha e Irlanda – ou o monarca – como no Reino Unido, Espanha, Suécia, Noruega e Dinamarca. Esses executivos são característicos da maior parte dos países europeus de tradição parlamentarista.
No sistema parlamentarista, ao chefe de Estado correspondem funções políticas arbitrais e de alta representação, ao passo que as funções propriamente executivas são atribuídas ao governo. Uma das funções mais importantes do chefe de Estado é a de nomear o chefe de governo.
Nesses países, portanto, o poder executivo é encabeçado pelo chefe de governo, que pode receber diversas denominações segundo os estados – primeiro-ministro em Portugal, chanceler na Alemanha, presidente do governo na Espanha – e deve contar com o apoio de uma maioria parlamentar que lhe permita formar governo. Em princípio, o chefe do governo, que normalmente é o líder do partido que ganhou as eleições, nomeia e destitui livremente os membros que farão parte do governo, ou seja, os ministros.
Também os países com sistema presidencialista, como a França, têm um executivo dual, mas com algumas particularidades: existe um presidente, eleito pelo povo e dotado, além de poderes simbólicos, também de importantes funções executivas; e um primeiro-ministro, indicado pelo presidente mas eleito por maioria no parlamento, também com funções executivas. Nesse sistema, o parlamento influencia apenas parcialmente o nascimento de um governo, já que o chefe de Estado ou presidente da República intervém também na sua nomeação e na cessação das suas funções. O governo necessita, portanto, da confiança do chefe de Estado e do parlamento.
Finalmente, na Confederação Helvética (nome oficial da Suíça), existe o chamado sistema diretorial, no qual a Assembleia Federal (Parlamento), que consta de duas câmaras – o Conselho Nacional e o Conselho dos Estados –, elege todos os membros do executivo (Conselho Federal), em um total de sete, para um mandato de quatro anos. Cada um dos membros do Conselho Federal é responsável por um ministério. Nesse sistema, o governo não passa de um órgão de execução: executa as decisões políticas, que têm como único titular a Assembleia.




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