terça-feira, 31 de maio de 2022

MODERNISMO NO BRASIL –PRIMEIRA FASE


Esta fase, também chamada de “heroica”, foi a que mais combateu a tradição; marcou-se por intensa produção em poesia, cujas principais características foram:
- utilização do verso livre;
- procura de uma língua “brasileira”, privilegiando por isso a linguagem coloquial;
- uso de linguagem telegráfica, condensada;
- ausência de pontuação;
- valorização do cotidiano;
- uso de paródias com o sentido de dessacralizar a tradição;
- uso do humor (poema-piada);
- criação de neologismos;
- aproximação da linguagem da prosa.

PRIMEIRA FASE - AUTORES

A primeira fase, conhecida como heroica, compreende o período de 1922 a 1930 e apresenta o desejo de liberdade, de ruptura e de destruição do passado como características marcantes. Os principais autores são: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Alcântara Machado.

1ª Fase (1922-1930) HERÓICA

Oswald de Andrade

Mário de Andrade

Manuel Bandeira

Alcântara Machado

Essa primeira fase foi predominantemente poética. Seus autores pregavam, entre outras ideias, a negação do passado, a valorização poética do cotidiano, o nacionalismo e a liberdade linguística, basicamente através da incorporação da linguagem coloquial e o Anarquismo.

Veja a imagem de um importante nome do Modernismo brasileiro desse período:


A primeira tela é de Lasar Segall e a segunda é de Cândido Portinari. Mário de Andrade é considerado o “papa” do Modernismo da geração de 22.

Mário de Andrade era irreverente e criativo, em suas obras buscou incorporar o novo, rompendo com todas as estruturas ligadas ao passado. Preocupou-se com uma língua que fosse próxima do falar do povo, que fosse reflexo da cultura popular. Escreveu tanto poesias como prosa. Seu livro Paulicéia Desvairada é considerado o primeiro do Modernismo brasileiro, pois rompe com o academismo vigente.

Veja alguns trechos do prefácio desse livro, chamado pelo próprio Mário de Prefácio Interessantíssimo.

Leitor:

Está fundado o Desvairismo.

            Este prefácio, apesar de interessante, inútil.

                                                     (...)

Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões.

Para quem me aceita são inúteis ambos.

 Os curiosos terão prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados.

Para quem me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.

                                                     (...)

Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita.

 Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste prefácio Interessantíssimo.

                                         (...)

O caráter debochado e inovador está presente não só ao longo de todo o livro, mas em toda sua obra. Como podemos ver em Macunaíma, seu romance modernista, ou como ele próprio nomeou, sua rapsódia.


O livro Macunaíma, que apresenta o subtítulo o herói sem nenhum caráter é um romance-rapsódia que discute a nacionalidade brasileira.

Rapsódia é uma composição que mistura elementos da música e do folclore de um povo. E é justamente isso que Mário de Andrade faz ao contar a história de Macunaíma, o índio que nasceu preto e depois virou branco.

Veja um trecho do livro em que é narrado o nascimento de Macunaíma:

“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamara Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar, exclamava:

_ Ai! que preguiça! ... e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vicia deitado, mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus (...) No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afasta (...)”

Macunaíma era preguiço, debochado, egoísta, um verdadeiro malandro, muito diferente da figura dos mocinhos dos livros. Ele é considerado um anti-herói, daí a expressão: “o herói sem nenhum caráter”, já sugerida pelo próprio significado do nome Macunaíma, que é mal grande.

Veja a imagem de um outro importante escritor da geração de 22:


Oswald de Andrade é considerado o autor mais irreverente, combativo e polêmico da primeira fase modernista. Foi o idealizador dos principais manifestos modernistas.

Sua obra é muito rica e apresenta claramente o caráter inovador do Modernismo. Seus textos são marcados pela liberdade linguística, pelo nacionalismo e pelo caráter demolidor. Oswald é considerado o criador do poema pílula, do poema curto, direto, mas que nem por isso era menos rico.

Veja dois poemas que ilustram bem as características desse escritor:

        erro de português

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio Que pena!

Fosse uma manhã de sol 

O índio tinha despido 

O português.

                         

Pronominais

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da nação brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada  

Me dá um cigarro.

    Oswald de Andrade

Oswald de Andrade também estava preocupado com a proximidade da poesia com o falar brasileiro, seus poemas são curtos, com versos livres trazendo quase sempre um caráter humorístico, bem diferente dos poemas parnasianos.

 Oswald também se dedicou à prosa:

                       

                    Memórias Sentimentais de João Miramar.

Nesse livro, Oswald rompe com os esquemas tradicionais da narrativa. Os capítulos são curtíssimos, apresentando-se como pequenos fragmentos justapostos, próximos da técnica da pintura cubista, que representava ao mesmo tempo, as várias faces de um objeto ou situação, o que impossibilita uma leitura linear.

Veja a imagem de Manuel Bandeira, outro nome importante desse período:


Manuel Bandeira mostrou-se, no início de sua carreira, ainda preso aos valores parnasianos. Mas aos poucos incorporou as inovações modernistas.

A partir do livro Libertinagem firma-se como modernista. Seus poemas refletem uma linguagem simples, identificada com o falar cotidiano, assim como seus temas. Tudo podia ser motivo de poesia, a própria doença, frases corriqueiras e até mesmo uma notícia retirada de jornal. Sua linguagem coloquial e irônica, que atinge grande dramaticidade em poemas como o famoso "Pneumotórax". A ânsia de libertação e a ausência dolorosa de figuras familiares estão presentes em "Vou-me embora pra Pasárgada", "Poema de Finados", "Evocação de Recife", "Profundamente".

   Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Vou-me embota pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

 

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

 

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

(In Poesia e prosa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1974. p. 222.)                                             

Veja no poema Pneumotórax, a ironia, outra característica de Bandeira:

          Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.

A vida interia que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

_ Diga trinta e três.

_ Trinta e três ... trinta e três ... trinta e três ...

_ Respire.

_ O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

_ Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

_Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Manuel Bandeira

Alcântara Machado, autor de Brás, Bexiga e Barra Funda é outra importante figura dessa primeira geração. Nesse livro de contos, Alcântara Machado retratou a vida dos imigrantes italianos moradores dos bairros populares da cidade de São Paulo. Inovando também a linguagem ao incorporar a linguagem popular, a simplicidade sintática e os italianismos, ou seja, a incorporação de expressões italianas ao português, daí a expressão português macarrônico.

Veja um exemplo desse português macarrônico no conto “A sociedade”, do mesmo livro:

_ Parlo assim para facilitar. Non é para ofender. Primo o doutor pense bem. E poi me dê a sua reposta. Domani, dopo domani, na outra semana, quando quiser. Io resto à sua disposição. Ma pense bem!”







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