domingo, 31 de julho de 2022

Zabala - Os ‘materiais curriculares’

 

Os ‘materiais curriculares’ e outros recursos didáticos
O PAPEL DOS MATERIAIS CURRICULARES

Os materiais curriculares, corno variável metodologicamente são menosprezados, apesar de este menosprezo não ser coerente, dada a importância real que têm estes materiais. Uma olhada, mesmo superficial, permite que nos demos conta de que os materiais curriculares chegam a configurar, e muitas vezes a ditar, a atividade dos professores. A existência ou não de determinados meios, o tipo e as características formais, ou o grau de flexibilidade das propostas que veiculam são determinantes nas decisões que se tomam na aula sobre o resto das variáveis metodológicas. A organização grupai será cie um tipo ou de outro conforme a existência ou não de suficientes instrumentos de laboratório ou de informática; as relações interativas em classe serão mais ou menos cooperativas conforme as caraterísticas dos recursos; a organização dos conteúdos dependerá da existência de materiais com estruturações disciplinares ou globalizadas; o uso do espaço e do tempo estará condicionado pela possibilidade de dispor de meios que favoreçam o trabalho em oficinas, a realização de debates ou a pesquisa bibliográfica; será possível um trabalho individual personalizado sempre que possamos dispor de materiais que potencializem a atividade autônoma. E as sequências didáticas serão de uma maneira ou de outra conforme as propostas de atividade oferecidas pelos livros didáticos ou outros materiais de uso generalizado.

Para poder iniciar a análise dos materiais curriculares, é preciso em primeiro lugar, esclarecer a que nos referimos ao utilizar este termo. Os materiais curriculares ou materiais de desenvolvimento curricular são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e em sua avaliação. Assim, pois, consideramos materiais curriculares aqueles meios que ajudam os professores a responder aos problemas concretos que as diferentes fases dos processos de planejamento, execução e avaliação lhes apresentam.

Deste ponto de vista, a noção de materiais curriculares se amplia e pode incluir propostas para a elaboração de projetos educativos e curriculares da escola; propostas relativas ao ensino em determinadas matérias ou áreas, ou em determinados níveis, ciclos ou etapas; pro­postas para o ensino destinado a alunos com necessidades educativas especiais; descrições de experiências de inovação educativa; materiais para o desenvolvimento de unidades didáticas; avaliações de experiências e dos próprios materiais curriculares, etc.

Para clarear a função e as características dos materiais curriculares e analisá-los, é conveniente realizar uma tentativa de classificação. Numa primeira aproximação poderíamos tipificar os materiais curriculares conforme o âmbito de intervenção a que se referem, conforme sua intencionalidade ou função, conforme os conteúdos que desenvolvem e conforme o tipo de suporte que utilizam:

Os diferentes âmbitos de intervenção dos professores nos permitem observar a existência de materiais que se referem a aspectos muito gerais, relacionados com todo o sistema educativo, ou de caráter sociológico ou psicopedagógico; outros que dizem respeito a decisões no âmbito geral da escola, alguns deles ligados a propostas de planejamento, como é o caso dos projetos educativos e curriculares; outros que se situam no âmbito da aula e, entre eles, os que estão voltados para todo o grupo/classe, e também os que se situam no âmbito de ensino/aprendizagem individual.

A intencionalidade ou função que terão os materiais curriculares nos permite distinguir materiais com diferentes finalidades: orientar, guiar, exemplificar, ilustrar, propor, divulgar. Podemos encontrar li vi os ou artigos para orientar a tomada de decisões através da oferta de referenciais teóricos ou práticos que o permitam; guias didáticos que oferecem orientações determinadas e que geral­mente costumam ser o suporte de outros materiais, livros didáticos ou programas audiovisuais; propostas didáticas, de caráter mais aberto do que os guias, oferecem diversas alternativas e possibilidades de acordo com os diferentes contextos educativos em que serão aplicadas; relatos que não têm uma pretensão globalizadora, mas que querem expor exemplos concretos de como se solucionaram problemas específicos em determinados contextos, como no caso das experiências de inovação curricular e outros exemplos.

 Conforme os conteúdos e a maneira de organizá-los, podemos encontrar materiais com pretensões integradoras e globalizadoras, que tentam abarcar conteúdos de diferentes matérias, e outros com enfoques claramente disciplinares. Também encontraremos materiais específicos vinculados a conteúdos estritamente procedimentais: blocos, fichas ou programas de computador para o domínio dos algoritmos das operações matemáticas, da ortografia, do desenho, da interpretação de planos e mapas, etc. Existem outros que se referem ao âmbito dos conteúdos conceituais, como a maioria dos livros didáticos, especialmente os das áreas de ciências sociais e naturais, monografias, programas audiovisuais, etc.; ou para conteúdos atitudinais, por exemplo, propostas para os professores, livros para o aluno, programas multimídia para a educação para o trânsito e outros temas transversais, etc.

 Quanto ao suporte, consideramos que o quadro-negro, nunca suficientemente valorizado, deve ser o número um. Em segundo lugar, encontraremos um grande número de materiais curriculares que utilizam o papel como suporte para a transmissão de informação ou para propor atividades usando livros, revistas, cadernos de exercícios e fichas; materiais que ao mesmo tempo podem ser descartáveis, no caso dos cadernos e das fichas, ou duráveis, no caso dos livros e revistas. Mas, cada vez mais, se encontram à disposição materiais e recursos didáticos que utilizam outros suportes: projeção estática (slides, transparências), projeção em movimento, vídeo, informática, multimídia, etc. Também encontramos materiais de diversas características: de laboratório, experimentação, simulação, etc.

De todos estes materiais, dado o âmbito de análise deste livro, nos centraremos exclusivamente naqueles que se utilizam na aula e, mais concretamente, nos que estão vinculados aos processos diretos de ensino / aprendizagem.

OS MATERIAIS CURRICULARES NOS PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM: MATERIAIS DE AULA E MATERIAIS PARA O ALUNO

Os materiais curriculares utilizados em aula são essenciais em muitas das propostas metodológicas, já que as condicionam de tal forma que dificilmente pode se fazer algo diferente ao que propõem, ou alheio ao sentido com que foram planejados. Vários trabalhos apontam que é muito frequente que os professores "sigam" o livro para estruturar suas aulas. Assim, pois, convém analisá-los com atenção, evitando julgamentos estereotipados que não contribuem muito para melhorar seu uso ou a prática educativa. Para analisar os materiais curriculares em aula, sugerimos a realização de uma revisão de diferentes sequências de ensino/aprendizagem, tentando determinar que subsídios nos ajudariam no desenvolvimento da unidade didática com o objetivo de chegar a conclusões o mais construtivas e abertas possível.

Examinemos estas quatro formas de intervenção (Quadro 1) que correspondem aos exemplos de sequências didáticas propostos no capítulo 3, e busquemos ver que materiais curriculares seria conveniente ou necessário utilizar em cada uma das fases. Na primeira coluna do Quadro /. 1 aparecem as diferentes fases ou atividades das sequências; na segunda, os tipos de conteúdos que preferencialmente são trabalhados em cada uma das atividades, ordenados conforme sua importância nas diversas sequências; a seguir situamos a função prioritária de cada fase considerando a ação a ser realizada pelo aluno no desenvolvimento da unidade e, na última, o possível material a ser utilizado.

Na primeira unidade, como o modelo é fundamentalmente expositivo, os materiais de suporte serão aqueles que contribuam para a explicação, o quadro-negro, os meios audiovisuais e a consulta ao livro didático podem ser úteis nesta primeira fase. Para as unidades posteriores, as anotações e, sobretudo, o livro didático serão os meios mais adequados para o estudo e a memorização. Dado que o livro dificilmente pode oferecer mais de uma versão, podem se utilizar outros textos como meio de comparação. Se, pelo contrário, o que se pretende é que o aluno chegue à conclusão de que a melhor versão é a que dá o livro didático, então bastará este elemento.

Neste modelo, dado que os conteúdos são exclusivamente conceituais, o livro pode ser o meio que se adapte melhor às necessidades de aprendizagem. Como já vimos nos capituleis precedentes e, sobretudo, quando analisamos esta sequência, é evidente que a avaliação que podemos efetuar está relacionada com o papel que atribuímos ao ensino.

A unidade 2 tem como objetivo a aprendizagem de conteúdos conceituais e procedimentais ao mesmo tempo e, portanto, os materiais curriculares não podem se limitar ao livro didático. Neste caso, não apenas é necessário que os alunos entendam determinadas exposições, mas para dominar os conteúdos procedimentais terão que exercitá-los de forma suficiente. Nas primeiras fases desta sequência há todo um trabalho de construção conjunta de conceitos, e é nestas atividades que pode ser útil o uso de algum meio audiovisual, texto, ou problema tirado de algum livro, que ajude a reforçar a exposição e a participação dos alunos. No entanto, neste caso o professor ou a professora dirige constantemente o processo de construção dos conceitos, e o livro pode ser necessário unicamente nas fases finais, quando o aluno tem que estudar ou realizar as atividades de aplicação e exercitação. Nestas atividades é conveniente utilizar algum tipo de suporte.

Dito de outro modo, uma vez entendidos os conceitos e a fruição de cada um dos conteúdos procedimentais (fração, sintagma nominal, fórmula da velocidade), é necessário que o aluno aprenda a utilizá-los em outras situações e que faça exercícios suficientes para dominá-los no grau previsto. Portanto, é necessário propor problemas ou exercícios sequenciados e progressivos, que superem a oferta limitada que normalmente incluem os livros didáticos. Estes materiais, apesar de conterem exercícios e atividades, são condicionados pelo espaço e não podem oferecer um número suficiente de propostas que levem em conta todos os alunos e seus níveis de realização. Além do mais, esta situação piora se os conteúdos foram tratados anteriormente, já que as diferenças cada vez são mais notáveis e é muito difícil contemplar numa mesma unidade, níveis tão diferenciados. Assim, pois, é necessário dispor de cadernos de exercício, blocos ou fichas que, através de atividades convenientemente ordenadas por graus de dificuldade, permitam que cada aluno trabalhe com as que correspondem a suas possibilidades reais. Um dos meios mais adequados para contribuir com esta tarefa é o uso do computador, já que os programas incorporam às fichas a possibilidade de que haja uma avaliação continuada do processo seguido.

Nas últimas fases de estudo e memorização, poderia ser bastante útil um material que pode ter forma de livro e que apresente, de maneira coerente e ordenada, os conteúdos do tema, oferecendo sínteses e informações complementares.

Na terceira unidade trabalham-se basicamente conteúdos conceituais e seu objetivo consiste em conhecer e compreender. As características da sequência são as de um modelo expositivo, mas com uma grande participação dos meninos e meninas. O fato de que nas primeiras fases exista uma inter-relação constante entre o professor e os alunos, e entre eles mesmos, faz com que os materiais para estas atividades não possam ser muito estruturados. O professor poderá utilizar exemplos de textos, imagens ou algum tipo de montagem para apoiar o que diz, mas dada a dinâmica variável da turma, os suportes padronizados serão bastante inadequados. É na fase de generalização e das conclusões que pode ser útil contar com a ajuda de algum material mais estruturado. Os livros e algum audiovisual podem ser apropriados. Nas atividades para a memorização, os suportes escritos parecem ser indispensáveis: livros que oferecem um novo discurso sobre o tema, com sínteses claras e imagens que ajudam na compreensão e na fixação.

A complexidade da unidade 4 também se traduz na diversidade dos recursos que é preciso utilizar. A maioria das propostas que a configuram tem como protagonista a atividade do aluno. A dificuldade de prever qual será o ritmo de trabalho, assim como a profundidade no tratamento dos conteúdos previstos, faz com que seja complicado determinar com antecedência os recursos necessários. A primeira atividade tem uma clara função motivadora e pode incluir algum tipo de suporte que suscite as questões ou proponha a situação: textos escritos, meios audiovisuais  ou outros. Nas demais fases há que se utilizar múltiplos recursos, conforme as pesquisas a serem realizadas e as fontes de informação que tenha que se utilizar. Aqui a variedade é enorme, desde fontes de informação direta - com o uso dos instrumentos necessários para fazer um trabalho de campo ou de laboratório - até fontes de informação indireta - mediante textos, dados estatísticos, revistas, jornais, etc. Para oferecer aos alunos os livros que possam dar resposta às pesquisas bibliográficas será indispensável dispor de uma boa biblioteca na aula ou, na sua falta, na escola.

O trabalho de estudo e memorização exigirá textos ou documentos escritos que desenvolvam o tema abordado, favorecendo a comparação, a sistematização da aprendizagem e ajudando a categorizar e priorizar muitos dos dados que foram sendo selecionados no processo de pesquisa. Além do mais, nesta unidade se trabalharam e utilizaram numerosas técnicas. Ao considerá-las como conteúdos de aprendizagem, a utilização que se tenha feito ao longo da unidade deverá completar-se com uma série de exercícios que promovam seu domínio. Para alcançar este objetivo, é conveniente utilizar atividades de aplicação e exercitação, que possibilitem um trabalho ordenado e progressivo; as fichas, os cadernos de exercício, os blocos de anotações ou os programas de computador podem ajudar enormemente a realizar esta tarefa.

E o que acontece com os conteúdos atitudinais, que aparecem nesta unidade com certa profusão? Não existe nenhum tipo de suporte material que contribua para vertebrar seu tratamento à exceção do uso de textos, vídeos ou outras montagens como provocadores de debates e para a comparação com o pensamento ou a atuação de cada um. Especialmente, os conflitos grupais que se apresentam nas diferentes atividades é que proporcionarão oportunidades para que o professor ou a professora intervenha em sua solução ou os utilize posteriormente como tema de debate na assembleia de alunos.

Da revisão do papel que podem representar os materiais curriculares nestas quatro unidades podemos chegar a algumas conclusões de caráter geral. Algumas delas se referem ao valor que podem ter os materiais - e especialmente o papel dos livros didáticos - e outras decorrem das características diferenciais da aprendizagem dos distintos tipos de conteúdos.

As críticas ao livro didático e, por extensão, aos materiais curriculares

Ao longo do século XX, os diferentes movimentos progressistas questionaram o papel dos livros didáticos. Seguidamente se manifestaram radicalmente contra seu uso, até o ponto de que ainda hoje se escutam críticas ou desclassificações generalizadas a este tipo de material. Na análise que acabamos de realizar vimos que em todas as sequências é necessária ou conveniente a utilização de algum tipo" de material estruturado. Assim, pois, o que é que sustenta estas críticas? Como veremos a seguir, estão bastante fundamentadas, mas também poderemos observar que fazem referência a um tipo determinado de livro didático". E isso nos permite recordar que o slogan "não ao livro- texto" fazia parte de uma frase inacabada que dizia "não ao livro didático como manual único, referindo-se a um tipo concreto de livro, elaborado conforme um modelo estritamente transmissor. Portanto, as críticas aludem aos objetivos e aos conteúdos que contem, assim como as normas de ensinar que induzem.

A maior parte das críticas aos objetivos e aos conteúdos é de caráter ideológico, naturalmente. Apesar de seu caráter muitas vezes retórico, e em alguns casos com traços demagógicos, estas críticas estão justificadas, embora muitos dos argumentos que utilizam possam ser estendidos a qualquer dos outros componentes ou variáveis do ensino. Como vimos, toda proposta educativa implica uma tomada de posição e, portanto, uma dependência ideológica. Os livros didáticos, que são veiculadores de mensagens, atuam como transmissores de determinadas visões da sociedade, da história e da cultura.

As críticas referentes aos conteúdos dos livros didáticos giram em torno das seguintes considerações:

A maioria dos livros didáticos, devido a sua estrutura, trata os conteúdos de forma unidirecional, não oferece ideias diversas à margem da linha estabelecida. Estes livros transmitem um saber que costuma se alimentar de estereótipos culturais.

 Dada sua condição de produto, estão mediatizados por uma infinidade de interesses. São livros que reproduzem os valores, as ideias e os preconceitos das instâncias intermediárias, baseadas em proposições vinculadas a determinadas correntes ideológicas e culturais. Neste sentido, é fácil encontrar livros com doses consideráveis de elitismo, sexismo, centralismo, classicismo, etc.

  Com frequência, as opções postuladas são transmitidas de forma dogmática, apresentadas como conhecimentos acabados e sem. possibilidade de questionamento. Desta maneira se silencia o conflito, fonte de progresso e de criação cultural e científica.

  Os livros didáticos, apesar da grande quantidade de informação que contêm, não podem oferecer toda a informação necessária para garantir a comparação. Portanto, a seleção das informações transforma em determinante não tanto o que expõe, mas o que deixa de lado.

As desqualificações, pelo tipo de metodologia a que induzem estão dirigidas aos livros que se situam num modelo de aula transmissor e dogmático. As críticas aludem aos seguintes aspectos:

 Fomentam a atitude passiva dos meninos e meninas, já que impedem que participem tanto no processo de aprendizagem como na determinação dos conteúdos. Desta maneira a iniciativa dos alunos é freada, se limita sua curiosidade, eles são obrigados a adotar algumas estratégias de aprendizagem, válidas apenas para uma educação baseada nestes materiais escolares.

Não favorecem a comparação entre a realidade e os ensinos escolares e, portanto, impedem a formação crítica dos alunos. Impedem o desenvolvimento de propostas mais próximos da realidade e da experiência dos alunos, como os enfoques didáticos globalizadores e interdisciplinares.

Não respeitam a forma nem o ritmo de aprendizagem dos alunos. Não observam as experiências, os interesses ou as expectativas dos alunos nem suas diferenças pessoais: Propõem ritmos cie aprendizagem, comuns para coletividades, em vez de indivíduos. O resultado é a uniformização do ensino, deixando de lado as necessidades de muitos alunos.

Fomentam, certas estratégias didáticas baseadas primordialmente em aprendizagens por memorização mecânica.

Certamente, estas críticas têm bastante fundamento, mas não supõem que seja impossível a existência e o uso de outros tipos de materiais que não cometem os erros dos livros didáticos convencionais. Quanto aos livros, acontece o mesmo que na avaliação das diferenças estratégicas de ensino, em que as desqualificações gerais, pelo que vimos até agora, são bastante insensatas. A complexidade da tarefa educativa nos exige dispor de instrumentos e recursos que favoreçam a tarefa de ensinar. Em todo caso, são necessários materiais que estejam a serviço de nossas propostas didáticas e não o contrário; que não suplantem a dimensão estratégica e criativa dos professores, mas que a incentivem. Como veremos, se nossa proposição educativa vai além da concepção seletiva e propedêutica, os materiais a que aludimos não podem se limitar ao formato de livro.

Esta revisão das críticas aos livros didáticos nos permite observar suas limitações e nos orientar na determinação das características dos materiais curriculares para os alunos. Conforme minha maneira de ver a questão, o objetivo não deve ser a busca de um livro-texto alternativo, mas a avaliação de uma resposta global, configurada por diferentes materiais, cada. um dos quais abarca algumas funções específicas. Isto implica fazer uma análise das necessidades específicas dos diferentes tipos de conteúdos de aprendizagem e combiná-los com as possibilidades que oferecem os diferentes materiais, a fim de dispor de alguns instrumentos que nos possibilitem avaliar o que existe e de algumas referências que orientem a elaboração de novas propostas.

Nossa tarefa prioritária como educadores não consiste na confecção dos materiais que devem nos ajudar a desenvolver as atividades educativas. A tarefa de ensinar envolve ter presente uma quantidade enorme de variáveis, entre elas as que nos indicam as necessidades particulares de cada menino e menina e de selecionar as atividades e os meios que cada um deles necessita. Não é razoável pensar que, além disso, poderemos criar de novo, e constantemente, materiais originais e adequados para cada unidade didática. O fato de ter que utilizar materiais elaborados por outros não significa uma dependência total, nem a incapacidade de confeccionar os materiais necessários quando a oferta do mercado não se ajusta às necessidades que queremos atender. Utilizando de novo a comparação com a medicina, podemos dizer que já fazemos muito ao diagnosticar as necessidades individuais, estabelecer o tratamento para cada um e levá-lo a cabo - e tudo isso com mais de vinte ou trinta indivíduos. Além disso, será que temos que desempenhar a função de farmacêuticos, mas não dos de agora, que lidam com produtos acabados, mas dos de antes, que elaboravam as denominadas fórmulas magistrais? O que nos interessa é poder dispor de uma farmácia provida de medicamentos muito variados que nos permitam ir elaborando o tratamento de que cada menino e menina necessita. O problema surge quando esta farmácia só nos oferece um único tipo de "tratamento completo", solidamente engarrafado em forma de livro para todos, negando-nos a possibilidade de construir, através da combinação de diferentes produtos, propostas adequadas às necessidades do grupo em geral e de cada aluno em particular. Portanto, a questão não tem que ser colocada em termos de "livros sim, livros não", mas em termos de "que materiais e como utilizá-los".

Para proceder à busca de referências e critérios para a análise e confecção de materiais curriculares, faremos, primeiro, uma revisão das características dos materiais conforme as características específicas de cada tipo de conteúdo.

Os materiais curriculares conforme a tipologia dos conteúdos

Os conteúdos factuais, conforme foram tratados no capítulo 2, são aprendidos através de estratégias de repetição verbal. Portanto, os materiais curriculares têm que oferecer, basicamente através de textos escritos, os conteúdos para a sua leitura e posterior memorização. O ciclo de aprendizagem estará formado pela leitura do texto e a repetição verbal, com as consultas necessárias para favorecer a fixação. O livro convencional que desenvolve conteúdos factuais pode cumprir perfeitamente esta função de recurso para a aprendizagem de fatos. É necessário, apenas, que a disposição no texto esteja convenientemente apoiada pelos recursos gráficos que favorecem sua leitura. Os programas de ensino através do computador também podem contribuir, de forma muito satisfatória, para esta tarefa de memorização.

No caso dos conteúdos referentes a conceitos e princípios, as atividades adequadas são de uma complexidade superior e são qualitativamente diferentes da simples repetição verbal de algumas ideias, definições ou enunciados. A aprendizagem destes conteúdos exige atividades que situem os meninos e meninas frente a experiências que permitam a compreensão, o estabelecimento de relações e a utilização do que foi aprendido em situações diversificadas. Embora o livro didático possibilite algumas destas atividades experienciais e sua aprendizagem, seguidamente a simples leitura de um texto será insuficiente, especialmente se o texto consiste numa simples definição.

O texto escrito pode contribuir para criar as condições para que o aluno esteja em condições de aprender, mas é imprescindível o concurso das experiências, a contraposição de ideias entre professores e alunos e outras atividades que promovam a atividade mental para a compreensão dos conceitos e princípios a serem aprendidos. Para estas tarefas deve se contar com materiais que favoreçam a consulta, a pesquisa bibliográfica, a comparação entre diferentes opiniões, etc. O livro didático convencional, como fonte de informação e como resumo ou síntese de determinadas conclusões, pode cumprir perfeitamente estas funções. Isso sempre que não esteja planejado nem seja utilizado como quando se trata de conteúdos de caráter factual, quer dizer, fundamentalmente como uma memorização e reprodução literal dos textos escritos. A aprendizagem do conceito rio, da soma, da estrutura molecular ou do princípio de Arquimedes, sobretudo nos níveis básicos da escolaridade, não pode se limitar a uma leitura e à posterior repetição verbal das definições. É indispensável realizar observações diretas e de imagens, manipulações ou atividades de laboratório, diálogos e debates que favoreçam a compreensão. O texto escrito pode exercer um papel muito importante num processo de ensino/aprendizagem sempre que a leitura e a memorização não sejam as únicas atividades deste processo. Assim, pois, são adequados, como complementos para a aprendizagem de conceitos e princípios, os materiais curriculares que oferecem textos, ilustrações e imagens em movimento, que para uma atividade didática determinada favoreçam ou promovam a realização de atividades de motivação, consulta e observação, assim como atividades para a generalização e a síntese.

Quando a aprendizagem se refere a um conteúdo conceituai, seu significado foi compreendido e se deu sentido a cada uma das ações que o compõem, será necessário iniciar um processo de exercitação destas ações a fim de dominá-las. A complexidade específica de cada conteúdo procedimental determinará as características deste processo, mas, em qualquer caso, as atividades para a aprendizagem consistirão fundamentalmente de exercícios de repetição de ações ordenadas segundo sua complexidade. A aquisição de uma determinada habilidade ou técnica implica o domínio das ações mais simples que a constituem: o domínio do algoritmo soma envolve uma sequência rigorosa, desde o algoritmo mais simples de duas unidades até a soma de diversos números correspondentes a grandes quantidades. Por sua vez, a elaboração de um mapa comporta o domínio prévio de outras habilidades: a orientação espacial, certo domínio gráfico, a representação de um objeto de três dimensões num plano, etc. Em alguns conteúdos procedimentais de caráter mais estratégico, como a compreensão da leitura, é mais difícil estabelecer a sequência de ações, mas é igualmente indispensável a prática sistemática.

Os materiais curriculares para a aprendizagem dos conteúdos procedimentais terão que oferecer exercícios concretos, e, de certo modo, repetitivos. Estes exercícios, convenientemente sequenciados, devem possibilitar a realização de atividades que deem lugar de forma progressiva à aquisição dos requisitos prévios necessários para seu completo domínio. Para os conteúdos procedimentais, cujo suporte pode ser o papel, as fichas ou blocos de cálculo, ortografia, caligrafia, desenho, etc., os materiais podem cumprir perfeitamente esta função sempre que as atividades propostas apresentem uma ordenação rigorosa. Também podem ser muito eficazes os programas de ensino com o computador. Para outros tipos de conteúdo procedimental podem ser úteis os livros que informem sobre seu funcionamento e sua utilidade, sempre que se leve em conta que o simples conhecimento não capacita para sua realização; evidentemente, saber como se faz uma entrevista, um quadro, uma pesquisa ou um estudo de campo não significa que já se saiba entrevistar, pintar ou pesquisar. Além do mais, o domínio destes conteúdos, juntamente com o conhecimento de seu uso e da realização das atividades mais analíticas, exigirá atividades mais complexas, contextualizadoras, em que os alunos tenham que avaliar a pertinência do uso dos procedimentos e esboçar estratégias próprias de utilização. Por tudo isso, em vez de pensar num único tipo de material, é conveniente dispor de uma variedade de meios - desde os altamente estruturados para os aspectos mais algorítmicos de alguns conteúdos procedimentais, até outros que dificilmente podem ser pré-estabelecidos - levando em conta, além do mais, que alguns aspectos não podem ser veiculados por nenhum material.

As características e a complexidade da aprendizagem dos conteúdos atitudinais não permitem conceber outros materiais curriculares específicos, com exceção dos dirigidos aos professores. Trata-se de conteúdos que não podem ser aprendidos através de exposições ou leituras de definições. Para compreender o sentido dos valores e das normas podemos aplicar os meios utilizados para os conteúdos conceituais. Mas, como é evidente, estes meios não bastam para criar as disposições e os comportamentos adequados a determinados valores. Para o debate e a reflexão conjunta podem ser muito úteis as montagens ou programas de vídeo que proponham situações ou conflitos comportamentais. Mas serão ações isoladas se as unidades didáticas e as atividades que as compõem não estão impregnadas dos valores que pretendem transmitir. É precisamente nelas que se deve criar as condições para que se assumam as normas. É nelas, também, que se tem que possibilitar que as atitudes prévias se manifestem. Neste marco é preciso considerar a coerência necessária entre as intenções educativas e os valores transmitidos pelos diferentes materiais.

REVISÃO CONFORME O SUPORTE DOS DIFERENTES MEIOS

A tendência à simplificação, que seguidamente encontramos no ensino, se traduz em avaliações superficiais dos materiais curriculares. Assim, pois, podemos encontrar tantas desqualificações gerais, por exemplo, das fichas ou dos livros didáticos, como elogios superlativos a alguns meios, por exemplo, o computador ou os audiovisuais. E também é possível que se dê a situação oposta. Quando realmente existe um controle por parte do educador, os meios são simplesmente isto, apenas meios, e, portanto, a função que os professores atribuem a eles determinará seu valor.

A partir desta consideração geral, estamos de acordo que cada meio oferece algumas potencialidades específicas, e estas particularidades são as que precisam ser ressaltadas. Pode se achar que praticamente a maioria dos materiais oferece a possibilidade de fazer de tudo. No entanto, não se trata de saber o que pode ser feito com cada um deles, mas de determinar em que podem ser mais úteis.

Suporte papel (descartável e não descartável)

Este tem sido o meio básico que utilizamos, e estamos utilizando, para a transmissão do conhecimento e dos sentimentos. Como até meados do século XX praticamente este era o único suporte, foi utilizado como veiculador de qualquer tipo de conteúdo. Embora os livros tenham um valor inapreciável, também têm suas limitações.

Os livros didáticos eram o suporte essencial quando os conteúdos que deviam ser ensinados eram basicamente factuais na maioria das disciplinas - acontecimentos, datas e personagens em história; nomes de rios, cidades, países e seus produtos em geografia; autores e obras em literatura,-história da arte e filosofia; nomes e classificações de minerais, animais e plantas em ciências naturais. Ou ainda quando os conteúdos de caráter conceituai e procedimental de matemática, física e química, gramática e outras matérias eram entendidos geralmente sob perspectivas de memorização mecânica. No livro se encontrava o compêndio de todo o saber escolar, e a forma corno estava escrito o texto correspondia à própria concepção de uma aula expositiva: uma descrição ordenada conforme certos critérios epistemológicos, que deva ser memorizada mais ou menos literalmente.

A introdução de conteúdos cada vez mais conceituais, assim como interpretações mais adequadas sobre sua aprendizagem - portanto, mais distanciadas de óticas transmissoras -, põe em questão o caráter quase exclusivo dos livros como instrumentos de ensino. Em nosso país, pelo final dos anos sessenta e sobretudo a partir dos setenta, os conteúdos conceituais se impõem de forma avassaladora em todas as disciplinas. Por essa razão, já não interessa tanto que os meninos conheçam muitos acontecimentos, datas, personagens, nomes ou autores das diferentes matérias, mas que adquiram os instrumentos conceituais que permitam conhecer o porquê dos fatos, as relações que se estabelecem entre eles, as razões que os explicam. A passagem de ciências basicamente descritivas para outras basicamente interpretativas provoca uma avalanche de conteúdos conceituais e uma mudança na maneira de ensinar. A simples exposição, válida para os conteúdos factuais, tem que se transformar e oferecer fórmulas que não se limitem a provocar a memorização das definições ou interpretações de outros e sim fórmulas que promovam e desencadeiem processos em que os alunos possam se apropriar dos conceitos, utilizá-los para compreender e interpretar os fenômenos e as situações da vida real e do mundo do saber, já que é menos importante que possam reproduzi-los mais ou menos literalmente.

A mudança para formas de intervenção mais adequadas aos novos conteúdos exige o uso de meios que as favoreçam. O livro didático já não pode conter uma simples exposição de fatos, mas, dado que inclui conceitos, também tem que oferecer meios que contribuam para a compreensão. Neste ponto se produzem as primeiras contradições entre o meio e a mensagem, especialmente quando os livros estão dirigidos aos alunos mais jovens. Nestas idades, a atividade de elaboração passa por processos em que é necessário realizar atividades experimentais adequadas à complexidade do conteúdo que se tem que compreender. Trata- se de atividades que requerem tempo, que superam as que provêm de uma simples leitura. Esta leitura deve ser acompanhada de tarefas que possibilitem a compreensão. No caso dos conteúdos factuais a explicação do professor pode ser paralela à leitura do livro. Já nos conceitos e princípios as atividades para a compreensão devem preceder e acompanhar a leitura, já que esta não garante em si mesma que cada um dos meninos e meninas compreenda o conceito tratado.

Esta situação provocou o surgimento de livros que pretendem dirigir o processo construtivo do aluno combinando textos explicativos e atividades. Isto trouxe como resultado textos de difícil leitura ou de complicada resolução, já que seguidamente as atividades propostas ou não podem ser realizadas, ou não são as mais adequadas para um determinado grupo de alunos. A introdução de outros meios de caráter descartável que também têm como subsídio o papel - é o caso das fichas, dos blocos de anotação ou dos cadernos de exercício - pode contribuir para resolver alguns destes inconvenientes.

Neste momento o mercado oferece a possibilidade de selecionar materiais para o aluno no formato de livro e no formato de caderno, e muitas vezes não se nota a transcendência do uso de um meio ou outro. O que vamos descrever a seguir contradiz a afirmação de que os meios só dependem do uso que se faça deles. No estado espanhol, produziu-se uma situação ideal que ilustra a incidência do meio. Com os planos renovados de EGB* dos anos oitenta, a proposta ministerial afirmava explicitamente que os materiais editados tinham que ser descartáveis, ao contrário dos livros didáticos tradicionais. Os primeiros materiais editados eram dirigidos ao ciclo inicial, e todos eles, de acordo com as normas, foram publicados em forma de caderno descartável. Deste modo, apareceram no mercado propostas editoriais em formatos diferentes, de um, dois, três ou mais cadernos de exercício por área. Enquanto os editores preparavam os materiais para o ciclo médio no formato de caderno, respeitando a forma, o ministério atendeu às propostas de algumas organizações de pais, que argumentavam que os irmãos pequenos não podiam aproveitar estes cadernos de exercício. O ministério decidiu modificar a norma para estabelecer que os materiais tivessem obrigatoriamente formato de livro A partir de então, os materiais para a educação infantil e o ciclo inicial continuam sendo descartáveis, enquanto que os dos demais níveis mantêm as características convencionais. Mas o mais surpreendente de tudo é que com a implantação da Reforma, segundo normas que não prescrevem o tipo de materiais, as editoras continuam publicando cadernos ou fichas para a educação infantil e o ciclo inicial e livros para os outros ciclos. De fora, certamente estas decisões podem parecer bastante arbitrárias ou, no mínimo, podem produzir a sensação de que não importa que os materiais sejam ou não descartáveis. Estamos certos disso?

O material descartável provoca uma situação radicalmente oposta à que encontramos quando se usa exclusivamente o livro. Cada aluno tem que responder às perguntas e realizar as atividades que o caderno lhe propõe e, em termos gerais, não pode ir adiante se o professor não corrige o que escreveu. Isto supõe ter que atender às necessidades de cada menino e menina e se dar conta das dificuldades de compreensão e expressão que eventualmente possam ter, de seus progressos e, enfim, de seu processo. Dito de outro modo, este meio obriga a uma maneira de fazer que pode não ser necessária quando o material utilizado é unicamente o livro didático.

A incidência do uso de um material descartável na maneira de ensinar aparece quando comparamos como os professores atuam quando estão no ciclo inicial e quando trabalham nos outros ciclos apenas pelo fato de utilizar um material ou outro. Poderemos observar que a necessidade de ir circulando pela classe, atendendo a todos os alunos, surge mais seguido nos primeiros ciclos. Isso em consequência, entre outros fatores, de que se dispõe de materiais de caráter descartável nos quais o trabalho de cada um dos meninos e meninas sempre é suficientemente diferente.

O livro é útil como compêndio do saber, como lugar onde se encontram resumidos ou ampliados os conhecimentos que são trabalhados ou podem ser trabalhados em classe, como meio para aprofundar, fundamentalmente como material de consulta. Por outro lado, a construção do conhecimento necessário para a aprendizagem dos conceitos e dos princípios requer outras atividades e, portanto, outros materiais.

Os materiais descartáveis, sejam cadernos de exercício, blocos ou fichas, oferecem a vantagem de que os alunos devem trabalhá-los individualmente ou em grupo, expressando o que entendem em cada momento, o que permite que os professores possam conhecer a situação de cada um deles em seu processo de aprendizagem. Quando os materiais são descartáveis, o aluno se vê obrigado a atuar, e sua atividade tem uma tradução visível, daí que é possível planejar sequências de atividades e maneiras de interagir que potencializem a construção do conhecimento. A avaliação destes materiais - como a que podemos fazer com qualquer unidade ou sequência didática - deve levar em conta as finalidades que se perseguem e a adaptação aos processos de aprendizagem subjacentes. Desde esta perspectiva, consideraremos bons instrumentos para a construção do conhecimento aqueles cadernos de exercícios que ofereçam atividades apropriadas para a elaboração de conceitos e a utilização de conteúdos procedimentais de diferente natureza. Os materiais descartáveis serão úteis também no formato de fichas ou blocos para todas aquelas tarefas de aplicação e exercitação necessárias para o domínio de grande parte dos conteúdos procedimentais. Isso sempre que estas atividades se apresentem em sequências ordenadas, conforme os níveis de uso e dificuldade, que possibilitem um trabalho autônomo e, se possível, autocorretivo.

Nesta revisão sobre a adequação dos materiais em suporte papel, devemos levar em conta que muitos conteúdos de caráter procedimental (observação, trabalho em equipe, orientação espacial e temporal, a maioria dos conteúdos das áreas expressivas, etc.), cruciais para o desenvolvimento da pessoa, não podem se traduzir exclusivamente em atividades que utilizem este suporte. Em alguns casos, o máximo que se pode fazer é descrever os modelos de realização, algo que, como já sabemos, não é condição suficiente para sua aprendizagem.

Podemos dizer algo similar a respeito dos conteúdos de caráter atitudinal. Já sabemos que não podem ser aprendidos através da simples leitura, mas os textos escritos podem servir como complementos ou indutores de reflexões, diálogos e debates, ao mesmo tempo que como veiculadores de determinados valores.

Projeção estática

As imagens estáticas, sejam do retroprojetor ou dos slides, são úteis como suporte para as exposições dos professores e úteis como complemento esclarecedor de muitas das ideias que se querem comunicar, tanto através de esquemas como de imagens ou ilustrações que ajudem na elaboração e na construção de conceitos, assim como para a exposição das fases de determinados conteúdos procedimentais. São instrumentos que facilitam o diálogo em classe e ajudam a centrar a atenção do grupo com- relação a um objeto de estudo comum: Também são instrumentos para a criação de formas expressivas e comunicativas, que os alunos podem utilizar em suas exposições em aula.

O fato de que o ritmo na exposição das imagens não esteja condicionado previamente permite adequá-lo à cadência da intervenção e dos interesses e demandas da classe, de tal forma que é possível se deter ou voltar atrás sempre que seja necessário. No entanto, convém levar em conta que um ritmo acelerado ou um excesso de informação através da imagem, especialmente no caso da utilização de esquemas ou mapas conceituais - se não se apresentam de forma pausada e introduzindo cada componente com ênfase que lhe corresponde pode desorientar o aluno, já que num lapso tão curto de tempo é impossível assimilar toda a informação que recebe.

Imagem em movimento

Muitos dos conteúdos que são trabalhados em aula se referem a processos, mudanças e transformações. São conteúdos que comportam movimentos no tempo e no espaço, motivo pelo qual  é muito adequado o uso de filmes ou gravações de vídeo. Estes instrumentos f: atuam como suporte nas exposições e como fonte de informação. São extremamente válidos quando o que se pretende é conhecer um processo de qualquer tipo, para apresentar informações e realidades distantes do meio habitual e para ilustrar modelos de funcionamento de procedimentos. Também são um meio para a representação de conflitos que podem induzir ao debate e à tomada de posição ou motivar a formulação de perguntas. Muitas experiências inovadoras no ensino têm como ingredientes a utilização de vídeos e de programas de TV, aproveitando assim seu atrativo, o interesse que suscitam entre os alunos e as possibilidades de mostrar os aspectos cia realidade tal como são. (Palau, 1994). —.—

A potencialidade destes meios, porém, pode se perder quando se; pretende transformá-los no eixo das unidades didáticas, substituindo os professores ou o trabalho de aula. É habitual encontrar programas deste tipo que reproduzem classes expositivas usando "estátuas falantes" que explicam como o professor na aula, ou que, como acontece com outros meios, tentam construir unidades didáticas substitutivas do professor. Ambas as fórmulas costumam fracassar totalmente, ao menos por duas razões. Por um lado, porque na maioria dos casos o ensino exige o contato professor-aluno e alunos- alunos, a fim de que os desafios e as ajudas se adaptem às necessidades específicas de cada um dos meninos e meninas.

Por outro lado, convém não perder de vista que um dos inconvenientes da maioria dos documentários é que não se adapta totalmente ao uso escolar, já que não foram concebidos com esta finalidade. Mesmo quando são elaborados com finalidade didática, tendem a dar mais informação do que a necessária ou do que se pode assimilar no tempo de exposição, assim como a utilizar uma linguagem dirigida a adultos. Por outro lado, o fato de utilizar modelos expositivos que não levam em conta o processo construtivo do aluno implica uma tendência a dar respostas a problemas ou perguntas que o aluno ainda não se fez. Estes inconvenientes podem ser solucionados com o uso mais pessoal da projeção, cortando-a, desligando o som, e aproveitando as imagens para estabelecer um diálogo em classe, parando ou retrocedendo sempre que convenha, preparando previa- mente a projeção, apontando os aspectos que convém focalizar. ou fazendo um trabalho posterior que destaque e extraia os conteúdos principais.

Suporte da informática

Atualmente, a contribuição mais interessante do suporte da informática no que se refere às necessidades do ensino encontra-se na retroatividade, quer dizer, na possibilidade de estabelecer um diálogo mais ou menos aberto entre programa e aluno. No âmbito da informática, esta condição, que em certa medida também se dá nos outros meios, tem a virtude de se adaptar aos ritmos e às características de cada um dos meninos e meninas. Assim, se transforma num instrumento que contribui para a construção de conceitos, que permite fazer simulações de técnicas ou procedimentos e que pode propor situações conflitantes em que seja necessário comprometer-se de acordo com certos valores.

Os programas de computador podem exercer uma função inestimável como suporte para qualquer trabalho de simulação de processos que, por suas características, podem ser perigosos ou cuja realização pode ser complexa. Especialmente no trabalho imprescindível de aplicação e exercitação de muitos conteúdos de caráter procedimental em que é necessário adaptar os desafios, ritmos e ajudas às características dos diferentes alunos. Deste modo, os programas de computador, combinados com os acordos de trabalho, podem substituir ou completar as fichas de trabalho ou blocos de exercícios sequenciados ou melhorá-los, já que podem incluir um trabalho completo de autocorreção.

Mas apesar de que tudo quanto expusemos seja certo, a aprendizagem exige um contexto de intercâmbios afetivos. Há necessidades específicas de aprendizagem às quais tem que se acrescentam em caso de necessidade, as que provêm de certos objetivos educativos que considerem a socialização ensino como eixo prioritário. Por este motivo, o uso dos suportes da informática não tem que nos levar a urna situação de trabalho estritamente individual, de interação do aluno com a máquina, mas a considerá-los como mais um dos recursos que podemos utilizar para alcançar determinados objetivos educacionais da melhor maneira possível.

Suporte multimídia

Os avanços tecnológicos nos permitem dispor de instrumentos com novas utilidades e capacidades. A combinação da informática e do vídeo com o uso do disc laser, GDI ou CD-Rom abre muitas possibilidades, já que contempla as vantagens dos diferentes meios. A interação do suporte da informática, com as imagens estáticas ou em movimento, e a capacidade de interagir garantem que as emulações, a busca de informação ou o trabalho de sistematização sejam cada vez mais ricos. Ter à nossa disposição bancos de dados de fácil acesso, com informações escritas, com imagens estáticas ou em movimento, constitui um suporte inestimável para a complexa tarefa de ensinar.

Para pôr um ponto final neste breve exame dos diferentes materiais, queremos insistir no valor como meio que têm todos estes instrumentos e fazer uma reflexão sobre o sentido que adquirem numa perspectiva que contemple a formação integral da pessoa como função fundamental do ensino. Se a concepção da qual se parte é basicamente transmissora, é fácil entender os argumentos dos que acham o papel da escola e do educador cada vez mais desnecessário. No caso da redução dos conteúdos do ensino aos saberes exclusivamente informativos e às habilidades convencionais, os meios tecnológicos podem oferecer uma informação mais completa e atualizada, assim como mais ajudas, e com muito mais paciência, do que qualquer professor. Como já argumentamos longamente, esta não é a perspectiva com que estas páginas são escritas.

REFERÊNCIAS PARA ANÁLISE E SELEÇÃO DOS MATERIAIS CURRICULARES

Do exame dos diferentes meios de suporte para o trabalho de aula e das características diferenciais tanto dos próprios meios como das necessidades que se derivam da aprendizagem, conforme os diferentes tipos de conteúdos, pode se apontar uma série de critérios e referências para a análise e a seleção dos materiais curriculares dirigidos aos alunos.

Numa tentativa de simplificação, e aproveitando muitas das considerações manifestadas ao longo- deste capítulo, tentaremos estabelecer uma série de passos que nos ajude na seleção:

1. Detectar os objetivos educativos subjacentes num determinado material (por exemplo, num projeto editorial) e comprovar até que ponto coincidem com os estabelecidos pela escola e, concretamente, com os que estão dirigidos aos alunos em questão.

Dificilmente encontraremos materiais cujos objetivos correspondam exatamente aos nossos. Assim, pois, será importante determinar as diferenças para poder preencher as carências ou para rejeitar os aspectos que entram em contradição com as intenções educacionais previstas.

2. Verificar que conteúdos são trabalhados. Comprovar se existe uma correspondência entre os objetivos e os conteúdos.

A definição de determinados conteúdos pode ser suficiente ou não para os objetivos estabelecidos. A comprovação de sua adequação nos permitirá estabelecer os conteúdos necessários para completar nossas unidades didáticas ou para prescindir daqueles conteúdos que não coincidem com nossas intenções educacionais.

3. Verificar que sequências de atividades são propostas para cada um dos conteúdos.

Revisar cada uma das atividades propostas, atribuindo a cada uma delas os conteúdos que são trabalhados. Assim podemos reconhecer uma série de atividades propostas para a aprendizagem de cada conteúdo e determinar a conveniência de sua progressão e ordem.

4. Analisar cada uma das sequências de atividades propostas para comprovar se cumprem os requisitos da aprendizagem significativa em relação aos conteúdos estabelecidos.

Tendo presentes as características dos conteúdos, é preciso ver se as atividades propostas e as sequências levam em conta as condições que podem fazer com que a aprendizagem seja o mais significativa possível e, ainda, que ofereçam meios que permitam o acompanhamento do progresso realizado pelos alunos.

5. Estabelecer o grau de adaptação ao contexto em que serão utilizados.

Pode acontecer que o resultado da análise dos pontos anteriores tenha sido positivo, mas que, seja pelos temas tratados ou pelas estratégias utilizadas, o material esteja muito longe das características, das maneiras de trabalhar e dos meios de um contexto educacional concreto. No caso de se considerar conveniente utilizar este material, será necessário adaptar, eliminar ou elaborar outros materiais complementares que supram os déficits detectados.

UMA PROPOSTA DE MATERIAIS CURRICULARES PARA A ESCOLA

As mudanças que o sistema educativo experimentou em nosso país nos últimos anos obrigam a pensar sobre muitos dos aspectos, das premissas e dos suportes que o compõem. Neste sentido, os materiais curriculares não são uma exceção. Desde a perspectiva que adotamos neste capítulo, parece evidente que seu papel não pode ser menosprezado. Pelo contrário, é necessária uma política decidida de materiais curriculares, que assegure sua qualidade, que os conceba como um meio entre outros e que deposite nos professores a responsabilidade por seu uso criativo. O que é necessário? Qual é o leque de possibilidades que as escolas devem ter a seu alcance para se apoiar a tarefa educativa cotidiana?

Uma das conclusões da análise dos recursos didáticos e de sua utilização é a necessidade da existência de materiais curriculares diversificados que, como peças de uma construção, permitam que cada professor elabore seu projeto de intervenção específico, adaptado às necessidades de sua realidade educativa e estilo profissional. Quanto mais variados sejam os materiais, mais fácil será a elaboração de propostas singulares. Portanto, em vez de propor unidades didáticas fechadas, os projetos de materiais curriculares para os alunos têm que oferecer urna grande variedade de recursos. Recursos que possam se integrar em unidades construídas pelos próprios professores, enraizando-se nas demandas específicas de seu contexto educativo.

As unidades didáticas devem atender às demandas educativas de um grupo determinado de alunos em relação aos diversos tipos de conteúdos. Devem, também, contemplar as atividades de aprendizagem adequadas a estes conteúdos. Os materiais curriculares não podem garantir, por si sós, o alcance dos objetivos educativos previstos nas unidades didáticas. A pertinência dos materiais estará determinada pelo uso que se faça deles e por sua capacidade para se integrar em múltiplas e diversas unidades didáticas que levem em conta as características dos diferentes contextos educativos. Desde esta perspectiva, os materiais não cumprem uma função diretiva, mas ajudam a desenvolver as atividades de ensino/aprendizagem propostas pelos professores, de acordo com as necessidades específicas de um grupo/classe.

Dadas as características diferenciadas dos contextos educativos, dos diversos ritmos de aprendizagem dos alunos, postas pelos diferentes tipos de conteúdos e das estratégias de aprendizagem específicas para cada um deles, será necessário oferecer aos professores um grande número de materiais. Materiais estes que permitam levar em conta estas diferenças e que possam se integrar em múltiplas combinações que possibilitem a elaboração de uma grande variedade de unidades didáticas.

Os argumentos expostos nos permitem chegar à conclusão de que é conveniente que os materiais contemplem, entre outras coisas, as necessidades de aprendizagem postas pela especificidade tipológica de cada conteúdo. Apesar disso, é preciso ser muito precavido, já que uma proposição deste tipo coloca um grande perigo: a perda de significância das aprendizagens, quer dizer, o perigo de que muitas aprendizagens, especialmente aquelas que se referem aos conteúdos factuais e procedimentais, sejam trabalhadas de maneira puramente mecânica, desvinculadas de outros conteúdos, conceituais e atitudinais, que lhes deem sentido. Ainda, de que a necessária exercitação de muitos dos conteúdos de aprendizagem se converta em exercícios rotineiros que percam a razão fundamental para a qual foram planejados. Portanto, embora seja conveniente a existência de materiais específicos para conteúdos de aprendizagens muito concretas, qualquer material curricular tem que fazer parte de um projeto global, que observe o papel de cada um dos distintos materiais, propostos segundo determinados objetivos de uma ou mais áreas e/ou uma ou mais etapas educativas.

Um projeto global de materiais curriculares deve observar os critérios com os quais foram elaborados cada um deles e a função que cumprem, de maneira que, conhecendo os motivos de sua realização e o papel que têm que cumprir nos processos de ensino/aprendizagem, seja possível determinar qual é seu uso mais apropriado. Para isso, é preciso explicitar as concepções curriculares subjacentes em cada um dos materiais que compõem o projeto. Assim, pois, todo projeto global terá que observar para cada área ou etapa:

a)  guias didáticos dos professores;

b)  materiais para a busca de informação;

c) materiais sequenciados e progressivos para o tratamento de conteúdos basicamente procedimentais;

d)  propostas de unidade didáticas.

Guias didáticos dos professores

Trata-se de um material para uso dos professores que é básico em todo projeto de materiais curriculares, já que nele se situam os diferentes componentes do projeto em relação à realização dos objetivos educativos previstos. O guia não tem apenas que expor o uso dos materiais propostos. Mas, sobretudo, tem que justificar o valor desses materiais nos processos de ensino/ aprendizagem, determinando o papel de cada uma das atividades de ensino que se propõem nas sequências de aprendizagem mais amplas. Portanto, tem que dizer o que são, como se realizam e, especialmente, para que servem.

O guia didático para cada um dos materiais do projeto deve observar:

1.     objetivos gerais de etapa;

2.     objetivos gerais de área;

3.     objetivos gerador de ciclo;

4.     conteúdos de aprendizagem;

5.     justificativa da metodologia proposta;

6.     proposta das unidades didáticas;

7.     para cada unidade didática ou grupo de conteúdos:

- atividades para a exploração dos conhecimentos prévios dos alunos sobre os conteúdos a serem trabalhados;

- explicação e justificação das atividades que se propõem para cada atividade, orientações concretas, organização grupais, uso do tempo, recursos, etc.;

-  atividades de reforço e complementares;

-  critérios e atividades para a avaliação formativa e somativa;- critérios e propostas de adaptações curriculares.

Materiais para a busca de informação

Em qualquer processo de ensino/aprendizagem, é básica a transmissão de informação para ser elaborada por parte do aluno. Por isso é conveniente contar com materiais distintos que, desde abordagens e pontos de vista distintos, permitam cumprir as diferentes fases do desenvolvimento das unidades didáticas e atender às demandas específicas de cada uma das fases que as compõem. Tanto a motivação como a pesquisa bibliográfica, a comparação de opiniões, a definição de conclusões, a generalização, a memorização, etc.

Os defeitos mais comuns dos materiais informativos são seu caráter- dogmático e a adaptação no desenvolvimento do tema às características do receptor, seja pela limitação na abordagem, seja pela forma (discurso e linguagem). No espaço limitado de um livro é difícil tratar convenientemente todos os temas a partir de diferentes pontos de vista e com o desenvolvimento necessário para a complexidade de cada um deles. Esta constatação implica a necessidade de dispor de recursos que complementem e supram as limitações de um texto único. Para tal, é conveniente dispor de materiais variados, que tratem em profundidade diferentes temas e que respondam a enfoques interpretativos distintos. Sua existência não significa necessariamente a eliminação de livros individuais que satisfaçam muitas das funções relacionadas com a consulta e a busca de informação no desenvolvimento de unidades didáticas. Assim, poderemos distinguir dois tipos de materiais, segundo sejam de propriedade e uso individual ou de utilização coletiva.

Livro de consulta para o aluno

Sua função primordial, tal como apontamos anteriormente, é de consulta. Em outras palavras, está concebido como subsídio para o desenvolvimento de unidades didáticas. As exposições têm que deixar transparecer os valores e as atitudes propostos. Dado o enfoque global dos níveis em que se estruturou o ensino, é conveniente que incluam todos os conteúdos do nível, seja área por área ou com um enfoque globalizador ou interdisciplinar das etapas deste período escolar.

A diferença fundamental com os livros didáticos atuais é que sua função única ou básica é informativa. É um instrumento para consultar ou utilizar quando seja necessário durante o desenvolvimento de uma unidade didática elaborada pelo professor ou pela professora. Em nenhum momento estes livros pretendem oferecer uma sequência de aprendizagem; portanto, não é conveniente que incluam atividades nem exercícios. A estrutura do livro não tem que estar configurada por lições nem unidades didáticas, já que isso implicaria a possibilidade de reduzir os conteúdos aos aspectos conceituais e a atividade educativa a uma simples tarefa informativa. A organização do livro deve ser basicamente temática e deve permitir diversos graus de leitura. O texto escrito, com as ilustrações necessárias, pode oferecer:

- Discursos motivadores sobre temas interessantes, que deem lugar a uma série de questões e perguntas que promovam a ação do aluno para buscar respostas ou soluções para os problemas colocados.

- Descrições completas, com abundantes exemplos e ilustrações, que, sob diferentes pontos de vista, exponham acontecimentos e técnicas, ou ajudem a compreender fenômenos, situações ou estratégias.

- Listagens ordenadas, extensas ou resumidas, classificações de objetos, fatos, acontecimentos, etc., segundo vários critérios.

- Sínteses, resumos, definições claras e compreensíveis, especial­mente adequadas para as idades a que se dirigem.

Materiais para a biblioteca da aula

Como expusemos anteriormente, os livros de uso coletivo para a biblioteca de aula cumprem duas funções fundamentais. Por um lado, possibilitar a comparação sobre um mesmo tema, já que se pressupõe que na aula haverá diversos livros sobre um mesmo tema, a partir de diferentes pontos de vista ou interpretações. Por outro, apresentar ao aluno uma informação convenientemente desenvolvida, sem as limitações físicas do livro individual. Portanto, os livros da biblioteca de aula serão basicamente monografias, convenientemente ilustradas, que desenvolverão todos os temas do currículo, levando em conta todos os níveis e todas as áreas e tratando-os com distintos graus de extensão é profundidade.

Materiais sequenciados e progressivos para o tratamento de conteúdos procedimentais

Quando numa unidade didática trabalhamos conjuntamente os diversos tipos de conteúdos é relativamente fácil estabelecer distintos graus de aprendizagem, para os conteúdos conceituais - é possível que todos os alunos elaborem ao mesmo tempo e individualmente um mesmo conceito, mas com uma forma e um grau de profundidade diferentes. Agora, esta tarefa não é tão fácil quando os conteúdos são os procedimentais, dada a dificuldade de oferecer, ao mesmo tempo, atividades adequadas para os distintos níveis de domínio ou uso que se apresentam na classe. Como vimos, o domínio do uso destes conteúdos, quer dizer, a capacidade de utilizá-los de forma adequada diante de situações e problemas diferentes, importará a realização de múltiplas atividades, não limitadas temporalmente a uma única unidade didática. Será necessário um trabalho ordenado da menor à maior dificuldade e convenientemente sequenciado, que superará amplamente o marco estrito de uma unidade didática. Neste caso, a variável temporal é extremamente importante e, portanto, a relação entre o grau de aprendizagem e a diversidade dos alunos implicará observar os diversos ritmos de aprendizagem.

Assim, quando realizamos atividades que têm como finalidade básica a conceitualização, é possível realizar, ao mesmo tempo, intervenções específicas que observem a diversidade. Por exemplo, estabelecendo diferentes níveis de profundidade nos diálogos com os alunos, sem romper a dinâmica da aula. Pelo contrário, se queremos trabalhar o uso da medida, será imprescindível que cada aluno faça exercícios segundo seu grau de domínio do procedimento. O mesmo exercício não serve para todos: deverá se apresentar para cada um os exercícios mais apropriados; exercícios que deverão estar sequenciados de forma adequada, segundo seu nível de dificuldade. Portanto, convirá que o professor disponha daqueles materiais que apresentem ao aluno exercícios sequenciados, que cumpram os requisitos de ordem e progressão. Materiais que podem ser descartáveis e, se for possível, que permitam autocorreção.

Exatamente como mencionamos antes, as características deste tipo de materiais, que na maioria dos casos implicam a repetição de ações, comportam o risco da mecanização. Portanto, é indispensável que estes materiais sejam incluídos em atividades contextualizadas e que fomentem a compreensão e a reflexão sobre o porquê do procedimento e de cada uma das ações que o compõem.

Propostas de unidades didáticas

Um projeto que leve em conta os materiais anteriores, livros de consulta individuais e coletivos, materiais de exercitação sequenciados e os guias didáticos correspondentes, pode ser suficiente para que o

professor construa suas próprias unidades didáticas. Agora, dada a longa tradição de um uso determinado dos livros didáticos, certamente será necessário e conveniente dispor de materiais que desenvolvam unidades didáticas completas, que ofereçam referências concretas de intervenção pedagógica e que desenvolvam, de uma maneira sistemática, todos os conteúdos previstos para uma área e uma etapa concretas. Apesar de aceitar que as unidades didáticas padronizadas, peio simples fato de estarem descontextualizadas, não respondem às demandas específicas dos diversos grupos/classes aos quais podem se dirigir, se os materiais são utilizados como exemplos ou como instrumentos para ser adaptados e se, portanto, possibilitam as mudanças nas atividades que propõem e em seus enfoques, podem representar alguns meios perfeitos de ajuda para o professorado. Podemos constatar que este tipo de materiais tem sido o meio utilizado com mais frequência por muitos professores nas mudanças e na melhoria de suas estratégias de intervenção pedagógica.

Assim, pois, os materiais que contemplem propostas de unidades didáticas e que cumpram os requisitos de flexibilidade e adaptação, que permitam um uso individualizado por parte do aluno e que preferivelmente sejam descartáveis, formariam, juntamente com os anteriores, os componentes básicos de um projeto global.

Conclusões

Neste capítulo, vimos como seguidamente as opiniões que os materiais curriculares nos inspiram estão muito condicionadas pela opinião sobre aqueles que mais conhecemos.

De nenhum modo os materiais curriculares podem substituir a atividade construtiva do professor, nem a dos alunos, na aquisição das aprendizagens. Mas é um recurso importantíssimo que, bem utilizado, não apenas potencializa este processo como oferece ideias, propostas e sugestões que enriquecem o trabalho profissional. Uma tarefa básica de toda equipe docente deveria consistir em estar a par de todo tipo de materiais úteis para a função educativa e em construir critérios básicos de análise que permitam adotar decisões fundamentais a respeito da seleção, do uso, da avaliação e da atualização constante deste tipo de materiais.

Antoni Zabala – A Prática Educativa


ZABALA - POR QUE SE DEVE AVALIAR?

 

POR QUE SE DEVE AVALIAR? ESCLARECIMENTOS
PRÉVIOS SOBRE A AVALIAÇÃO

Habitualmente, quando se fala de avaliação se pensa, de forma prioritária ou mesmo exclusiva, nos resultados obtidos pelos alunos. Hoje em dia, este continua sendo o principal alvo de qualquer aproximação ao fato avaliador. Os professores, as administrações, os pais e os próprios alunos se referem à avaliação como o instrumento ou processo para avaliar o grau de alcance, de cada menino e menina, em relação a determinados objetivos previstos nos diversos níveis escolares. Basicamente, a avaliação é considerada como um instrumento sancionador e qualificador, em que o sujeito da avaliação ó o aluno e somente o aluno, e o objeto da avaliação são as aprendizagens realizadas segundo certos objetivos mínimos para todos.

Mesmo assim, já faz muito tempo que, a partir da literatura pedagógica, as declarações de princípios das reformas educacionais empreendidas em diferentes países e grupos de educadores mais inquietos se propõem formas de entender a avaliação que não se limitam à valoração dos resultados obtidos pelos alunos. O processo seguido pelos meninos e meninas, o progresso pessoal, o processo coletivo de ensino/aprendizagem, etc., aparecem como elementos ou dimensões da avaliação. Deste modo, é possível encontrar definições de avaliação bastante diferentes e, ém muitos casos, bastante ambíguas, cujos sujeitos j e objetos de estudo aparecem de maneira confusa e indeterminada. Em alguns casos o sujeito da avaliação é o aluno, em outros é o grupo/classe, ou inclusive o professor ou professora, ou a equipe docente. Quanto ao objeto da avaliação, às vezes é o processo de aprendizagem seguido pelo aluno ou os resultados obtidos, enquanto que outras vezes se desloca para a própria intervenção do professor. 

Para esclarecer o alcance das diferentes definições pode ser útil fazer um quadro de dupla entrada que contenha, por um lado e de modo separado, o processo de ensino/aprendizagem individual que segue cada aluno e, por outro lado e para cada um deles, os possíveis objetos e sujeitos da avaliação.

No Quadro 8.1 podemos ver que toda intervenção educativa na aula se articula em torno de alguns processos de ensino/aprendizagem que podem ser analisados desde diferentes pontos de vista. Examinemos, em primeiro lugar, o processo que cada aluno segue. Neste caso pode se distinguir entre a maneira como o menino ou menina está apreendendo e o que faz o professor/a para que aprenda, quer dizer, o processo de ensino. Apesar de que ensino e aprendizagem se encontram estreitamente ligados e fazem parte de uma mesma unidade dentro da aula, podemos distinguir clara mente dois processos avaliáveis: como o aluno aprende e como o professor ou professora ensina. Portanto, temos dois sujeitos da avaliação, o que poderíamos denominar uma dupla dimensão, aplicável também ao processo que todo o grupo/classe segue.

No entanto, as definições mais habituais da avaliação remetem a um todo indiferenciado, que inclui processos individuais e grupais, o aluno ou a aluna e os professores. Este ponto de vista é plenamente justificável, já que os processos que têm lugar na aula são processos globais em que é difícil, e certamente desnecessário, separar claramente os diferentes elementos que os compõem. Nossa tradição avaliadora tem se centrado exclusivamente nos resultados obtidos pelos alunos. Assim, é conveniente dar-se conta de que ao falar de avaliação na aula pode se aludir particularmente a algum dos componentes do processo de ensino/aprendizagem, como também a todo o processo em sua globalidade.

Talvez a pergunta que nos permita esclarecer em cada momento qual deve ser o objeto e o sujeito da avaliação seja aquela que corresponde aos próprios fins do ensino: por que temos que avaliar? Certamente, a partir da resposta m esta pergunta surgirão outras, por exemplo, o que se tem que avaliar, a quem se tem que avaliar, como se deve avaliar, como temos que comunicar o conhecimento obtido através da avaliação, etc.

Neste capítulo, formularemos estas questões e tentaremos encontrar respostas. Posto que se trata de um tema polêmico, que pode ser enfocado de diferentes perspectivas, não pretendemos trazer soluções definitivas, mas sim coerentes com os marcos de referência que formos adotando.

QUEM E O QUE SE DEVE AVALIAR?

OS SUJEITOS E OS O BJETOS D A AVALIAÇÃO

Como em outras variáveis do ensino, e como já dissemos reiteradamente em outros itens deste livro, muitos dos problemas de compreensão do que acontece nas escolas não se devem tanto às dificuldades reais. Devem-se mais aos hábitos e costumes acumulados de uma tradição escolar, cuja função básica foi seletiva e propedêutica. Numa concepção do ensino centrado na seleção dos alunos mais preparados para continuar a escolarização até os estudos universitários, é lógico que o sujeito de avaliação seja o aluno e que se considerem objeto da avaliação as aprendizagens alcançadas em relação as necessidades tutu ias que foram estabelecidas - as universitárias. Desta forma se dá prioridade a uma clara função sancionadora: qualificar e sancionar desde pequenos aqueles que podem triunfar nesta carreira até a universidade.

No entanto, podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os "mais aptos para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade. Quando a formação integral é a finalidade principal do ensino e, portanto, seu objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa e não apenas as cognitivas, muitos dos pressupostos da avaliação mudam. Em primeiro lugar, e isto é muito importante, os conteúdos de aprendizagem a serem avaliados não serão unicamente conteúdos associados às necessidades do caminho para a universidade. Será necessário, também, levar em consideração os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que promovam as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social. Uma opção desta natureza implica uma mudança radical na maneira de conceber a avaliação, posto que o ponto de vista já não é seletivo, já não consiste em ir separando os que não podem superar distintos obstáculos, mas em oferecer a cada um dos meninos e meninas a oportunidade de desenvolver, no maior grau possível, todas suas capacidades. O objetivo do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um dos alunos.

O problema não está em como conseguir que o máximo de meninos e meninas tenham acesso à universidade, mas em como conseguir desenvolver ao máximo todas as suas capacidades, e entre elas, evidentemente, aquelas necessárias para chegar a serem bons profissionais.

Por enquanto, digamos unicamente que se trata de informações complexas, que não combinam com um tratamento estritamente quantitativo; se referem a valorações e indicadores personalizados que raramente podem se traduzir em notas e qualificações clássicas.

AVALIAÇÃO FORMATIVA: INICIAL,
REGULADORA, FINAL INTEGRADORA

A tomada de posição em relação às finalidades do ensino, relacionada a um modelo centrado na formação integral da pessoa, implica mudanças fundamentais, especialmente nos conteúdos e no sentido da avaliação. Além do mais, quando na análise da avaliação introduzimos a concepção construtivista do ensino e a aprendizagem como referenciais psicopedagógico, o objeto da avaliação deixa de se centrar exclusivamente nos resultados obtidos e se situa prioritariamente no processo de ensino/aprendizagem, tanto do grupo/classe como de cada um dos alunos. Por outro lado, o sujeito da avaliação não apenas se centra no aluno, como também na equipe que intervém no processo.

Como pudemos observar, procedemos de uma tradição educacional prioritariamente uniformizadora, que parte do princípio de que as diferenças entre os alunos das mesmas idades não são motivo suficiente para mudar as formas de ensino, mas que constituem uma evidência que valida a função seletiva do sistema e, portanto, sua capacidade para escolher os melhores. A uniformidade é um valor de qualidade do sistema, já que é o que permite reconhecer e validar os que servem. Quer dizer, são bons alunos aqueles que se adaptam a um ensino igual para todos; não é o ensino quem deve se adaptar às diferenças dos alunos.

O conhecimento que temos sobre como se produzem as aprendizagens revela a extraordinária singularidade destes processos, de tal maneira que cada vez é mais difícil estabelecer propostas universais que vão além da constatação destas diferenças e singularidades. O fato de que as experiências vividas constituam o valor básico de qualquer aprendizagem obriga a levar em conta a diversidade dos processos de aprendizagem e, portanto, a necessidade de que os processos de ensino, e especialmente os avaliadores, não apenas os observem, como os tomem como eixo vertebrador.

Sob uma perspectiva uniformizadora e seletiva, o que interessa são determinados resultados em conformidade com certos níveis predeterminados. Quando o ponto de partida é a singularidade de cada aluno, é impossível estabelecer níveis universais. Aceitamos que cada aluno chega à escola com uma bagagem determinada e diferente em relação às experiências vividas, conforme o ambiente sócio-cultural e familiar em que vive, e condicionado por suas características pessoais. Esta diversidade óbvia implica a relativização de duas das invariáveis das propostas uniformizadoras — os objetivos e os conteúdos e a forma de ensinar — e a exigência de serem tratadas em função da diversidade dos alunos. Portanto, a primeira necessidade do educador é responder às perguntas: que sabem os alunos em relação ao que quero ensinar? Que experiências tiveram? O que são capazes de aprender? Quais são seus interesses? Quais são seus estilos de aprendizagem? Neste marco a avaliação já não pode ser estática, de análise de resultado, porque se torna um processo. E uma das primeiras fases do processo consiste em conhecer o que cada um dos alunos sabe, sabe fazer e é, e o que pode chegar a saber, saber lazer ou ser, e como aprendê-lo. A avaliação é um processo em que sua primeira fase se denomina avaliação inicial.

O conhecimento do que cada aluno sabe, sabe fazer e como é, é o ponto de partida que deve nos permitir, em relação aos objetivos e conteúdos de aprendizagem previstos, estabelecer o tipo de atividades e tarefas que têm que favorecer a aprendizagem de cada menino e menina. Assim, pois, nos proporciona referências para definir uma proposta hipotética de intervenção, a organização de uma série de atividades de aprendizagem que, dada nossa experiência e nosso conhecimento pessoais, supomos que possibilitará o progresso dos alunos. Mas não é mais do que uma hipótese de trabalho, já que dificilmente a resposta a nossas propostas será sempre a mesma, nem a que nós esperamos. A complexidade do fato educacional impede dar, como respostas definitivas, soluções que tiveram bom resultado anteriormente. Não apenas os alunos são diferentes em cada ocasião, como as experiências educacionais também são diferentes e não se repetem. Isto supõe que, no processo de aplicação, em aula, do plano de intervenção previsto, será necessário adequai às necessidades de cada aluno as diferentes variáveis educativas, as tarefas e as atividades, seu conteúdo, as formas de agrupamento, os tempos, etc. Conforme se desenvolva o plano previsto e conforme a resposta dos meninos e meninas a nossas propostas, haverá que ir introduzindo atividades novas que comportem desafios mais adequados e ajudas mais contingentes. O conhecimento de como cada aluno aprende ao longo do processo de ensino/aprendizagem, para se adaptar às novas necessidades que se colocam, é o que podemos denominar avaliação reguladora.

Alguns educadores, e o próprio vocabulário da Reforma, utilizam o termo de avaliação formativa. Pessoalmente, para designar este processo prefiro usar o termo avaliação reguladora, já que explica melhor as características de adaptação e adequação. Ao mesmo tempo, esta opção permite reservar o termo formativo para uma determinada concepção da avaliação em geral, entendida como aquela que tem como propósito a modificação e a melhoria contínua do aluno que se avalia; quer dizer, que entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas.

O conjunto de atividades de ensino/aprendizagem  permitiu que cada aluno atingisse os objetivos previstos num determinado grau. A fim de validar as atividades realizadas, conhecer a situação de cada aluno e poder tomar as medidas educativas pertinentes, haverá que sistematizar o conhecimento do progresso seguido. Isto requer, por um lado, apurar os resultados obtidos — quer dizer, as competências conseguidas em relação aos objetivos previstos - e, por outro, analisar o processo e a progressão que cada aluno seguiu, a fim de continuar sua formação levando em conta a suas características específicas.

Seguidamente o conhecimento dos resultados obtidos c designado com o termo avaliação final ou avaliação somativa. Pessoalmente, acho que a utilização conjunta dos dois termos é ambígua e não ajuda a identificar ou diferenciar estas duas necessidades: o conhecimento do resultado obtido e a análise do processo que o aluno seguiu. Prefiro utilizar o termo avaliação final para me referir aos resultados obtidos e aos conhecimentos adquiridos, e reservar o termo avaliação somativa ou integradora para o conhecimento e a avaliação de todo o percurso do aluno. Assim, esta avaliação somativa ou integradora é entendida como um informe global do processo que, a partir do conhecimento inicial (avaliação inicial), manifesta a trajetória seguida pelo aluno, as medidas específicas que foram tomadas, o resultado final de todo o processo e, especialmente, a partir deste conhecimento, as previsões sobre o que é necessário continuar fazendo ou o que é necessário fazer de novo.

No Quadro 8.1, no começo deste tópico, situamos os quatro possíveis objetos da avaliação (processo de aprendizagem individual, aprendizagem do grupo, ensino individual e ensino do grupo) e os quatro sujeitos da avaliação (o aluno/a, o grupo/classe, o professor/a e a equipe docente). Na descrição que fizemos das diferentes fases da avaliação (inicial, reguladora ou formativa, final e integradora), os diferentes objetos e sujeitos se confundem, já que não fica muito claro, desde o princípio, qual é a intencionalidade da avaliação.

Por que avaliar? O aperfeiçoamento da prática educativa é o objetivo básico de todo educador. E se entende este aperfeiçoamento como meio para que todos os alunos consigam o maior grau de competências, conforme suas possibilidades reais. O alcance dos objetivos por parte de cada aluno é um alvo que exige conhecer os resultados e os processos de aprendizagem, que os alunos seguem. E para melhorar a qualidade do ensino é preciso conhecer e poder avaliar a intervenção pedagógica dos professores, de forma que a ação avaliadora observe simultaneamente os processos individuais e os grupais. Referimo-nos tanto aos processos de aprendizagem como aos de ensino, já que, desde uma perspectiva profissional, o conhecimento de como os meninos e meninas aprendem é, em primeiro lugar, um meio para ajuda-los em seu crescimento e, em segundo lugar, é o instrumento que tem que nos permitir melhorar nossa atuação na aula.

ESQUEMA DE AVALIAÇÃ O FORM ATIVA

Avaliação inicial, planejamento, adequação do plano (avaliação reguladora), avaliação final, avaliação integradora.

A partir de uma opção que contempla como finalidade fundamental do ensino a for- mação integral da pessoa, e conforme uma concepção construtivista, a avaliação sempre tem que ser formativa, de maneira que o processo avaliador, independentemente de seu objeto de estudo, tem que observar as diferentes fases de tuna intervenção que deverá ser estratégica. Quer dizer, que permita conhecer qual é a situação de partida, em função de determinados objetivos gerais bem definidos (avaliação inicial); um planejamento da intervenção fundamentado e, ao mesmo tempo, flexível, entendido como uma hipótese de intervenção; uma atuação na aula, em que as atividades e tarefas e os próprios conteúdos de trabalho se adequarão constantemente (avaliação reguladora) às necessidades que vão se apresentando para chegar a determinados resultados (avaliação final) e a uma compreensão e valoração sobre o processo seguido, que permita estabelecer novas propostas de intervenção (avaliação integradora).

CONTEÚDOS DA AVALIAÇÃO: AVALIAÇÃO DOS CONTEÚDOS CONFORME SUA TIPOLOGIA

Como já comentamos, as capacidades definidas nos objetivos educativos são o referencial básico de todo processo de ensino e, portanto, da avaliação. Mas também é preciso ter presente que os conteúdos de aprendizagem, sobretudo no próprio processo de ensino/ aprendizagem, e concretamente em cada uma das atividades ou tarefas que o configuram, são o referencial funcional para avaliar e acompanhar os avanços dos meninos e meninas.

Como podemos saber o que os alunos sabem, dominam ou são? Ou em outras palavras, como podemos saber o grau e tipo de aprendizagem que os alunos têm em relação aos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais? Podemos nos fazer esta pergunta em qualquer das diferentes fases do processo de avaliação.

Uma escola centrada quase que exclusivamente nos conteúdos conceituais, especialmente os factuais, de conhecimento enciclopédico, limita os instrumentos avaliativos habitualmente utilizados às provas de papel e lápis. Esta forma de conhecer os resultados obtidos pode ser bastante adequada no caso dos conteúdos factuais, mas não é tanto quando se trata de conteúdos conceituais ou procedimentais. E podemos afirmar que não o é, em absoluto, quando os conteúdos a serem avaliados são de caráter atitudinal.

Avaliação dos conteúdos factuais

Quando consideramos que um aluno tem que conhecer um fato, o nome da capital da Itália, a descrição de um acontecimento ou a relação das obras mais importantes de Emilia Pardo Bazan, o que pretendemos é que saiba nos dizer com a máxima fidelidade o nome da capital, o acontecimento ou os títulos das obras. É evidente que queremos que este conhecimento seja significativo, que não seja uma simples verbalização mecânica e, portanto, que a enumeração dos fatos não implique um desconhecimento dos conceitos associados a cada um deles. Queremos que Roma seja muito mais do que um nome, que o aluno entenda o que quer dizer ser a capital de um país, neste caso da Itália; e que tenha uma representação geográfica onde possa situá-la. Queremos que o acontecimento histórico memorizado seja algo mais do que uma série de dados desconexos; que juntamente com a relação das obras de Pardo Bazan tenha lugar uma interpretação do que representam. Uma aprendizagem significativa _de fatos envolve sempre a associação dos fatos aos conceitos que permitem transformar este conhecimento em instrumento para a concepção e interpretação das situações ou fenômenos que explicam.

Uma vez aceita e entendida a necessidade de que a aprendizagem de fatos implique o conhecimento e a compreensão dos conceitos (conceitos de capital, país, processos históricos, características literárias...), dos quais cada um dos fatos é um elemento singular, queremos que estes fatos sejam lembrados e possam ser utilizados com fluência quando convenha. Assim, pois, se aceitamos esta relação necessária entre os fatos e os conceitos, perceberemos que é necessário que as atividades para dominar estes conteúdos factuais contemplem a utilização conjunta de fatos e conceitos. Na escola, em muitas ocasiões, temos a necessidade de saber se os meninos e meninas são capazes de lembrar alguns dados, os nomes de alguns personagens, os títulos de algumas obras, etc., independentemente dos conceitos associados, porque já sabemos que os entenderam. Sabemos muito bem que os alunos entendem o que é um quadro, uma igreja ou qualquer outra obra romântica, que compreendem o que é uma conquista, uma colonização, uma guerra, etc., ou que entendem as características gerais e particulares de um autor e a corrente artística a que pertence. O que nos interessa saber, neste momento, é se são capazes de lembrar os nomes, os dados, os títulos, as datas, etc. Quando a nossa necessidade é esta, a atividade mais apropriada para avaliar o que sabem será a simples pergunta. A rapidez da resposta e sua certeza nos permitem conhecer suficientemente o grau de competência do aluno e, o que é mais importante, identificar o tipo de ajuda ou medida que haverá que propor para contribuir para o progresso do aluno.

Se o número de alunos ou a dinâmica e o ritmo do grupo/classe não permitem fazer as perguntas de modo individual, uma prova escrita simples, que proponha resposta a uma série de perguntas, pode ser extremamente eficaz para estabelecer com grande certeza o grau de conhecimento dos conteúdos factuais. A fim de que este conhecimento seja o menos rotineiro possível, é conveniente que as perguntas obriguem a alterar as sequências em que foram enunciadas em aula, nos apontamentos ou nas fontes de informação utilizadas. As provas denominadas objetivas podem ser bastante úteis para a avaliação do domínio ou do conhecimento dos fatos, mas se as provas não são exaustivas não nos permitirão saber que tipo de ajuda necessita cada aluno. Se seu uso não tem uma função formativa ou reguladora, mas pretende sancionar alguns resultados, a falta de exaustividade deixa nas mãos da sorte, algo evidentemente injusto, algumas decisões que podem ser muito transcendentes em algumas etapas do ensino.

Avaliação de conteúdos conceituais

Se uma prova escrita, relativamente simples, é bastante eficaz para determinar o conhecimento que se tem de um fato, sua confiabilidade é muito mais precária quando o que temos que determinar e avaliar é o processo e o grau de aprendizagem dos conteúdos conceituais. Apesar de que a aprendizagem nunca é uma questão de tudo ou nada, no caso dos conteúdos factuais a distinção entre o "sabe" e o "não sabe" "pode ser" às vezes muito representativa do que acontece: lembra ou não o nome da capital da Itália, sabe ou não quando aconteceu a Revolução Francesa. Podem ser respostas de tudo ou nada. De qualquer forma, inclusive nos conteúdos factuais, nem sempre é assim, já que pode se saber mais ou menos o que aconteceu em Dois de Maio, pode se conhecer um maior ou menor número de obras de arte, ou pode se estar mais ou menos certo, etc. Quando os conteúdos de aprendizagem são conceituais, o grau de compreensão dos conceitos é em muitos casos, limitado. Sempre pode se ter um conhecimento mais profundo e elaborado dos conceitos de capital, revolução, densidade ou neoclassicismo. Dificilmente podemos dizer que a aprendizagem de um conceito está concluída. Em todo caso, o que faremos é dar por bom certo grau de conceitualização. E aqui é onde começamos a ver a dificuldade que representa avaliar a aprendizagem de conceitos. Teremos que falar de graus ou níveis de profundidade e compreensão, algo que implica a necessidade de propor atividades em que os alunos possam demonstrar que entenderam, assim como sua capacidade para utilizar convenientemente os conceitos aprendidos.

A tendência de se utilizar formas de avaliação que são bastante válidas para os conteúdos factuais deu lugar a uma mesma utilização para os conceitos. Assim, é habitual, embora cada vez menos, a proposição de provas orais ou escritas em que se tem que responder a algumas perguntas que pedem que se defina um conceito, de maneira que a resposta mais adequada é a que coincide exatamente com a definição dos apontamentos de classe ou do livro didático. O aluno responde como se estivesse enumerando as obras mais importantes de qualquer pintor ou os personagens principais de qualquer movimento literário, como se descrevesse um fato de forma mecânica. Muitos de nós aprendemos neste sistema e, portanto, somos capazes de repetir perfeitamente a definição do princípio de Arquimedes, o enunciado da lei de Gay Lussac ou a definição de ilha, sem relacionar o que dizemos com nenhuma interpretação do que acontece quando estamos imersos num líquido, nem de que relações existem entre a temperatura que faz e o que sentimos sobre a pressão atmosférica, para não dizer entre o conceito real que temos de ilha e o que pronunciamos quando a definimos.

As atividades para conhecer qual é a compreensão de um determinado conceito não podem se basear na repetição de algumas definições. Seu enunciado nos diz, unicamente, que quem as faz é capaz de lembrar com precisão a definição, mas não nos permite averiguar se foi capaz de integrar este conhecimento em suas estruturas interpretativas. Além do mais, mesmo que se pedisse que o aluno fosse capaz de definir autonomamente, sem repetir uma definição padronizada, deveríamos saber que este é um dos graus mais difíceis de conceitualização. Num trabalho culto, todos nós somos capazes de utilizar termos de grande complexidade conceituai, corretamente e em toda sua amplitude; mas se tivéssemos que defini-los, nos encontraríamos diante de uma situação bastante complicada. Somos capazes de utilizar os conceitos "redondo" e "circular" com todo o rigor e escolhemos um ou outro termo segundo seu significado no contexto da frase. Assim, pois, podemos dizer que dominamos ambos os conceitos, mas imagine que complicado seria defini-los sem fazer nenhum gesto com as mãos para nos ajudar na explicação. Na vida cotidiana, inclusive nos discursos mais rigorosos, os conceitos utilizados não são definidos constantemente. Geralmente, em vez de fazer uma definição procuramos dar exemplos que ajudem a compreender o que querem dizer. A tendência de utilizar a definição dos conceitos é o resultado de uma compreensão muito simplista da aprendizagem que, de certo modo, assume que não existe nenhuma diferença entre expressão verbal e compreensão.

Quais são as atividades mais adequadas para conhecer o grau de compreensão dos conteúdos conceituais? Infelizmente, não podem ser simples. As atividades que podem garantir um melhor conhecimento do que cada aluno compreende implicam a observação do uso de cada uni dos conceitos em diversas situações e nos casos em que o menino ou a menina os utilizam em suas explicações espontâneas. Assim, pois, a observação do uso dos conceitos em trabalhos de equipe, debates, exposições e sobretudo diálogos será a melhor fonte de informação do verdadeiro domínio do termo e U meio mais adequado para poder oferecer a ajuda de que cada aluno precisa. Agora, o número de alunos ou o tempo de que dispomos podem impedir que realizemos sempre atividades que facilitem a observação dos alunos em situações naturais. Isso pode nos obrigar a utilizar a prova escrita e, neste caso, é bom saber que limitações a prova tem e elaborá-la tentando superar estas deficiências. Se o que queremos da aprendizagem de conceitos é que os alunos sejam capazes de utiliza-los em qualquer momento ou situação que o requeira, teremos que propor exercícios que não consistam tanto numa explicação do que entendemos sobre os conceitos, como na resolução de conflitos ou problemas a partir do uso dos conceitos. Exercícios que lhes obriguem a usar o conceito. Mas no caso de que nos interesse que o aluno saiba explicar o que entende sobre, por exemplo, o princípio de Arquimedes, o processo de mitose da célula, a lei de Ohm ou as razões dos movimentos migratórios, alguns professores- adotam uma opção muito simples. Esta consiste em pedir que, numa face da folha, expliquem, com suas próprias palavras, sem recorrer às que foram utilizadas em classe, e com exemplos pessoais, o que entendem ou entenderam sobre o tema e na outra, que façam o mesmo, utilizando, desta vez, os termos científicos. Desta forma poderemos determinar com mais segurança o nível de compreensão e as necessidades de aprendizagem a respeito de cada conceito, ao mesmo tempo que saberemos se os alunos são capazes de utilizar corretamente os termos científicos.

Se as denominadas provas objetivas estão bem feitas, permitirão saber se os alunos são capazes de relacionar e utilizar os conceitos em algumas situações muito determinadas. Entretanto, não contribuirão com dados suficientes sobre o grau de aprendizagem e dificuldades de compreensão que cada aluno tem, o que nos impedirá de dispor de pistas sobre o tipo de ajuda a proporcionar.

No caso de disciplinas como matemática, física, química e outras com muitos conteúdos, que giram em torno da resolução de problemas, estas provas são a forma mais apropriada para responder à necessidade de conhecer a aprendizagem dos conceitos. Mas é indispensável que os problemas que se propõem não estejam padronizados e não tratem unicamente do último tema que trabalharam. Evidentemente, os meninos e meninas tendem a fazer o mais fácil e, no caso dos problemas, isto significa dispor de pequenas estratégias que lhes permitam relacionar um problema com uma fórmula de resolução estereotipada. Deste modo, o que muitos alunos realmente aprendem é encontrar a forma de solucionar o problema antes de tentar compreender o que lhes propõe. Nas provas escritas, é conveniente propor problemas e exercícios que não correspondam ao tema que se está trabalhando. É preciso incluir problemas de temas anteriores e outros que ainda não tenham sido trabalhados. Além do mais, é preciso proporcionar mais informação do que a necessária para-resolveno problema. Em primeiro lugar, porque, do contrário o aluno identificará as variáveis que existem e buscará qual é a forma que as relaciona sem fazer o esforço necessário de compreensão. Em segundo lugar, porque nas situações reais os problemas nunca aparecem identificados conforme os parâmetros disciplinares, e as variáveis necessárias para solucioná-los nunca são segmentadas. Por exemplo, quando na escola se propõem problemas sobre circuitos elétricos e o tema que se tratou é a lei de Ohm (V=IR), geralmente se propõem exercícios de aplicação da fórmula, quer dizer, se dá a voltagem (V) e a intensidade (Y) e se pede o valor da resistência (R). Em outros exercícios se modifica a demanda, mas sempre está relacionada com a aplicação da fórmula. Uma situação real nunca será como um problema da lei de Ohm, senão que nos encontraremos diante de um circuito elétrico em que intervêm muitas variáveis e o que teremos de fazer cm primeiro lugar será compreender em que consiste o problema, que variáveis devemos levar em conta e quais temos que ignorar.

 Avaliação de conteúdos procedimentais

Os conteúdos conceituais, tanto os fatos como os conceitos, se situam, fundamentalmente, dentro das capacidades cognitivas. Temos que verificar o que os alunos sabem sobre estes conteúdos. Portanto, as atividades para poder conhecer este saber, embora com dificuldades, como vimos, podem ser de papel e lápis já que, com maior ou menor dificuldade, e conforme a idade, é possível expressar por escrito o conhecimento que se tem. Os conteúdos procedimentais implicam saber fazer, e o conhecimento sobre o domínio deste saber fazer só pode ser verificado em situações de aplicação destes conteúdos. Para aprender um conteúdo procedimental é necessário ter uma compreensão do que representa como processo, para que serve, quais são os passos ou fases que o configuram, etc. O que define sua aprendizagem não é o conhecimento que se tem dele, mas o domínio ao transferi-lo para a prática. O conhecimento reflexivo do uso da língua é imprescindível para adquirir competências linguísticas; o conhecimento das fases de uma pesquisa é necessário para poder se realizar uma pesquisa; a compreensão dos passos de um algoritmo matemático deve permitir um uso correto. Mas em todos estes casos o que se pede é sua capacidade de uso, a competência na ação, o saber fazer. As atividades adequadas para conhecer o grau de domínio, as dificuldades e obstáculos em sua aprendizagem só podem ser as que proponham situações em que se utilizem estes conteúdos procedimentais. Atividades e situações que nos permitam realizar a observação sistemática de cada um dos alunos. Conhecer até que ponto sabem dialogar, debater, trabalhar em equipe, fazer uma pesquisa bibliográfica, utilizar um instrumento, se orientar no espaço, etc., só é possível quando os alunos realizam atividades que implicam dialogar, debater, fazer uma pesquisa, etc.

As habituais provas de papel e lápis, no caso dos conteúdos procedimentais, só têm sentido quando se trata de procedimentos que se realizam utilizando papel, como a escrita, o desenho, a representação gráfica do espaço, os algoritmos matemáticos; ou quando são conteúdos de caráter mais cognitivo, que podem ser. expressos por escrito, como a transferência, a classificação, a dedução e a inferência. Mas em outros casos, que são a maioria, só é possível avaliar o nível de competência dos alunos se os situamos frente a atividades que lhes obriguem a desenvolver o conteúdo procedimental e que sejam facilmente observáveis. Devem ser atividades abertas, feitas em aula, que permitam um trabalho de atenção por parte dos professores e a observação sistemática de como cada um dos alunos transfere o conteúdo para a prática. 

Avaliação de conteúdos atitudinais

A natureza dos conteúdos atitudinais, seus componentes cognitivos, condutuais e afetivos fazem com que seja consideravelmente complexo determinar o grau de aprendizagem de cada aluno. Se no caso da avaliação das aprendizagens conceituais e procedimentais a subjetividade faz com que não seja nada fácil encontrar dois professores que façam a mesma interpretação do nível e das características da competência de cada aluno, no âmbito dos conteúdos atitudinais surge uma notável insegurança na avaliação dos processos de aprendizagem que os alunos seguem. Isso porque o pensamento de cada professor está ainda mais condicionado por posições ideológicas do que nos outros tipos de conteúdos. Ao mesmo tempo, nos encontramos diante de uma tradição escolar que tendeu formalmente a menosprezar estes conteúdos e que -reduziu a avaliação a uma função sancionadora, expressada quantitativamente, fato que provocou a ilusão de se acreditar no rigor de suas afirmações porque são matematizáveis. Esta necessidade de quantificação, juntamente com a falta de experiências e trabalhos neste campo, faz com que, muitas vezes, se questione a necessidade de avaliar os conteúdos atitudinais pela impossibilidade de estabelecer avaliações tão "exatas" como no caso de outros tipos de conteúdo. Como pode se valorar a solidariedade ou atitude não-sexista? A quem podemos dar uma boa "nota" em tolerância? É evidente que sobre estas perguntas plana a visão sancionadora e classificatória da avaliação, que pode levar a posições extremas que questionem a possibilidade do trabalho sobre os conteúdos atitudinais por falta de instrumentos que permitam avaliar as aprendizagens de uma forma científica.

O problema da avaliação dos conteúdos atitudinais não está na dificuldade de expressão do conhecimento que os meninos e meninas têm, mas na dificuldade da aquisição deste conhecimento. Para poder saber de que os alunos realmente precisam e o que valorizam e, principalmente, quais são suas atitudes, é necessário que na classe e na escola surjam suficientes situações "conflitantes;" que permitam a observação do comportamento de cada um dos meninos e meninas. Num modelo de intervenção em que não se observe a possibilidade do conflito, em que se evitem os problemas interpessoais, em que se limite a capacidade de atuação dos alunos, em que não haja espaços para expressar autonomamente a opinião pessoal nem se proponham atividades que obriguem a conviver em situações complexas, dificilmente será possível observar os avanços e as dificuldades de progresso de cada aluno neste terreno, assim como avaliar a necessidade de oferecer ajudas educativas

A fonte de informação para conhecer os avanços nas aprendizagens de conteúdos atitudinais será a observação sistemática de opiniões e das atuações nas atividades grupais, nos debates das assembleias, nas dentro e fora da aula, nas visitas, passeios e excursões, na distribuição das tarefas e responsabilidades, durante o recreio, nas atividades esportivas, etc.

COMPARTILHAR OBJETIVOS, CONDIÇÃO
INDISPENSÁVEL PARA UMA AVALIAÇÃO FORMATIVA

Pelo que vimos até agora, o meio mais adequado para nos informarmos do processo de aprendizagem e do grau de desenvolvimento e competência que os meninos e meninas alcançam, consiste, na observação sistemática de cada um deles na realização das diferentes atividades e tarefas. Também pudemos constatar que as provas escritas, como instrumentos de conhecimento, são extremamente limitadas, embora sejam adequadas quando o que se quer conhecer tem um caráter basicamente cognitivo e se têm suficientes habilidades para sabê-lo expressar por escrito: conteúdos factuais, conceituais, conteúdos procedimentais de papel e lápis, algumas estratégias cognitivas, argumentações de valores e opiniões sobre normas de comportamento. Quanto ao resto dos conteúdos, e também ao que acabamos de mencionar, ã observação sistemática é o melhor instrumento, quando não o único, para a aquisição do conhecimento da aprendizagem.

Mas para que esta observação seja possível são necessárias situações que possam ser observadas e um clima de confiança que favoreça a colaboração entre os professores e os alunos. Devemos levar em conta que se o objetivo fundamental da avaliação é conhecer para ajudar, a forma como tradicionalmente as provas escritas foram desenvolvidas, pelo fato de terem caráter sancionador, estabeleceu uma dinâmica que faz com que o objetivo básico do aluno não seja dar a conhecer suas deficiências para que o professor ou a professora ajudem-no, mas, ao contrário, demonstrar ou aparentar que sabe muito mais. As provas estão viciadas desde o princípio, já que se estabelecem determinadas relações entre os professores e alunos que estão tingidas de hipocrisia, quando não de inimizade. A filosofia da prova é a do engano, a do caçador e da caça e, portanto, não promove a cumplicidade necessária entre professor e aluno. Comparamos, anteriormente, a função educativa com a médica. —Agora esta comparação pode nos servir de novo. Quando vamos ao médico, não tentamos lhe esconder os sintomas nem o resultado do tratamento, porque consideramos que seus objetivos são os mesmos, que os nossos, que o que ele quer é nos ajudar. Infelizmente, esta não é a imagem que muitos de nossos alunos têm de nós. O peso de um ensino orientado para a seleção contribuiu para uma série de hábitos, de maneiras de fazer, que configurou a forma de atuar e pensar da maioria do professorado e, seguindo esta trajetória, o pensamento dos pais e mães e inclusive dos próprios alunos.

Dificilmente podemos conceber a avaliação como formativa se não nos desfazemos de algumas maneiras de fazer que impedem mudar as relações entre os alunos e os professores. Conseguir um clima de respeito mútuo, de colaboração, de compromisso com um objetivo comum é condição indispensável para que a atuação docente possa se adequar às necessidades de uma formação que leve em conta as possibilidades reais de cada menino ê menina e o desenvolvimento de todas as capacidades. A observação da atuação dos alunos em situações o menos artificiais possível, com um clima de cooperação e cumplicidade, é a melhor maneira, para não dizer a única, de que dispomos para realizar uma avaliação que pretenda ser formativa.

A INFORMAÇÃO DO CONHECIMENTO DOS

PROCESSOS E OS RESULTADOS DA APRENDIZAGEM

Ao longo do processo de ensino/aprendizagem fomos adquirindo um conhecimento do que acontece na aula. Se prestamos atenção, pudemos nos familiarizar com os processos que foram seguidos e os resultados obtidos em relação aos diferentes objetos e sujeitos da avaliação.

Como falamos da faceta informativa da avaliação, não podemos evitar de nos colocar a seguinte pergunta:

-  Sobre o que deve se informar? Sobre resultados, processos, neces­sidades, limitações...

Mas também temos que nos perguntar:

- A quem devemos informar? Ao grupo/classe, aos alunos, à família, ao grupo de professores ou à administração.

E principal mente:

Para que servirá esta informação? Para ajudar, sancionar, selecionar, promover...

E surge ainda outra pergunta:

-  Os informes têm que ser iguais para todos? Quer dizer, temos—que informar sobre o mesmo e da mesma maneira independentemente dos destinatários desta informação e do uso que farão dela?

Estas perguntas podem parecer improcedentes se nos fixamos numa tradição escolar que as evitou porque estabeleceu um modelo extremamente simples, em que apenas se informam os resultados obtidos, -e se faz da mesma forma tanto em classe, como para o aluno, para os pais ou para a administração, com uma função de seleção, fundamentalmente. A seguir tentaremos revisar as variáveis que intervêm neste processo informativo e responder a estas perguntas.

Sobre o que deve se informar?

No momento da avaliação final, especialmente quando tem implicações na promoção, é habitual que em muitas escolas se produzam discussões entre os componentes da equipe docente: deve se aprovar aqueles alunos que não alcançaram os mínimos?- O que se deve fazer com os que manifestaram um grau de interesse e um esforço mínimos, apesar de terem um conhecimento bastante bom da matéria? Busca-se resolver ambos os casos subindo ou baixando a nota referente ao conhecimento adquirido, conforme o nível de envolvimento do aluno. Mas muito seguidamente esta solução é criticada por causa da subjetividade da decisão e por argumentos que racionalizam a necessidade de dar informações "rigorosas" e, -portanto, ajustadas ao conhecimento real alcançado. Neste debate volta a aparecer, embora não de maneira explícita, a situação contraditória entre um pensamento seletivo e propedêutico e outro que contempla como finalidade a formação integral da pessoa.

No fundo, o que tem. que se fazer é ir precisando o quanto antes a capacidade de cada aluno para superar os diferentes obstáculos que encontrará no percurso até a universidade. Uma vez diagnosticadas as matérias ou disciplinas necessárias para realizar este percurso, é necessário determinar se os alunos são capazes de alcançar os mínimos para cada uma destas matérias. A informação deve ir comunicando se o aluno avança ou não neste percurso, entendendo por avançar a superação dos limites estabelecidos. A informação se resume em se o menino ou a menina supera ou não supera, aprova ou não aprova, é suficiente ou insuficiente, progride adequadamente ou necessita melhorar. Se é necessário definir um pouco mais, estabelecemos, nos níveis superiores, uma gradação que em muitos casos se expressa por eufemismos das convencionais notas de 1 a 10, Devemos ter presente que hoje em dia os referenciais de todo estudante continuam sendo o vestibular e a nota média que lhe permitirá ter acesso a uma faculdade ou outra. O peso da nota, as experiências acumuladas durante muitos anos e um uso tão fácil e socialmente bem aceito fazem com que seja extraordinariamente complicado e difícil introduzir mudanças que aparentemente são muito lógicas desde a perspectiva atual do conhecimento dos processos de aprendizagem e ensino.

Para poder resolver esta verdadeira esquizofrenia entre um pensamento centrado na formação integral da pessoa e os hábitos e os costumes de um modelo seletivo e propedêutico, acreditamos que é conveniente diferenciar claramente, em primeiro lugar, o processo sancionador ao final da escolarização obrigatória (em nosso caso, aos dezesseis anos) e todas as informações que se oferecem ao longo da escolarização.

É lógico que ao final da etapa escolar obrigatória a sociedade exija uma informação compreensível e homologável das capacidades adquiridas por cada aluno; um informe que expresse com o máximo rigor possível as competências adquiridas. E é evidente que, dadas as características diferenciais de cada aluno, os resultados obtidos não serão os mesmos para cada um deles. O sistema educacional tem a obrigação de informar os resultados obtidos, e é a sociedade quem estabelece as necessidades ou os requisitos prévios para cada uma das carreiras ou alternativas profissionais. Mas isto não implica que desde pequenos o filtro tenha que ser esta seleção profissional. Não podemos pré-julgar ou avaliar negativamente desde o começo. Devemos levar em conta que se estamos pensando em "todos" os meninos e meninas, em todos os cidadãos e cidadãs, não existe nenhum sistema que possa garantir o "melhor posto" para todos. Por sorte, nem todos podemos ou queremos ser banqueiros, engenheiros de telecomunicações, economistas ou qualquer outro profissional considerado de prestígio num determinado momento. A função da escola e da verdadeira responsabilidade profissional passam por conseguir que nossos alunos atinjam o maior grau de competência em todas as suas capacidades, investindo todos os esforços em superar as deficiências que muitos deles carregam por motivos sociais, culturais e pessoais. Uma vez alcançado este objetivo, é evidente que a sociedade fará as seleções correspondentes. O que não podemos fazer ao longo de todo o ensino obrigatório (em muitos casos desde os três anos até os dezesseis, quer dizer, durante treze anos da vida da criança) é medir ou etiquetar o aluno conforme sua capacidade de ser um "vencedor". Todos sabemos que hoje em dia ainda existem escolas, além do mais consideradas de prestígio, que realizam esta seleção aos seis anos, já que não aceitam alunos que ainda (!) não saibam ler nem escrever ou que apresentem algum tipo de "deficiência escolar".

Esta necessidade de diferenciar a função seletiva do processo seguido pelo aluno e, portanto, de informá-lo fundamentalmente sobre seu processo pessoal, não obedece a razões de “caridade”, mas de eficiência. Todos aprendemos mais e melhor quando nos sentimos estimulados, quando temos um bom autoconceito, quando nos propomos metas desafiantes, mas acessíveis para nossas possibilidades, quando ainda não renunciamos a continuar aprendendo. Ao final da escolarização, sem dúvida, teremos que falar de resultados, de competências, de objetivos alcançados, mas ao longo do ensino nossa obrigação profissional consiste em incentivar, animar e potencializar a auto estima, estimular a aprender cada dia mais. E isto não significa que devamos esconder o que cada um é capaz de fazer, já que um dos objetivos do ensino é que cada menino e menina consiga conhecer profundamente suas possibilidades e suas limitações. O que não pode é que os resultados sejam utilizados como único referencial e sob determinados parâmetros seletivos. Temos que avaliar os processos que cada aluno segue, a fim de obter o máximo rendimento de suas possibilidades. Assim, ao longo da escolarização lhe proporcionaremos as informações que, sem negar sua situação quanto a certos objetivos gerais, o ajudem a progredir.

• Ao longo das diferentes etapas do ensino obrigatório temos que diferenciar entre o processo que cada aluno segue e os resultados ou competências que vai adquirindo. Um dos problemas que colocávamos no começo deste tópico era a dificuldade de expressar com uma única nota ou indicação o conhecimento que temos a respeito da aprendizagem do aluno, geralmente numa disciplina. A informação de que dispomos não se refere apenas aos conhecimentos que adquiriu, como também à dedicação que despendeu e ao progresso que realizou. É evidente que dificilmente poderemos resumir numa indicação apenas, seja uma nota ou um conceito, a complexidade da informação. Por isso é imprescindível elaborar alguns registros completos que ajudem a entender o que está acontecendo a cada menino e menina, que incluam observações suficientes, com todos os dados que permitam conhecer em profundidade a complexidade dos processos que cada aluno realiza. Esquematicamente, deveríamos poder diferenciar entre o que se espera de cada aluno, o processo seguido, as dificuldades que encontrou, sua implicação na aprendizagem, os resultados obtidos e as medidas que é preciso tomar.

Em segundo lugar, é preciso diferenciar entre o que representam os resultados obtidos de acordo com os objetivos previstos para cada menino e menina, conforme suas possibilidades, e o que estes resultados representam em relação aos objetos gerais para todo o grupo. O conhecimento que temos sobre como se aprende nos obriga a enfocar a aprendizagem como um processo de crescimento individual, singular, em que cada aluno avança com um ritmo e um-estilo diferentes. Se entendemos o ensino como um ato em que se propõem metas e ajudas personalizadas, dificilmente pode se entender uma informação que não contemple este processo pessoal ou que não relacione o processo que cada aluno segue aos objetivos que consideramos que devem ser alcançados. Além do mais, tampouco podemos deixar de relacionar estas aprendizagens pessoais com aqueles objetivos correspondentes ao grupo/classe, conforme o que determina o projeto da escola.

• Em terceiro lugar, na análise e avaliação das aprendizagens é indispensável diferenciar os conteúdos que são de natureza diferente e não os situar num mesmo indicador. Não podemos resolver a valoração de um aluno numa determina área com um único dado que se refira às aprendizagens de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais ao mesmo tempo. Nenhuma afirmação sobre uma área ou uma matéria terá valor explicativo se o que indica não é suficientemente compreensível para que se possa tomar as medidas educativas pertinentes. Por exemplo, supondo que possamos considerar aproveitável a nota quantificada, se a informação acerca de um aluno nos diz que obteve um 7 num determinado tema de matemática, que interpretação podemos fazer desta nota? Obteve um 7 nos conteúdos conceituais do tema, um 7 nos procedimentais e um 7 nos atitudinais? Ou por acaso este 7 é a média proporcional? E caso se trate da média proporcional: que nota daremos ao aluno que obteve um 10 nos conteúdos conceituais, um 8 nos procedimentais e um 3 nos atitudinais? Também lhe daremos um 7? O que nos indicarão estes 7 sucessivos? Se nossa intenção é conhecer realmente para adotar as medidas educativas de que cada aluno necessita, esta informação dificilmente será útil se não especifica os resultados ou a situação concreta para cada tipo de conteúdo.

Em quarto-lugar, temos-que diferenciar entre as demandas da administração e as necessidades de avaliação que temos na escola, em nossa responsabilidade profissional. As administrações costumam ser entidades complexas e com tendências burocratizantes. Os critérios e as formas exigidas pelos processos avaliadores devem ser, pelo que estamos vendo, eminentemente qualitativos. Por outro lado, as administrações tendem a simplificar, com argumentos seguidamente paternalistas: os educadores que temos não saberão fazê-lo, logo simplifiquemos. Além do mais, a quantificação ou a resposta em poucos pontos sempre é mais fácil de controlar e, portanto, exige um menor investimento em recursos que permitam desenvolver processos qualitativos. É preciso acrescentar também a exigência de selecionar que, gostemos ou não, a administração terá que fazer num ou noutro momento e que faz com que a filosofia da promoção para níveis superiores acabe__ impregnando as decisões administrativas. Um bom reflexo desta situação é a contradição entre as propostas curriculares da maioria das comunidades autônomas, por um lado, com manifestações explícitas a favor da formação integral, da concepção construtivista do ensino e aprendizagem e, portanto, da necessidade de atender à diversidade, e, por outro, certos modelos de informes que continuam tendo como referência concepções tradicionais de informações por áreas ou matérias, com indicadores globais, onde são prioritários os resultados obtidos em vez do processo seguido. É paradoxal que num modelo que parte da atenção à diversidade, no primário, se proponha como indicadores de resultados o NM (necessita melhorar) e o PA (progride adequadamente). O que significa um NM num modelo que propõe a atenção à diversidade? O que é uma menina que, apesar de saber muito, necessita melhorar mais porque não dedica muito esforço? E um PA? Quer dizer que se trata de um menino que não sabe muito mas que está progredindo muito, conforme suas possibilidades? É evidente que estas não são as interpretações que se pretendem. No fundo, um NM é um eufemismo do reprovado ou insuficiente e um PA do aprovado ou suficiente. E se examinamos a etapa do secundário obrigatório, veremos que a proposta é a convencional, ou seja, o que se pretende é que com um único indicador por área se faça uma avaliação que não leva em conta a tão mencionada atenção à diversidade.

Como pudemos constatar, a resposta à pergunta sobre o que se tem que informar está claramente condicionada pela função social que atribuímos ao ensino e à concepção que temos da aprendizagem. Estas concepções são também as que determinam o papel que devem ter os informes segundo os destinatários da avaliação.

Informes segundo os destinatários

O costume nos faz considerar como algo normal que um mesmo informe sirva para qualquer um dos possíveis interessados na informação que decorre da avaliação. Os boletins de notas foram o instrumento único de transmissão da informação, independente dos receptores. Os possíveis interessados em conhecer a avaliação de um aluno são os professores, o próprio aluno, seus familiares, a escola e a administração. Se nos deixamos levar pelos costumes adquiridos, certamente não nos faremos a pergunta capital ao refletir sobre qual é o tipo de informe de que necessita cada um destes possíveis receptores e proporemos o mesmo para todos. O que deve ou deveria fazer cada receptor—com esta informação? Qual é a função que _deve ter conforme o destinatário? A resposta a estas perguntas não apenas indicará que tipo de informe se requer, como também que conteúdos deve ter.

Como qualquer outra variável metodológica, as características da avaliação dependem das finalidades que atribuímos ao ensino. A pergunta que estamos fazendo agora logicamente dependerá destes objetivos. A opção escola seletiva e propedêutica dá como resultado uma avaliação sancionadora e um instrumento informativo único - o boletim de notas - centrado nos resultados obtidos por áreas ou matérias. A resposta a esta pergunta será substancialmente diferente quando a opção for a de uma escola que presta atenção à diversidade e que busca a formação integral da pessoa. A breve análise que propomos para cada destinatário parte desta opção.

* Nós, professores e professoras, temos que dispor de todos os dados que nos permitam conhecer em todo momento que atividades cada aluno necessita para sua formação. Os dados devem, se referir ao processo seguido pelo aluno: no começo, durante e ao finalizá-lo o deverão permitir determinar que necessidades tem e, portanto, que medidas educativas temos que lhe oferecer. Esta informação necessária não apenas se refere a sua aprendizagem, como também às medidas que foram adotadas ao longo de todo o processo. Assim, pois, é preciso ter um bom registro das incidências de cada aluno em relação ao processo seguido, aos resultados obtidos e às medidas utilizadas. Portanto, este registro deve contemplar a informação de que dispomos quanto ao percurso, o grau de realização dos objetivos previstos e o grau de aprendizagem adquirido em cada conteúdo. Quer dizer, precisamos conhecer, além de como o conseguiu, a descrição do que sabe, sabe fazer e como é, para poder efetuar uma avaliação a respeito dele mesmo c outra a respeito do que consideramos como finalidades gerais do ciclo ou do curso. Enfim, uma informação que possibilite situar o aluno em relação a suas possibilidades reais e ao que poderíamos considerar a média desse curso.

O aluno necessita de incentivos e estímulos. É necessário que conheça sua situação, em primeiro lugar, em relação a si mesmo e, em segundo lugar, em relação aos demais. Sem incentivos, sem estímulos e sem entusiasmo dificilmente poderá enfrentar o trabalho que lhe é proposto. Vimos e sabemos que sem uma atitude favorável em relação à aprendizagem não se avança, e esta atitude depende estreitamente da autoestima e do autoconceito de cada aluno. É imprescindível oferecer a informação que o ajude a superar os desafios escolares. Portanto, tem que ser uma verdadeira ajuda, não unicamente uma constatação de carências que certamente o próprio aluno já conhece bastante bem. Tem que receber informação que o anime a continuar trabalhando ou a trabalhar. O recurso da provocação mediante a comparação só é útil quando as metas estão a seu alcance, além de ser uma solução parcial que origina outros problemas. O informe tem que propor algumas metas que o aluno sabe que lhe são acessíveis, que não estejam muito distante de suas possibilidades e, sobretudo, que para superá-las possa contar com a ajuda dos professores. Tem que saber qual é o processo seguido a fim de compreender as causas dos avanços e dos tropeços. E esta é a função prioritária da informação que o aluno tem que receber ao longo de sua escolarização. Porém, isto não é o suficiente; é necessário que conheça periodicamente qual é sua situação em relação a determinados objetivos gerais de grupo, não com finalidade classificatória, mas com a intenção de conhecer suas verdadeiras forças. A avaliação deve ser efetuada em relação a si mesmo. É preciso ter presente que informar o menino ou a menina sobre suas aprendizagens é uma das atividades de ensino/aprendizagem com mais incidência formativa. Quer dizer, temos que tratá-la como uma atividade de aprendizagem e não como uma ação independente da maneira de ensinar.

® A informação que os familiares do aluno recebem também tem uma incidência educativa e, portanto, deverá ser tratada como tal. Conforme o uso que os pais fizerem desta informação, poderão estimular o menino ou a menina ou, pelo contrário, transformar- se num impedimento para seu progresso. A informação que têm que receber, como a do aluno, tem que se centrar fundamentalmente, no processo que segue e nos avanços que realiza, assim como nas medidas que a família pode adotar para fomentar o trabalho que se faz na escola. A referência básica deve ser o processo pessoal, situado em relação a suas possibilidades, a fim de — que a avaliação se centre no que pode lazer. Isto implica romper com certo tipo de informação que, pelo fato de se fixar unicamente nos resultados obtidos, faz com que às vezes se felicite quem trabalhou abaixo de suas possibilidades; estimulando-o a continuar atuando da mesma forma e, por outro lado, se castigue aquele que se esforçou muito, potencializando assim sua desmotivação. O costume tem feito com que a primeira demanda dos familiares seja comparativa, exigindo uma avaliação similar a que eles tiveram como alunos. É lógico que seja assim, é o que sempre viram e teoricamente lhes foi útil. É coerente numa lógica seletiva. Foi reprovado ou não foi reprovado? Está entre os primeiros ou os últimos? Estas são as perguntas habituais. Obviamente, não pode se esconder o conhecimento que temos do aluno nestas questões. Temos que fazer com que os familiares compreendam que nos fixarmos unicamente nesta variável não ajudará seu filho ou filha, que o que deve preocupá-los é como colocar à disposição os meios que possibilitem seu crescimento E isto só será possível se seu foco de atenção são os progressos que está fazendo em relação às suas possibilidades. Um dos melhores meios de comunicação é a entrevista pessoal, já que permite adequar a informação às características dos familiares e priorizar convenientemente os diferentes dados transmitidos. Por outro lado, o informe escrito, embora deva ser compreensível, não pode ser uma simplificação ou banalização da riqueza de matizes e conteúdos que compreende todo o processo de ensino/aprendizagem.

A escola, a equipe docente, a fim de garantir a continuidade e a coerência no percurso do aluno, tem que dispor de todos os dados necessários para este objetivo. Esta informação deverá contemplar tudo quanto possa ajudar os professores de cada série e de cada área a tomar as medidas adequadas às características pessoais de cada um de seus alunos. Deverão ser dados referentes ao processo seguido, aos resultados obtidos, às medidas específicas utilizadas e a qualquer incidente significativo. De certo modo, têm que ser uma síntese dos diferentes registros de cada um dos professores e professoras que o aluno teve na escola.

Finalmente, a administração. É evidente que a única resposta possível neste caso é que a informaremos sobre o que nos peça. Agora, numa perspectiva de atenção à diversidade e de ensino compreensivo, que tipo de informação deveria nos pedir? Por coerência com esta opção - e ao contrário da que se propõe atualmente - a informação exigida nunca deveria ser simples. A administração educacional é gerida por educadores; portanto, seria lógico que a informação fosse o mais profissional possível, com critérios que permitissem a interpretação do caminho seguido pelos meninos e meninas, conforme modelos tão complexos como complexa é a tarefa educativa. É incoerente falar de atenção à diversidade, globalização, transversalidade, objetivos gerais de etapa em forma de capacidades, conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, etc., se toda esta riqueza tem que ficar diluída, escondida numa nota, do tipo que for, por área ou matéria. Defendem-se certos modelos, mas o caráter seletivo aparece de maneira recorrente, embora aparentemente não se queira. O mais triste de tudo é que os modelos da administração acabam por se transformar na referência da maioria. Para os demais, estes modelos são um motivo a mais de desencanto quando se dão conta de que tudo pode ficar em palavras grandiloquentes, quando veem que por culpa de algumas propostas simplistas tudo se resume a boas intenções, porque, no final, os critérios de avaliação, ou o que tem que constar nos informes de avaliação, condicionará tudo quanto se faz na escola, os conteúdos de aprendizagem e a maneira de ensinar.

Fizemos um exame dos diferentes receptores possíveis do conhecimento que temos do rendimento escolar e de como o adquirimos. Mas nos esquecemos de alguém que até agora tem sido um receptor habitual. Referimo-nos aos colegas do mesmo grupo/classe e inclusive das outras turmas.

Sem dúvida, o peso da história e das rotinas adquiridas na tarefa docente sancionam como "normais" determinadas formas de atuar que, com um olhar novo e objetivo, nos pareceriam fora de lugar e dificilmente justificáveis. Isto acontece no caso dos procedimentos, através dos quais fica publicamente difundido o resultado das avaliações dos meninos e meninas. Talvez seja um tributo que se tenha de pagar pela longa permanência de um sistema educativo essencialmente seletivo e propedêutico, que tem como finalidade última selecionar os "melhores" alunos para levá-los à universidade (o que implica, de forma paralela, a identificação dos alunos menos capacitados e seu desvio para outras opções). Agora, em nenhum caso parece legítima a prática de tornar públicos os nomes daqueles que estão academicamente bem situados e dos que estão no fim da lista.

Optar por um modelo de educação integral, que tem como principal objetivo ajudar todos os alunos a crescer e formá-los nas diversas capacidades, sem deixar de atender os que têm menos possibilidades, obriga a modificar muitos dos costumes e das rotinas que herdamos de um ensino de caráter seletivo. No âmbito da avaliação e da comunicação dos resultados, não devemos perder de vista que os professores têm acesso, graças a seu conhecimento profissional, a aspectos da personalidade dos alunos que temos que considerar estritamente íntimos. Este conhecimento tem que ser utilizado unicamente para contribuir para o progresso tanto do aluno como do professor: aos professores, para que possam adaptar o ensino às necessidades do aluno e para que valorizem seu esforço; ao do aluno, para que se conscientize de sua situação e analise seus progressos, seus retrocessos e seu envolvimento pessoal.

Por tudo isso, a informação e o conhecimento têm que permanecer na privacidade do aluno e de seu professor em virtude do contrato que os vincula ao longo de uma série escolar. Não é justo nem útil que se proclamem aos quatro ventos de maneira indiscriminada. E não é útil porque devemos duvidar do hipotético efeito estimulante de uma atuação que, pelo contrário, tem muitas possibilidades de ser prejudicial para os meninos e meninas quanto tem conotações negativas.

Assim, pois, convém entender que todo o processo de ensino/aprendizagem tem alguma coisa, para não dizer muito, de relação pessoal. E todas as relações têm uma dimensão pública, uma dimensão privada e uma dimensão íntima. Temos que analisar se os sistemas tradicionais de comunicar os resultados das avaliações, assim como a divulgação inadequada, se situam na dimensão eticamente correspondente. Amparar-se no pseudo-argumento que afirma que se fez assim toda a vida não é mais do que constatar que se atuou basicamente por inércia.

Apesar de que se disse muitas vezes, convém não perder de vista que, dado que a avaliação é um elemento-chave de todo o processo de ensinar e aprender, sua função se encontra estreitamente ligada à função que se atribui a todo o processo. Neste sentido, suas possibilidades e potencialidades se vinculam à forma que as próprias situações didáticas adotam. Quando são homogeneizadoras, fechadas, rotineiras, a avaliação - na função formativa e reguladora que temos atribuído a ela - tem pouca margem para se transformar num fato habitual e cotidiano. Contrariamente, as propostas abertas, que favorecem a participação dos alunos e a possibilidade de observar, por parte dos professores, oferecem a oportunidade para uma avaliação que ajude a acompanhar todo o processo e, portanto, a assegurar sua idoneidade. Também são estas situações que dão margem à autoavaliação.

Agora, é preciso lembrar que avaliar, e avaliar de uma determinada maneira - diversificada tanto em. relação aos objetos como aos sujeitos da avaliação, e com o objetivo de tomar decisões de diferente caráter - não é, exclusivamente, uma questão de oportunidade.

A presença de determinadas opções claras, de tipo geral, sobre a função do ensino e da maneira de entender os processos de ensino/ aprendizagem, que dão um sentido ou outro à avaliação, soma-se a necessidade de objetivos ou finalidades específicos que atuam como referencial concreto da atividade avaliadora, que a faça menos arbitrária, mais justa e útil. Ao mesmo tempo, exige uma atitude observadora e indagadora por parte dos professores, que os impulsionem a analisar o que acontece e a tomar decisões para reorientar a situação, quando for necessário. Esta atitude se aprende. E também tem que se aprender a confiar nas próprias possibilidades para se levar a cabo este trabalho, a confiar na grande quantidade de dados, às vezes assistemáticos e informais, que obtemos ao longo do trabalho diário e que não têm porque ser pouco úteis embora sejam de caráter pouco "técnico".

Também devemos aprender a confiar nas possibilidades dos alunos para auto-avaliar seu processo. O melhor caminho para fazê-lo é ajudar os alunos a alcançar os critérios que lhes permitam se auto-avaliar, combinando e estabelecendo o papel que esta atividade tem na aprendizagem e nas decisões de avaliação que tomam. A auto-avaliação não pode ser um episódio nem um engano; também é um processo de aprendizagem de avaliação do próprio esforço e, portanto, é algo que convém planejar e levar a sério.

Por último, devemos ter presente que, na aula e na escola, avaliamos muito mais do que se pensa, e inclusive mais do que temos consciência. Um olhar, um gesto, uma expressão de alento ou de confiança, uma recusa, um não levar em conta o que se fez, uma manifestação de afeto.

Antoni Zabala - Pratica Educativa


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