domingo, 31 de julho de 2022

Zabala - A organização de conteúdos

 

No entanto, quais são os critérios que se utilizam para organizar os conteúdos em cada unidade didática? Que motivos justificam uma seleção e uma distribuição determinada de temas?

Até agora, ao falar de conteúdos tratamo-los de forma diferenciada conforme fossem conceituais, procedimentais ou atitudinais, uma das classificações menos frequente no ensino hoje em dia. Tradicionalmente, os conteúdos foram classificados conforme um critério de pertencimento a uma disciplina, cadeira ou matéria. Geralmente foram apresentados agrupados conforme fossem de matemática, química, língua, música, etc. Portanto, as unidades didáticas foram organizadas conforme determinados critérios pelas matérias ou disciplinas. A distribuição habitual dos planos de ensino, programas, currículo, etc., e das áreas específicas na formação dos professores também obedeceram a esta lógica. As matérias ou disciplinas selecionadas, como provedoras daquilo que deve se aprender na escola, deram lugar a determinadas cadeiras, conforme uma configuração que coincide com a organização clássica do saber acadêmico. Por motivos históricos, esta relação com os saberes universitários fez com que tenham predominado as ciências ou saberes com mais anos de vigência, herdeiras do trívio e do quadrívio medievais. Posto que a função do ensino consistia em promover a obtenção destes conhecimentos, as disciplinas ou cadeiras escolares, e nelas a forma de selecionar, distribuir e organizar os conteúdos de aprendizagem, tiveram uma dependência clara da lógica formal de cada uma delas. Por isso, as disciplinas, sua estruturação interna em diferentes temas ou tópicos (a matemática em geometria, estatística, etc.; a língua em gramática, léxico, etc.; a física em estática, dinâmica, cinemática, etc.) se transformaram no sistema tradicional de organizar os conteúdos de aprendizagem no ensino.

Mas esta organização compartimentada de conteúdos, segundo sua dependência disciplinar, nem sempre se encontra na escola de forma pura. Ao longo deste século, e cada vez mais, podemos encontrar propostas e experiências que rompem com esta organização por unidades centradas exclusivamente numa cadeira ou disciplina, de maneira que aparecem unidades ou temas que tentam estabelecer relações entre conteúdos de diversas matérias. Relações entre a matemática e a física, entre a história da arte e a da literatura, entre a língua e as ciências sociais, entre a biologia e a química, etc. Numa fase mais avançada destes vínculos entre diferentes disciplinas, aparecem, sob as denominações de sincretismo e globalização, propostas de organização de conteúdos que, aparentemente, prescindem da compartimentação disciplinar, desenvolvendo, inclusive, métodos extremamente elaborados em que os critérios de organização dos conteúdos não estão condicionados por sua natureza disciplinar. Os “centros de interesse “, o trabalho por temas ou tópicos, os "complexos russos" ou os "projetos", entre outros, são métodos denominados globalizadores, porque seu ponto de partida não decorre da lógica das disciplinas. Nestes sistemas, os conteúdos de aprendizagem e sua organização em unidades didáticas só são relevantes em função de sua capacidade para compreender numa "realidade" que sempre se manifesta "globalmente".

Neste capítulo, depois de efetuar uma revisão terminológica dos conceitos que se referem às diferentes formas de relacionar as disciplinas: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, comentaremos diversas propostas metodológicas globalizadoras, analisando as razões que as justificam, e para concluir faremos uma proposta do que podemos denominar enfoque globalizador.

COMO PODEM SER ORGANIZADOS OS CONTEÚDOS? QUE REFERENCIAL PODE SER UTILIZADO?

Existem duas proposições acerca das diversas formas de organizar os conteúdos que, apesar de pontos coincidentes, partem de suposições e referenciais diferentes. Assim, certas formas de organizar os conteúdos tomam como ponto de partida e referencial básico as disciplinas ou matérias; neste caso, os conteúdos podem ser classificados conforme sua natureza em multidisciplinares, interdisciplinares, pluridisciplinares, metadisciplinares, etc. Nestas propostas, as disciplinas justificam os conteúdos próprios de aprendizagem e, portanto, nunca perdem sua identidade como matéria diferenciada. As características de cada uma das modalidades organizativas estão determinadas pelo tipo de relações que se estabelecem e o número de disciplinas que intervêm nestas relações, mas em nenhum caso a lógica interna de cada uma das disciplinas deixa de ser o referencial básico para a seleção e articulação dos conteúdos das diferentes unidades de intervenção. Deste modo, encontraremos organizações centradas numa disciplina apenas, forma tradicional de organização dos conteúdos, e outras que estabelecem relações entre duas ou mais disciplinas.

No outro lado está o modelo de organização de conteúdos que nos oferecem os métodos globalizados, os quais nunca tomam as disciplinas como ponto de partida. Nestes métodos, as unidades didáticas dificilmente são classificáveis se tomamos como critério o fato de que correspondam a uma disciplina ou matéria determinada. Os conteúdos das atividades das unidades didáticas passam de uma matéria para outra sem perder a continuidade: a uma atividade que aparentemente é de matemática segue outra que diríamos que é de ciências naturais, e a seguir uma que poderíamos classificar como de estudos sociais ou de educação artística. A diferença básica entre os modelos organizativos disciplinares e os métodos globalizados está em que nestes últimos as disciplinas como tais nunca são a finalidade básica do ensino, senão que têm a função de proporcionar os meios ou instrumentos que devem favorecer a realização dos objetivos educacionais. Nestas propostas, o valor dos diferentes conteúdos disciplinares está condicionado sempre pelos objetivos que se pretendem. O alvo e o referencial organizador fundamental é o aluno e suas necessidades educativas. As disciplinas têm um valor subsidiário, a relevância dos conteúdos de aprendizagem está em função da potencialidade formativa e não apenas da importância disciplinar.

Se levamos ao extremo as diferenças entre ambas as propostas, diríamos que a distinção se deve à concepção que cada um tem do papel do; ensino, o que implica que as prioridades não sejam as mesmas. No caso dos modelos disciplinares, a prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem, enquanto que os métodos globalizados situam no centro da atenção o aluno e suas necessidades educacionais gerais. Também é evidente que entre um extremo e o outro existem numerosas possibilidades. Uma educação centrada no aluno nunca é uma posição contra posta ou excludente, mas somatória. Uma educação centrada exclusivamente na lógica disciplinar pode não observar as necessidades formativas gerais do aluno, mas, no caso contrário, uma educação centrada no aluno não pode prescindir do ensino dos conteúdos disciplinares.

O diferente grau de importância que se atribui ao fato disciplinar nas atividades didáticas implica que seguidamente seja difícil estabelecer uma linha divisória entre os modos de organização de conteúdos no contexto de métodos globalizados e aqueles que envolvem relações entre muitas disciplinas. No entanto, convém levar em conta que estamos falando de perspectivas diferentes de aproximação ao problema da organização de conteúdos. Nos métodos globalizados, a aproximação ao fato educativo se realiza a partir da perspectiva de como os alunos aprendem e, secundariamente, do papel que devem desempenhar as disciplinas em sua formação. Nas propostas interdisciplinares, o alvo são as disciplinas e a maneira como os alunos podem aprendê-las melhor. Como dizíamos anteriormente, trata-se de perspectivas totalmente diferentes, mas estreitamente vinculadas, já que nem num caso se prescinde das disciplinas nem no outro se esquece dos alunos.

As disciplinas como organizadoras dos conteúdos: diferentes graus de relação

Ao longo dos anos, a ciência, em seu empenho em compreender a realidade, fragmentou o saber até diversificar o conhecimento numa multiplicidade de disciplinas, e cada uma delas, em sua especialização, criou um corpo diferenciado, determinado por um campo ou objeto material de referência (por exemplo, o espaço para a geografia, os animais para a zoologia, as rochas para a geologia, etc.); um campo de estudo próprio ou objeto formal da disciplina (por exemplo, as formas no espaço para a geometria, o comportamento para a psicologia, os planos e os mapas para a cartografia, etc.); certas metodologias próprias para a observação ou a pesquisa (por exemplo, a experimentação em biologia, o trabalho de campo na sociologia); certos instrumentos de análise (por exemplo, a estatística e as simulações); certas aplicações práticas e uma história diferenciada.

A organização dos conteúdos na escola deu lugar a diversas formas de relação e colaboração entre as diferentes disciplinas que foram consideradas matérias de estudo. Segundo o grau e as características destas relações, diversos autores (Boisot, Piaget, Hechausen, Scurati e Damiano) definiram várias formas de classificação sem que exista um consenso geral sobre os critérios utilizados, já que em alguns casos levaram em conta as necessidades escolares e em outros apenas prestaram atenção aos aspectos epistemológicos.

Se fazemos uma síntese integradora e ao mesmo tempo esquemática, numa perspectiva educacional podemos estabelecer três graus de relações disciplinares: multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares

• A multidisciplinaridade é a organização de conteúdos mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras. O conjunto de matérias ou disciplinas é proposto simultaneamente, sem que apareçam explicitamente as relações que podem existir entre elas. Trata-se de uma organização somativa. Esta concepção é a adotada no bachillerato * atual.

• A interdisciplinares é a interação entre duas ou mais disciplinas, que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa. Estas interações podem implicar transferências de leis de uma disciplina para outra e, inclusive, em alguns casos dão lugar a um novo corpo disciplinar, como a bioquímica ou a psicolinguística. Podemos encontrar esta concepção na configuração das áreas de Ciências Sociais e Ciências Experimentais no ensino médio e da área de Conhecimento do meio no ensino fundamental. 

• A transdisciplinaridade é o grau máximo de relações entre as disciplinas, daí que supõe uma integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema favorece uma unidade interpretativa, com o objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento. Atualmente, constitui mais um desejo do que uma realidade. De certa maneira seria o objetivo da Filosofia. Nesta concepção, e vencendo as distâncias lógicas, poderíamos situar o papel das áreas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde uma aproximação global de caráter psicopedagógico determina certas relações de conteúdos com pretensões integradoras.

Como podemos ver, estas classificações partem das disciplinas, e as diferenças entre elas provêm do grau e do tipo de relações que se estabelecem, o que pode dar lugar a formas de organizar os conteúdos, conforme o critério, que correspondam a uma só disciplina - no caso da multidisciplinaridade - ou a duas ou mais - no caso da interdisciplinaridade.

MÉTODOS GLOBALIZADOS

Se efetuamos uma leitura dos métodos globalizados sem abandonar a perspectiva disciplinar, poderíamos considerar que organizam os conteúdos de forma transdisciplinar. Certamente se trata de uma afirmação atrevida, já que nenhum destes métodos pretende transformar-se numa disciplina totalizadora. Sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e em suas necessidades educacionais. Assim, pois, estas necessidades educacionais serão as que obrigarão a utilizar conteúdos disciplinares e não o contrário.

Se damos outra olhada superficial na maneira de organizar os conteúdos nos métodos globalizados, poderemos observar que os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar. Os critérios estruturadores das atividades e articuladores dos conteúdos de aprendizagem procedem de necessidades alheias às disciplinas que se utilizam, por exemplo, a necessidade de realizar um projeto, a de fazer uma pesquisa ou a de tratar ou conhecer um tema de interesse próximo à realidade do aluno.

Historicamente os métodos globalizados nascem quando o aluno se transforma no protagonista do ensino; quer dizer, quando se produz um deslocamento do fio condutor da educação das matérias ou disciplinas como articuladoras do ensino para o aluno e, portanto, para suas capacidades, interesses e motivações.

Por razões históricas, e por sua vigência atual, iremos nos deter em quatro dos métodos citados:

Os centros de interesse de Decroly, os quais, partindo de um núcleo temático motivador para o aluno e seguindo o processo de observação, associação e expressão, integram diferentes áreas do conhecimento.

* método de projetos de Kilpatrick, que basicamente consiste na elaboração e produção de algum objeto ou montagem (uma máquina, um audiovisual, um viveiro, uma horta escolar, um jornal, etc.).

* O estudo do meio do MCE (Movimento de Cooperazione Educativa de Itaha), que busca que meninos e meninas construam o conhecimento através da sequência do método científico (problema, hipótese, experimentação).

Os projetos de trabalho globais, em que, com o fim de conhecer um tema, tem que se elaborar um dossiê como resultado de uma “pesquisa pessoal ou em equipe.

Todos os sistemas apresentados no Quadro 6.1 partem de uma situação real: conhecer um tema, realizar um projeto, resolver certas interrogações ou elaborar um dossiê. A diferença fundamental entre eles está na intenção do trabalho a ser realizado e nas fases que devem ser seguidas.

Dado que estes métodos não apenas respondem ao problema da organização dos conteúdos, faremos uma descrição de cada um deles, prestando atenção a todos os aspectos que incluem e às razões que oferecem seus autores para justificá-los. No tópico seguinte trataremos de analisá-los desde uma perspectiva concreta da organização de conteúdos.

Os centros de interesse de Decroly

Diversos educadores propuseram métodos que partem de uma situação ou tema que podem ser motivadores, mas Òvide Decroly (1871- 1932), em sua escola L'Ermitage e com o tema "para a vida mediante a vida", aplica um método baseado na comprovação do fato de que às pessoas interessa sobretudo satisfazer as próprias necessidades naturais. Estas necessidades implicarão um conhecimento do meio e das formas de reagir nele. O meio estará constituído por diversos elementos: o menino ou a menina e a família, a escola, a sociedade, os animais, as plantas, a terra com seus elementos e os astros. Para satisfazer certas necessidades naturais, o programa escolar deverá ensinar como se satisfazem hoje em dia, no país em que se vive e nos demais países (geografia); como as satisfizeram nossos antepassados (história); o que nos ajuda a satisfazê-las no mundo animal (ciências naturais); que repercussões têm sobre a organização social. Para cada centro de interesse se seguirão três etapas: observação pessoal e direta através das ciências; associação no espaço e no tempo e expressão através da língua, o desenho, o corpo...

A partir destes princípios, este método foi evoluindo e se ampliou o tipo de centros de interesse. Hoje em dia, se define, com este termo, o trabalho de conhecimen lo sobre um tema que é atrativo e que envolve o uso de diferentes recursos disciplinares no processo que leva a conhecê-lo.

Sequência de ensino/aprendizagem

• Observação: Define-se como o conjunto de atividades que tem. por finalidade pôr os alunos em contato direto com as coisas, os seres, os fatos e os acontecimentos. Este objetivo é alcançado através da realização de exercícios de comparação, cálculo, experimentação, expressão oral e escrita, desenho, etc.

• Associação: Através dos exercícios de associação, os meninos e meninas relacionam o que observaram com outras ideias ou realidades não-suscetíveis de contato e observação direta. É o caso das atividades de associação no espaço e no tempo, relacionadas com as áreas* • de geografia e história; às associações tecnológicas e de adaptação às necessidades da sociedade e as associações de causa-efeito.

Expressão: Uma vez adquiridos os dados empíricos mediante a observação e a medida e uma vez estabelecidas as comparações entre diversos objetos associados no espaço e no tempo, o conhecimento é verificado e corrigido com a expressão. A expressão pode ser concreta, quando utiliza os trabalhos manuais, a modelagem, o desenho, a música, etc., ou abstrata, quando traduz o pensamento com ajuda de símbolos convencionais e se identifica com a linguagem, os signos matemáticos ou musicais, etc.

Justificativa

Decroly utiliza diferentes argumentos, baseados em sua experiência como homem eminentemente pragmático e sensível aos problemas da sociedade:

• A criança é o ponto de partida do método. Partir de uma base bio psicológica e da observação sistemática envolve se dar conta de que as diferenças individuais são muito grandes, tanto em relação às aptidões como ao tempo de maturidade, e que a origem destas diversidades está tanto no próprio indivíduo como no ambiente.

"A criança não é o queremos que seja, mas o que pode ser."

• O respeito à personalidade do aluno. "A educação tem que ser para a vida e baseada na vida. A resposta à imobilidade que condena a uma escola passiva é o ensino ativo que permite que o aluno atue como o inventor ou o artista, quer dizer, realizando tentativas - fazendo provas e cometendo erros."

• A alavanca eficaz de toda aprendizagem é o interesse. Mas não qualquer interesse, porém o profundo, nascido das necessidades primárias e que é manifestação dos instintos.

A vida como educadora. A eficácia do meio é decisiva. O fato de levar em conta as aquisições que a criança fez antes de ir para a escola leva Decroly a pensar que a maioria das aprendizagens é feita espontaneamente, por contato com o meio imediato.

• Os meninos e as meninas são seres sociais. Assim, pois, a escola deve ser concebida de maneira que potencialize o surgimento e o desenvolvimento das tendências sociais latentes na pessoa. É preciso buscar mostrar ao vivo as formas elementares da vida social e praticá-las, introduzindo em sala de aula encargos e responsabilidades.

• A atividade mental está presidida, em muitos aspectos, pela fun­ção globalizadora e é influenciada pelas tendências preponderantes no sujeito. Daqui se desprendem os diversos significados que adquirem os objetos, os acontecimentos, etc., para cada indivíduo e em cada momento de sua vida.

O método de projetos de Kilpatrick

Embora a estruturação e difusão do método de projetos tenham sido obra de Kilpatrick, Dewey realizou as primeiras provas em 1896, na escola experimental da Universidade de Chicago. Trata-se de um sistema baseado no funcionalismo e que recebe influências do evolucionismo de Stanley Hall, das teorias condutistas de Thorndike sobre a aprendizagem e, evidentemente, das socialistas de Dewey.

Dewey decidiu romper com o intelectualismo que imperava no ensino e se propôs a incorporar à educação a experiência do aluno, seus interesses pessoais e os impulsos para a ação. Sua visão sublinha as diferenças individuais, as atitudes sociais dos alunos no ambiente escolar e seu desejo de participar na proposição e direção da própria aprendizagem. Concede uma grande importância ao trabalho, à iniciativa individual, ao fato de se aprender fazendo e à formação democrática.

Kilpatrick foi o realizador prático e divulgador das ideias de seu mestre Dewey. Suas propostas pedagógicas são as mais características do pragmatismo americano e da educação democrática. Para ele, o objetivo da educação consiste em aperfeiçoar a vida em todos seus aspectos, sem outras finalidades transcendentes. A finalidade da escola deve ser ensinar a pensar e a atuar de maneira inteligente e livre. Por isso, os programas têm que ser abertos, críticos e não-dogmáticos, baseados na experiência social e na vida individual. Kilpatrick entende o método como uma adaptação da escola a uma civilização que muda constantemente.

O ponto de partida do método de projetos é o interesse e o esforço. O professor terá que aproveitar as energias individuais, naturalmente dispersas, canalizá-las e integrá-las para um objetivo concreto. Já um bom ensino será dado quando os meninos e as meninas possam se mover de acordo com suas intenções e aglutinem seus esforços e desejos para objetivos claramente definidos segundo certos ideais e valores.

Para Kilpatrick o projeto é uma "atividade previamente determinada", a intenção predominante desta atividade é urna finalidade real que orienta os procedimentos e lhes confere uma motivação, um ato problemático, levado completamente a seu ambiente natural".

O método de projetos designa a atividade espontânea e coordenada de um grupo de alunos que se dedicam metodicamente à execução de um trabalho globalizado e escolhido livremente por eles mesmos. Deste modo, têm a possibilidade de elaborar um projeto em comum e de executá-lo, sentindo-se protagonistas em todo o processo e estimulando a iniciativa responsável de cada um no seio do grupo.

Sequência de ensino/aprendizagem

O projeto compreende quatro fases:

Intenção: Nesta primeira fase, os meninos e meninas, coordenados e dirigidos pelo professor, debatem sobre os diferentes projetos propostos, escolhem o objeto ou montagem que querem realizar e a maneira de se organizar (grupo/classe, grupos reduzidos, individualmente). Definem e esclarecem as características gerais do que querem fazer, assim como os objetivos que pretendem alcançar.

• Preparação: A segunda fase consiste em fazer o projeto do objeto ou montagem. É o momento de definir com a máxima precisão o projeto que se quer realizar. Para completar esta fase serão exigidos o planejamento e a programação dos diferentes meios que serão utilizados, os materiais e as informações indispensáveis para a realização e as etapas e tempo previstos.

• Execução: Uma vez definido o projeto, os meios e o processo a ser seguido, o trabalho será iniciado segundo um plano estabelecido. As técnicas e estratégias das diferentes áreas de aprendizagem (escrever, contar, medir, desenhar, montar, etc.) serão utilizadas em função das necessidades de elaboração do projeto.

Avaliação: Uma vez concluído o objeto ou montagem, será o momento de comprovar a eficácia e a validade do produto realizado. Ao mesmo tempo, será analisado o processo seguido e a participação dos meninos e meninas.

 

Justificativa

Resumidamente, as formas de trabalhar a partir do método de projetos são as seguintes:

Possibilita a atividade coletiva com um propósito real e dentro de um ambiente natural. Portanto, o projeto deve incluir atividades em comum, em equipe e o trabalho em comunidade. Pretende fomentar o espírito de iniciativa ao mesmo tempo que a colaboração num projeto coletivo.

• Vincula as atividades escolares à vida real, buscando que se pa­reçam ao máximo. Dá-se importância aos impulsos das ações, das intenções, propósitos ou finalidades da ação. No projeto, intervém todo tipo de atividades manuais, intelectuais, estéticas, sociais, etc.

• Torna o trabalho escolar algo autenticamente educativo, já que os próprios alunos o elaboram. Potencializa a capacidade cie iniciativa do aluno e o respeito à personalidade dos meninos e meninas. Permite a adequação do trabalho aos níveis de desenvolvimento individual.

• Favorece a concepção da realidade como tato problemático, que é preciso resolver, e responde ao princípio de integração e de totalidade, o que dá lugar ao ensino globalizado, quer dizer, não existem matérias isoladas, senão que os projetos incluem todos os aspectos da aprendizagem: leitura, escrita, cálculo, expressão artística, etc.

O método do estudo do meio

Diversos pedagogos se perguntam por que a pesquisa não pode ser também, um bom. método de aprendizagem, já que é a forma utilizada para chegar ao conhecimento. Freinet é quem estrutura, a partir de 1924, sua teoria pedagógica no princípio do tâtonnement e baseia as técnicas didáticas no tateio experimental que a criança realiza constantemente. Herdeiro desta tradição, o Movimento de Cooperazione Educativa (MCE) da Itália busca organizar e sistematizar o tateio experimental, assim como esclarecer os fundamentos psicopedagógicos da investigação da criança como processo natural de aprendizagem, e busca transformar a escola numa instituição em que o aluno ponha toda sua bagagem cultural ao alcance dos demais para que se chegue, de modo conjunto, a conhecer o mundo cientificamente. Parte-se da ideia de que os meninos e meninas sabem e trazem para a escola uma. grande quantidade de conhecimentos aprendidos de forma natural através de seu próprio tateio experimental. A criança sempre experimenta quando se "encontra diante de um problema que tenha que solucionar, e o método da investigação imporá sua solução, através da utilização dos conhecimentos anteriores de uma forma nova, criativa" (F. Tonucci, 1979).

Para o MCE, pesquisar na escola significa escolher, ordenar, relacionar os elementos descobertos e analisar problemas precedentes. A pesquisa será o processo natural de aprendizagem na medida em que está relacionada com o ambiente ou interesse da criança; um ambiente que lhe é familiar e do qual tem uma experiência imediata.

Deste contato com o meio, de seu interesse, surgirá a motivação pelo estudo dos múltiplos problemas que se apresentam na realidade. Resolver estes problemas envolverá a proposição de hipóteses de trabalho que deverão ser verificadas com dados e informações previamente coletados. Tudo isto permitirá solucionar, total ou parcialmente, o problema que havia surgido e pode ser o ponto de partida da proposição de novas questões. Mas o conhecimento obtido é suficientemente importante para que as conclusões sejam comunicadas aos outros, dentro e fora da escola, utilizando diversos meios de comunicação (murais, montagens, jornais, dossiês, reportagens, etc.). Em 1970, este processo de sistematização deu lugar a uma definição da metodologia de "Estudo do Meio" numa série de etapas ou fases. * •

Sequência de ensino/aprendizagem

Motivação: Nesta fase inicial se pretende colocar os meninos e meninas diante de situações próximas de suas experiências vitais, que lhes provoquem, e lhes incentivem, a fim de despertar seus interesses e suas motivações pelas questões que esta situação coloca. O debate na sala de aula permitirá definir os aspectos do tema motivo de estudo.

Explicitação das perguntas ou problemas: No debate deverão aparecer opiniões diversas e, sobretudo, numerosas perguntas e problemas que terão de ser resolvidos. Em grupos reduzidos ou coletiva- mente - conforme a idade dos alunos - serão definidas e classificadas as perguntas ou os problemas objeto de pesquisa.

• Respostas intuitivas ou hipóteses: Para muitas das perguntas feitas, os meninos e meninas já têm suposições ou respostas mais ou menos intuitivas como resultado de informações ou experiências anteriores. Mas geralmente se trata de um conhecimento confuso, quando não errôneo. Nesta fase se pretende que, ao mesmo tempo que aflorem suas concepções prévias, os alunos possam prever as formas, meios ou instrumentos que têm que utilizar.

• Determinação dos instrumentos para a busca de informação: Em função dos conteúdos do tema, do tipo de perguntas, das idades ou das disponibilidades e disposições da escola, estes instrumentos estarão relacionados com a experiência direta (visitas, entrevistas, experimentações...), com fontes de informação indireta (artigos, livros, dados estatísticos, jornais...), ou inclusive com a informação proporcionada pelos professores.

• Esboço das fontes de informação e planejamento da investigação: Para poder formular conclusões que realmente sejam verdadeiras é necessário utilizar os meios adequados e fazê-lo de forma rigorosa. Por este motivo, nesta fase as atividades de busca de informação e os diferentes instrumentos a serem utilizados (questionários, referências de observação, experimentos de campo ou de laboratório, etc.) têm que estar claramente definidos, com esboços previamente trabalhados e um planejamento ajustado.

• Coleta de dados: Nesta fase, os meninos e meninas, através dos diferentes meios e fontes de informação, coletarão todos aqueles dados úteis para responder às perguntas e questões colocadas.

• Seleção e classificação dos dados: A informação obtida será múltipla e diversa, em alguns casos excessiva, noutros contraditória. Será necessário fazer uma seleção dos dados mais relevantes para responder às questões. Uma vez selecionadas e classificadas, os alunos já se encontram prontos para chegar a conclusões.

• Conclusões: Com os dados obtidos, os meninos e meninas poderão confirmar ou não a validade das suposições e de suas ideias prévias e ampliar seu campo de conhecimento. Também estarão prontos a generalizar o que foi um estudo restrito a um campo concreto e a um problema pontual.

Generalização: Nesta fase se realizará um trabalho de descontextualização e aplicação das conclusões a outras situações para que não se convertam numa aprendizagem episódica.

• Expressão e comunicação: Através de diferentes técnicas expressivas e de comunicação serão expostos os resultados da pesquisa aos colegas de classe ou da escola, ou inclusive à comunidade. Estes resultados da pesquisa também serão incluídos nos cadernos ou dossiês individuais que, além de registro do trabalho realizado, serão o suporte básico de estudo e o meio para sistematizar a lembrança.

Justificativa

Conforme esta metodologia, a tomada de posição frente a um problema supõe uma ação sobre o mesmo, uma comunicação dos resultados obtidos e uma atuação consequente. Para o MCE, a pesquisa sempre envolve uma ação que implica a modificação do meio, contrária ao "ativismo ingênuo", que imita a realidade sem intenção de modificá-la. Portanto, o problema do uso de um esquema de pesquisa não se deve apenas a uma coerência com os processos de aprendizagem, senão que o essencial é que a aprendizagem científica da realidade sempre parta da experiência. Esta experiência desenvolverá na criança um "espírito científico que foi definido como um costume geral de considerar cada aspecto da realidade física, natural, econômica e social, segundo o método do exame dos fatos, da verificação experimental, da razão crítica" (Ciari, 1980). Para o MCE, este espírito científico é essencial no desenvolvimento do "hábito democrático". Numa sociedade democrática, o espírito científico formará cidadãos com capacidade de observar, de avaliar, de escolher e de criticar, já que este espírito científico significa capacidade e aptidão para observar as coisas, mas, sobretudo, para interpretar suas relações. "A capacidade de propor hipóteses, de programar uma experiência, de tirar conclusões ensina a criança a pensar, a raciocinar, a comprovar se uma coisa é verdadeira ou falsa; ensina a distinguir, a escolher; sem ela não existe hábito democrático. Uma mente passiva, inerte, conformista, não pode constituir uma personalidade democrática" (Ciari, 1961). A metodologia do MCE terá como objetivo primordial ensinar a formular "projetos" de experiências e sistematizá-los, discutir, estabelecer relações, realizar experimentos, tirar conclusões, etc., como meio de contribuir para formar cidadãos e cidadãs críticos, responsáveis e com instrumentos para intervir na realidade que os rodeia.

Os projetos de trabalho globais

Esta forma de intervenção nasce de uma evolução dos Project Works de língua e é uma resposta à necessidade de organizar os conteúdos escolares desde a perspectiva da globalização, criando situações de trabalho nas quais as meninas e os meninos se iniciem na aprendizagem de certos procedimentos que os ajudem a organizar, compreender e assimilar uma informação. Nesta forma de entender o método, o produto final do projeto se concretizou na realização de um dossiê ou monografia. Na elaboração do dossiê se utilizará uma série de habilidades, estratégias e conhecimentos procedentes de diferentes disciplinas, áreas ou matérias.

Sequência de ensino/aprendizagem

Na realização do projeto podem se destacar as seguintes fases:

• Escolha do tema: Parte-se da ideia de que os meninos e meninas sabem que devem trabalhar sobre alguma coisa e também que devem fazê-lo de uma determinada maneira.

Como resultado de experiências anteriores, de algum fato de atualidade ou de um acontecimento, propõem-se temas para trabalhar. O grupo, juntamente com o professor, decide qual será o tema do novo projeto.

• Planejamento do desenvolvimento do terna: Depois da escolha do tema, cada menino e menina, ou coletivamente, realiza uma proposta de índice dos diferentes tópicos do dossiê. Também se estabelecem as previsões sobre a distribuição do tempo e as tarefas a serem realizadas para a busca da informação que tem que dar resposta aos tópicos do índice.

A seguir, o professor ou a professora especificará os objetivos de aprendizagem e selecionará os conteúdos que tem intenção de trabalhar.

Busca de informação: A exposição em comum das diferentes propostas de índice configurará o roteiro de trabalho. Uma vez escolhidas as formas e os meios mais apropriados e acessíveis para coletar a informação, os meninos e meninas, distribuídos em pequenos grupos ou individualmente, buscarão os dados necessários.

• Tratamento da informação: Esta é uma das partes mais significativas do método, já que nesta fase o aluno tem que poder selecionar e reconhecer o que é essencial do que é episódico; distinguir entre hipóteses, teorias, opiniões e pontos de vista; adquirir as habilidades para trabalhar com meios e recursos diferentes; classificar e ordenar a informação; chegar a conclusões e estabelecer processos de descontextualização para poder generalizar e, finalmente, propor novas perguntas.

 Desenvolvimento dos diferentes tópicos do índice: A partir da informação coletada e selecionada, se elaboram os conteúdos dos diferentes capítulos que compõem o índice.

• E laboração do dossiê de síntese: Nesta fase se concretiza o que para os alunos é o produto do projeto e que conduziu e justificou todo o trabalho anterior.

Realiza-se a síntese dos aspectos tratados e dos que ficam abertos a futuras aproximações por parte de toda a classe e de cada aluno.

• Avaliação: A seguir, se avalia todo o processo em dois níveis: um de caráter interno, que cada menino e menina realiza e no qual recapitula o que fez e o que aprendeu, e outro de caráter externo, no qual, com ajuda do professor ou professora, os alunos têm que se aprofundar no processo de descontextualização, aplicando a situações diferentes a informação trabalhada e as conclusões obtidas, estabelecendo relações e comparações que permitam a generalização e a conceitualização.

• Novas perspectivas: Finalmente, abrem-se novas perspectivas de continuidade para o projeto seguinte, a fim de que se mantenha um maior grau de inter-relação e significado no processo de aprendizagem. 

Justificativa

Esta forma de intervenção é justificada por diversos argumentos.

Como poderemos observar, a maioria deles está relacionada com a importância que se dá ao aprender a aprender e ao envolvimento do aluno em sua aprendizagem. Em resumo, esta maneira de intervir:

• Permite uma abordagem dos conteúdos de aprendizagem defini­dos pela escola a partir do diálogo que se estabelece entre os objetivos explicitados pelos alunos e a mediação e intervenção do professor, que assegura sua correta sequenciação.

• Promove contextos de trabalho em que os alunos podem, a partir de uma proposição inicial (relacionada com seus conhecimentos prévios), buscar informação, selecioná-la, compreendê-la e relacioná-la através de diferentes situações para convertê-la em conhecimento.

• Contribui com um sentido da globalização, segundo o qual as relações entre as fontes de informação e os procedimentos para compreendê-la e utilizá-la têm que ser estabelecidas pelos alunos e não pelos professores, como acontece nos enfoques interdisciplinares.

• Dá prioridade a uma perspectiva procedimental no processo de ensino e aprendizagem. A ênfase na relação entre ensino e aprendizagem é sobretudo de caráter procedimental e gira em torno do tratamento da informação, portanto potencializa a aprendizagem de estratégias e procedimentos instrumentais e cognitivos acima dos conteúdos conceituais.

Promove um elevado nível de envolvimento do grupo/classe, ria medida em que todos estão aprendendo e compartilhando o que aprendem. Neste sentido, o docente ou a equipe de educadores não são os únicos responsáveis pela atividade que se realiza em aula.

• Contribui para levar em conta as diferentes possibilidades e interesses dos alunos na aula, a fim de que ninguém permaneça desconectado e de que cada um encontre um lugar para participar na aprendizagem.

ANÁLISE DAS DIFERENTES FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS

Este exame de quatro modelos de intervenção globalizados nos permitiu ver que não só dão uma determinada resposta à maneira de organizar os conteúdos, como que cada um propõe formas diferenciadas, tanto em relação às sequências de ensino/aprendizagem como em relação ao papel dos grupos, o uso de materiais e a função da avaliação.

Portanto, as razões que se esgrimem em cada caso se referem, a aspectos gerais e a outros vinculados à globalização e sua fundamentação. Se nos detemos na maneira de resolver a organização dos conteúdos- e a comparamos com as proposições estritamente disciplinares, veremos que a importância que se dá ao aluno e a com o aprende e a finalidade que se atribui ao ensino são as chaves que motivam a opção globalizadora.

Nos modelos disciplinares, a concepção de como se aprende, no que se refere à organização dos conteúdos, tem uma importância relativa, pelo menos no ponto de partida. A disciplina é o objeto de aprendizagem, e este fato é indiscutível. É preciso dominar o corpo conceituai da disciplina e seus métodos e técnicas específicos. O conhecimento sobre a aprendizagem em geral não tem que servir para questionar a disciplina, mas, sim para estabelecer as propostas didáticas mais apropriadas para sua aprendizagem. Uma vez aceita a disciplina como objeto do ensino, será aplicado o conhecimento do como se aprende para determinar a metodologia adequada. Assim, pois, o fator fundamental numa tomada de posição exclusivamente disciplinar não está determinado tanto por razões psicopedagógicas, mas pelo papel que se atribui ao ensino, quer dizer, a sua função social. A pergunta-chave volta a ser a que questiona qual tem que ser o papel do ensino e, portanto, que tipo de cidadão e cidadã se propõe e, portanto, que capacidades é preciso desenvolver. As disciplinas e sua formalização promovem o desenvolvimento de capacidades cognitivas - nem todas - e, em menor grau, das outras capacidades humanas. Segundo a resposta que se dê ao que se considera que os meninos e meninas têm que "saber ", "saber fazer" ou "ser" ao concluir seu percurso educacional, será determinada a importância dos diferentes conteúdos disciplinares e a forma mais apropriada de organizá-los. Por este motivo, tem certa lógica que no Bachillerato* se configure uma organização de conteúdos em que as disciplinas sejam as estruturadoras do currículo, já que são o objeto de estudo prioritário, dado que a função fundamental do bachillerato é claramente propedêutica e se entende que seu objetivo prioritário é o desenvolvimento das capacidades cognitivas relacionadas com conteúdos de caráter disciplinar. No entanto, esta clara definição disciplinar vai perdendo importância quando nos referimos ao ensino obrigatório**, porque o objeto de estudo, se levamos em conta a função social do ensino nesta etapa, não pode ser exclusivamente disciplinar, dado que as finalidades educacionais têm um caráter eminentemente formativo de todas as capacidades da pessoa.

No sistema educacional espanhol, o ensino obrigatório - educação básica obrigatória - compõe-se da educação primária, com seis anos de duração, e da educação secundária obrigatória, com quatro anos.

 

Neste ponto adquirem grande importância as propostas globalizadas, posto que buscam situar o objeto do ensino num campo em que as disciplinas não são tudo. A alternativa não é uma negação das disciplinas, mas uma posição diferente de seu papel e, como observaremos, não tem a mesma importância em cada um dos métodos globalizados anteriormente descritos.

A intervenção na realidade: objetivos dos métodos globalizados

Em primeiro lugar, utilizaremos o referencial "função social do ensino" - e como se concretiza no trabalho sobre determinados conteúdos de aprendizagem - para analisar as diferentes formas de intervenção pedagógicas que descrevemos em torno dos centros de interesse, o método de projetos, o estudo do meio e os projetos de trabalho.

• Os centros de interesse, numa primeira aproximação, consistem na busca da informação para conseguir a melhora no conhecimento • de um tema que é interessante para o aluno. Portanto, os conteúdos de aprendizagem são basicamente conceituais. Mas podemos nos dar conta de que a forma de adquirir estes conceitos tem um interesse crucial, daí que os conteúdos procedimentais relativos à investigação autônoma e à observação direta são essenciais. Ao mesmo tempo, os conteúdos atitudinais vinculados à socialização, à cooperação e à inserção no meio são os estrutura- dores da maioria das atividades que configuram o método.

« No método de projetos de Kilpatrick, os conteúdos básicos de aprendizagem são de caráter procedimental e atitudinal. O que interessa não é tanto o tema de trabalho, o objeto que se constrói ou a montagem que se realiza, mas todas as habilidades individuais e grupais que têm que se promover para conseguir o objetivo estabelecido. De certo modo, os conteúdos conceituais estão em função da capacidade de planejamento e realização. As habilidades vinculadas ao "saber fazer" e ao "saber resolver" são o fio condutor do método. Da mesma maneira, a capacidade de participação e trabalho associada a necessidades colocadas na vida real é a orientadora dos conteúdos atitudinais.

• Neste sentido, o estudo do meio é o método mais completo, já que os conteúdos procedimentais estão presentes em todas as fases e etapas - atribuindo uma importância especial não apenas àqueles relacionados com a busca de informação, como também aos mais complexos de caráter estratégico cognitivo. Além do mais, os conteúdos conceituais, vinculados a problemas e conflitos da vida real, são básicos como instrumentos para compreender esta realidade social. Os conteúdos atitudinais também são os orientadores e estruturadores de toda a metodologia. Os valores e atitudes relacionados com o fomento de uma cidadania comprometida, ao mesmo tempo que é capaz de pôr em dúvida e fundamentar suas opiniões não apenas intuitivamente, como também com argumentos contrastados pelas diferentes fontes de informação, é chave na definição das razões que justificam o método.

• No método de projetos de trabalhos globais, os conteúdos que centram o trabalho são de caráter conceituai e estão relacionados com o conhecimento de um tema ligado à realidade, geralmente do mundo sócio natural (o que é, como funciona, como se desenvolve, quando aconteceu, por que motivo, etc.). O que o torna mais relevante é o trabalho sistemático de alguns conteúdos procedimentais relacionados com a busca de informação e de trabalho em grupo, assim como a utilização constante de determinadas estratégias cognitivas associadas ao "aprender a aprender". Por outro lado, o interesse pelo trabalho dos conteúdos atitudinais é mais fraco, já que, apesar de estarem presentes (cooperação no trabalho em equipe, rigor na proposição das atividades de busca de informação, etc.), não são os motores do método.

De forma esquemática, poderíamos afirmar, apesar de correr o risco de um reducionismo evidente, que cada uma destas propostas dá prioridade a uma determinada função social do ensino. Assim, nos centros de interesse a função social do ensino consiste em formar cidadãos preparados para conhecer e interagir com o meio; o método de projetos de Kilpatrick considera que sua finalidade é a preparação para a vida de pessoas solidárias que "sabem fazer"; o método de estudo do meio submete a ação educativa à formação de cidadãos democráticos e com "espírito científico" e, finalmente, os projetos de trabalho globais entendem que o objetivo é a formação de cidadãos e cidadãs capazes de "aprender a aprender".

Como podemos observar, apesar das diferenças, o objetivo básico destes métodos consiste em conhecer a realidade e saber se desenvolver nela. O papel que se atribui ao ensino é o denominador comum que justifica o caráter globalizador. Se as finalidades do ensino estão voltadas para o conhecimento e à atuação para a vida, então parece lógico que o objeto de estudo deve ser o eixo estruturador das aprendizagens, seja a própria realidade. Por isso, o ensino de todos aqueles conhecimentos, estratégias, técnicas, valores, normas e atitudes que permitem conhecer, interpretar e agir nesta realidade deveria partir de problemas concretos, situações verossímeis, questões específicas de uma realidade global mais ou menos próxima dos interesses e das necessidades dos futuros cidadãos adultos, membros ativos de uma sociedade que nunca colocará problemas disciplinares específicos. 

O meio social a que pertencem sempre é muito mais complexo do que os enunciados definidos pelas disciplinas ou matérias. É imprescindível não cometer o erro simplista de acreditar que o conhecimento isolado de técnicas e saberes é suficiente para dar resposta aos problemas da vida social e profissional futura. Se não se realiza o difícil exercício de integrar e relacionar estes saberes, será impossível que os conhecimentos possam se transformar num instrumento para a compreensão e a atuação na sociedade.

Com este objetivo de estabelecer vínculos com o mundo real e partindo de problemas tirados da realidade, os métodos globalizados tentam proporcionar aos meninos e meninas meios e instrumentos para que num determinado momento possam realizar a difícil tarefa de aplicá-los às complexas situações que lhes serão colocadas pela vida em sociedade.

Significância, funcionalidade e atitude favorável nos métodos globalizados

Se a realidade, como objeto de estudo, é o nexo comum dos métodos globalizadores, também o é a necessidade de criar as condições que permitam que o aluno esteja motivado para a aprendizagem e que seja capaz de compreender e aplicar os conhecimentos adquiridos. Uma análise atualizada nos permite concretizar este interesse a partir da atenção aos princípios psicopedagógicos da aprendizagem significativa, baseados na necessidade de estabelecer o maior número de vínculos substantivos e não-arbitrários entre os conhecimentos prévios e a potencialização da atitude favorável.

Realmente, nos métodos globalizados os diversos conteúdos de aprendizagem sempre são justificados pela necessidade de realizar um projeto concreto, de conhecer um tema de interesse, ou como meio para resolver alguns problemas ou questões que os alunos colocam. O conhecimento de um conceito gramatical, a utilização da medida própria da matemática, ou conhecimento do conceito de erosão ou do ciclo da água nunca são o resultado de um trabalho em si mesmo, mas de uma necessidade sentida. Num modelo globalizador, os alunos sempre conhecem o sentido da tarefa que realizam. As estratégias globalizadoras pretendem que aquilo que se aprende parta de uma necessidade sentida e não de conhecimentos impostos a priori. Os meninos e meninas se fazem perguntas acerca de fenômenos para os quais não têm explicação, e através de diversas atividades, de experimentação, de leitura e de comparação entre diferentes opiniões, podem chegar a compreender a formulação de princípios ou conceitualizações complexas. Atividades cujos novos conteúdos sempre são funcionais e significativos pelo fato de não estarem estabelecidos por necessidades alheias à própria realização do projeto ou da busca de informação.

Posto que se parte de uma situação real, e portanto complexa, o número de relações que pode se estabelecer entre as experiências anteriores e os novos conteúdos pode ser maior, já que ao incrementar o número de vínculos, a significância da aprendizagem aumentará e terá mais possibilidades de aplicação em situações diferentes. Esta é uma das razões que, em sua época, Claparède e sobretudo Decroly esgrimiram, a partir de outras concepções psicopedagógicas, para fundamentar suas propostas. Esta razão corresponde à necessidade de responder, na vida real, a situações que nunca estão segmentadas, senão que se apresentam sob uma grande complexidade de variáveis que atuam simultaneamente. Quanto mais relações possam ser estabelecidas entre os novos conteúdos e os esquemas de conhecimento já existentes, mais possibilidades terá a pessoa de dar resposta a situações ou problemas complexos.

Junto a esta necessidade de dotar as aprendizagens de significância, o fato de partir de situações próximas também constitui o meio para criar as condições que favorecem o trabalho, já que fomenta a atitude favorável para a aprendizagem ou, se se prefere, para a motivação intrínseca. Os métodos expostos sempre partem do interesse dos alunos e em seu desenvolvimento buscam que não decaia a atenção, a fim de garantir que as atividades contribuam para a assimilação dos conteúdos trabalhados.

O fato de que os conteúdos trabalhados (leitura, cálculo, expressão oral, respeito ao meio ambiente) não sejam uma imposição externa, mas se apresentem como o que é preciso conhecer para responder a interrogações pessoais, realizar atividades que se considerem interessantes e tomar decisões sobre a forma de estudar, supõe um incentivo para o aluno, o qual dá valor positivo ao trabalho sobre conteúdos que lhe são úteis.

O ENFOQUE GLOBALIZADOR, UMA RESPOSTA A NECESSIDADES VARIADAS E INCLUSIVE CONTRAPOSTAS

Do exame que realizamos até agora se conclui que os métodos globalizados dão resposta à necessidade de que as aprendizagens sejam o mais significativas possível e, ao mesmo tempo, consequentes com certas finalidades que apontam para a formação de cidadãos e cidadãs que compreendam e participem numa realidade complexa. Portanto, poderíamos dizer que quando se participa destas finalidades, a forma mais adequada de organizar os conteúdos tem que ser a dos métodos globalizados. Mas esta aparente conclusão não é de todo certa. Neste marco, os referenciais a serem levados em conta - o construtivismo e o conhecimento da realidade - nos propõem que as aprendizagens sejam o mais significativas possível e que permitam resolver os problemas de compreensão e participação num mundo complexo. É evidente que os métodos globalizados atendem a estes requisitos, mas não são a única forma possível de atendê-los.

Respeitar a concepção construtivista e que o objeto de estudo sejam os problemas de compreensão e atuação no mundo real implica que toda a intervenção pedagógica parta sempre de questões e problemas da realidade, do meio do aluno (entendido no sentido amplo: não apenas o que o rodeia, como tudo quanto influi nele e o afeta). Para responder a estas questões ou problemas será necessário utilizar instrumentos conceituais e técnicos, que sem dúvida nenhuma, procedem das disciplinas; instrumentos que será necessário aprender a manejar rigorosamente, e em profundidade, se queremos que cumpram sua função. Rigor que obviamente só pode se produzir desde o marco de cada uma das disciplinas. E aqui é onde surge o conflito: como podemos partir de problemas que nos proponham as situações reais e ao mesmo tempo respeitar a estrutura e a organização lógicas das disciplinas?

Não podemos alterar os diferentes saberes ou matérias sem correr o risco de provocar erros conceituais ou procedimentais em sua aprendizagem. É imprescindível que os conteúdos disciplinares sejam apresentados e trabalhados atendendo à lógica definida pela matéria. Portanto, o planejamento prévio dos conteúdos de aprendizagem, sua seleção e sua sequenciação terão que corresponder, num grau muito elevado, - os demais estarão determinados pelo nível de desenvolvimento e conhecimentos prévios dos alunos - à própria forma em que se estrutura cientificamente a disciplina. Isto quer dizer que devemos levar em conta, ao longo dó ensino, uma série de conteúdos de aprendizagem procedentes de diferentes matérias, selecionadas e sequenciadas de acordo com sua lógica. Mas esta finalidade não tem por que ser contraditória numa proposta que parta de situações tão reais quanto seja possível.

Trata-se de um problema de ponto de partida e de atitude na proposição das atividades de ensino/aprendizagem. A solução se acha no que podemos denominar enfoque globalizador, segundo o qual toda unidade de intervenção deveria partir, como dizíamos, de uma situação próxima à realidade do aluno, que seja interessante para ele e lhe proponha questões às quais precisa dar resposta. Se isto é assim, é possível organizar os conteúdos por disciplinas, nas quais os conteúdos de aprendizagem se entrecruzem conforme a lógica das matérias, mas que, por outro lado, em sua apresentação aos alunos, nas atividades iniciais, a justificativa dos conteúdos disciplinares não seja unicamente uma consequência da lógica disciplinar, mas o resultado de ter que dar resposta a questões ou problemas que surgem de uma situação que o aluno pode considerar próxima. Assim, pois, neste enfoque, e desde uma organização por disciplinas fechadas, na aula de matemática se partiria de uma situação da realidade cuja solução exigisse o uso de recursos matemáticos; na aula de língua, de uma situação comunicativa próxima que é preciso melhorar com instrumentos linguísticos; na aula de ciências experimentais, de um problema de compreensão de um fenômeno mais ou menos cotidiano; na aula de ciências sociais, dos problemas interpretativos que decorrem de um conflito social; etc.

No esquema do Quadro 6.2, podemos ver que em cada área a sequência didática começa com a descrição de uma situação da realidade que coloca diferentes questões; questões e problemas que podem ser abordados com diferentes pontos de vista. Numa escola organizada de forma que cada disciplina ou matéria é lecionada por um professor ou professora diferente, partir-se-á, neste esquema de situações diferentes. A professora de matemática, por exemplo, definirá a situação da realidade nos problemas que deve resolver um grupo de rock que procura alugar um lugar para ensaiar. Os problemas que se deduzem desta situação são múltiplos, mas como nos encontramos numa aula de matemática só nos deteremos naqueles aspectos ou problemas que são matematizáveis: espaço, investimento, custos fixos e variáveis, consumo, financiamento, rentabilidade, etc. Na aula de língua, o professor propõe um debate sobre uma situação que surgiu na escola e que provocou mal-estar entre professores, pais e alunos. Após o debate é feito um acordo de participar na solução elaborando um documento que ajude a compreender as posições das partes envolvidas. O professor utiliza esta situação para realizar uma série de atividades relacionadas com as competências linguísticas dos meninos e meninas e com alguns aspectos morfossintá ticos. Cada um dos professores e professoras seguirá o mesmo esquema na área que lhe corresponde: situação da realidade, proposição de questões, utilização de instrumentos e recursos disciplinares, formalização conforme os critérios científicos da disciplina e aplicação a outras situações para favorecer a generalização e o domínio dos conceitos e das habilidades aprendidos.

Situação realidade A —> problemas —> recursos matemáticos —> formalização (matemática) —> aplicação a outras situações

        Situação realidade B       dilemas comunicativos    -•» instrumentos linguísticos

-> formalização (língua) -» aplicação a outras situações

Situação realidade C —> questões —> meios "científicos" —> formalização (ciências experimentais) -» aplicação a outras situações

Situação realidade D conflitos —> recursos "sociais" —> formalização (ciências sociais) —» aplicação a outras situações

Situação realidade E       —> comparações —> instrumentos expressivos —> formalização (educação artística)    aplicação a outras situações

 

Seguindo este esquema conseguiremos que o aluno entenda o porquê da aprendizagem dos diferentes instrumentos conceituais, das técnicas e dos recursos das diversas disciplinas. Desta forma, o aluno melhora o significado das aprendizagens, ao mesmo tempo que mostra um grau de interesse e uma motivação mais elevados, já que se dá conta de que na escola não apenas faz "o que tem de fazer", nem o que faz é para prever necessidades futuras, geralmente incompreensíveis do ponto de vista de uma criança ou um adolescente (para quando for adulto, para seguir curso superior ou para exercer uma profissão).

Dado que na perspectiva comentada não se estabelecem as relações entre as diferentes variáveis que intervêm em toda situação, poderemos aperfeiçoar este esquema de intervenção se acrescentamos uma atividade em que os meninos e meninas, voltando à situação de partida, relacionem os problemas que abordaram desde uma única perspectiva disciplinar com outros que se dão naquela mesma situação e que foram deixados de lado (veja-se esquema adjunto).

Situação realidade -» proposição questões > instrumentos disciplinares -a formalização aplicação a outras situações -» revisão integradora

O exemplo que descrevemos pode corresponder a uma escola que tem professores diferentes para cada área, mas que conta com as circunstâncias favoráveis para que os especialistas que intervêm num mesmo grupo/classe trabalhem em equipe. No caso de que todas as áreas sejam lecionadas pelo mesmo professor ou professora, não será difícil, e ao mesmo tempo representará uma grande economia de tempo, conceber uma situação inicial que proponha problemas ou questões que possam ser solucionados através de recursos disciplinares a partir de cada uma das matérias, em vez de buscar uma situação motivadora para cada disciplina (Quadro 6.3). Assim, pois, podemos observar que, partindo de uma organização de conteúdos disciplinares, mas proposta desde um enfoque globalizador, caso se deem as condições favoráveis, é possível chegar a um modelo assimilável às propostas dos métodos globalizados.

O inconveniente representado por uma organização fundamentalmente disciplinar, apesar de que se tente partir de um enfoque globalizador, é o perigo de não introduzir o máximo de relações, de se limitar ao marco de cada disciplina e à situação real de partida, de maneira que se deixem de lado as relações e os vínculos entre os conteúdos das diferentes disciplinas - os quais permitem que cada vez mais os meninos e meninas enriqueçam suas estruturas de conhecimento com esquemas interpretativos suficientemente complexos para responder aos problemas e às situações que deverão resolver no mundo real.

Também fica claro que se inclinar por um enfoque globalizador como instrumento de ajuda para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos numa perspectiva global, que não deixa de lado nenhuma das capacidades que a educação deve atender, em nenhum caso supõe a rejeição das disciplinas e dos conteúdos escolares. Pelo contrário, segundo nossa opinião, implica atribuir-lhes seu verdadeiro e fundamental lugar no ensino, que tem que ir além dos limites estreitos do conhecimento enciclopédico, para alcançar sua característica de instrumento de análise, compreensão e participação social. Esta característica é a que os torna suscetíveis de contribuir de forma valiosa para o crescimento pessoal, já que fazem parte da bagagem que determina o que somos, o que sabemos e o que sabemos fazer.

De tudo quanto vimos até agora, podemos deduzir que o mais importante não é levar a cabo uma organização de conteúdos conforme um ou outro modelo. O debate não consiste em seguir ao pé da letra um método globalizado ou se inclinar por um modelo disciplinar. Um ou outro serão mais ou menos apropriados conforme a coerência dos conteúdos trabalhados em relação aos projetos previstos e a adequação das atividades ao conhecimento que temos sobre os processos de aprendizagem. Se isto é realmente assim, a resposta será a opção de organizar os conteúdos a fim de nos assegurar ao máximo, através de um enfoque globalizador, de que as aprendizagens sejam o mais significativas possível para que o que os meninos e meninas aprendam lhes ajude a se formar como cidadãos competentes para compreender a sociedade em que vivem e participar nela construtivamente.

Antoni Zabala – A Prática Educativa



Zabala - Os ‘materiais curriculares’

 

Os ‘materiais curriculares’ e outros recursos didáticos
O PAPEL DOS MATERIAIS CURRICULARES

Os materiais curriculares, corno variável metodologicamente são menosprezados, apesar de este menosprezo não ser coerente, dada a importância real que têm estes materiais. Uma olhada, mesmo superficial, permite que nos demos conta de que os materiais curriculares chegam a configurar, e muitas vezes a ditar, a atividade dos professores. A existência ou não de determinados meios, o tipo e as características formais, ou o grau de flexibilidade das propostas que veiculam são determinantes nas decisões que se tomam na aula sobre o resto das variáveis metodológicas. A organização grupai será cie um tipo ou de outro conforme a existência ou não de suficientes instrumentos de laboratório ou de informática; as relações interativas em classe serão mais ou menos cooperativas conforme as caraterísticas dos recursos; a organização dos conteúdos dependerá da existência de materiais com estruturações disciplinares ou globalizadas; o uso do espaço e do tempo estará condicionado pela possibilidade de dispor de meios que favoreçam o trabalho em oficinas, a realização de debates ou a pesquisa bibliográfica; será possível um trabalho individual personalizado sempre que possamos dispor de materiais que potencializem a atividade autônoma. E as sequências didáticas serão de uma maneira ou de outra conforme as propostas de atividade oferecidas pelos livros didáticos ou outros materiais de uso generalizado.

Para poder iniciar a análise dos materiais curriculares, é preciso em primeiro lugar, esclarecer a que nos referimos ao utilizar este termo. Os materiais curriculares ou materiais de desenvolvimento curricular são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e em sua avaliação. Assim, pois, consideramos materiais curriculares aqueles meios que ajudam os professores a responder aos problemas concretos que as diferentes fases dos processos de planejamento, execução e avaliação lhes apresentam.

Deste ponto de vista, a noção de materiais curriculares se amplia e pode incluir propostas para a elaboração de projetos educativos e curriculares da escola; propostas relativas ao ensino em determinadas matérias ou áreas, ou em determinados níveis, ciclos ou etapas; pro­postas para o ensino destinado a alunos com necessidades educativas especiais; descrições de experiências de inovação educativa; materiais para o desenvolvimento de unidades didáticas; avaliações de experiências e dos próprios materiais curriculares, etc.

Para clarear a função e as características dos materiais curriculares e analisá-los, é conveniente realizar uma tentativa de classificação. Numa primeira aproximação poderíamos tipificar os materiais curriculares conforme o âmbito de intervenção a que se referem, conforme sua intencionalidade ou função, conforme os conteúdos que desenvolvem e conforme o tipo de suporte que utilizam:

Os diferentes âmbitos de intervenção dos professores nos permitem observar a existência de materiais que se referem a aspectos muito gerais, relacionados com todo o sistema educativo, ou de caráter sociológico ou psicopedagógico; outros que dizem respeito a decisões no âmbito geral da escola, alguns deles ligados a propostas de planejamento, como é o caso dos projetos educativos e curriculares; outros que se situam no âmbito da aula e, entre eles, os que estão voltados para todo o grupo/classe, e também os que se situam no âmbito de ensino/aprendizagem individual.

A intencionalidade ou função que terão os materiais curriculares nos permite distinguir materiais com diferentes finalidades: orientar, guiar, exemplificar, ilustrar, propor, divulgar. Podemos encontrar li vi os ou artigos para orientar a tomada de decisões através da oferta de referenciais teóricos ou práticos que o permitam; guias didáticos que oferecem orientações determinadas e que geral­mente costumam ser o suporte de outros materiais, livros didáticos ou programas audiovisuais; propostas didáticas, de caráter mais aberto do que os guias, oferecem diversas alternativas e possibilidades de acordo com os diferentes contextos educativos em que serão aplicadas; relatos que não têm uma pretensão globalizadora, mas que querem expor exemplos concretos de como se solucionaram problemas específicos em determinados contextos, como no caso das experiências de inovação curricular e outros exemplos.

 Conforme os conteúdos e a maneira de organizá-los, podemos encontrar materiais com pretensões integradoras e globalizadoras, que tentam abarcar conteúdos de diferentes matérias, e outros com enfoques claramente disciplinares. Também encontraremos materiais específicos vinculados a conteúdos estritamente procedimentais: blocos, fichas ou programas de computador para o domínio dos algoritmos das operações matemáticas, da ortografia, do desenho, da interpretação de planos e mapas, etc. Existem outros que se referem ao âmbito dos conteúdos conceituais, como a maioria dos livros didáticos, especialmente os das áreas de ciências sociais e naturais, monografias, programas audiovisuais, etc.; ou para conteúdos atitudinais, por exemplo, propostas para os professores, livros para o aluno, programas multimídia para a educação para o trânsito e outros temas transversais, etc.

 Quanto ao suporte, consideramos que o quadro-negro, nunca suficientemente valorizado, deve ser o número um. Em segundo lugar, encontraremos um grande número de materiais curriculares que utilizam o papel como suporte para a transmissão de informação ou para propor atividades usando livros, revistas, cadernos de exercícios e fichas; materiais que ao mesmo tempo podem ser descartáveis, no caso dos cadernos e das fichas, ou duráveis, no caso dos livros e revistas. Mas, cada vez mais, se encontram à disposição materiais e recursos didáticos que utilizam outros suportes: projeção estática (slides, transparências), projeção em movimento, vídeo, informática, multimídia, etc. Também encontramos materiais de diversas características: de laboratório, experimentação, simulação, etc.

De todos estes materiais, dado o âmbito de análise deste livro, nos centraremos exclusivamente naqueles que se utilizam na aula e, mais concretamente, nos que estão vinculados aos processos diretos de ensino / aprendizagem.

OS MATERIAIS CURRICULARES NOS PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM: MATERIAIS DE AULA E MATERIAIS PARA O ALUNO

Os materiais curriculares utilizados em aula são essenciais em muitas das propostas metodológicas, já que as condicionam de tal forma que dificilmente pode se fazer algo diferente ao que propõem, ou alheio ao sentido com que foram planejados. Vários trabalhos apontam que é muito frequente que os professores "sigam" o livro para estruturar suas aulas. Assim, pois, convém analisá-los com atenção, evitando julgamentos estereotipados que não contribuem muito para melhorar seu uso ou a prática educativa. Para analisar os materiais curriculares em aula, sugerimos a realização de uma revisão de diferentes sequências de ensino/aprendizagem, tentando determinar que subsídios nos ajudariam no desenvolvimento da unidade didática com o objetivo de chegar a conclusões o mais construtivas e abertas possível.

Examinemos estas quatro formas de intervenção (Quadro 1) que correspondem aos exemplos de sequências didáticas propostos no capítulo 3, e busquemos ver que materiais curriculares seria conveniente ou necessário utilizar em cada uma das fases. Na primeira coluna do Quadro /. 1 aparecem as diferentes fases ou atividades das sequências; na segunda, os tipos de conteúdos que preferencialmente são trabalhados em cada uma das atividades, ordenados conforme sua importância nas diversas sequências; a seguir situamos a função prioritária de cada fase considerando a ação a ser realizada pelo aluno no desenvolvimento da unidade e, na última, o possível material a ser utilizado.

Na primeira unidade, como o modelo é fundamentalmente expositivo, os materiais de suporte serão aqueles que contribuam para a explicação, o quadro-negro, os meios audiovisuais e a consulta ao livro didático podem ser úteis nesta primeira fase. Para as unidades posteriores, as anotações e, sobretudo, o livro didático serão os meios mais adequados para o estudo e a memorização. Dado que o livro dificilmente pode oferecer mais de uma versão, podem se utilizar outros textos como meio de comparação. Se, pelo contrário, o que se pretende é que o aluno chegue à conclusão de que a melhor versão é a que dá o livro didático, então bastará este elemento.

Neste modelo, dado que os conteúdos são exclusivamente conceituais, o livro pode ser o meio que se adapte melhor às necessidades de aprendizagem. Como já vimos nos capituleis precedentes e, sobretudo, quando analisamos esta sequência, é evidente que a avaliação que podemos efetuar está relacionada com o papel que atribuímos ao ensino.

A unidade 2 tem como objetivo a aprendizagem de conteúdos conceituais e procedimentais ao mesmo tempo e, portanto, os materiais curriculares não podem se limitar ao livro didático. Neste caso, não apenas é necessário que os alunos entendam determinadas exposições, mas para dominar os conteúdos procedimentais terão que exercitá-los de forma suficiente. Nas primeiras fases desta sequência há todo um trabalho de construção conjunta de conceitos, e é nestas atividades que pode ser útil o uso de algum meio audiovisual, texto, ou problema tirado de algum livro, que ajude a reforçar a exposição e a participação dos alunos. No entanto, neste caso o professor ou a professora dirige constantemente o processo de construção dos conceitos, e o livro pode ser necessário unicamente nas fases finais, quando o aluno tem que estudar ou realizar as atividades de aplicação e exercitação. Nestas atividades é conveniente utilizar algum tipo de suporte.

Dito de outro modo, uma vez entendidos os conceitos e a fruição de cada um dos conteúdos procedimentais (fração, sintagma nominal, fórmula da velocidade), é necessário que o aluno aprenda a utilizá-los em outras situações e que faça exercícios suficientes para dominá-los no grau previsto. Portanto, é necessário propor problemas ou exercícios sequenciados e progressivos, que superem a oferta limitada que normalmente incluem os livros didáticos. Estes materiais, apesar de conterem exercícios e atividades, são condicionados pelo espaço e não podem oferecer um número suficiente de propostas que levem em conta todos os alunos e seus níveis de realização. Além do mais, esta situação piora se os conteúdos foram tratados anteriormente, já que as diferenças cada vez são mais notáveis e é muito difícil contemplar numa mesma unidade, níveis tão diferenciados. Assim, pois, é necessário dispor de cadernos de exercício, blocos ou fichas que, através de atividades convenientemente ordenadas por graus de dificuldade, permitam que cada aluno trabalhe com as que correspondem a suas possibilidades reais. Um dos meios mais adequados para contribuir com esta tarefa é o uso do computador, já que os programas incorporam às fichas a possibilidade de que haja uma avaliação continuada do processo seguido.

Nas últimas fases de estudo e memorização, poderia ser bastante útil um material que pode ter forma de livro e que apresente, de maneira coerente e ordenada, os conteúdos do tema, oferecendo sínteses e informações complementares.

Na terceira unidade trabalham-se basicamente conteúdos conceituais e seu objetivo consiste em conhecer e compreender. As características da sequência são as de um modelo expositivo, mas com uma grande participação dos meninos e meninas. O fato de que nas primeiras fases exista uma inter-relação constante entre o professor e os alunos, e entre eles mesmos, faz com que os materiais para estas atividades não possam ser muito estruturados. O professor poderá utilizar exemplos de textos, imagens ou algum tipo de montagem para apoiar o que diz, mas dada a dinâmica variável da turma, os suportes padronizados serão bastante inadequados. É na fase de generalização e das conclusões que pode ser útil contar com a ajuda de algum material mais estruturado. Os livros e algum audiovisual podem ser apropriados. Nas atividades para a memorização, os suportes escritos parecem ser indispensáveis: livros que oferecem um novo discurso sobre o tema, com sínteses claras e imagens que ajudam na compreensão e na fixação.

A complexidade da unidade 4 também se traduz na diversidade dos recursos que é preciso utilizar. A maioria das propostas que a configuram tem como protagonista a atividade do aluno. A dificuldade de prever qual será o ritmo de trabalho, assim como a profundidade no tratamento dos conteúdos previstos, faz com que seja complicado determinar com antecedência os recursos necessários. A primeira atividade tem uma clara função motivadora e pode incluir algum tipo de suporte que suscite as questões ou proponha a situação: textos escritos, meios audiovisuais  ou outros. Nas demais fases há que se utilizar múltiplos recursos, conforme as pesquisas a serem realizadas e as fontes de informação que tenha que se utilizar. Aqui a variedade é enorme, desde fontes de informação direta - com o uso dos instrumentos necessários para fazer um trabalho de campo ou de laboratório - até fontes de informação indireta - mediante textos, dados estatísticos, revistas, jornais, etc. Para oferecer aos alunos os livros que possam dar resposta às pesquisas bibliográficas será indispensável dispor de uma boa biblioteca na aula ou, na sua falta, na escola.

O trabalho de estudo e memorização exigirá textos ou documentos escritos que desenvolvam o tema abordado, favorecendo a comparação, a sistematização da aprendizagem e ajudando a categorizar e priorizar muitos dos dados que foram sendo selecionados no processo de pesquisa. Além do mais, nesta unidade se trabalharam e utilizaram numerosas técnicas. Ao considerá-las como conteúdos de aprendizagem, a utilização que se tenha feito ao longo da unidade deverá completar-se com uma série de exercícios que promovam seu domínio. Para alcançar este objetivo, é conveniente utilizar atividades de aplicação e exercitação, que possibilitem um trabalho ordenado e progressivo; as fichas, os cadernos de exercício, os blocos de anotações ou os programas de computador podem ajudar enormemente a realizar esta tarefa.

E o que acontece com os conteúdos atitudinais, que aparecem nesta unidade com certa profusão? Não existe nenhum tipo de suporte material que contribua para vertebrar seu tratamento à exceção do uso de textos, vídeos ou outras montagens como provocadores de debates e para a comparação com o pensamento ou a atuação de cada um. Especialmente, os conflitos grupais que se apresentam nas diferentes atividades é que proporcionarão oportunidades para que o professor ou a professora intervenha em sua solução ou os utilize posteriormente como tema de debate na assembleia de alunos.

Da revisão do papel que podem representar os materiais curriculares nestas quatro unidades podemos chegar a algumas conclusões de caráter geral. Algumas delas se referem ao valor que podem ter os materiais - e especialmente o papel dos livros didáticos - e outras decorrem das características diferenciais da aprendizagem dos distintos tipos de conteúdos.

As críticas ao livro didático e, por extensão, aos materiais curriculares

Ao longo do século XX, os diferentes movimentos progressistas questionaram o papel dos livros didáticos. Seguidamente se manifestaram radicalmente contra seu uso, até o ponto de que ainda hoje se escutam críticas ou desclassificações generalizadas a este tipo de material. Na análise que acabamos de realizar vimos que em todas as sequências é necessária ou conveniente a utilização de algum tipo" de material estruturado. Assim, pois, o que é que sustenta estas críticas? Como veremos a seguir, estão bastante fundamentadas, mas também poderemos observar que fazem referência a um tipo determinado de livro didático". E isso nos permite recordar que o slogan "não ao livro- texto" fazia parte de uma frase inacabada que dizia "não ao livro didático como manual único, referindo-se a um tipo concreto de livro, elaborado conforme um modelo estritamente transmissor. Portanto, as críticas aludem aos objetivos e aos conteúdos que contem, assim como as normas de ensinar que induzem.

A maior parte das críticas aos objetivos e aos conteúdos é de caráter ideológico, naturalmente. Apesar de seu caráter muitas vezes retórico, e em alguns casos com traços demagógicos, estas críticas estão justificadas, embora muitos dos argumentos que utilizam possam ser estendidos a qualquer dos outros componentes ou variáveis do ensino. Como vimos, toda proposta educativa implica uma tomada de posição e, portanto, uma dependência ideológica. Os livros didáticos, que são veiculadores de mensagens, atuam como transmissores de determinadas visões da sociedade, da história e da cultura.

As críticas referentes aos conteúdos dos livros didáticos giram em torno das seguintes considerações:

A maioria dos livros didáticos, devido a sua estrutura, trata os conteúdos de forma unidirecional, não oferece ideias diversas à margem da linha estabelecida. Estes livros transmitem um saber que costuma se alimentar de estereótipos culturais.

 Dada sua condição de produto, estão mediatizados por uma infinidade de interesses. São livros que reproduzem os valores, as ideias e os preconceitos das instâncias intermediárias, baseadas em proposições vinculadas a determinadas correntes ideológicas e culturais. Neste sentido, é fácil encontrar livros com doses consideráveis de elitismo, sexismo, centralismo, classicismo, etc.

  Com frequência, as opções postuladas são transmitidas de forma dogmática, apresentadas como conhecimentos acabados e sem. possibilidade de questionamento. Desta maneira se silencia o conflito, fonte de progresso e de criação cultural e científica.

  Os livros didáticos, apesar da grande quantidade de informação que contêm, não podem oferecer toda a informação necessária para garantir a comparação. Portanto, a seleção das informações transforma em determinante não tanto o que expõe, mas o que deixa de lado.

As desqualificações, pelo tipo de metodologia a que induzem estão dirigidas aos livros que se situam num modelo de aula transmissor e dogmático. As críticas aludem aos seguintes aspectos:

 Fomentam a atitude passiva dos meninos e meninas, já que impedem que participem tanto no processo de aprendizagem como na determinação dos conteúdos. Desta maneira a iniciativa dos alunos é freada, se limita sua curiosidade, eles são obrigados a adotar algumas estratégias de aprendizagem, válidas apenas para uma educação baseada nestes materiais escolares.

Não favorecem a comparação entre a realidade e os ensinos escolares e, portanto, impedem a formação crítica dos alunos. Impedem o desenvolvimento de propostas mais próximos da realidade e da experiência dos alunos, como os enfoques didáticos globalizadores e interdisciplinares.

Não respeitam a forma nem o ritmo de aprendizagem dos alunos. Não observam as experiências, os interesses ou as expectativas dos alunos nem suas diferenças pessoais: Propõem ritmos cie aprendizagem, comuns para coletividades, em vez de indivíduos. O resultado é a uniformização do ensino, deixando de lado as necessidades de muitos alunos.

Fomentam, certas estratégias didáticas baseadas primordialmente em aprendizagens por memorização mecânica.

Certamente, estas críticas têm bastante fundamento, mas não supõem que seja impossível a existência e o uso de outros tipos de materiais que não cometem os erros dos livros didáticos convencionais. Quanto aos livros, acontece o mesmo que na avaliação das diferenças estratégicas de ensino, em que as desqualificações gerais, pelo que vimos até agora, são bastante insensatas. A complexidade da tarefa educativa nos exige dispor de instrumentos e recursos que favoreçam a tarefa de ensinar. Em todo caso, são necessários materiais que estejam a serviço de nossas propostas didáticas e não o contrário; que não suplantem a dimensão estratégica e criativa dos professores, mas que a incentivem. Como veremos, se nossa proposição educativa vai além da concepção seletiva e propedêutica, os materiais a que aludimos não podem se limitar ao formato de livro.

Esta revisão das críticas aos livros didáticos nos permite observar suas limitações e nos orientar na determinação das características dos materiais curriculares para os alunos. Conforme minha maneira de ver a questão, o objetivo não deve ser a busca de um livro-texto alternativo, mas a avaliação de uma resposta global, configurada por diferentes materiais, cada. um dos quais abarca algumas funções específicas. Isto implica fazer uma análise das necessidades específicas dos diferentes tipos de conteúdos de aprendizagem e combiná-los com as possibilidades que oferecem os diferentes materiais, a fim de dispor de alguns instrumentos que nos possibilitem avaliar o que existe e de algumas referências que orientem a elaboração de novas propostas.

Nossa tarefa prioritária como educadores não consiste na confecção dos materiais que devem nos ajudar a desenvolver as atividades educativas. A tarefa de ensinar envolve ter presente uma quantidade enorme de variáveis, entre elas as que nos indicam as necessidades particulares de cada menino e menina e de selecionar as atividades e os meios que cada um deles necessita. Não é razoável pensar que, além disso, poderemos criar de novo, e constantemente, materiais originais e adequados para cada unidade didática. O fato de ter que utilizar materiais elaborados por outros não significa uma dependência total, nem a incapacidade de confeccionar os materiais necessários quando a oferta do mercado não se ajusta às necessidades que queremos atender. Utilizando de novo a comparação com a medicina, podemos dizer que já fazemos muito ao diagnosticar as necessidades individuais, estabelecer o tratamento para cada um e levá-lo a cabo - e tudo isso com mais de vinte ou trinta indivíduos. Além disso, será que temos que desempenhar a função de farmacêuticos, mas não dos de agora, que lidam com produtos acabados, mas dos de antes, que elaboravam as denominadas fórmulas magistrais? O que nos interessa é poder dispor de uma farmácia provida de medicamentos muito variados que nos permitam ir elaborando o tratamento de que cada menino e menina necessita. O problema surge quando esta farmácia só nos oferece um único tipo de "tratamento completo", solidamente engarrafado em forma de livro para todos, negando-nos a possibilidade de construir, através da combinação de diferentes produtos, propostas adequadas às necessidades do grupo em geral e de cada aluno em particular. Portanto, a questão não tem que ser colocada em termos de "livros sim, livros não", mas em termos de "que materiais e como utilizá-los".

Para proceder à busca de referências e critérios para a análise e confecção de materiais curriculares, faremos, primeiro, uma revisão das características dos materiais conforme as características específicas de cada tipo de conteúdo.

Os materiais curriculares conforme a tipologia dos conteúdos

Os conteúdos factuais, conforme foram tratados no capítulo 2, são aprendidos através de estratégias de repetição verbal. Portanto, os materiais curriculares têm que oferecer, basicamente através de textos escritos, os conteúdos para a sua leitura e posterior memorização. O ciclo de aprendizagem estará formado pela leitura do texto e a repetição verbal, com as consultas necessárias para favorecer a fixação. O livro convencional que desenvolve conteúdos factuais pode cumprir perfeitamente esta função de recurso para a aprendizagem de fatos. É necessário, apenas, que a disposição no texto esteja convenientemente apoiada pelos recursos gráficos que favorecem sua leitura. Os programas de ensino através do computador também podem contribuir, de forma muito satisfatória, para esta tarefa de memorização.

No caso dos conteúdos referentes a conceitos e princípios, as atividades adequadas são de uma complexidade superior e são qualitativamente diferentes da simples repetição verbal de algumas ideias, definições ou enunciados. A aprendizagem destes conteúdos exige atividades que situem os meninos e meninas frente a experiências que permitam a compreensão, o estabelecimento de relações e a utilização do que foi aprendido em situações diversificadas. Embora o livro didático possibilite algumas destas atividades experienciais e sua aprendizagem, seguidamente a simples leitura de um texto será insuficiente, especialmente se o texto consiste numa simples definição.

O texto escrito pode contribuir para criar as condições para que o aluno esteja em condições de aprender, mas é imprescindível o concurso das experiências, a contraposição de ideias entre professores e alunos e outras atividades que promovam a atividade mental para a compreensão dos conceitos e princípios a serem aprendidos. Para estas tarefas deve se contar com materiais que favoreçam a consulta, a pesquisa bibliográfica, a comparação entre diferentes opiniões, etc. O livro didático convencional, como fonte de informação e como resumo ou síntese de determinadas conclusões, pode cumprir perfeitamente estas funções. Isso sempre que não esteja planejado nem seja utilizado como quando se trata de conteúdos de caráter factual, quer dizer, fundamentalmente como uma memorização e reprodução literal dos textos escritos. A aprendizagem do conceito rio, da soma, da estrutura molecular ou do princípio de Arquimedes, sobretudo nos níveis básicos da escolaridade, não pode se limitar a uma leitura e à posterior repetição verbal das definições. É indispensável realizar observações diretas e de imagens, manipulações ou atividades de laboratório, diálogos e debates que favoreçam a compreensão. O texto escrito pode exercer um papel muito importante num processo de ensino/aprendizagem sempre que a leitura e a memorização não sejam as únicas atividades deste processo. Assim, pois, são adequados, como complementos para a aprendizagem de conceitos e princípios, os materiais curriculares que oferecem textos, ilustrações e imagens em movimento, que para uma atividade didática determinada favoreçam ou promovam a realização de atividades de motivação, consulta e observação, assim como atividades para a generalização e a síntese.

Quando a aprendizagem se refere a um conteúdo conceituai, seu significado foi compreendido e se deu sentido a cada uma das ações que o compõem, será necessário iniciar um processo de exercitação destas ações a fim de dominá-las. A complexidade específica de cada conteúdo procedimental determinará as características deste processo, mas, em qualquer caso, as atividades para a aprendizagem consistirão fundamentalmente de exercícios de repetição de ações ordenadas segundo sua complexidade. A aquisição de uma determinada habilidade ou técnica implica o domínio das ações mais simples que a constituem: o domínio do algoritmo soma envolve uma sequência rigorosa, desde o algoritmo mais simples de duas unidades até a soma de diversos números correspondentes a grandes quantidades. Por sua vez, a elaboração de um mapa comporta o domínio prévio de outras habilidades: a orientação espacial, certo domínio gráfico, a representação de um objeto de três dimensões num plano, etc. Em alguns conteúdos procedimentais de caráter mais estratégico, como a compreensão da leitura, é mais difícil estabelecer a sequência de ações, mas é igualmente indispensável a prática sistemática.

Os materiais curriculares para a aprendizagem dos conteúdos procedimentais terão que oferecer exercícios concretos, e, de certo modo, repetitivos. Estes exercícios, convenientemente sequenciados, devem possibilitar a realização de atividades que deem lugar de forma progressiva à aquisição dos requisitos prévios necessários para seu completo domínio. Para os conteúdos procedimentais, cujo suporte pode ser o papel, as fichas ou blocos de cálculo, ortografia, caligrafia, desenho, etc., os materiais podem cumprir perfeitamente esta função sempre que as atividades propostas apresentem uma ordenação rigorosa. Também podem ser muito eficazes os programas de ensino com o computador. Para outros tipos de conteúdo procedimental podem ser úteis os livros que informem sobre seu funcionamento e sua utilidade, sempre que se leve em conta que o simples conhecimento não capacita para sua realização; evidentemente, saber como se faz uma entrevista, um quadro, uma pesquisa ou um estudo de campo não significa que já se saiba entrevistar, pintar ou pesquisar. Além do mais, o domínio destes conteúdos, juntamente com o conhecimento de seu uso e da realização das atividades mais analíticas, exigirá atividades mais complexas, contextualizadoras, em que os alunos tenham que avaliar a pertinência do uso dos procedimentos e esboçar estratégias próprias de utilização. Por tudo isso, em vez de pensar num único tipo de material, é conveniente dispor de uma variedade de meios - desde os altamente estruturados para os aspectos mais algorítmicos de alguns conteúdos procedimentais, até outros que dificilmente podem ser pré-estabelecidos - levando em conta, além do mais, que alguns aspectos não podem ser veiculados por nenhum material.

As características e a complexidade da aprendizagem dos conteúdos atitudinais não permitem conceber outros materiais curriculares específicos, com exceção dos dirigidos aos professores. Trata-se de conteúdos que não podem ser aprendidos através de exposições ou leituras de definições. Para compreender o sentido dos valores e das normas podemos aplicar os meios utilizados para os conteúdos conceituais. Mas, como é evidente, estes meios não bastam para criar as disposições e os comportamentos adequados a determinados valores. Para o debate e a reflexão conjunta podem ser muito úteis as montagens ou programas de vídeo que proponham situações ou conflitos comportamentais. Mas serão ações isoladas se as unidades didáticas e as atividades que as compõem não estão impregnadas dos valores que pretendem transmitir. É precisamente nelas que se deve criar as condições para que se assumam as normas. É nelas, também, que se tem que possibilitar que as atitudes prévias se manifestem. Neste marco é preciso considerar a coerência necessária entre as intenções educativas e os valores transmitidos pelos diferentes materiais.

REVISÃO CONFORME O SUPORTE DOS DIFERENTES MEIOS

A tendência à simplificação, que seguidamente encontramos no ensino, se traduz em avaliações superficiais dos materiais curriculares. Assim, pois, podemos encontrar tantas desqualificações gerais, por exemplo, das fichas ou dos livros didáticos, como elogios superlativos a alguns meios, por exemplo, o computador ou os audiovisuais. E também é possível que se dê a situação oposta. Quando realmente existe um controle por parte do educador, os meios são simplesmente isto, apenas meios, e, portanto, a função que os professores atribuem a eles determinará seu valor.

A partir desta consideração geral, estamos de acordo que cada meio oferece algumas potencialidades específicas, e estas particularidades são as que precisam ser ressaltadas. Pode se achar que praticamente a maioria dos materiais oferece a possibilidade de fazer de tudo. No entanto, não se trata de saber o que pode ser feito com cada um deles, mas de determinar em que podem ser mais úteis.

Suporte papel (descartável e não descartável)

Este tem sido o meio básico que utilizamos, e estamos utilizando, para a transmissão do conhecimento e dos sentimentos. Como até meados do século XX praticamente este era o único suporte, foi utilizado como veiculador de qualquer tipo de conteúdo. Embora os livros tenham um valor inapreciável, também têm suas limitações.

Os livros didáticos eram o suporte essencial quando os conteúdos que deviam ser ensinados eram basicamente factuais na maioria das disciplinas - acontecimentos, datas e personagens em história; nomes de rios, cidades, países e seus produtos em geografia; autores e obras em literatura,-história da arte e filosofia; nomes e classificações de minerais, animais e plantas em ciências naturais. Ou ainda quando os conteúdos de caráter conceituai e procedimental de matemática, física e química, gramática e outras matérias eram entendidos geralmente sob perspectivas de memorização mecânica. No livro se encontrava o compêndio de todo o saber escolar, e a forma corno estava escrito o texto correspondia à própria concepção de uma aula expositiva: uma descrição ordenada conforme certos critérios epistemológicos, que deva ser memorizada mais ou menos literalmente.

A introdução de conteúdos cada vez mais conceituais, assim como interpretações mais adequadas sobre sua aprendizagem - portanto, mais distanciadas de óticas transmissoras -, põe em questão o caráter quase exclusivo dos livros como instrumentos de ensino. Em nosso país, pelo final dos anos sessenta e sobretudo a partir dos setenta, os conteúdos conceituais se impõem de forma avassaladora em todas as disciplinas. Por essa razão, já não interessa tanto que os meninos conheçam muitos acontecimentos, datas, personagens, nomes ou autores das diferentes matérias, mas que adquiram os instrumentos conceituais que permitam conhecer o porquê dos fatos, as relações que se estabelecem entre eles, as razões que os explicam. A passagem de ciências basicamente descritivas para outras basicamente interpretativas provoca uma avalanche de conteúdos conceituais e uma mudança na maneira de ensinar. A simples exposição, válida para os conteúdos factuais, tem que se transformar e oferecer fórmulas que não se limitem a provocar a memorização das definições ou interpretações de outros e sim fórmulas que promovam e desencadeiem processos em que os alunos possam se apropriar dos conceitos, utilizá-los para compreender e interpretar os fenômenos e as situações da vida real e do mundo do saber, já que é menos importante que possam reproduzi-los mais ou menos literalmente.

A mudança para formas de intervenção mais adequadas aos novos conteúdos exige o uso de meios que as favoreçam. O livro didático já não pode conter uma simples exposição de fatos, mas, dado que inclui conceitos, também tem que oferecer meios que contribuam para a compreensão. Neste ponto se produzem as primeiras contradições entre o meio e a mensagem, especialmente quando os livros estão dirigidos aos alunos mais jovens. Nestas idades, a atividade de elaboração passa por processos em que é necessário realizar atividades experimentais adequadas à complexidade do conteúdo que se tem que compreender. Trata- se de atividades que requerem tempo, que superam as que provêm de uma simples leitura. Esta leitura deve ser acompanhada de tarefas que possibilitem a compreensão. No caso dos conteúdos factuais a explicação do professor pode ser paralela à leitura do livro. Já nos conceitos e princípios as atividades para a compreensão devem preceder e acompanhar a leitura, já que esta não garante em si mesma que cada um dos meninos e meninas compreenda o conceito tratado.

Esta situação provocou o surgimento de livros que pretendem dirigir o processo construtivo do aluno combinando textos explicativos e atividades. Isto trouxe como resultado textos de difícil leitura ou de complicada resolução, já que seguidamente as atividades propostas ou não podem ser realizadas, ou não são as mais adequadas para um determinado grupo de alunos. A introdução de outros meios de caráter descartável que também têm como subsídio o papel - é o caso das fichas, dos blocos de anotação ou dos cadernos de exercício - pode contribuir para resolver alguns destes inconvenientes.

Neste momento o mercado oferece a possibilidade de selecionar materiais para o aluno no formato de livro e no formato de caderno, e muitas vezes não se nota a transcendência do uso de um meio ou outro. O que vamos descrever a seguir contradiz a afirmação de que os meios só dependem do uso que se faça deles. No estado espanhol, produziu-se uma situação ideal que ilustra a incidência do meio. Com os planos renovados de EGB* dos anos oitenta, a proposta ministerial afirmava explicitamente que os materiais editados tinham que ser descartáveis, ao contrário dos livros didáticos tradicionais. Os primeiros materiais editados eram dirigidos ao ciclo inicial, e todos eles, de acordo com as normas, foram publicados em forma de caderno descartável. Deste modo, apareceram no mercado propostas editoriais em formatos diferentes, de um, dois, três ou mais cadernos de exercício por área. Enquanto os editores preparavam os materiais para o ciclo médio no formato de caderno, respeitando a forma, o ministério atendeu às propostas de algumas organizações de pais, que argumentavam que os irmãos pequenos não podiam aproveitar estes cadernos de exercício. O ministério decidiu modificar a norma para estabelecer que os materiais tivessem obrigatoriamente formato de livro A partir de então, os materiais para a educação infantil e o ciclo inicial continuam sendo descartáveis, enquanto que os dos demais níveis mantêm as características convencionais. Mas o mais surpreendente de tudo é que com a implantação da Reforma, segundo normas que não prescrevem o tipo de materiais, as editoras continuam publicando cadernos ou fichas para a educação infantil e o ciclo inicial e livros para os outros ciclos. De fora, certamente estas decisões podem parecer bastante arbitrárias ou, no mínimo, podem produzir a sensação de que não importa que os materiais sejam ou não descartáveis. Estamos certos disso?

O material descartável provoca uma situação radicalmente oposta à que encontramos quando se usa exclusivamente o livro. Cada aluno tem que responder às perguntas e realizar as atividades que o caderno lhe propõe e, em termos gerais, não pode ir adiante se o professor não corrige o que escreveu. Isto supõe ter que atender às necessidades de cada menino e menina e se dar conta das dificuldades de compreensão e expressão que eventualmente possam ter, de seus progressos e, enfim, de seu processo. Dito de outro modo, este meio obriga a uma maneira de fazer que pode não ser necessária quando o material utilizado é unicamente o livro didático.

A incidência do uso de um material descartável na maneira de ensinar aparece quando comparamos como os professores atuam quando estão no ciclo inicial e quando trabalham nos outros ciclos apenas pelo fato de utilizar um material ou outro. Poderemos observar que a necessidade de ir circulando pela classe, atendendo a todos os alunos, surge mais seguido nos primeiros ciclos. Isso em consequência, entre outros fatores, de que se dispõe de materiais de caráter descartável nos quais o trabalho de cada um dos meninos e meninas sempre é suficientemente diferente.

O livro é útil como compêndio do saber, como lugar onde se encontram resumidos ou ampliados os conhecimentos que são trabalhados ou podem ser trabalhados em classe, como meio para aprofundar, fundamentalmente como material de consulta. Por outro lado, a construção do conhecimento necessário para a aprendizagem dos conceitos e dos princípios requer outras atividades e, portanto, outros materiais.

Os materiais descartáveis, sejam cadernos de exercício, blocos ou fichas, oferecem a vantagem de que os alunos devem trabalhá-los individualmente ou em grupo, expressando o que entendem em cada momento, o que permite que os professores possam conhecer a situação de cada um deles em seu processo de aprendizagem. Quando os materiais são descartáveis, o aluno se vê obrigado a atuar, e sua atividade tem uma tradução visível, daí que é possível planejar sequências de atividades e maneiras de interagir que potencializem a construção do conhecimento. A avaliação destes materiais - como a que podemos fazer com qualquer unidade ou sequência didática - deve levar em conta as finalidades que se perseguem e a adaptação aos processos de aprendizagem subjacentes. Desde esta perspectiva, consideraremos bons instrumentos para a construção do conhecimento aqueles cadernos de exercícios que ofereçam atividades apropriadas para a elaboração de conceitos e a utilização de conteúdos procedimentais de diferente natureza. Os materiais descartáveis serão úteis também no formato de fichas ou blocos para todas aquelas tarefas de aplicação e exercitação necessárias para o domínio de grande parte dos conteúdos procedimentais. Isso sempre que estas atividades se apresentem em sequências ordenadas, conforme os níveis de uso e dificuldade, que possibilitem um trabalho autônomo e, se possível, autocorretivo.

Nesta revisão sobre a adequação dos materiais em suporte papel, devemos levar em conta que muitos conteúdos de caráter procedimental (observação, trabalho em equipe, orientação espacial e temporal, a maioria dos conteúdos das áreas expressivas, etc.), cruciais para o desenvolvimento da pessoa, não podem se traduzir exclusivamente em atividades que utilizem este suporte. Em alguns casos, o máximo que se pode fazer é descrever os modelos de realização, algo que, como já sabemos, não é condição suficiente para sua aprendizagem.

Podemos dizer algo similar a respeito dos conteúdos de caráter atitudinal. Já sabemos que não podem ser aprendidos através da simples leitura, mas os textos escritos podem servir como complementos ou indutores de reflexões, diálogos e debates, ao mesmo tempo que como veiculadores de determinados valores.

Projeção estática

As imagens estáticas, sejam do retroprojetor ou dos slides, são úteis como suporte para as exposições dos professores e úteis como complemento esclarecedor de muitas das ideias que se querem comunicar, tanto através de esquemas como de imagens ou ilustrações que ajudem na elaboração e na construção de conceitos, assim como para a exposição das fases de determinados conteúdos procedimentais. São instrumentos que facilitam o diálogo em classe e ajudam a centrar a atenção do grupo com- relação a um objeto de estudo comum: Também são instrumentos para a criação de formas expressivas e comunicativas, que os alunos podem utilizar em suas exposições em aula.

O fato de que o ritmo na exposição das imagens não esteja condicionado previamente permite adequá-lo à cadência da intervenção e dos interesses e demandas da classe, de tal forma que é possível se deter ou voltar atrás sempre que seja necessário. No entanto, convém levar em conta que um ritmo acelerado ou um excesso de informação através da imagem, especialmente no caso da utilização de esquemas ou mapas conceituais - se não se apresentam de forma pausada e introduzindo cada componente com ênfase que lhe corresponde pode desorientar o aluno, já que num lapso tão curto de tempo é impossível assimilar toda a informação que recebe.

Imagem em movimento

Muitos dos conteúdos que são trabalhados em aula se referem a processos, mudanças e transformações. São conteúdos que comportam movimentos no tempo e no espaço, motivo pelo qual  é muito adequado o uso de filmes ou gravações de vídeo. Estes instrumentos f: atuam como suporte nas exposições e como fonte de informação. São extremamente válidos quando o que se pretende é conhecer um processo de qualquer tipo, para apresentar informações e realidades distantes do meio habitual e para ilustrar modelos de funcionamento de procedimentos. Também são um meio para a representação de conflitos que podem induzir ao debate e à tomada de posição ou motivar a formulação de perguntas. Muitas experiências inovadoras no ensino têm como ingredientes a utilização de vídeos e de programas de TV, aproveitando assim seu atrativo, o interesse que suscitam entre os alunos e as possibilidades de mostrar os aspectos cia realidade tal como são. (Palau, 1994). —.—

A potencialidade destes meios, porém, pode se perder quando se; pretende transformá-los no eixo das unidades didáticas, substituindo os professores ou o trabalho de aula. É habitual encontrar programas deste tipo que reproduzem classes expositivas usando "estátuas falantes" que explicam como o professor na aula, ou que, como acontece com outros meios, tentam construir unidades didáticas substitutivas do professor. Ambas as fórmulas costumam fracassar totalmente, ao menos por duas razões. Por um lado, porque na maioria dos casos o ensino exige o contato professor-aluno e alunos- alunos, a fim de que os desafios e as ajudas se adaptem às necessidades específicas de cada um dos meninos e meninas.

Por outro lado, convém não perder de vista que um dos inconvenientes da maioria dos documentários é que não se adapta totalmente ao uso escolar, já que não foram concebidos com esta finalidade. Mesmo quando são elaborados com finalidade didática, tendem a dar mais informação do que a necessária ou do que se pode assimilar no tempo de exposição, assim como a utilizar uma linguagem dirigida a adultos. Por outro lado, o fato de utilizar modelos expositivos que não levam em conta o processo construtivo do aluno implica uma tendência a dar respostas a problemas ou perguntas que o aluno ainda não se fez. Estes inconvenientes podem ser solucionados com o uso mais pessoal da projeção, cortando-a, desligando o som, e aproveitando as imagens para estabelecer um diálogo em classe, parando ou retrocedendo sempre que convenha, preparando previa- mente a projeção, apontando os aspectos que convém focalizar. ou fazendo um trabalho posterior que destaque e extraia os conteúdos principais.

Suporte da informática

Atualmente, a contribuição mais interessante do suporte da informática no que se refere às necessidades do ensino encontra-se na retroatividade, quer dizer, na possibilidade de estabelecer um diálogo mais ou menos aberto entre programa e aluno. No âmbito da informática, esta condição, que em certa medida também se dá nos outros meios, tem a virtude de se adaptar aos ritmos e às características de cada um dos meninos e meninas. Assim, se transforma num instrumento que contribui para a construção de conceitos, que permite fazer simulações de técnicas ou procedimentos e que pode propor situações conflitantes em que seja necessário comprometer-se de acordo com certos valores.

Os programas de computador podem exercer uma função inestimável como suporte para qualquer trabalho de simulação de processos que, por suas características, podem ser perigosos ou cuja realização pode ser complexa. Especialmente no trabalho imprescindível de aplicação e exercitação de muitos conteúdos de caráter procedimental em que é necessário adaptar os desafios, ritmos e ajudas às características dos diferentes alunos. Deste modo, os programas de computador, combinados com os acordos de trabalho, podem substituir ou completar as fichas de trabalho ou blocos de exercícios sequenciados ou melhorá-los, já que podem incluir um trabalho completo de autocorreção.

Mas apesar de que tudo quanto expusemos seja certo, a aprendizagem exige um contexto de intercâmbios afetivos. Há necessidades específicas de aprendizagem às quais tem que se acrescentam em caso de necessidade, as que provêm de certos objetivos educativos que considerem a socialização ensino como eixo prioritário. Por este motivo, o uso dos suportes da informática não tem que nos levar a urna situação de trabalho estritamente individual, de interação do aluno com a máquina, mas a considerá-los como mais um dos recursos que podemos utilizar para alcançar determinados objetivos educacionais da melhor maneira possível.

Suporte multimídia

Os avanços tecnológicos nos permitem dispor de instrumentos com novas utilidades e capacidades. A combinação da informática e do vídeo com o uso do disc laser, GDI ou CD-Rom abre muitas possibilidades, já que contempla as vantagens dos diferentes meios. A interação do suporte da informática, com as imagens estáticas ou em movimento, e a capacidade de interagir garantem que as emulações, a busca de informação ou o trabalho de sistematização sejam cada vez mais ricos. Ter à nossa disposição bancos de dados de fácil acesso, com informações escritas, com imagens estáticas ou em movimento, constitui um suporte inestimável para a complexa tarefa de ensinar.

Para pôr um ponto final neste breve exame dos diferentes materiais, queremos insistir no valor como meio que têm todos estes instrumentos e fazer uma reflexão sobre o sentido que adquirem numa perspectiva que contemple a formação integral da pessoa como função fundamental do ensino. Se a concepção da qual se parte é basicamente transmissora, é fácil entender os argumentos dos que acham o papel da escola e do educador cada vez mais desnecessário. No caso da redução dos conteúdos do ensino aos saberes exclusivamente informativos e às habilidades convencionais, os meios tecnológicos podem oferecer uma informação mais completa e atualizada, assim como mais ajudas, e com muito mais paciência, do que qualquer professor. Como já argumentamos longamente, esta não é a perspectiva com que estas páginas são escritas.

REFERÊNCIAS PARA ANÁLISE E SELEÇÃO DOS MATERIAIS CURRICULARES

Do exame dos diferentes meios de suporte para o trabalho de aula e das características diferenciais tanto dos próprios meios como das necessidades que se derivam da aprendizagem, conforme os diferentes tipos de conteúdos, pode se apontar uma série de critérios e referências para a análise e a seleção dos materiais curriculares dirigidos aos alunos.

Numa tentativa de simplificação, e aproveitando muitas das considerações manifestadas ao longo- deste capítulo, tentaremos estabelecer uma série de passos que nos ajude na seleção:

1. Detectar os objetivos educativos subjacentes num determinado material (por exemplo, num projeto editorial) e comprovar até que ponto coincidem com os estabelecidos pela escola e, concretamente, com os que estão dirigidos aos alunos em questão.

Dificilmente encontraremos materiais cujos objetivos correspondam exatamente aos nossos. Assim, pois, será importante determinar as diferenças para poder preencher as carências ou para rejeitar os aspectos que entram em contradição com as intenções educacionais previstas.

2. Verificar que conteúdos são trabalhados. Comprovar se existe uma correspondência entre os objetivos e os conteúdos.

A definição de determinados conteúdos pode ser suficiente ou não para os objetivos estabelecidos. A comprovação de sua adequação nos permitirá estabelecer os conteúdos necessários para completar nossas unidades didáticas ou para prescindir daqueles conteúdos que não coincidem com nossas intenções educacionais.

3. Verificar que sequências de atividades são propostas para cada um dos conteúdos.

Revisar cada uma das atividades propostas, atribuindo a cada uma delas os conteúdos que são trabalhados. Assim podemos reconhecer uma série de atividades propostas para a aprendizagem de cada conteúdo e determinar a conveniência de sua progressão e ordem.

4. Analisar cada uma das sequências de atividades propostas para comprovar se cumprem os requisitos da aprendizagem significativa em relação aos conteúdos estabelecidos.

Tendo presentes as características dos conteúdos, é preciso ver se as atividades propostas e as sequências levam em conta as condições que podem fazer com que a aprendizagem seja o mais significativa possível e, ainda, que ofereçam meios que permitam o acompanhamento do progresso realizado pelos alunos.

5. Estabelecer o grau de adaptação ao contexto em que serão utilizados.

Pode acontecer que o resultado da análise dos pontos anteriores tenha sido positivo, mas que, seja pelos temas tratados ou pelas estratégias utilizadas, o material esteja muito longe das características, das maneiras de trabalhar e dos meios de um contexto educacional concreto. No caso de se considerar conveniente utilizar este material, será necessário adaptar, eliminar ou elaborar outros materiais complementares que supram os déficits detectados.

UMA PROPOSTA DE MATERIAIS CURRICULARES PARA A ESCOLA

As mudanças que o sistema educativo experimentou em nosso país nos últimos anos obrigam a pensar sobre muitos dos aspectos, das premissas e dos suportes que o compõem. Neste sentido, os materiais curriculares não são uma exceção. Desde a perspectiva que adotamos neste capítulo, parece evidente que seu papel não pode ser menosprezado. Pelo contrário, é necessária uma política decidida de materiais curriculares, que assegure sua qualidade, que os conceba como um meio entre outros e que deposite nos professores a responsabilidade por seu uso criativo. O que é necessário? Qual é o leque de possibilidades que as escolas devem ter a seu alcance para se apoiar a tarefa educativa cotidiana?

Uma das conclusões da análise dos recursos didáticos e de sua utilização é a necessidade da existência de materiais curriculares diversificados que, como peças de uma construção, permitam que cada professor elabore seu projeto de intervenção específico, adaptado às necessidades de sua realidade educativa e estilo profissional. Quanto mais variados sejam os materiais, mais fácil será a elaboração de propostas singulares. Portanto, em vez de propor unidades didáticas fechadas, os projetos de materiais curriculares para os alunos têm que oferecer urna grande variedade de recursos. Recursos que possam se integrar em unidades construídas pelos próprios professores, enraizando-se nas demandas específicas de seu contexto educativo.

As unidades didáticas devem atender às demandas educativas de um grupo determinado de alunos em relação aos diversos tipos de conteúdos. Devem, também, contemplar as atividades de aprendizagem adequadas a estes conteúdos. Os materiais curriculares não podem garantir, por si sós, o alcance dos objetivos educativos previstos nas unidades didáticas. A pertinência dos materiais estará determinada pelo uso que se faça deles e por sua capacidade para se integrar em múltiplas e diversas unidades didáticas que levem em conta as características dos diferentes contextos educativos. Desde esta perspectiva, os materiais não cumprem uma função diretiva, mas ajudam a desenvolver as atividades de ensino/aprendizagem propostas pelos professores, de acordo com as necessidades específicas de um grupo/classe.

Dadas as características diferenciadas dos contextos educativos, dos diversos ritmos de aprendizagem dos alunos, postas pelos diferentes tipos de conteúdos e das estratégias de aprendizagem específicas para cada um deles, será necessário oferecer aos professores um grande número de materiais. Materiais estes que permitam levar em conta estas diferenças e que possam se integrar em múltiplas combinações que possibilitem a elaboração de uma grande variedade de unidades didáticas.

Os argumentos expostos nos permitem chegar à conclusão de que é conveniente que os materiais contemplem, entre outras coisas, as necessidades de aprendizagem postas pela especificidade tipológica de cada conteúdo. Apesar disso, é preciso ser muito precavido, já que uma proposição deste tipo coloca um grande perigo: a perda de significância das aprendizagens, quer dizer, o perigo de que muitas aprendizagens, especialmente aquelas que se referem aos conteúdos factuais e procedimentais, sejam trabalhadas de maneira puramente mecânica, desvinculadas de outros conteúdos, conceituais e atitudinais, que lhes deem sentido. Ainda, de que a necessária exercitação de muitos dos conteúdos de aprendizagem se converta em exercícios rotineiros que percam a razão fundamental para a qual foram planejados. Portanto, embora seja conveniente a existência de materiais específicos para conteúdos de aprendizagens muito concretas, qualquer material curricular tem que fazer parte de um projeto global, que observe o papel de cada um dos distintos materiais, propostos segundo determinados objetivos de uma ou mais áreas e/ou uma ou mais etapas educativas.

Um projeto global de materiais curriculares deve observar os critérios com os quais foram elaborados cada um deles e a função que cumprem, de maneira que, conhecendo os motivos de sua realização e o papel que têm que cumprir nos processos de ensino/aprendizagem, seja possível determinar qual é seu uso mais apropriado. Para isso, é preciso explicitar as concepções curriculares subjacentes em cada um dos materiais que compõem o projeto. Assim, pois, todo projeto global terá que observar para cada área ou etapa:

a)  guias didáticos dos professores;

b)  materiais para a busca de informação;

c) materiais sequenciados e progressivos para o tratamento de conteúdos basicamente procedimentais;

d)  propostas de unidade didáticas.

Guias didáticos dos professores

Trata-se de um material para uso dos professores que é básico em todo projeto de materiais curriculares, já que nele se situam os diferentes componentes do projeto em relação à realização dos objetivos educativos previstos. O guia não tem apenas que expor o uso dos materiais propostos. Mas, sobretudo, tem que justificar o valor desses materiais nos processos de ensino/ aprendizagem, determinando o papel de cada uma das atividades de ensino que se propõem nas sequências de aprendizagem mais amplas. Portanto, tem que dizer o que são, como se realizam e, especialmente, para que servem.

O guia didático para cada um dos materiais do projeto deve observar:

1.     objetivos gerais de etapa;

2.     objetivos gerais de área;

3.     objetivos gerador de ciclo;

4.     conteúdos de aprendizagem;

5.     justificativa da metodologia proposta;

6.     proposta das unidades didáticas;

7.     para cada unidade didática ou grupo de conteúdos:

- atividades para a exploração dos conhecimentos prévios dos alunos sobre os conteúdos a serem trabalhados;

- explicação e justificação das atividades que se propõem para cada atividade, orientações concretas, organização grupais, uso do tempo, recursos, etc.;

-  atividades de reforço e complementares;

-  critérios e atividades para a avaliação formativa e somativa;- critérios e propostas de adaptações curriculares.

Materiais para a busca de informação

Em qualquer processo de ensino/aprendizagem, é básica a transmissão de informação para ser elaborada por parte do aluno. Por isso é conveniente contar com materiais distintos que, desde abordagens e pontos de vista distintos, permitam cumprir as diferentes fases do desenvolvimento das unidades didáticas e atender às demandas específicas de cada uma das fases que as compõem. Tanto a motivação como a pesquisa bibliográfica, a comparação de opiniões, a definição de conclusões, a generalização, a memorização, etc.

Os defeitos mais comuns dos materiais informativos são seu caráter- dogmático e a adaptação no desenvolvimento do tema às características do receptor, seja pela limitação na abordagem, seja pela forma (discurso e linguagem). No espaço limitado de um livro é difícil tratar convenientemente todos os temas a partir de diferentes pontos de vista e com o desenvolvimento necessário para a complexidade de cada um deles. Esta constatação implica a necessidade de dispor de recursos que complementem e supram as limitações de um texto único. Para tal, é conveniente dispor de materiais variados, que tratem em profundidade diferentes temas e que respondam a enfoques interpretativos distintos. Sua existência não significa necessariamente a eliminação de livros individuais que satisfaçam muitas das funções relacionadas com a consulta e a busca de informação no desenvolvimento de unidades didáticas. Assim, poderemos distinguir dois tipos de materiais, segundo sejam de propriedade e uso individual ou de utilização coletiva.

Livro de consulta para o aluno

Sua função primordial, tal como apontamos anteriormente, é de consulta. Em outras palavras, está concebido como subsídio para o desenvolvimento de unidades didáticas. As exposições têm que deixar transparecer os valores e as atitudes propostos. Dado o enfoque global dos níveis em que se estruturou o ensino, é conveniente que incluam todos os conteúdos do nível, seja área por área ou com um enfoque globalizador ou interdisciplinar das etapas deste período escolar.

A diferença fundamental com os livros didáticos atuais é que sua função única ou básica é informativa. É um instrumento para consultar ou utilizar quando seja necessário durante o desenvolvimento de uma unidade didática elaborada pelo professor ou pela professora. Em nenhum momento estes livros pretendem oferecer uma sequência de aprendizagem; portanto, não é conveniente que incluam atividades nem exercícios. A estrutura do livro não tem que estar configurada por lições nem unidades didáticas, já que isso implicaria a possibilidade de reduzir os conteúdos aos aspectos conceituais e a atividade educativa a uma simples tarefa informativa. A organização do livro deve ser basicamente temática e deve permitir diversos graus de leitura. O texto escrito, com as ilustrações necessárias, pode oferecer:

- Discursos motivadores sobre temas interessantes, que deem lugar a uma série de questões e perguntas que promovam a ação do aluno para buscar respostas ou soluções para os problemas colocados.

- Descrições completas, com abundantes exemplos e ilustrações, que, sob diferentes pontos de vista, exponham acontecimentos e técnicas, ou ajudem a compreender fenômenos, situações ou estratégias.

- Listagens ordenadas, extensas ou resumidas, classificações de objetos, fatos, acontecimentos, etc., segundo vários critérios.

- Sínteses, resumos, definições claras e compreensíveis, especial­mente adequadas para as idades a que se dirigem.

Materiais para a biblioteca da aula

Como expusemos anteriormente, os livros de uso coletivo para a biblioteca de aula cumprem duas funções fundamentais. Por um lado, possibilitar a comparação sobre um mesmo tema, já que se pressupõe que na aula haverá diversos livros sobre um mesmo tema, a partir de diferentes pontos de vista ou interpretações. Por outro, apresentar ao aluno uma informação convenientemente desenvolvida, sem as limitações físicas do livro individual. Portanto, os livros da biblioteca de aula serão basicamente monografias, convenientemente ilustradas, que desenvolverão todos os temas do currículo, levando em conta todos os níveis e todas as áreas e tratando-os com distintos graus de extensão é profundidade.

Materiais sequenciados e progressivos para o tratamento de conteúdos procedimentais

Quando numa unidade didática trabalhamos conjuntamente os diversos tipos de conteúdos é relativamente fácil estabelecer distintos graus de aprendizagem, para os conteúdos conceituais - é possível que todos os alunos elaborem ao mesmo tempo e individualmente um mesmo conceito, mas com uma forma e um grau de profundidade diferentes. Agora, esta tarefa não é tão fácil quando os conteúdos são os procedimentais, dada a dificuldade de oferecer, ao mesmo tempo, atividades adequadas para os distintos níveis de domínio ou uso que se apresentam na classe. Como vimos, o domínio do uso destes conteúdos, quer dizer, a capacidade de utilizá-los de forma adequada diante de situações e problemas diferentes, importará a realização de múltiplas atividades, não limitadas temporalmente a uma única unidade didática. Será necessário um trabalho ordenado da menor à maior dificuldade e convenientemente sequenciado, que superará amplamente o marco estrito de uma unidade didática. Neste caso, a variável temporal é extremamente importante e, portanto, a relação entre o grau de aprendizagem e a diversidade dos alunos implicará observar os diversos ritmos de aprendizagem.

Assim, quando realizamos atividades que têm como finalidade básica a conceitualização, é possível realizar, ao mesmo tempo, intervenções específicas que observem a diversidade. Por exemplo, estabelecendo diferentes níveis de profundidade nos diálogos com os alunos, sem romper a dinâmica da aula. Pelo contrário, se queremos trabalhar o uso da medida, será imprescindível que cada aluno faça exercícios segundo seu grau de domínio do procedimento. O mesmo exercício não serve para todos: deverá se apresentar para cada um os exercícios mais apropriados; exercícios que deverão estar sequenciados de forma adequada, segundo seu nível de dificuldade. Portanto, convirá que o professor disponha daqueles materiais que apresentem ao aluno exercícios sequenciados, que cumpram os requisitos de ordem e progressão. Materiais que podem ser descartáveis e, se for possível, que permitam autocorreção.

Exatamente como mencionamos antes, as características deste tipo de materiais, que na maioria dos casos implicam a repetição de ações, comportam o risco da mecanização. Portanto, é indispensável que estes materiais sejam incluídos em atividades contextualizadas e que fomentem a compreensão e a reflexão sobre o porquê do procedimento e de cada uma das ações que o compõem.

Propostas de unidades didáticas

Um projeto que leve em conta os materiais anteriores, livros de consulta individuais e coletivos, materiais de exercitação sequenciados e os guias didáticos correspondentes, pode ser suficiente para que o

professor construa suas próprias unidades didáticas. Agora, dada a longa tradição de um uso determinado dos livros didáticos, certamente será necessário e conveniente dispor de materiais que desenvolvam unidades didáticas completas, que ofereçam referências concretas de intervenção pedagógica e que desenvolvam, de uma maneira sistemática, todos os conteúdos previstos para uma área e uma etapa concretas. Apesar de aceitar que as unidades didáticas padronizadas, peio simples fato de estarem descontextualizadas, não respondem às demandas específicas dos diversos grupos/classes aos quais podem se dirigir, se os materiais são utilizados como exemplos ou como instrumentos para ser adaptados e se, portanto, possibilitam as mudanças nas atividades que propõem e em seus enfoques, podem representar alguns meios perfeitos de ajuda para o professorado. Podemos constatar que este tipo de materiais tem sido o meio utilizado com mais frequência por muitos professores nas mudanças e na melhoria de suas estratégias de intervenção pedagógica.

Assim, pois, os materiais que contemplem propostas de unidades didáticas e que cumpram os requisitos de flexibilidade e adaptação, que permitam um uso individualizado por parte do aluno e que preferivelmente sejam descartáveis, formariam, juntamente com os anteriores, os componentes básicos de um projeto global.

Conclusões

Neste capítulo, vimos como seguidamente as opiniões que os materiais curriculares nos inspiram estão muito condicionadas pela opinião sobre aqueles que mais conhecemos.

De nenhum modo os materiais curriculares podem substituir a atividade construtiva do professor, nem a dos alunos, na aquisição das aprendizagens. Mas é um recurso importantíssimo que, bem utilizado, não apenas potencializa este processo como oferece ideias, propostas e sugestões que enriquecem o trabalho profissional. Uma tarefa básica de toda equipe docente deveria consistir em estar a par de todo tipo de materiais úteis para a função educativa e em construir critérios básicos de análise que permitam adotar decisões fundamentais a respeito da seleção, do uso, da avaliação e da atualização constante deste tipo de materiais.

Antoni Zabala – A Prática Educativa


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