Humanismo
É interessante ressaltarmos que o termo Humanismo é polissêmico, podendo ser considerado sob vários enfoques, ao mesmo tempo distintos e interdependentes. Para os limites desta aula, interessa-nos o seu sentido mais estrito ou histórico, entendido enquanto o movimento literário e cultural de uma época marcada por profundas transformações na sociedade europeia.
O Humanismo, segunda Escola Literária Medieval, também conhecido como Pré-Renascimento ou Quatrocentismo, corresponde ao período de transição da Idade Média para a Idade Clássica. Tem como marcos iniciais as nomeações de Fernão Lopes como Guarda-Mor da Torre do Tombo (local onde se guardavam os documentos oficiais), em 1418 e, como Cronista-Mor do Reino, em 1434, quando recebeu de D. Duarte, rei de Portugal, a incumbência de escrever a história dos reis que o precederam.
Historicamente
o Humanismo foi um movimento intelectual italiano do final do século XIII que
se irradiou para quase toda a Europa, isto porque, após a queda de
Constantinopla em 1453, muitos intelectuais gregos (professores, religiosos e
artistas) refugiaram-se na Itália e começaram a difundir uma nova visão de
mundo, mais antropocêntrica, indo de encontro à visão teocêntrica medieval.
Entre as principais ideias humanistas estavam:
-
revalorização da filosofia de Platão, especialmente no que diz respeito à
distinção entre o amor espiritual e o carnal neoplatonismo;
-
crítica à hierarquia medieval, o homem reivindicando para si uma posição de
destaque no Universo - não aceitação passiva das imposições místicas difundidas
na ideia de destino;
-
bifrontismo, coexistência de características medievais (feudalismo,
teocentrismo) e renascentistas (mercantilismo, antropocentrismo, pragmatismo
burguês).
No final da Idade Média, Portugal estava passando por profundas transformações. O desenvolvimento de outras atividades econômicas estimulou a crise do sistema feudal e deu início ao chamado mercantilismo – a economia de subsistência é substituída gradativamente por atividades comerciais. Surgem as pequenas cidades, chamadas burgos, e com elas uma nova classe social, a burguesia. Muitas descobertas são feitas, entre elas a invenção da imprensa (em 1448, por Gutenberg) e de instrumentos relacionados à expansão ultramarina. Mas é, sem dúvida, a Revolução de Avis (1383-1385) o marco cronológico da consolidação do Estado Nacional Português. Através dela se estabelece a política centralizadora do poder nas mãos do rei, respaldada pela burguesia mercantilista. A partir da primeira conquista ultramarina portuguesa, a Tomada de Ceuta, em 1415, inicia-se o período das Grandes Navegações, que consolidam o nacionalismo português.
Poesia Palaciana
• Prosa
-crônicas
de Fernão Lopes
-prosa
doutrinária
-novelas
de cavalaria
Teatro – Gil Vicente
A Poesia Palaciana, como próprio nome já diz, era poesia produzida no ambiente dos palácios, feita por nobres e destinada à corte. Ao contrário dos códices (manuscritos) trovadorescos, grande parte da produção poética desse período foi recolhida por Garcia Resende, no Cancioneiro Geral, formado por 880 composições, impresso em 1516. Entre suas principais características estão:
-separação entre música e texto – a poesia destina-se à leitura. Assim, a própria linguagem é responsável pelo ritmo e expressividade. O termo trovador aos poucos assume um caráter pejorativo e começa a surgir a figura do poeta;
-utilização dos redondilhos – versos compostos por cinco (redondilhos menores) ou sete sílabas poéticas (redondilhos maiores);
-temática variada – com composições religiosas, satíricas, didáticas, heróicas e líricas. O lirismo amoroso trovadoresco, a partir da influência de Petrarca (um dos precursores do Humanismo italiano), assume uma nova conotação, a mulher idealizada, inatingível, carnaliza-se e a sensualidade reprimida nas cantigas de amor passa a ser frequente.
Fernão Lopes é a principal figura da prosa humanista, considerado o fundador da historiografia portuguesa. Sua importância se deve não só pelo aspecto histórico de sua produção, mas também pelo aspecto artístico de suas crônicas. Em suas crônicas, apesar de regiocêntricas, o povo aparece pela primeira vez com coautor das mudanças históricas portuguesa. Entre suas características destacam-se: a imparcialidade, o registro documental, a criticidade e o nacionalismo. São de autoria de Fernão Lopes:
Crônica
de El-Rei D. Fernando
Crônica
de El-Rei D. João I
A prosa doutrinária, também chamada de ensinanças, corresponde a textos de caráter didático, destinados à nobreza. São obras para o aprendizado de certas artes da época, como a montaria.
As
novelas de cavalaria conservam basicamente as mesmas características do
Trovadorismo.
- O Teatro de Gil Vicente
Antes da produção gilvicentina é praticamente impossível falar-se em teatro. A manifestação teatral da Idade Média limitou-se a encenações de caráter litúrgico, presas aos ritos da religião católica. As encenações religiosas apresentadas no interior das igrejas dividiam-se em:
-mistério – representação da
vida de Jesus Cristo
-milagre – representação da
vida de santos
-moralidade
– representações curtas com finalidade didática ou moralizante.
-arremedilho
ou arremedo – imitação cômica de acontecimentos ou pessoas;
-pantomima alegórica –
espécie de palhaçada circense da atualidade, na qual atores mascarados imitavam
as pessoas.
farsa – encenação satírica
com um humor primário, situações absurdas e ridículas;
sotie – (sotie vem do francês
sot e significa tolo) semelhante à farsa, mas com um parvo, tolo no papel
principal;
momo – encenação carnavalesca
com uma temática variada.
As
pessoas utilizavam máscaras e imitavam pessoas e animais;
entremeze – encenações breves
apresentadas entre os atos de peças mais longas. Sua função era preencher os
intervalos;
sermão burlesco – monólogo
recitado por um ator mascarado;
écloga
– auto pastoril. Atores vestidos de pastores pregavam os valores da vida no
campo.
Pouco se sabe sobre os dados biográficos de Gil Vicente. Acredita-se que tenha tido muito prestígio na corte portuguesa, desempenhando a função de organizador das grandes festas palacianas. Para outros, entretanto, desempenhava a função de ourives, atraindo a atenção da rainha Leonor. Mas é unanime o seu reconhecimento como o fundador do teatro português e o maior representante do Humanismo.
Assim como o período, suas peças apresentavam o bifrontismo como característica central. Ora com fortes marcas medievais, ora com antecipações renascentistas.
Gil
Vicente criticou toda a sociedade da época, suas peças apresentam indivíduos de
todas os segmentos sociais. Só não criticou mordazmente a Família Real, da qual
dependia. É importante destacar que todo o moralismo gilvicentino não é contra
as instituições, mas contra os indivíduos que as corrompiam. Tanto que em
nenhum de seus trabalhos questionou qualquer verdade cristã, apresentava uma
visão teocêntrica e conservadora da sociedade. Na realidade, era contra as
novidades trazidas pelas mudanças do período que punham em risco a integridade
do povo português, seus autos representam uma tentativa de resgate dessa
integridade que se perdia través da corrupção, do adultério e da ambição.
Por
outro lado, Gil Vicente inovou, mesmo escrevendo em redondilhos, não seguiu a
rigidez do teatro clássico vigente até então (unidade de ação, tempo e espaço).
Suas
representações apresentavam uma grande variedade temática, povoadas por
inúmeros personagens, amplitude temporal e justaposição de lugares. A alegoria,
as personagens-tipos e a variedade linguística também o distinguem de seu
tempo. Suas personagens não apresentam características particularizadas, ao
contrário, são generalizações, estereótipos, que representam toda categoria
profissional ou uma classe social (povoam suas peças as alcoviteiras, os
fidalgos, os frades, os judeus). Outras vezes, através da abstração, as
personagens representam idéias ou instituições (a Fama, a Igreja, a Lusitânia,
Todo-o-Mundo e Ninguém). As personagens gilvicentinas expressavam-se através de
diversos registros linguísticos: arcaísmos, castelhano, saiaguês (falar típico
de Saiago, região que faz fronteira com Portugal), latim, português chulo,
coloquial, popular, culto e erudito.
A produção teatral de Gil Vicente divide-se em três fases:
Primeira Fase – marcada pelos traços medievais e pela influência espanhola de Juan del Encina. São desta fase: O Monólogo do Vaqueiro, o Auto Pastoril Castelhano, o Auto dos Reis Magos, entre outros.
Segunda Fase – aparecem a
sátira dos costumes e a forte crítica social. São desta fase: Quem tem farelos?
O Velho da Horta, o Auto da Índia e a Exortação da Guerra.
Terceira Fase –
aprofundamento da crítica social através da tragicomédia alegórica, da
variedade temática e linguística, é o período da maturidade expressiva. São
desta fase: A Trilogia das Barcas, a Farsa de Inês Pereira, o Auto da
Lusitânia.
Inês
Pereira, jovem ambiciosa e namoradeira, cansada dos afazeres domésticos decide
se casar, mas não com qualquer rapaz de sua classe social, deseja um casamento
nobre, com um homem que seja galante, discreto e que saiba cantar. Recusa o
casamento com Pêro Marques, que mesmo rico era camponês e casa-se com Brás da
Mata, falso escudeiro que a maltrata após o casamento.
Com
a morte do marido, a jovem casa-se novamente com o primeiro pretendente, mesmo
sem amá-lo. Ingênuo e devotado, Pêro Marques não percebe a traição da mulher
com um falso religioso e, na cena final da farsa, leva a própria esposa para os
braços do amante, daí a frase: “mais quero um asno que me leve que cavalo que
me derrube”.
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