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A presidência de João Goulart (1961-1964)


Para conciliar a corrente contrária à posse com a dos legalistas, o Congresso aprovou um ato adicional estabelecendo o sistema parlamentarista de governo no Brasil. Essa medida, que limitava os poderes do presidente, foi a condição para que João Goulart, conhecido popularmente como Jango, assumisse o poder. Para presidente do Conselho de ministros foi eleito, pela Câmara dos deputados, Tancredo Neves.
João Goulart 
Contando com forte apoio popular, João Goulart convocou um plebiscito para 6 de Janeiro de 1963 para decidir sobre a manutenção ou não do sistema parlamentar. O resultado foi a volta ao presidencialismo, que lhe devolvia os poderes retirados em 1961.
João Goulart e Tancredo Neves

O ministério do Planejamento e da Coordenação Econômica, cujo titular era Celso Furtado, partiu para a execução do chamado Plano Trienal. Elaborado no período parlamentarista, pretendia combater a inflação e realizar o desenvolvimento econômico, particularmente do setor industrial. Esse plano, entretanto, entrava em contradição com a política de mobilização popular em apoio ao governo, pois exigia grande austeridade.
A tensão que reinaria durante o período de governo de João Goulart atingiu seu ponto máximo quando o presidente criou uma lei implantando o 13º salário. O Congresso recusou-se, e os trabalhadores entraram em greve.
Após o plebiscito que decidiu o retorno ao presidencialismo, Goulart começou a preparar o chamado Programa de Reforma de Base, que incluía a Reforma agrária, visando a divisão dos latifúndios; a reforma eleitoral, que permitia, entre outras coisas, voto aos analfabetos; a reforma universitária, ampliando as vagas nas universidades públicas e possibilitando aos estudantes terem acesso a órgãos diretivos educacionais. Essas tentativas de transformações encontraram forte oposição de setores da sociedade que teriam seus interesses contrariados.
Goulart levou adiante sua política nacionalista e elaborou leis que limitavam a remessa de lucros para o exterior e o abuso de poder econômico, monopolizando a importação do petróleo e o encampando as refinarias particulares. Descontentamento de setores empresariais com a política do governo tornava-se cada vez mais acentuado. Ao mesmo tempo, os movimentos populares pressionavam para que as medidas fossem concretizadas e até ampliadas.

A crescente pressão da esquerda sobre Jango

A ala radical do PTB e o Partido Comunista foram responsáveis pela deflagração de 105 greves trabalhistas em 1961. Esse número cresceu para 128 no ano seguinte e chegou a 149 em 1963. A maior parte dos movimentos grevistas reivindicava aumentos de salários, por causa das constantes perdas salariais provocadas pela inflação.
Algumas dessas manifestações, entretanto, tiveram um caráter político. Foi o caso da greve da União Nacional dos Estudantes (UNE), em junho de 1962, para ampliar a participação estudantil nos órgãos diretivos das universidades e para implantar a educação pública em todo o país.
Os sindicatos que entraram em greve no dia 14 de setembro de 1962 tinham também um objetivo político: pressionar o Congresso para antecipar o plebiscito que decidiria a continuidade ou não do regime parlamentarista. Das pressões grevistas resultaram medidas de amplo alcance popular, como a formação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a decretação do 13º salário e de um significativo aumento do salário mínimo.
Na mesma época, crescia o poder de ação das Ligas Camponesas nos estados do Nordeste, em Minas Gerais e no interior do Rio de Janeiro. Seu líder, o advogado socialista Francisco Julião, brigava pela reforma agrária, para a qual recorreria até a luta armada, tal como na Revolução Cubana.
Em janeiro de 1963, por meio de um plebiscito, os eleitores decidiram pela volta do regime presidencialista, que conferia plenos poderes a João Goulart.
O novo Ministério formado pelo presidente contava com políticos progressistas, como Celso Furtado (Desenvolvimento Econômico), San Tiago Dantas (Fazenda) e Almino Afonso (Trabalho), que elaboraram um projeto de reformas sociais.

As reformas de base

O projeto do governo baseava-se na ideia de auxílio às populações carentes nas áreas de saúde, educação, habitação, transporte e saneamento, além de combater a inflação.
A aplicação desse programa de reformas implicava medidas como:
- reforma agrária, ainda que limitada a determinados latifúndios improdutivos;
- reforma tributária, visando a redistribuição proporcional dos tributos - as pessoas que tivessem mais posse pagariam mais impostos;
- reforma eleitoral, para estender o direito de voto aos analfabetos;
- nacionalização progressiva das indústrias e dos bancos;
- controle da remessa de lucros para o exterior, assim como da entrada do capital estrangeiro no país.
Essas reformas atingiam os interesses econômicos das classes dominantes e das empresas multinacionais. Por isso, foram atacadas pelos deputados conservadores do Congresso, que vetaram a maioria de suas propostas. Os grandes proprietários e usineiros, principalmente os do Nordeste, colocaram-se contra a reforma agrária.
Por sua vez, os nacionalistas desaprovavam alguns aspectos do programa, como os acordos com o Fundo Monetário Internacional e a presença atuante das multinacionais no país.
O maior desgaste do governo, entretanto, ocorria por causa de sua política de combate à inflação, que implicava contenção de créditos e de salários. Além disso, os Estados Unidos restringiram os empréstimos ao Brasil, como uma forma de dificultar as reformas de base.

A reação da direita

Diversos empresários e técnicos executivos articularam-se junto aos militares da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, para propor alternativas ao programa reformista do governo. Em 1961, esse grupo fundou o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes). Sua posição era radicalmente contrária ao governo João Goulart, a quem acusava de intervenções subversivas.
Dispondo de recursos de banqueiros nacionais e de apoio velado dos Estados Unidos, o Ipes tratou de infiltrar-se nas mais diversas associações onde atuavam as esquerdas nacionalistas, como as entidades estudantis, os sindicatos operários e de camponeses, e até mesmo na Igreja.
Através de uma intensa propaganda nos meios de comunicação, da publicação de livros e revistas e da criação de diversas instituições - como a União Cívica Feminina e o Grupo de Ação Patriótica - o Ipes foi ganhando apoio de amplas parcelas da classe média, atemorizadas com a possibilidade de implantação de um regime socialista no Brasil.
O principal líder do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais era o general Golbery de Couto e Silva. Ao lado de outros militares, como o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco e o general Ernesto Geisel, Golbery tratou de articular um esquema para defender o grupo e suas ideias.

As realizações do grupo pró Goulart

Um dos principais adeptos do programa de reformas proposto por era Miguel Arraes, governador de Pernambuco, eleito em 1962. Arraes defendia a reforma agrária, embora condenasse a violência de alguns líderes das Ligas Camponesas nordestinas.
O governador pernambucano também apoiou a criação de um Movimento de Cultura Popular (MCP), destinado a alfabetizar a população de seu estado, através do método desenvolvido pelo educador Paulo Freire. Paralelamente, o MCP produzia e divulgava espetáculos de teatro com temática política.
Dado o sucesso junto às comunidades pobres, os grupos de Cultura Popular se expandiram por numerosos estados do Norte e Nordeste do país. Muitos estudantes e padres ligados à Ação Católica começaram a participar das campanhas de alfabetização em massa.
Quando presidente da UNE, nos anos de 1961 e 1962, o estudante paulista Aldo Arantes criou o Centro Popular de Cultura (CPC). Além de produzir shows e espetáculos comprometidos politicamente com as reformas de base, o CPC editava livros, como a coleção Cadernos do Povo Brasileiro. Nesses cadernos eram publicados textos, poemas e peças de teatro escritos por autores engajados, como Oduvaldo Viana Filho (teatro), Arnaldo Jabor (cinema) e Ferreira Gullar (poesia).
Alguns setores da esquerda, finalmente, defendiam a luta armada como o único meio de acabar com os privilégios das classes dominantes e a exploração do país pelo capital internacional. Essa posição acabou sendo defendida por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado do presidente João Goulart.
Em  1963, reunindo grupos armados, recrutados junto à CGT, ao PCB, à UNE, às Ligas Camponesas e aos corpos de sargentos e marinheiros, Leonel Brizola fundou a Frente de Mobilização Popular.
Em setembro do mesmo ano, os sargentos rebelaram-se em Brasília, pela igualdade de direitos com os oficiais superiores. Essa atitude dos sargentos foi considerada uma quebra da hierarquia militar.

O golpe militar

Até então, João Goulart tinha evitado tomar posição por um lado ou por outro, procurando conciliar os interesses dos grupos de esquerda e de direita. No entanto, a crescente oposição do Congresso à realização das reformas de base levou o presidente, no final de 1963, a aproximar-se definitivamente do movimento sindical. Em janeiro do ano seguinte, ele aceitou participar de um comício no Rio de Janeiro, para pressionar os congressistas.
Comício em frente à estação da Central do Brasil
No dia 13 de março de 1964, em um comício em frente à estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, 300 000 trabalhadores aplaudiam Goulart, que decretava a nacionalização das refinarias particulares de petróleo e desapropriava terras à margem das ferrovias e em zonas de irrigação dos açudes públicos.
A reação dos proprietários rurais e de setores da burguesia não se fez esperar. Uma semana depois, cerca de 400 000 pessoas, convocadas por grupos conservadores da Igreja e do empresariado, realizaram a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, início de um movimento que vinha sendo organizado por grupos de oficiais das Forças Armadas e alguns setores civis conservadores.
Marcha da Família com Deus pela liberdade
As reivindicações populares penetraram em setores militares, provocando sublevações entre sargentos e marinheiros. Essa situação colocou oficiais aparentemente neutros do lado daqueles que conspiravam contra Goulart.
O movimento político Militar iniciou-se em 31 de março e depôs João Goulart em 1º de abril de 1964. Foi liderado pelos generais Luís Carlos Guedes e Olímpio Mourão Filho, apoiados pelos governadores Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, da Guanabara. O governo Goulart acabou sendo totalmente abandonado pelos militares legalistas. A greve geral decretada pelo CGT fracassou e as manifestações civis foram facilmente reprimidas. No Rio Grande do Sul os partidários do governador Leonel Brizola, cunhado e partidário do presidente, não tiveram condições de resistir. No dia 2 de abril, João Goulart se asilou no Uruguai: findava o período democrático e tinha início a República Militar.
É necessário destacar o papel dos Estados no Golpe de 1964, a partir de 1961, grande número de norte-americanos disfarçados em jornalistas, comerciantes, religiosos, etc., entraram no Brasil para tramar contra o governo nacionalista de Goulart. Não foi por acaso que os governadores Carlos Lacerda, Ademar de Barros e Magalhães Pinto, hostis a Jango, receberam "ajudas" e empréstimos dos norte-americanos. Sabe-se que o General Vernon Walters participou de diversas reuniões com os generais Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva, Luís Guedes, entre outros, incitando a dar o golpe.
de porventura Jango resistisse, os norte-americanos interviriam. Era a Operação Brother Sam, composta por porta-aviões, mísseis teleguiados, navios carregados de armas e, ainda, quatro petroleiros com milhares de barris de combustíveis.

Fonte: Luís César Amad Costa; Leonel Itaussu Mello – História de Brasil; Editora Scipione.
José Jobson Arruda; História Integrada; volume IV, Editora Ática.
Renato Mocellin; História; Coleção Vitória - Régia ; IBEP.






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