segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Zabala - A função social do ensino

 

FUNÇÃO SOCIAL DO ENSINO: QUE FINALIDADE DEVE TER O SISTEMA EDUCATIVO?

Por trás de qualquer proposta metodológica se esconde uma concepção do valor que se atribui ao ensino, assim como certas ideias mais ou menos formalizadas e explícitas em relação aos processos de ensinar e aprender.

De maneira esquemática, e tomando como base o ensino público na Espanha durante este século, poderíamos considerar que além das grandes declarações de princípios, a função fundamental que a sociedade atribuiu à educação tem sido a de selecionar os melhores em relação à sua capacidade para seguir uma carreira universitária ou para obter qualquer outro título de prestígio reconhecido. O que tem justificado a maioria dos esforços educacionais e a valorização de determinadas aprendizagens acima de outras tem sido a potencialidade que lhes é atribuída para alcançar certos objetivos propedêuticos, quer dizer, determinados por seu valor a longo prazo e quanto a uma capacitação profissional, subvalorando, deste modo, o valor formativo dos processos que os meninos e as meninas seguem ao longo da escolarização.

Por acaso o papel da escola deve ser exclusivamente seletivo e propedêutico? Ou deve cumprir outras funções? Não há dúvida de que esta é a primeira pergunta que temos que nos colocar. Quais são nossas intenções educacionais? O que pretendemos que nossos alunos consigam?

O PAPEL DOS OBJETIVOS EDUCACIONAIS

Um modo de determinar os objetivos ou finalidades da educação consiste em fazê-lo em relação às capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Existem diferentes formas de classificar as capacidades do ser humano (Bloom, Gagné, Tyler). A proposta por C. Coll (1986) - que estabelece um agrupamento em capacidades cognitivas ou intelectuais, motoras, de equilíbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relação interpessoal e de inserção e atuação social - tem a vantagem, em minha opinião, de não atomizar excessivamente o que, sem dúvida, se encontra fortemente inter-relacionado, ao mesmo tempo que mostra a indissociabilidade, no desenvolvimento pessoal, das relações que se estabelecem com os outros e com a realidade social. Se tomamos como referência estes diferentes tipos de capacidades, a pergunta acerca das intenções educacionais pode se resumir no tipo de capacidades que o sistema educativo deve levar em conta. Até hoje, o papel atribuído ao ensino tem priorizado as capacidades cognitivas, mas nem todas, e sim aquelas que se tem considerado mais relevantes e que, como sabemos, correspondem à aprendizagem das disciplinas ou matérias tradicionais. Na atualidade, devemos considerar que a escola também deve se ocupar das demais capacidades, ou esta tarefa corresponde exclusivamente à família ou a outras instâncias? Por acaso é dever da sociedade e do sistema educacional atender todas as capacidades da pessoa? Se a resposta é afirmativa e, portanto, achamos que a escola deve promover a formação integral dos meninos e meninas, é preciso definir imediatamente este princípio geral, respondendo ao que devemos entender por autonomia e equilíbrio pessoal, o tipo de relações interpessoais a que nos referimos e o que queremos dizer quando nos referimos à atuação ou inserção social.

A resposta a estas perguntas é chave para determinar qualquer atuação educacional, já que, explicite-se ou não, sempre será o resultado de uma maneira determinada de entender a sociedade e o papel que as pessoas têm nela. Educar quer dizer formar cidadãos e cidadãs, que não estão parcelados em compartimentos estanques, em capacidades isoladas. Quando se tenta potencializar certo tipo de capacidades cognitivas, ao mesmo tempo se está influindo nas demais capacidades, mesmo que negativamente. A capacidade de uma pessoa para se relacionar depende das experiências que vive, e as instituições educacionais são um dos lugares preferenciais, nesta época, para se estabelecer vínculos e relações que condicionam e definem as próprias concepções pessoais sobre si mesmo e sobre os demais. A posição dos adultos frente à vida e às imagens que oferecemos aos mais jovens, a forma de estabelecer as comunicações na aula, o tipo de regras de jogo e de convivência incidem em todas as capacidades da pessoa.

Nós, os professores, podemos desenvolver a atividade profissional sem nos colocar o sentido profundo das experiências que propomos e podemos nos deixar levar pela inércia ou pela tradição. Ou podemos tentar compreender a influência que estas experiências têm e intervir para que sejam o mais benéficas possível para o desenvolvimento e o amadurecimento dos meninos e meninas. Mas, de qualquer forma, ter um conhecimento rigoroso de nossa tarefa implica saber identificar os fatores que incidem no crescimento dos alunos. O segundo passo consistirá em aceitar ou não o papel que podemos ter neste crescimento e avaliar se nossa intervenção é coerente com a ideia que temos da função da escola e, portanto, de nossa função social como educadores.

Convém se dar conta de que esta determinação não é simples, já que por trás de qualquer intervenção pedagógica consciente se escondem uma análise sociológica e uma tomada de posição que sempre é ideológica. As razões que justificam a resposta à pergunta de quais serão as necessidades de todo tipo que terão nossos alunos quando forem adultos, ou seja, em pleno século XXI, e a avaliação das capacidades que se terá que potencializar para que possam superar os problemas e os empecilhos que surgirão em todos os campos (pessoal, social e profissional) não apenas estão sujeitas a uma análise prospectiva, como principalmente à consideração do papel que deverão ter na sociedade como membros ativos e co-partícipes em sua configuração. Aqui é onde surge a necessidade de uma reflexão profunda e permanente quanto à condição de cidadão e cidadã e quanto às características da sociedade em que irão viver. E isto significa situar-se ideologicamente.

É preciso insistir que tudo quanto fazemos em aula, por menor que seja, incide em maior ou menor grau na formação de nossos alunos. A maneira de organizar a aula, o tipo de incentivos, as expectativas que depositamos, os materiais que utilizamos, cada uma destas decisões veicula determinadas experiências educativas, e é possível que nem

— Sempre estejam em consonância com o pensamento que temos a respeito do sentido e do papel que hoje em dia tem a educação.

OS CONTEÚDOS DE APRENDIZAGEM: INSTRUMENTOS DE EXPLICITAÇÃO DAS INTENÇÕES EDUCATIVAS

Como dissemos, a determinação das finalidades ou objetivos da educação, sejam explícitos ou não, é o ponto de partida de qualquer análise da prática. E impossível avaliar o que acontece na aula se não conhecemos o sentido último do que ali se faz. Mas, ao mesmo tempo, as intenções educacionais são tão globais e gerais que dificilmente podem ser instrumentos de atuação prática no âmbito tão concreto da sala de aula. Os grandes propósitos estabelecidos nos objetivos educacionais são imprescindíveis e também úteis para realizar a análise global do processo educacional ao longo de toda uma série e, sem dúvida, durante todo um ciclo ou uma etapa. Mas quando nos situamos no âmbito da aula, e concretamente, numa unidade de análise válida para entender a prática que nela acontece, temos que buscar alguns instrumentos mais definidos. A resposta à pergunta "por que ensinar?" devemos acrescentar a resposta a "o que ensinamos?", como uma questão mais acessível neste âmbito concreto de intervenção. Os conteúdos de aprendizagem são o termo genérico que define esta pergunta, mas convém refletir e fazer alguns comentários a respeito.

O termo "conteúdos" normalmente foi utilizado para expressar aquilo que deve se aprender, mas em relação quase exclusiva aos conhecimentos das matérias ou disciplinas clássicas e, habitualmente, para aludir àqueles que se expressam no conhecimento de nomes, conceitos, princípios, enunciados e teoremas. Assim, pois, se diz que uma matéria está muito carregada de conteúdos ou que um livro não tem muitos conteúdos, fazendo alusão a este tipo de conhecimentos. Este sentido, estritamente disciplinar e de caráter cognitivo, geralmente também tem sido utilizado na avaliação do papel que os conteúdos devem ter no ensino, de forma que nas concepções que entendem a educação como formação integral se tem criticado o uso dos conteúdos como única forma de definir as intenções educacionais. Devemos nos desprender desta leitura restrita do termo "conteúdo" e entendê-lo como tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais capacidades. Deste modo, os conteúdos de aprendizagem não se reduzem unicamente às contribuições das disciplinas ou matérias tradicionais. Portanto, também serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social.

Assim, pois, será possível pôr sobre o papel o que se tem denominado currículo oculto, quer dizer, aquelas aprendizagens que se realizam na escola mas que nunca apareceram de forma explícita nos planos de ensino. Como estes planos têm se centrado nas disciplinas ou matérias, tudo aquilo que indubitavelmente se aprende na escola, mas que não se pode classificar nos compartimentos das disciplinas, não tem aparecido e tampouco tem sido objeto de avaliações explícitas. Optar por uma definição de conteúdos de aprendizagem ampla, não restrita aos conteúdos disciplinares, permite que este currículo oculto possa se tornar manifesto e que possa se avaliar sua pertinência como conteúdo expresso de aprendizagem e de ensino.

Portanto, ao responder à pergunta "o que deve se aprender?" deveremos falar de conteúdos de natureza muito variada: dados, habilidades, técnicas, atitudes, conceitos, etc. Das diferentes formas de classificar esta diversidade de conteúdos, Coll (1986) propõe uma que, como veremos, tem uma grande potencialidade explicativa dos fenômenos educativos. Este autor agrupa os conteúdos segundo sejam conceituais, procedimentais ou atitudinais. Esta classificação corresponde respectivamente às perguntas "o que se deve saber?", "o que se deve saber fazer?" e "como se deve ser?", com o fim de alcançar as capacidades propostas nas finalidades educacionais.

Se examinamos a resposta tradicional sobre o papel do ensino e utilizamos os diferentes tipos de conteúdos como instrumentos descritivos do modelo propedêutico que propõe, poderemos ver que é fácil efetuar uma descrição bastante precisa e que vai além das definições genéricas. As perguntas para defini-lo se resumiriam no que é preciso saber, saber fazer e ser neste modelo. Certamente, a resposta afirmará que - pensemos na maioria dos conteúdos dos exames e, concretamente, das provas de seleção - acima de tudo é preciso "saber", que se necessita de um pouco "saber fazer" e que não é muito necessário "ser"; quer dizer, muitos conteúdos conceituais, alguns conteúdos procedimentais e poucos conteúdos atitudinais. Mas isto, inclusive neste modelo, não é assim em todos os níveis de escolarização, nem em todas as escolas, nem para todos os professores. Vejamos como podemos utilizar a diferenciação dos conteúdos segundo a tipologia conceituai, procedimental ou atitudinal para fazer uma primeira aproximação às características diferenciais dos ciclos e das etapas do sistema educacional vigente até agora.

Mas se a importância relativa dos diferentes tipos de conteúdos nos lados, pelo que poderemos avaliar se o que se faz está de acordo com o serve para descrever melhor as diferenças entre os diversos níveis do que se pretende nos objetivos; e também poderemos avaliar se os conteúdos de ensino, também é um meio que permite entender a própria posição e a de dos que se trabalham são coerentes com nossas intenções educacionais. nossos companheiros e companheiras em relação à importância que para efetuar uma avaliação completa da unidade didática não basta atribuímos a cada um dos conteúdos, de tal forma que nos é possível dar a pertinência dos conteúdos, é necessário verificar se as atividades interpretar com mais fidelidade as diferenças pessoais a respeito das propostas na unidade são suficientes e necessárias para alcançar os objetivos e concepção que cada um tem do papel que o ensino deve desempenhar. E vos previstos. A questão que se coloca agora consiste em saber se aqueles evidentes que se trata de uma primeira aproximação na qual não consta conteúdos que se trabalham realmente são aprendidos.

Desta maneira, a tipologia de conteúdos pode nos servir de instrução, esconde uma ideia sobre como se produzem as aprendizagens. O mais mento para definir as diferentes posições sobre o papel que deve ter o  extraordinário de tudo é a inconsciência ou o desconhecimento do fato do ensino. Portanto, num ensino que propõe a formação integral a presença dos que quando não se utiliza um modelo teórico explícito também se atua diferentes tipos de conteúdos estará equilibrada; por outro lado, um ensino sob um marco teórico.

A discriminação tipológica dos conteúdos e a importância que lhes é quer dizer que não exista. Por trás de qualquer prática educativa sempre atribuída nas diferentes propostas educacionais nos permitem conhecer        há uma resposta a "por que ensinamos" e "como se aprende".

Pois bem, se partimos do fato de que nossa atuação é inerente a uma determinada concepção, será lógico que esteja o mais fundamentada possível. Faz mais de cem anos que existem estudos e trabalhos experimentais sobre os processos de aprendizagem; nosso conhecimento seguro de muitas coisas. O fato de que não exista uma única corrente psicológica, nem consenso entre as diversas correntes existentes, não pode nos fazer perder de vista que há uma série de princípios nos quais as diferentes correntes estão de acordo: as aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos aprendizes; correspondem, em grande parte, às experiências que cada um viveu desde o nascimento; a forma como se aprende e o ritmo da aprendizagem variam segundo as capacidades, motivações e interesses de cada um dos meninos e meninas; enfim, a maneira e a forma como se produzem as aprendizagens são o resultado de processos que sempre são singulares e pessoais. São acordos ou conclusões que todos nós, educadores, constatamos em nossa prática e que, diríamos, praticamente são senso comum. Deles decorre um enfoque pedagógico que deve observar a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. E aqui parece outro paradoxo. Usamos esta interpretação dos processos de aprendizagem em alguns casos, mas a esquecemos em muitas outras ocasiões.

Darei um exemplo. Imaginemos que somos professoras e professores de educação física e que alguém nos pergunta que altura deve saltar um menino ou uma menina de 14 anos que está no segundo ano do ensino médio. Certamente mostraremos certa surpresa frente ao absurdo aparente da pergunta, já que todos teremos pensado imediatamente que B altura a ser saltada dependerá de cada menino ou menina. Portanto, responderemos que está em função de suas capacidades (físicas e afetivas: compleição, força, interesse, etc.) e de seu treinamento, quer dizer, de suas aprendizagens prévias. Isto fará com que situemos a barreira para cada um segundo suas possibilidades reais, de forma que para quem salta 90 cm colocaremos a barreira a 95, e para quem salta 120, a 125. Em todos os casos, superar a barreira constituirá um desafio, mas um desafio acessível com nossa colaboração, um desafio que ajude a melhorar o aluno. Neste caso, consideramos lógico que para que os alunos progridam será inútil colocar a barreira na mesma altura para todos, já que para alguns será tão fácil que não os obrigará a realizar o esforço necessário para melhorar, enquanto que para outros a barreira estará tão alta que nem sequer tentarão ultrapassá-la e, portanto, não lhes ajudaremos a avançar.

Utilizamos um critério para estabelecer o nível, quer dizer, o grau de aprendizagem segundo as capacidades e os conhecimentos prévios de cada menino e menina. E esta proposição, útil para determinar o nível, marcará também a forma de ensinar, como veremos.

 

Imaginemos agora que como professores de educação física temos que trabalhar a cambalhota. É óbvio que não nos ocorrerá colocar todos os alunos em fila diante de um enorme colchonete que vai de um extremo a outro do ginásio e lhes dizer num tom sabichão e com voz contundente: "Agora faremos uma cambalhota. A cambalhota consiste na rotação do corpo humano em relação a um eixo horizontal que passa mais ou menos pelo umbigo, de forma que com um impulso das extremidades inferiores nos deslocaremos desde este ponto, A, até este outro ponto, B. Como sou um professor ativo, vou lhes demonstrar. Viram como tem que se fazer? Agora, quando eu contar três, façam todos a cambalhota. Um, dois e três... Muito bem, João, um 10; você, Pedro, um 8; Carmen, um 9; Enrique, muito ruim, um 3; etc."

Em vez disto, utilizaremos apenas um colchonete, colocaremos os alunos em fila indiana, um atrás do outro, e lhes pediremos que façam a cambalhota um por um. A cada aluno exigiremos um grau diferente de execução do exercício e lhe ofereceremos um tipo diferente de ajuda. Se Juana é muito flexível e tem destreza, diremos: "Juana, os braços bem esticados, as pernas bem juntas e que a cabeça não toque o chão." Como esta aluna, apesar de ter feito bastante bem a cambalhota, deslocou ligeiramente as pernas, diremos: "Não colocou bem as pernas. Você deve prestar mais atenção."

Por outro lado, quando for a vez de Pablo, um menino gordinho e pouco ágil, diremos: "Vamos, Pablo, você pode fazer. Vamos lá!" E enquanto faz a cambalhota, ajudaremos, pegando-o pelas pernas, para que acabe de virar. Ao concluir, embora não tenha se saído muito bem, certamente faremos um comentário como por exemplo: "Muito bem,

—---- Pablo, é isso aí!"—

Em cada caso utilizamos uma forma de ensinar adequada às necessidades do aluno. Segundo as características de cada um dos meninos e meninas, estabelecemos um tipo de atividade que constitui um desafio alcançável, mas um verdadeiro desafio e, depois, lhes oferecemos a ajuda necessária para superá-lo. No final, fizemos uma avaliação que contribui para que cada um deles mantenha o interesse em seguir trabalhando.

Podemos observar que se trata de uma forma de intervenção extremamente complexa, com uma autêntica atenção à diversidade, que implicou estabelecer níveis, desafios, ajudas e avaliações apropriados às características pessoais de cada menino e menina.

O que acontece se em vez de pensar numa atividade de educação física nos situamos nas áreas de língua, matemática ou física? Se fazemos uma pergunta similar à do salto em altura e indagamos o que um menino ou uma menina de 14 anos tem de saber sobre morfossintaxe, funções matemáticas ou eletricidade, o mais normal é que não duvidemos nem um segundo e respondamos: "Na segunda série tem que saber..." Se não fosse o fato de termos aprendido e vivido com este modelo e, portanto, estarmos acostumados a ele, poderia parecer que nos achamos numa situação paradoxal. Por um lado, quando o conteúdo de aprendizagem se refere a algo que pode ser visto, como acontece no caso da educação física, utilizamos um modelo de ensino de acordo com uma interpretação complexa da aprendizagem. Por outro, quando a aprendizagem se realiza sobre um conteúdo cognitivo, posto que não vemos o que acontece na mente do aluno, em vez de utilizar um modelo interpretativo mais complexo, simplificamos e estabelecemos propostas de ensino notavelmente uniformizadoras: na oitava série tem que estudar o "sintagma nominal" ou os "polinómios"; os exercícios são iguais para todos, e aplicamos o mesmo critério para avaliar a competência de cada um dos meninos e meninas.

Certamente você pensará que no caso da educação física não existe a mesma pressão por parte das famílias, de determinadas matérias repletas de conteúdos e de um sistema seletivo que não vê da mesma maneira esta disciplina. Todas estas considerações fazem com que, em conjunto, o tratamento possa ser suficientemente flexível para permitir formas de intervenção que levem em conta a diversidade dos alunos. E isto é certo: as ideias e pressões a que estão submetidas as outras áreas de conhecimento dificultam um trabalho que leve em conta as diferenças individuais. Mas o fato de que existam estes e outros condicionantes não deve implicar a utilização de modelos que neguem a compreensão de como se produzem os processos de aprendizagem. Pelo contrário, partindo do princípio de atenção à diversidade, temos que nos mover na identificação dos condicionantes que impedem levá-lo a cabo e tomar as medidas que diminuam ou eliminem esses condicionantes que impedem que nos ocupemos das demandas particulares de cada um dos meninos e meninas.

Sem dúvida, é difícil conhecer os diferentes graus de conhecimento de cada menino e menina, identificar o desafio de que necessitam, saber que ajuda requerem e estabelecer a avaliação apropriada para cada um deles a fim de que se sintam estimulados a se esforçar em seu trabalho. Mas o fato de que custe não deve nos impedir de buscar meios ou formas de intervenção que, cada vez mais, nos permitam dar uma resposta adequada às necessidades pessoais de todos e cada um de nossos alunos.

O CONSTRUTIVISMO: CONCEPÇÃO SOBRE COMO SE PRODUZEM OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

Embora uma primeira aproximação ao conhecimento do como se aprende nos permite chegar à conclusão de que os modelos de ensino devem ser capazes de atender à diversidade dos alunos, existe uma série de princípios psicopedagógicos em torno da concepção construtivista da aprendizagem suficientemente validados empiricamente que, como veremos, são determinantes para estabelecer referências e critérios para a análise da prática e da intervenção pedagógica.

A concepção construtivista (Coll, 1986; Coll, Martin, Mauri, Miras, Onrubia, Solé e Zabala, 1993; Mauri, Solé, Del Carmen e Zabala, 1990), partindo da natureza social e socializadora da educação escolar e do acordo construtivista que desde algumas décadas se observa nos âmbitos da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, reúne uma série de princípios que permitem compreender a complexidade dos processos de ensino/aprendizagem e que se articulam em torno da atividade intelectual implicada na construção de conhecimentos. Sem pretender dar uma explicação exaustiva deste marco teórico, que tem tido uma ampla difusão, citaremos, a seguir, alguns de seus elementos fundamentais.

Nesta explicação, pressupõe-se que nossa estrutura cognitiva está configurada por uma rede de esquemas de conhecimento. Estes esquemas se definem como as representações que uma pessoa possui, num momento dado de sua existência, sobre algum objeto de conhecimento. Ao longo da vida, estes esquemas são revisados, modificados, tornam-se mais complexos e adaptados à realidade, mais ricos em relações. A natureza dos esquemas de conhecimento de um aluno depende de seu nível de desenvolvimento e dos conhecimentos prévios que pôde construir; a situação de aprendizagem pode ser concebida como um processo de comparação, de revisão e de construção de esquemas de conhecimento sobre os conteúdos escolares.

Agora, para que este processo se desencadeie, não basta que os alunos se encontrem frente a conteúdos para aprender; é necessário que diante destes possam atualizar seus esquemas de conhecimento, compará-los com o que é novo, identificar semelhanças e diferenças e integrá-las em seus esquemas, comprovar que o resultado tem certa coerência etc. Quando acontece tudo isto - ou na medida em que acontece — podemos dizer que está se produzindo uma aprendizagem significativa dos conteúdos apresentados. Ou, dito de outro modo, estão se estabelecendo relações não-arbitrárias entre o que já fazia parte da estrutura cognitiva do aluno e o que lhe foi ensinado. Na medida em que podem se estabelecer estas relações, quer dizer, quando a distância entre o que se sabe e o que se tem que aprender é adequada, quando o novo conteúdo tem uma estrutura que o permite, e quando o aluno tem certa disposição para chegar ao fundo, para relacionar e tirar conclusões (Ausubel, Novak e Hanesian, 1983), sua aprendizagem é uma aprendizagem significativa que está de acordo com a adoção de um enfoque profundo. Quando estas condições são insuficientes ou não estão presentes, a aprendizagem que se realiza é mais superficial e, no limite, pode ser uma aprendizagem mecânica, caracterizada pelo escasso número de relações que podem ser estabelecidas com os esquemas de conhecimento presentes na estrutura cognitiva e, portanto, facilmente submetida ao esquecimento.

Como se tem repetido continuamente, a aprendizagem significativa não é uma questão de tudo ou nada, mas de grau - do grau em que estão presentes as condições que mencionamos. Assim, pois, a conclusão é evidente: o ensino tem que ajudar a estabelecer tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios quanto permita a situação.

Chegando a este ponto, falaremos do ensino. Na concepção construtivista, o papel ativo e protagonista do aluno não se contrapõe à necessidade de um papel igualmente ativo por parte do educador. É ele quem dispõe as condições para que a construção que o aluno faz seja mais ampla ou mais restrita, se oriente num sentido ou noutro, através da observação dos alunos, da ajuda que lhes proporciona para que utilizem seus conhecimentos prévios, da apresentação que faz dos conteúdos, mostrando seus elementos essenciais, relacionando-os com o que os alunos sabem e vivem, proporcionando-lhes experiências para que possam explorá-los, compará-los, analisá-los conjuntamente e de forma autônoma, utilizá-los em situações diversas, avaliando a situação em seu conjunto e reconduzindo-a quando considera necessário, etc. Dito de outro modo, a natureza da intervenção pedagógica estabelece os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio (Coll, 1 9S3).

Assim, concebe-se a intervenção pedagógica como uma ajuda adaptada ao processo de construção do aluno; uma intervenção que vai criando Zonas de Desenvolvimento Próxima! (Vygotsky, 1979) e que ajuda os alunos a percorrê-las. Portanto, a situação de ensino e aprendizagem também pode ser considerada como um processo dirigido a superar desafios, desafios que possam ser enfrentados e que façam avançar um. pouco mais além do ponto de partida. É evidente que este ponto não está definido apenas pelo que se sabe. Na disposição para a aprendizagem - e na possibilidade de torná-la significativa - intervêm, junto às capacidades cognitivas, fatores vinculados às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção social. Os alunos percebem a si mesmos e percebem as situações de ensino e aprendizagem de uma maneira determinada, e esta percepção - "conseguirei, me ajudarão, é divertido, é uma chatice, vão me ganhar, não farei direito, é interessante, me castigarão, me darão boa nota..." - influi na maneira de se situar diante dos novos conteúdos e, muito provavelmente, (Solé, 1993) nos resultados que serão obtidos.

Por sua vez, estes resultados não têm um efeito, por assim dizer, exclusivamente cognitivo. Também incidem no autoconceito e na forma de perceber a escola, o professor e os colegas, e, portanto, na forma de se relacionar com. eles. Quer dizer, incidem nas diversas capacidades das pessoas, em suas competências e em seu bem-estar. 

A concepção construtivista, da qual o mencionado anteriormente não é mais do que um apontamento, parte da complexidade intrínseca dos processos de ensinar e aprender e, ao mesmo tempo, de sua potencialidade para explicar o crescimento das pessoas. Apesar de todas as perguntas que ainda restam por responder, é útil porque permite formular outras novas, respondê-las desde um marco coerente e, especialmente, porque oferece critérios para avançar.

A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS SEGUNDO SUA TIPOLOGIA

Vimos as condições gerais de como se produzem as aprendizagens sob uma concepção construtivista e, previamente, diferenciamos os conteúdos de aprendizagem segundo uma determinada tipologia que nos serviu para identificar com mais precisão as intenções educativas. A pergunta que agora podemos nos fazer é se os princípios descritos genericamente se realizam de forma diferente conforme trate-se de conteúdos conceituais, procedimentais ou atitudinais.

A tendência habitual de situar os diferentes conteúdos de aprendizagem sob a perspectiva disciplinar tem feito com que a aproximação à aprendizagem se realize segundo eles pertençam à disciplina ou à área: matemática, língua, música, geografia, etc., criando, ao mesmo tempo, certas didáticas específicas de cada matéria

 Assim, veremos que o conhecimento geral da aprendizagem, descrita anteriormente, adquire características determinadas segundo as diferenças tipológicas de cada um dos diversos tipos de conteúdo.

Mas antes de efetuar uma análise diferenciada dos conteúdos, é conveniente nos prevenir do perigo de compartimentar o que nunca se encontra de modo separado nas estruturas de conhecimento. A diferenciação dos elementos que as integram e, inclusive, a tipificação das características destes elementos, que denominamos conteúdos, é uma construção intelectual para compreender o pensamento e o comportamento das pessoas. Em sentido estrito, os fatos, conceitos, técnicas, valores, etc., não existem. Estes termos foram criados para ajudar a compreender os processos cognitivos e condutuais, o que torna necessária sua diferenciação e parcialização metodológica em compartimentos para podermos analisar o que sempre se dá de maneira integrada.

Esta relativa artificialidade faz com que a distinção entre uns e outros corresponda, na realidade, a diferentes faces do mesmo poliedro. A linha divisória entre umas e outras é muito sutil e confusa. Portanto, seguindo com a analogia, a aproximação a uma ou outra face é uma opção de quem efetua a análise. Num determinado momento queremos ensinar ou nos deter no aspecto factual, conceituai, procedimental ou atitudinal do trabalho de aprendizagem a ser realizado. Assim, pois, é preciso levar em conta que:

Todo conteúdo, por mais específico que seja, sempre está associado e, portanto, será aprendido junto com conteúdos de outra natureza. Por exemplo, os aspectos mais factuais da soma (código e símbolo) são aprendidos junto com os conceituais da soma (imião e número), com os algorítmicos (cálculo mental e algoritmo) e os atitudinais (sentido e valor).

• A estratégia de diferenciação tem sentido basicamente a partir da análise da aprendizagem e não do ensino. Desde uma perspectiva construtivista, as atividades de ensino têm que integrar ao máximo os conteúdos que se queiram ensinar para incrementar sua significância, pelo que devem observar explicitamente atividades educativas relacionadas de forma simultânea com. todos aqueles conteúdos que possam dar mais significado à aprendizagem. Portanto, esta integração tem uma maior justificação quando os conteúdos se referem a um mesmo objeto específico de estudo. No caso da soma, a capacidade de utilizá-la competentemente será muito superior se se trabalham ao mesmo tempo os diferentes tipos de conteúdos relacionados com a soma.

Apesar das duas considerações anteriores, as atividades de aprendizagem são substancialmente diferentes segundo a natureza do conteúdo.

Utilizarei outro exemplo para ilustrar estas considerações. Situemo-nos na área de Ciências Sociais e numa unidade didática que faz referência à bacia hidrográfica do rio Segre. Quando se aprende o nome do rio, dos afluentes e das populações da bacia, estão se reforçando conjuntamente, e, portanto, aprendendo, os conceitos de rio, afluente e população. Ao mesmo tempo, se melhora o domínio da leitura do mapa correspondente e se leva em consideração o papel que têm neste território as medidas para a conservação do meio ambiente. A forma de propor as atividades de ensino será a que permita a máxima inter-relação entre os diferentes conteúdos. Assim, serão propostas atividades que facilitem a memorização da toponímia, ao mesmo tempo que contribuam para ampliar os conceitos associados, se situem no mapa e façam considerações sobre as necessidades de manutenção do meio ambiente. Mas, apesar disso, a forma de aprender os nomes dos rios e das populações não é a mesma forma com que se concebe o significado de rio, afluente ou população, que se chega a dominar a interpretação de mapas, nem que se adquirem atitudes de respeito pela natureza.

A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS FACTUAIS

Por conteúdos factuais se entende o conhecimento de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista de um território, a localização ou a altura de uma montanha, os nomes, os códigos, os axiomas, um fato determinado num determinado momento, etc. Sua singularidade e seu caráter, descritivo e concreto, são um traço definidor. O ensino está repleto de conteúdos factuais: toda a toponímia na área de geografia; as datas e os nomes de acontecimentos na de história; os nomes de autores e correntes na de literatura, música e artes plásticas; os códigos e os símbolos nas áreas de língua, matemática, física e química; as classificações na de biologia; o vocabulário nas línguas estrangeiras, etc. Tradicionalmente, os fatos têm sido a bagagem mais aparente do vulgarmente denominado "homem culto", objeto da maioria de provas e inclusive concursos. Conhecimento ultimamente menosprezado, mas indispensável, de qualquer forma, para poder compreender a maioria das informações e problemas que surgem na vida cotidiana e profissional. Claro, sempre que estes dados, fatos e acontecimentos disponham dos conceitos associados que permitam interpretá-los, sem os quais se converteriam em conhecimentos estritamente mecânicos.

Antes de examinarmos como se aprendem os conteúdos factuais e para justificar a interpretação que fazemos devemos nos perguntar a que nos referimos quando dizemos que se aprendeu um fato, um dado, um acontecimento, etc. Consideramos que o aluno ou a aluna aprendeu um conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo. Na maioria destes conteúdos, a reprodução se produz de forma literal; portanto, a compreensão não é necessária já que muitas vezes tem um caráter arbitrário. Dizemos que alguém aprendeu quando é capaz de recordar e expressar, de maneira exata, o original, quando se dá a data com precisão, o nome sem nenhum erro, a atribuição exata do símbolo. Trata-se de conteúdos cuja resposta é inequívoca. Nestes casos é uma aprendizagem de tudo ou nada. Sabe-se a data, o nome, o símbolo, a valência... ou não se sabe. Mas quando os conteúdos factuais se referem a acontecimentos, pede-se da aprendizagem que, embora não seja reprodução literal, implique uma lembrança o mais fiel possível de todos os elementos que a compõem e de suas relações. A trama de um romance, a descrição da colonização das terras americanas ou o argumento de uma ópera podem ser recordados com mais ou menos componentes e não é necessário fazer urna repetição literal. Geralmente, consideramos que, com relação aos fatos, a aprendizagem adequada é a mais próxima do texto original ou da exposição que é objeto de estudo.

Este tipo de conhecimento se aprende basicamente mediante atividades de cópia mais ou menos literais, a fim de ser integrado nas estruturas de conhecimento, na memória. Dos diferentes princípios da aprendizagem significativa expostos anteriormente, podemos ver que, no caso dos fatos, muitos deles têm uma importância relativa, já que a maioria é condição para a compreensão. Condição que nestes conteúdos podemos considerar como valor acrescentado e que, de qualquer forma, não corresponde aos fatos mesmos, mas aos conteúdos conceituais associados. De forma que se já se tem uma boa compreensão dos conceitos a que se referem os dados, fatos ou acontecimentos, a atividade fundamental para sua aprendizagem é a cópia. Este caráter reprodutivo comporta exercícios de repetição verbal. Repetir nomes, as datas e as obras tantas vezes quanto forem necessário até chegar a uma automatização da informação. Segundo as características dos conteúdos a serem aprendidos, ou segundo sua quantidade, serão utilizadas estratégias que, através de organizações significativas ou associações, favoreçam a tarefa de memorização no processo de repetição. Listas agrupadas segundo ideias significativas, relações com esquemas ou representações gráficas, associações entre este conteúdo e outros fortemente assimilados, etc. Embora esta aprendizagem , repetitiva .seja fácil, posto que não se requer muito planejamento nem intervenção externa, para fazer estes exercícios de caráter notavelmente rotineiro é imprescindível uma atitude ou predisposição favorável. Além do mais, se ao cabo de algum tempo não se realizam atividades para fomentar a lembrança - geralmente novas repetições em diferentes situações ou contextos de aprendizagem - destes conteúdos, são esquecidos com muita facilidade.

A APRENDIZAGEM DOS CONCEITOS E PRINCÍPIOS

Os conceitos e os princípios são termos abstratos. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em. relação a outros fatos, objetos ou situações e que normalmente descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. São exemplos de conceitos: mamífero, densidade, impressionismo, função, sujeito, romantismo, demografia, nepotismo, cidade, potência, concerto, cambalhota, etc. São princípios as leis ou regras como a de Arquimedes, as que relacionam demografia e território, as normas ou regras de uma corrente arquitetônica ou literária, as conexões que se estabelecem entre diferentes axiomas matemáticos, etc.

De um ponto de vista educacional, e numa primeira aproximação, os dois tipos de conteúdos nos permitem tratá-los: conjuntamente, já que ambos têm como denominador comum a necessidade de compreensão. Não podemos dizer que se aprendeu um conceito ou princípio se não se entendeu o significado. Saberemos que faz parte do conhecimento do aluno não apenas quando este é capaz de repetir sua definição, mas quando sabe utilizá-lo para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui. Podemos dizer que sabemos o conceito "rio" quando somos capazes de utilizar este termo em qualquer atividade que o requeira, ou quando com este termo identificamos um determinado rio; e não apenas quando podemos reproduzir com total exatidão a definição mais ou menos estereotipada deste termo. Podemos dizer que sabemos o princípio de Arquimedes quando este conhecimento nos permite interpretar o que sucede quando um objeto submerge num líquido. Em qualquer caso, esta aprendizagem implica uma compreensão que vai muito além da reprodução de enunciados mais ou menos literais. Uma das características dos conteúdos conceituais é que a aprendizagem quase nunca pode ser considerada acabada, já que sempre existe a possibilidade de ampliar ou aprofundar seu conhecimento, de fazê-la mais significativa.

As condições de uma aprendizagem, de conceitos ou princípios coincidem exatamente com as que foram descritas como gerais e que permitem que as aprendizagens sejam o mais significativas possível. Trata-se de atividades complexas que provocam um verdadeiro processo de elaboração e construção pessoal do conceito. Atividades experimentais que favoreçam que os novos conteúdos de aprendizagem se relacionem substantivamente com os conhecimentos prévios; atividades que promovam uma forte atividade mental que favoreça estas relações; atividades que outorguem significado e funcionalidade aos novos conceitos e princípios; atividades que suponham um desafio ajustado às possibilidades reais, etc. Trata-se sempre de atividades que favoreçam a compreensão do conceito a fim de utilizá-lo para a interpretação ou o conhecimento de situações, ou para a construção de outras ideias.

A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS PROCEDIMENTAIS

Um conteúdo procedimental - que inclui entre outras coisas as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os procedimentos - é um conjunto de ações ordenadas e com um fim, quer dizer, dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar, etc. Conteúdos que, como podemos ver, apesar de terem como denominador comum o fato de serem ações ou conjunto de ações, são suficientemente diferentes para que a aprendizagem de cada um deles tenha características bem específicas. Para a identificação destas características diferenciais podemos situar cada conteúdo procedimental em três eixos ou parâmetros:

O primeiro parâmetro se define conforme as ações que se realizam impliquem componentes mais ou menos motores ou cognitivos: a linha contínua motor/cognitivo. Poderíamos situar alguns dos conteúdos que mencionamos em diferentes pontos desta linha contínua: saltar, recortar ou espetar estariam mais próximos do extremo motor; inferir, ler ou traduzir, mais próximos do cognitivo.

• O segundo parâmetro está determinado pelo número de ações que intervêm. Assim, teremos certos conteúdos procedimentais compostos por poucas ações e outros por múltiplas ações. Poderíamos situar os conteúdos saltar, espetar, algum tipo de cálculo ou de tradução, próximos do extremo dos de poucas ações; ler, desenhar, observar... se encontrariam mais próximos dos de muitas ações. Trata-se do eixo poucas ações/muitas ações.

* O terceiro parâmetro tem presente o grau de determinação da ordem, das sequências, quer dizer, o continuum algorítmico/heurístico. Segundo este eixo, teríamos mais próximo do extremo algorítmico os conteúdos cuja ordem das ações é sempre a mesma. No extremo oposto, estariam os conteúdos procedimentais cujas ações a serem realizadas e a maneira de organizá-las dependem em cada caso das características da situação em que se deve

Aplicados, como as estratégias de leitura ou qualquer estratégia de aprendizagem.

Como podemos ver, todo conteúdo procedimental pode se situar em algum ponto destas três linhas contínuas. O fato de que se encontre numa ou noutra linha determina, enfim, as peculiaridades da aprendizagem do procedimento; não exige as mesmas atividades de aprendizagem um conteúdo procedimental configurado por ser algorítmico, de poucas ações e de caráter motor, como pode ser a elaboração de um nó, que um conteúdo de componente heurístico, composto por muitas ações e de caráter cognitivo, como pode ser a realização do comentário de um texto literário. Mas apesar disso, em termos muito gerais, podemos dizer que se aprendem os conteúdos procedimentais a partir de modelos especializados. A realização das ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida.

Sabemos que os conteúdos procedimentais são um conjunto de ações ordenadas e com um fim. Como se aprende a realizar ações? A resposta parece óbvia: fazendo-as. Aprende-se a falar falando; a caminhar, caminhando; a desenhar, desenhando; a observar, observando. Apesar da obviedade da resposta, numa escola onde tradicionalmente as propostas de ensino têm sido expositivas, esta afirmação não se sustenta. Atualmente, ainda é normal encontrar textos escolares que partem da base de que memorizando os diferentes passos de, por exemplo, uma pesquisa científica, seremos capazes de realizar pesquisas, ou que pelo simples fato de conhecer as regras sintáticas saberemos escrever ou falar.

• A exercitação múltipla é o elemento imprescindível para o domínio competente. Como também confirma nossa experiência, não basta realizar uma vez as ações do conteúdo procedimental. E preciso fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias até que seja suficiente para chegar a dominá-lo, o que implica exercitar tantas vezes quantas forem necessárias as diferentes ações ou passos destes conteúdos de aprendizagem. Esta afirmação, também aparentemente evidente, não o é tanto quando observamos muitas das propostas de ensino que se realizam, sobretudo as que se referem aos conteúdos procedimentais mais complexos, como são as estratégias cognitivas. Na tradição escolar, é fácil encontrar um trabalho exaustivo e pormenorizado de alguns tipos de conteúdos, geralmente mais mecânicos, e, pelo contrário, um trabalho superficial de outros conteúdos muito mais difíceis de dominar.

 A reflexão sobre a própria atividade permite que se tome consciência da atuação. Como também sabemos, não basta repetir um exercício sem mais nem menos. Para poder melhorá-lo devemos ser capazes de refletir sobre a maneira de realizá-lo e sobre quais são as condições ideais de seu uso. Quer dizer, é imprescindível poder conhecer as chaves do conteúdo para poder melhorar sua utilização. Como podemos constatar, para melhorar nossa habilidade de escrever, não basta escrever muito, embora seja uma condição imprescindível; possuir um instrumento de análise e reflexão - a morfossintaxe - ajudará muito a melhorar nossas capacidades como escritores, sempre que saibamos, quer dizer, que tenhamos aprendido a utilizar estes recursos em nosso processo de escrita. Esta consideração nos permite atribuir importância, por um lado, aos componentes teóricos dos conteúdos procedimentais a serem aprendidos e, por outro, à necessidade de que estes conhecimentos estejam em função do uso, quer dizer, de sua funcionalidade. Não se trata apenas de conhecer o marco teórico, o nível de reflexão, como é preciso fazer esta reflexão sobre a própria atuação. Isto supõe exercitar-se, mas com o melhor suporte reflexivo, que permita analisar nossos atos e, portanto, melhorá-los. Assim, pois, é preciso ter um conhecimento significativo dos conteúdos conceituais associados ao conteúdo procedimental que se exercita ou se aplica.

• A aplicação em contextos diferenciados se baseia no fato de que aquilo que aprendemos será mais útil na medida em que podemos utilizá-lo em situações nem sempre previsíveis. Esta necessidade obriga que as exercitações sejam tão numerosas quanto for possível e que sejam realizadas em contextos diferentes para que as aprendizagens possam ser utilizadas em qualquer ocasião. Esta afirmação, também bastante evidente, não é uma fórmula comum em muitas propostas de ensino. Seguidamente, observamos que a aprendizagem de algumas estratégias ou técnicas se realiza mediante exercitações exaustivas, sem variar muito seu contexto de aplicação. Isto é frequente em muitas estratégias cognitivas que trabalham insistentemente num único tipo de atividade ou numa área específica. Chega-se a pensar que, pelo fato de se aprender uma habilidade em condições determinadas, esta será transferível para outros contextos quase mecanicamente. Neste sentido, é sintomático o discurso que considera quase como imediata a transferência das capacidades de “raciocínio" da matemática: aquele que sabe raciocinar em matemática será capaz de fazê-lo em qualquer circunstância .

A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS ATITUDINAIS

O termo, conteúdos atitudinais engloba uma série de conteúdos que por sua vez podemos agrupar em valores, atitudes e normas. Cada um destes grupos tem uma natureza suficientemente diferenciada que necessitará, em dado momento, de uma aproximação específica.

Entendemos por valores os princípios ou as ideias éticas que permitem às pessoas emitir um juízo sobre as condutas e seu sentido. São valores: a solidariedade, o respeito aos outros, a responsabilidade, a liberdade, etc.

» A atitudes são tendências ou predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira. São a forma como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com valores determinados. Assim, são exemplos de atitudes: cooperar com o grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, participar das tarefas escolares, etc.

• As normas são padrões ou regras de comportamento que devemos seguir em determinadas situações que obrigam a todos os membros de um grupo social. As normas constituem a forma pactuada de realizar certos valores compartilhados por uma coletividade e indicam o que pode se fazer e o que não pode se fazer neste grupo. Como podemos notar, apesar das diferenças, todos estes conteúdos estão estreitamente relacionados e têm em comum que cada um deles está configurado por componentes cognitivos (conhecimentos e crenças), afetivos (sentimentos e preferências) e condutuais (ações e declarações de intenção). Mas a incidência de cada um destes componentes se dá em maior ou menor grau segundo se trate de um valor, uma atitude ou uma norma.

Consideramos que se adquiriu um valor quando este foi interiorizado e foram elaborados critérios para tomar posição frente àquilo que deve se considerar positivo ou negativo, critérios morais que regem a atuação e a avaliação de si mesmo e dos outros. Valor que terá um maior ou menor suporte reflexivo, mas cuja peça-chave é o componente cognitivo.

Aprendeu-se uma atitude quando a pessoa pensa, sente e atua de uma forma mais ou menos constante frente ao objeto concreto a quem dirige essa atitude. Estas atitudes, no entanto, variam desde disposições basicamente intuitivas, com certo grau de automatismo e escassa reflexão das razões que as justificam, até atitudes fortemente reflexivas, fruto de uma clara consciência dos valores que as regem.

Podemos dizer que se aprendeu uma norma em diferentes graus: num primeiro grau, quando se trata de uma simples aceitação, embora não se entenda a necessidade de cumpri-la (além da necessidade de evitar uma sanção); em segundo grau, quando existe uma conformidade que implica certa reflexão sobre o que significa a norma e que pode ser voluntária ou forcada; e em último grau, quando se interiorizaram as normas e se aceitam como regras básicas de funcionamento da coletividade que regem.

As características diferenciadas da aprendizagem dos conteúdos atitudinais também estão relacionadas com a distinta importância dos componentes cognitivos, afetivos ou condutuais que contém cada um deles. Assim, os processos vinculados à compreensão e elaboração dos conceitos associados ao valor, somados à reflexão e tomada de posição que comporta, envolvem um processo marcado pela necessidade de elaborações complexas de caráter pessoal. Ao mesmo tempo, a vinculação afetiva necessária para que o que se compreendeu seja interiorizado e apropriado implica a necessidade de estabelecer relações afetivas, que estão condicionadas pelas necessidades pessoais, o ambiente, o contexto e a ascendência das pessoas ou coletividades que promovem a reflexão ou a identificação com os valores que se promovem. Esta vinculação afetiva ainda é maior quando nos fixamos nas atitudes, já que muitas delas são o resultado ou o reflexo das imagens, dos símbolos ou experiências promovidas a partir de modelos surgidos dos grupos ou das pessoas às quais nos sentimos vinculados. As atitudes de outras pessoas significativas intervêm como contraste e modelo para as nossas e nos persuadem ou nos influenciam sem que em muitos casos façamos uma análise reflexiva. Em termos gerais, a aprendizagem dos conteúdos atitudinais supõe um conhecimento e uma reflexão sobre os possíveis modelos, uma análise e uma avaliação das normas, uma apropriação e elaboração do conteúdo, que implica a análise dos fatores positivos e negativos, uma tomada de posição, um envolvimento afetivo e uma revisão e avaliação da própria atuação.

Conclusões

No primeiro capítulo apresentei um quadro que relacionava as diferentes variáveis que configuram a prática educativa com os modelos teóricos dos métodos e os referenciais que determinam as tomadas de decisão. Neste quadro se situavam os dois referenciais básicos para a análise da prática, mas sem identificá-los. Em relação com esta, e em termos genéricos, o modelo educativo denominado tradicional marcou e condicionou a forma de ensinar ao longo dos diversos séculos e chegou a nossos dias num estado de saúde bastante bom. Se completamos o quadro da página seguinte (Quadro 2.3) relacionando-o com este modelo, dando resposta às perguntas que determinam ambos os referenciais, veremos que teríamos que situar como função fundamental do ensino a seletiva e propedêutica, e que sua realização estaria em concordância com determinados objetivos que dão prioridade às capacidades cognitivas acima das demais. Portanto, os conteúdos prioritários que daí decorrem seriam basicamente conceituais. Se nos situamos em outro referencia], a concepção da aprendizagem, veremos que tem uma interpretação principalmente acumulativa, e que os critérios que decorrem são os de um ensino uniformizador e essencialmente transmissivo.

Se prosseguimos com a leitura do quadro e tentamos responder às diferentes variáveis que se deduzem da combinação de ambos os referenciais, poderemos chegar a um modelo teórico cuja sequência de ensino/ aprendizagem deve ser, logicamente, a aula magistral, já que é a que corresponde de maneira mais apropriada aos objetivos de caráter cognitivo e aos conteúdos conceituais, e à concepção da aprendizagem como processo acumulativo através de propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras. Sob esta concepção, as relações interativas podem se limitar às uni direcionais professor/aluno, de caráter diretivo. Uma vez que a forma de ensino é transmissora e uniformizadora, os tipos de agrupamentos podem se circunscrever a atividades de grande grupo. Pelo mesmo motivo, a distribuição do espaço pode se reduzir à convencional de uma sala por grupo, com uma organização por fileiras de mesas ou classes.

 

 

 

 

 

A resposta é muito mais complexa e obriga a interpretar as características das diferentes variáveis de maneira muito mais flexível. Não existe uma única resposta. Posto que a importância relativa dos diferentes objetivos e conteúdos, as características evolutivas e diferenciais dos alunos e o próprio estilo dos professores podem variar, a forma de ensino não pode se limitar a um único modelo. Assim, pois, a busca do "modelo único", do "método ideal" que substitui o modelo único tradicional não tem nenhum sentido. A resposta não pode se reduzir a simples determinações gerais. É preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem às novas necessidades formativas que surgem constantemente, fugindo dos estereótipos ou dos apriorismos. O objetivo não pode ser a busca da "fórmula magistral", mas a melhora da prática. Mas isto não será possível sem o conhecimento e uso de alguns marcos teóricos que nos permitam levar a cabo uma verdadeira reflexão sobre esta prática, que faça com que a intervenção seja o menos rotineira possível; que atuemos segundo um pensamento estratégico que faça com que nossa intervenção pedagógica seja coerente com nossas intenções e nosso saber profissional. Tendo presente. este objetivo, nos capítulos seguintes farei um exame das diferentes variáveis metodológicas e analisaremos como podem ir se configurando de diferente forma segundo os papéis e as funções que atribuímos em cada momento ao ensino, sob uma concepção construtivista do ensino e da aprendizagem.

Antoni Zabala - A Prática de Ensino


Zabala - As sequências didáticas e as sequências de conteúdo

 

      

AS SEQÜÊNCIAS DE ENSINO/APRENDIZAGEM OU DIDÁTICAS

Das diferentes variáveis que configuram as propostas metodológicas, analisaremos primeiro a que é determinada pela série ordenada e articulada de atividades que formam as unidades didáticas. Situamos esta variável em primeiro lugar porque é a mais fácil de reconhecer como elemento diferenciador das diversas metodologias ou formas de ensinar. Os tipos de atividades, mas sobretudo sua maneira de se articular, são um dos traços diferenciais que determinam a especificidade de muitas propostas didáticas. Evidentemente, a exposição de um tema, a observação, o debate, as provas, os exercícios, as aplicações, etc., podem ter um caráter ou outro segundo o papel que se atribui, em cada caso, aos professores e alunos, à dinâmica grupai, aos materiais utilizados, etc. Mas o primeiro elemento que identifica um método é o tipo de ordem em que se propõem as atividades. Deste modo, pode se realizar uma primeira classificação entre métodos expositivos ou manipulativos, por recepção ou por descoberta, indutivos ou dedutivos, etc. A maneira de situar algumas atividades em relação às outras, e não apenas o tipo de tarefa, é um critério que permite realizar algumas identificações ou caracterizações preliminares da forma de ensinar. Em qualquer caso, e como já dissemos no primeiro capítulo, o parcelamento da prática educativa em diversos componentes tem certo grau de artificialidade, unicamente explicável pela dificuldade que representa encontrar um sistema interpretativo que permita, ao mesmo tempo, o estudo conjunto e inter-relacionado de todas as variáveis que incidem nos processos educativos. Como tais, estes processos constituem uma realidade global que é totalmente evidente quando pensamos numa sequência de ensino/ aprendizagem sem, por exemplo, ter definido o tipo de relações que se estabelece na aula entre professores e alunos e entre os próprios meninos e meninas. Estas relações são fundamentais na configuração do clima de convivência e, por conseguinte, de aprendizagem. Mas acreditamos que a opção de começar pelas sequências se justifica se, tal como já mencionamos nos capítulos anteriores, levamos em conta a importância capital das intenções educacionais na definição dos conteúdos de aprendizagem e, portanto, do papel das atividades que se propõem. Desta forma, haverá uma grande diferença entre um ensino que considere conteúdo de aprendizagem, por exemplo, a observação dos fenômenos naturais, e o que situe num lugar de destaque as atitudes ou determinadas habilidades sociais, o que determinará um tipo de conteúdos, algumas atividades e, sobretudo, um tipo de sequência.

Podemos considerar que frente a um modelo geralmente expositivo e configurador da denominada aula magistral, surgiu uma diversidade de propostas nas quais a sequência didática se torna cada vez mais complexa. Não é tanto a complexidade da estrutura das fases que a compõem, mas a das próprias atividades, de tal forma que, esquematicamente e seguindo, a sequência do modelo tradicional, que ele denomina circuito didático dogmático, estaria formada por quatro fases:

a) Comunicação da lição.

b) Estudo individual sobre o livro didático.

c) Repetição do conteúdo aprendido (numa espécie de ficção de haver se apropriado dele e o ter compartilhado, embora não se esteja de acordo com ele), sem discussão nem ajuda recíproca.

d) Julgamento ou sanção administrativa (nota) do professor ou da professora.

Se bem que este modelo, tal como descreve Bini, normalmente não se dá de forma tão simples, constitui, sim, o ponto de partida, com variações significativas, de muitas das formas de ensino habituais. Se excetuamos a avaliação negativa que se pode deduzir da forma como se descreve a fase de estudo individual, certamente poderemos concluir que corresponde à sequência estereotipada do modelo tradicional expositivo.

O objetivo deste livro, como já dissemos, não consiste em avaliar determinados métodos, nem propor nenhum em conclusão, mas em pôr sobre a mesa os instrumentos que nos permitam introduzir nas diferentes formas de intervenção aquelas atividades que possibilitem uma melhora de nossa atuação nas aulas, como resultado de um conhecimento mais profundo das variáveis que intervêm e do papel que cada uma delas tem no processo de aprendizagem dos meninos e meninas. Portanto, a identificação das fases de uma sequência didática, as atividades que a conformam e as relações que se estabelecem devem nos servir para compreender o valor educacional que têm, as razões que as justificam e a necessidade de introduzir mudanças ou atividades novas que a melhorem. Assim, pois, a pergunta que devemos nos fazer, em primeiro lugar, é se esta sequência é mais ou menos apropriada e, por conseguinte, quais são os argumentos que nos permitem fazer esta avaliação.

Se adotarmos esta proposição sobre a sequência do modelo tradicional, também deveremos aplicá-lo a qualquer outra sequência, como a do modelo de "estudo do meio", que consta das seguintes fases:

a) Atividade motivadora relacionada com uma situação conflitante da realidade experiencial dos alunos.

b) Explicação das perguntas ou problemas que esta situação coloca.

c) Respostas intuitivas ou "hipóteses".

d) Seleção e esboço das fontes de informação e planejamento da investigação.

e) Coleta, seleção e classificação dos dados.

f) Generalização das conclusões tiradas.

g) Expressão e comunicação.

O que podemos dizer desta sequência além da constatação de sua maior complexidade? Vale a pena complicar tanto? Contribui para melhorar a aprendizagem dos alunos? Podem se acrescentar ou eliminar algumas atividades? Quais? Mas, sobretudo, que razões podemos esgrimir para fundamentar as avaliações que fazemos ou as decisões que tomamos? Que avaliação podemos fazer desta sequência e que razões a justificam?

Para poder responder a estas e outras perguntas, utilizaremos neste capítulo os referenciais básicos para a análise de quatro sequências correspondentes a quatro unidades didáticas exemplificadas, muito utilizadas e conhecidas por todos nós. Em primeiro lugar, depois da descrição de cada uma delas, analisaremos as diferentes concepções do ensino que as respaldam, utilizando os diferentes tipos de conteúdos como instrumentos para detectar as posturas que as fundamentam. Posteriormente, uma vez vistas as intenções de cada uma das unidades, comprovaremos que modificações e mudanças haveriam que introduzir para melhorar a aprendizagem, dos conteúdos. Para realizar esta análise utilizaremos as condições da aprendizagem significativa, o que nos obrigará a introduzir uma nova unidade de análise, a sequência de conteúdo, a fim de poder acompanhar os processos de ensino/aprendizagem segundo as características particulares de cada um dos diferentes tipos de conteúdos.

QUATRO UNIDADES DIDÁTICAS COMO EXEMPLO

Nos quatro exemplos de unidades de intervenção, poderemos observar um grau diferente de participação dos alunos, assim como a apresentação por parte do professor ou da professora de uma situação problemática relacionada com um tema

O professor ou a professora desenvolve um tema em tomo de um fato ou acontecimento, destacando os aspectos problemáticos e os que são desconhecidos para os alunos.

Como na unidade anterior, os conteúdos do tema c da situação que se coloca podem ir desde um conflito social ou histórico, diferenças na interpretação de certas obras literárias ou artísticas, até o contraste entre um conhecimento vulgar de determinados fenômenos biológicos e possíveis explicações científicas.

2. Proposição de problemas ou questões

Os alunos, coletiva e individualmente, dirigidos e ajudados pelo professor ou professora, expõem as respostas intuitivas ou suposições sobre cada um dos problemas e situações propostos

4.     Proposta das fontes de informação

Os alunos, coletiva e individualmente, dirigidos e ajudados peio professor ou professora, propõem as fontes de informação mais apropriadas para cada uma das questões: o próprio professor, uma pesquisa bibliográfica, uma experiência, uma observação, uma entrevista, um trabalho de campo.

5.     Busca da informação

Os alunos, coletiva e individualmente, dirigidos e ajudados peio professor ou professora, realizam a coleta dos dados que as diferentes fontes lhes proporcionaram. A seguir selecionam e classificam estes dados.

6.     Elaboração das conclusões

Os alunos, coletiva e/ou individualmente, dirigidos e ajudados pelo professor ou professora, elaboram as conclusões que se referem às questões e aos problemas opostos.

Generalização das conclusões e síntese

Com as contribuições do grupo e as conclusões obtidas, o professor ou professora estabelece as leis, os princípios que se deduzem do trabalho realizado.

8.     Exercícios de memorização

Os meninos e meninas, individualmente, realizam exercícios de memorização que lhes permitam lembrar dos resultados das conclusões, da generalização e da síntese.

9.     Prova ou exame

Na classe, todos os alunos respondem às perguntas e fazem os exercícios do exame durante uma hora.

10.   Avaliação

A partir das observações que o professor fez ao longo da unidade e a partir do resultado da prova, este comunica aos alunos a avaliação das aprendizagens realizadas.

Antes de continuar insistindo no que manifestei anteriormente, e para não fazer uma leitura com preconceitos contra ou a favor, faremos algumas considerações em relação a estes exemplos. Com estas representações não pretendo ilustrar nenhuma tendência nem, naturalmente, fazer avaliações tendenciosas. Uns mais, outros menos, todos temos utilizado, ou utilizamos, formas de ensinar relacionadas com alguma destas sequências. Como observaremos a seguir, todas elas podem ser válidas. Cada uma delas tem aspectos suficientemente positivos, daí que todas podem ter alguma utilidade. De qualquer forma, segundo quais sejam nossos objetivos, nosso conhecimento dos processos subjacentes à aprendizagem e o contexto educativo em que se realizam, nos daremos conta de que são incompletas. O que nos interessa desta análise é reconhecer as possibilidades e as carências de cada unidade, com o fim de que nos permita compreender outras propostas e reconhecer, em cada momento, aquelas sequências que se adaptam mais às necessidades educacionais de nossos alunos.

CRITÉRIOS PARA A ANÁLISE DAS SEQUÊNCIAS:OS CONTEÚDOS DE APRENDIZAGEM COMO EXPLICITAÇÃO DAS INTENÇÕES EDUCATIVAS

Um primeiro olhar nos exemplos propostos servirá para examinar se cada um deles pretende alcançar os mesmos objetivos. Assim, para a análise das sequências examinaremos, em primeiro lugar, os conteúdos que se trabalham, a fim de julgar se são os mais apropriados para a consecução dos objetivos.

• Se observamos o Quadro 3.1, veremos que os conteúdos da primeira unidade são fundamentalmente, conceituais. A técnica expositiva dificilmente pode tratar outra coisa que não seja conteúdos conceituais. Em todo caso, podem se expor modelos de realização do algum conteúdo procedimental, ou pode se fazer*

• Alguma avaliação sobre as atitudes de algum personagem. Mas o tratamento é basicamente conceituai. As habilidades que se trabalham (tomar notas, técnicas de estudo, síntese, memorização) não podem ser consideradas conteúdos de aprendizagem, já que em nenhum momento são levadas em conta como objetos de ensino, mas como meios para a memorização e, portanto, não se ensinam nem se avaliam diretamente. As atitudes que se desenvolvem nesta unidade não vão além das necessidades para a manutenção da ordem e do respeito dos professores. Com tudo isto podemos concluir que os conteúdos que se trabalham são conceituais e que o objetivo fundamental dos professores consiste em que os alunos "saibam" determinados conhecimentos.

• Os conteúdos da unidade 2 são fundamentalmente procedimentais no que se refere ao uso do algoritmo e conceituais quanto à compreensão dos conceitos associados, neste caso os de fração, sintagma nominal ou velocidade. Os conteúdos atitudinais mais claros só aparecem na fase de diálogo entre alunos e professor ou professora, enquanto que nas outras fases são apenas o resultado do papel exigido. 

• Na unidade 3 se pretende que os alunos cheguem a conhecer determinados conteúdos de caráter conceituai. Para sua compreensão se utiliza uma série de técnicas e procedimentos - diálogo e debate, fundamentalmente mas como na primeira unidade analisada, estes conteúdos têm uma função de uso, já que certamente não serão levados em conta ao se avaliar. Os conteúdos atitudinais que aparecem - interesse em fazer propostas, participação nos diálogos e debates, respeito pela vez de falar e pela opinião dos demais - tampouco serão considerados conteúdos avaliáveis. Vemos, pois, que nesta unidade aparecem atividades que, apesar de se centrarem na aprendizagem de conteúdos conceituais, utilizam conteúdos de caráter procedimental e atitudinal, e que aparentemente não são objeto de estudo porque não há uma intenção explicitamente educativa, uma vez que tampouco são objeto da avaliação. Se isto é assim, e estes conteúdos procedimentais não são avaliados no desenvolvimento da unidade nem ao final dela, podemos concluir que a-única coisa que se pretende é a aprendizagem de conteúdo os conceituais, que "saiba m " sobre temas históricos, sociais, literários, artísticos ou científicos. Pelo contrário, se os conteúdos de caráter procedimental ê atitudinal que se trabalham são avaliados posteriormente e, portanto, se tem consciência de que também são conteúdos que devem se "ensinar" enquanto são utilizados, poderemos dizer que se pretende que os meninos e meninas "saibam" os temas, "saibam fazer" diálogos e debates e "sejam" participativos e respeitosos.

Na unidade 4- vemos que em praticamente todas as atividades que formam a sequência aparecem conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Neste caso, os alunos controlam o ritmo da sequência; atuando constantemente e utilizando uma série de técnicas e habilidades: diálogo, debate, trabalho em pequenos grupos, pesquisa bibliográfica, trabalho de campo, elaboração de questionários, entrevista, etc. Ao mesmo tempo, encontram-se diante de uma série de conflitos pessoais e grupais de sociabilidade que é preciso resolver, o que implica que devam ir aprendendo a "ser" de uma determinada maneira: tolerantes, cooperativos, respeitosos, rigorosos, etc. Nesta sequência vemos que, como nas outras, aparecem conteúdos das três categorias. Mas neste caso existe um trabalho muito explícito no campo dos conteúdos procedimentais e atitudinais. Do mesmo modo que na unidade anterior, o fato de que apareçam estes conteúdos não quer dizer que exista uma consciência educativa. Enquanto isto não se traduza na maneira de trabalhar estes conteúdos por parte dos professores e não sejam objeto de avaliação, não poderemos considerá-los conteúdos explícitos de aprendizagem. No entanto, se nos detemos na fase de avaliação, pode se ver que não se faz apenas uma avaliação da prova realizada, mas que a classificação é o resultado das observações feitas durante toda a unidade. Neste caso, pode se afirmar que se pretende que os alunos "saibam" os termos tratados, "saibam fazer" questionários, investigações, entrevistas, etc., e que cada vez "sejam" mais tolerantes, cooperativos, organizados, etc.

Uma primeira avaliação feita segundo a tipologia de conteúdos, como reflexo da função que se atribui ao ensino, permite nos darmos conta de que nos três primeiros casos encontramos diferentes formas de ensinar que não deixam de estar situadas num modelo de formação centrado nos conteúdos convencionais ligados ao "saber" e ao "saber fazer" mais ou menos acadêmicos, com uma função basicamente propedêutica. No caso da unidade 4, se não fosse a aparência de que a avaliação observa os diferentes tipos de conteúdo, poderíamos dizer que se trata de uma forma de ensinar que também se limita aos conteúdos convencionais do "saber", e também poderíamos pensar que os procedimentos, os valores e as atitudes que se desenvolvem são simplesmente' uma estratégia para fazer com que a aprendizagem seja mais interessante ou mais profunda. Por outro lado, dado que a avaliação também contempla os procedimentos e atitudes como conteúdos de aprendizagem, podemos considerar que o objetivo do ensino, para este professor ou professora, atende a uma formação mais integral.

A avaliação que podemos fazer destes casos até agora está relacionada à ideia que temos sobre o que deve ser o ensino e, portanto, na maior ou menor coincidência com os objetivos implícitos de cada uma das unidades. Numa primeira aproximação, e se partíssemos do pressuposto de que estes professores sempre utilizam a mesma forma de ensinar, poderíamos estar mais ou menos de acordo com cada um deles, segundo o sentido e o papel que nós atribuímos ao ensino. Agora, se nossa concepção perseguisse a formação integral do aluno, só poderíamos nos inclinar para a unidade 4, já que é o único caso em que se trabalham explicitamente as diferentes capacidades da pessoa. Mas, inclusive neste caso, seria necessário comprovar posteriormente se existe uma coincidência com o tipo de cidadão e cidadã que se promove. No entanto, em nenhum caso podemos pensar que estas são as únicas formas de trabalhar e, portanto, podemos pensar que o próprio professor combina estes quatro tipos de unidades, além de outras. Assim, supondo que em cada caso estes sejam os conteúdos que se querem trabalhar, nos interessa descobrir se a sequência didática proposta serve para alcançar os objetivos previstos, quer dizer, se promove a aprendizagem. É neste momento que temos que nos perguntar se todas as sequências são úteis para chegar àquilo que pretendemos. Então, é o momento de utilizar o outro referencial de análise: a atenção à diversidade e a concepção construtivista.

A CONCEPÇÃO CONSTRUTIVISTA E A ATENÇÃO À DIVERSIDADE

Podemos extrair do conhecimento da forma de produção das aprendizagens duas perguntas: a primeira, relacionada com a potencialidade das sequências para favorecer o maior grau de significância das aprendizagens, e a segunda, sua capacidade para favorecer que os professores restem atenção à diversidade.

Expressada de forma muito sintética, e como vimos, a aprendizagem é uma construção pessoal que cada menino e cada menina realizam graças à ajuda que recebem de outras pessoas. Esta construção, através da qual podem atribuir significado a um determinado objeto de ensino, implica a contribuição por parte da pessoa que aprende, de seu interesse e disponibilidade, de seus conhecimentos prévios e de sua experiência. Em tudo isto desempenha um papel essencial a pessoa especializada, que ajuda a detectar um conflito inicial entre o que já se conhece e o que se deve-saber, que contribui para que o aluno se sinta capaz e com vontade pelo, que propõe o novo conteúdo como um desafio interessante, cuja resolução terá alguma utilidade, que intervém de forma adequada nos progressos e nas dificuldades que o aluno manifesta, apoiando-o e prevendo, ao mesmo tempo, a atuação autônoma do aluno. É um processo que não só contribui para que o aluno aprenda certos conteúdos, mas também faz com que aprenda a aprender e que aprenda que pode aprender. Sua repercussão não se limita ao que o aluno sabe, igualmente influi no que sabe fazer e na imagem que tem de si mesmo.

Este conhecimento nos permite estabelecer uma série de perguntas ou questões variadas, diferentes sequências didáticas com o objetivo de = reconhecer sua validade, mas, sobretudo, de nos facilitar pistas para reforçar algumas atividades ou acrescentar outras novas. As perguntas podem ser feitas da seguinte forma: Na sequência didática existem atividades:

a)     que nos permitam determinar os conhecimentos prévios que cada aluno tem em relação aos novos conteúdos de aprendizagem?

b)     cujos conteúdos são propostos de forma que sejam significativos e funcionais para os meninos e as meninas?

c) que possamos inferir que são adequadas ao nível de desenvolvimento de cada aluno?

d)   que representem um desafio alcançável para o aluno, quer dizer, que levam em conta suas competências atuais e as façam avançar com a ajuda necessária; portanto, que permitam criar zonas de desenvolvimento proximal e intervir?

e) que provoquem um conflito cognitivo e promovam a atividade mental do aluno, necessária para que estabeleça relações entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios?

f) que promovam uma atitude favorável, quer dizer, que sejam motivadoras em relação à aprendizagem dos novos conteúdos?

g) que estimulem a autoestima e o autoconceito em relação às aprendizagens que se propõem, quer dizer, que o aluno possa sentir que em certo grau aprendeu, que seu esforço valeu a pena?

h) que ajudem o aluno a adquirir habilidades relacionadas com o aprender a aprender, que lhe permitam ser cada vez mais autônomo em suas aprendizagens?

Se utilizamos estas perguntas nas quatro unidades que apresentamos como exemplo, poderemos estabelecer as considerações que se expõem a seguir.

1. Comunicação da lição

2. Estudo individual sobre o livro-texto

3. Repetição do conteúdo aprendido

4. Prova ou exame

5. Avaliação

Unidade 1

a) Conhecimentos prévios

Nesta unidade podemos observar que o professor ou a professora pouco controla o processo de aprendizagem dos alunos, as atividades propostas não lhes permitem saber de que conhecimentos prévios dispõem. O professor supõe que todos os meninos e meninas sabem do que necessitam para esta unidade, ou prescinde deste conhecimento. Em todo caso, podemos supor que parte do resultado da última avaliação. Se esta informação é insuficiente, certamente bastaria introduzir urna atividade inicial, por exemplo, um diálogo ou debate sobre o tema, que facilitasse informar-se sobre os conhecimentos dos alunos para que servisse corno ponto de partida da exposição.

b) Significância e funcionalidade dos novos conteúdos

Pela descrição da sequência não podemos saber se os conteúdos tratados são suficientemente significativos ou funcionais. Que o sejam ou não depende de como se tenha iniciado a intervenção. Se a exposição é uma simples transmissão dos conteúdos que não guarda nenhuma relação com algum fato próximo à realidade experiencial ou afetiva do aluno - como partir de alguma situação conflitante ou problemática -, os conteúdos do tema serão considerados somente como uma lição que é preciso conhecer para desempenhar-se com êxito na prova e não tanto como um conhecimento que é interessante possuir.

c) Nível de desenvolvimento

O grau de complexidade da exposição e o número de variáveis inter-relacionadas que se utilizem determinarão a dificuldade da compreensão. Se à exposição não se acrescentam atividades de diálogo com os alunos ou entre eles, que permitam nos darmos conta da conveniência dos novos conteúdos, tanto em relação às dificuldades de compreensão como a sua capacidade, será um processo sem controle, no qual a aprendizagem dependerá apenas da capacidade pessoal de cada um dos meninos e meninas.

d) Zona de desenvolvimento proximal

Se, quando se estabeleceram formas de comunicação individualizadas, já é bastante difícil determinar se os desafios que se propõem aos alunos e o tipo de ajuda são apropriados para cada um deles, poder controlar esta condição é praticamente impossível numa sequência como esta. Será necessário introduzir atividades que estimulem os alunos a expressar o que pensam sobre o tema tratado, de forma que nos deem pistas acerca dos diferentes níveis de complexidade que deve ter a exposição.

c) Conflito cognitivo e atividade mental

Numa sequência deste tipo, o professor nunca controla a atividade mental do aluno. Se a exposição introduz as possíveis questões, paradoxos ou contradições, sem dúvida favorecerá os conflitos cognitivos de alguns alunos, mas não os de todos, nem com a profundidade suficiente para garantir que cada um deles realize o processo construtivo que a aprendizagem exige. Para poder influir no processo de elaboração individual, na atividade mental de cada menino e menina, terá que introduzir atividades que obriguem os alunos a questionar seus conhecimentos e a reconsiderar as interpretações que fizeram deles.

f) Atitude favorável

A motivação para a aprendizagem não decorre da sequência em si mesma, ao menos neste caso, já que tal como está descrita não conta com nenhuma atividade prévia à exposição para despertar o interesse dos alunos. O fato de que seja mais ou menos interessante dependerá da forma e das características da exposição. A maneira de fazê-la, o tipo de relações e cumplicidades que se estabelecem entre professor e aluno, os exemplos, a empatia e o grau de comunicação são as cartas de que o professor pode dispor, numa sequência deste tipo, para fomentar o interesse pela aprendizagem. Se efetuamos uma leitura tópica desta sequência, tal como a descreve Bini, certamente poderemos dizer que as razões que justificam a motivação dos alunos estão fora do conteúdo de aprendizagem e se centram em alcançar alguns bons resultados. O que mais importa não é saber, mas superar as provas da avaliação, de maneira que as estratégias de aprendizagem que se mobilizam são aquelas que garantem o êxito na prova e não no conhecimento. Para poder incidir nesta variável é necessário pôr em jogo diferentes recursos que não podem se concretizar somente numa atividade mais ou menos satisfatória no começo da unidade, mas terá que complementá-la com uma série de medidas estreitamente relacionadas com a necessidade de promover a autoestima e o autoconceito de cada menino e menina.

g)     Autoestima e autoconceito

Este tipo de sequência dispõe poucos meios para o professor se relacionar afetivamente com os alunos, daí que é muito difícil que os aspectos associados aos sentimentos, às avaliações próprias e dos outros, às expectativas, etc. se traduzam em ações dos professores que possam incidir favoravelmente. Devemos ter presente que, usando exclusivamente uma sequência deste tipo, os momentos de relação pessoal se limitam a alguns contatos esporádicos, muitas vezes fora da aula, ou à informação, geralmente por escrito e muito concisa, que se dá nas avaliações. Se levamos em conta que o fomento da autoestima e do autoconceito é fundamental para favorecer a aprendizagem, teremos que introduzir atividades que permitam intercâmbios frequentes professor/ aluno. Teremos que reconsiderar, também, que sentido deve ter a avaliação, para que se centre não tanto no que lhes falta aprender como no progresso que estão experimentando.

h)     Aprender a aprender

Neste modelo, as atividades que o aluno realiza de forma independente são básicas. A partir da exposição do professor ou da professora, o aluno fica com o papel principal - será ele que fará o estudo, as atividades de memorização e a prova, de maneira que terá que se virar naquelas atividades que lhe permitam superar as provas ou exames. Tanto é assim que estas últimas certamente serão as habilidades em que conseguirá ser mais competente. Mas não devemos esquecer que não são habilidades exclusivas, nem certamente as mais importantes, para posteriormente realizar aprendizagens de maneira autônoma - sempre que entendamos que estas aprendizagens não são unicamente as relacionadas com a superação de provas mais ou menos escolares.

Conclusões

Podemos deduzir, desta análise, que dificilmente se pode atender aos princípios de uma aprendizagem significativa e que leve em conta a diversidade se não se incluem muitas outras atividades que ofereçam mais informação acerca dos processos que os alunos seguem, que permitam adequar a intervenção a estes acontecimentos. Mas como veremos quando tratarmos, neste mesmo capítulo, do ensino dos conteúdos factuais e conceituais, esta sequência é, com algumas mudanças, muito benéfica. Principalmente quando os conteúdos são factuais (nomes, obras, datas, aconteci mentos, dados, descrições, etc.) ou quando os conceitos são suficientemente simples para a idade dos alunos. Neste caso, somente se atendidas as condições que promovem a motivação, dado que há poucas dificuldades de compreensão e que muitas vezes a simples exposição e memorização posterior é suficiente para que a aprendizagem seja significativa. Por outro lado, quando os conteúdos são mais complexos, esta sequência é muito simples para poder satisfazer todas as condições de que os professores necessitam para controlar os processos de ensino que garantam uma aprendizagem verdadeiramente compreensiva.

O desprestígio de que goza esta sequência, nas posições progressistas, se deve ao uso único e excludente que se faz dela e ao fato de ser utilizada normalmente pelas propostas que consideram que uma das SB funções primordiais do ensino é a seletiva, transformando assim o modelo de intervenção num instrumento seletivo essencial. De certo modo se diz: não apenas não serve quem não sabe, como tampouco serve quem não é capaz de aprender um sistema de exposição simples. Quem não aprende desta maneira não está preparado ou não está em condições de seguir os estudos. O êxito, ou a sobrevivência no modelo, é o que o legitima, ao mesmo tempo, como meio e como fim em si mesmo. Mas este uso perverso do modelo de sequência não deve nos fazer perder de vista sua potencialidade para determinados conteúdos.

Unidade 2

1 Apresentação, por parte do professor ou da professora, de uma situação problemática 2. Busca de soluções 3. Exposição do conceito e algoritmo 4. Generalização. 5. Aplicação 6. Exercitação 7. Prova ou exame 8. Avaliação

a)     Conhecimentos prévios

A segunda atividade desta sequência, quando o professor pede aos alunos diferentes formas de resolver o problema ou conflito, é a que pode permitir saber que conhecimentos têm acerca do tema em questão. Mas para que isto seja assim, será necessário que estas perguntas, e principalmente as respostas, tenham sido feitas pelos alunos que se encontram numa situação mais desfavorável e não apenas por uns poucos alunos, nem por aqueles que geralmente dispõem de mais informação. Caso contrário, é fácil cair na ilusão de acreditar que as respostas dadas espontaneamente por parte dos alunos correspondem ao conhecimento de todos e de cada um dos meninos e meninas.

b)     Significância e funcionalidade dos novos conteúdos

Esta sequência resolve com clareza esta condição, já que o conceito não aparece antes de que tenha se apresentado sua necessidade. Em primeiro lugar, foi preciso elaborar o conceito para poder resolver o problema, de maneira que o termo aparece quando já se construiu o significado. A generalização necessária de todo conceito se produz quando já se comprovou seu valor num caso concreto e não antes. Nas atividades posteriores de aplicação, irá se aprofundar na significância e na funcionalidade dos conceitos. No entanto, a ressalva que podemos fazer está relacionada com o grau de participação na elaboração do conceito, de maneira que se não existe um diálogo constante entre professor e alunos, especialmente com os que apresentam mais dificuldades, pode se produzir o paradoxo de que a única pessoa que realmente construiu o significado do novo conteúdo seja o próprio professor.

c)     Nível de desenvolvimento

Como acontece com os conhecimentos prévios, o momento fundamental para determinar a capacidade dos alunos para compreender os novos conteúdos é a atividade em que eles mesmos propõem soluções ao problema colocado pelo professor ou professora. Sempre que estas propostas não sejam de uns poucos alunos nem as dos menos representativos. Nas atividades posteriores de exercitação e sobretudo nas de aplicação, também poderemos comprovar o grau de compreensão e as dificuldades de cada aluno.

d)     Zona de desenvolvimento proximal

A informação que pode se tirar da segunda atividade pode indicar onde se deve situar os desafios na exposição que dará lugar à conceitualização. Mas isto não bastará se na exposição não se introduz um diálogo com todos os alunos, que permita reconduzir o discurso segundo as interpretações que façam. Os dados que tenhamos sobre o que sabem e podem saber ou fazer serão cruciais no planejamento dos exercícios. Esta informação deve nos permitir estabelecer uma ordenação progressiva das atividades, a fim de que cada aluno avance segundo seu ritmo e suas possibilidades reais.

e)     Conflito cognitivo e atividade mental

A primeira atividade proposta, em que o professor propõe uma situação problemática, e a segunda, em que os alunos tentam dar uma resposta, são as que permitem satisfazer esta condição. Estes problemas, caso se consiga que os alunos se apropriem deles, são os que devem promover a atividade mental necessária para a construção do conceito. Mas toda a sequência está sujeita a esta condição, de maneira que o processo de generalização e a aplicação descontextualizadora posterior efetivam esta fruição de incentivo à construção de significado. Será preciso ver o grau de envolvimento dos alunos neste processo, a fim de que não se limite a um acompanhamento mecânico de alguns passos supostamente construtivos.

f)      Atitude favorável

A primeira atividade pode cumprir uma função motivadora sempre que os problemas propostos tenham sua origem em situações próximas dos interesses dos alunos. Portanto, dependerá do tipo de problemas e das situações propostas que os alunos estejam dispostos a aprender. O grau de envolvimento dos alunos em todo o processo também será o que nos informa sobre sua atitude. Devemos levar em conta que, com exceção das duas primeiras atividades e as posteriores, de aplicação e exercitação, os intercâmbios possíveis com os alunos podem ser insuficientes para mantê-los interessados. Também dependerá do papel da avaliação e do tipo de provas que se realizem, já que o interesse pelo saber pode se deslocar facilmente para o interesse pela nota ou conceito.

g)     Autoestima e autoconceito

O fato de partir das opiniões dos alunos e de suas contribuições para resolver os problemas é uma forma de avaliá-los. Nesta sequência, apesar de se dar muita importância aos conhecimentos e às ideias dos alunos, a potencialização ou a não-potencialização da imagem pessoal dependerá do tipo de comentários efetuados e do tipo de avaliações realizado ao longo da unidade. Será também o tipo de avaliação, mas sobretudo a avaliação que se faça tanto dos resultados obtidos como dos processos seguidos, o que determinará que a autoestima ou o autoconceito sejam mais ou menos positivos.

h)     Aprender a aprender

A contribuição essencial desta sequência é que segue fases fundamentalmente indutivas, nas quais o aluno elabora certos conceitos e faz a descontextualização necessária de toda generalização, aplicando o conceito em outras situações. Esta forma de pensar lhe oferece estratégias cognitivas extremamente valiosas em qualquer situação de aprendizagem. Mas, apesar disso, o grau de autonomia do aluno é limitado e as habilidades aprendidas se concretizam mais no contexto escolar: estudo compreensivo, memorização e exercitação.

Conclusões

Como pudemos ver, esta sequência satisfaz de maneira adequada muitas das condições que fazem com que a aprendizagem possa ser o mais significativa possível. Permite prestar uma atenção notável às características diferenciais dos alunos, sempre que se introduza um maior número de intercâmbios que favoreça o deslocamento do Protagonismo para os alunos. E é aqui que se encontra a grande debilidade desta sequência, já que facilmente se corre o risco de dar por bom o discurso do professor e as respostas de alguns alunos como supostos representantes do pensamento da maioria. Ao mesmo tempo, a motivação inicial pode perder força se não se introduzem atividades que dêem sentido à tarefa de aprendizagem, principalmente nas atividades mais pesadas de exercitação. E, finalmente, é crucial o papel que se atribui à avaliação, já que pode modificar por completo a valoração da sequência segundo a função que este elemento tenha na unidade.

d) Zona de desenvolvimento proximal

A segunda e terceira atividades são cruciais para examinar o que pensam os alunos, que dúvidas têm e que interpretações fazem. Esta série de informações pode ser suficiente para orientar o tipo de exemplos que é preciso dar, ou argumentos que é preciso colocar para que a construção do conhecimento seja realizada por todos os meninos e meninas.

 Unidade 3

1. Apresentação por parte do professor ou da professora de uma situação problemática em relação a um tema 2. Diálogo entre professor ou professora e alunos 3. Comparação entre diferentes pontos de vista 4. Conclusões 5. Generalização 6. Exercícios de memorização 7. Prova ou exame 8. Avaliação.

a)     Conhecimentos prévios

Como se pode ver, esta sequência apresenta uma diferença fundamental em relação às anteriores no que se refere ao grau de participação dos alunos. As duas primeiras atividades são como as da unidade 2. Portanto, como naquele caso, a segunda permite examinar com bastante fidelidade que conhecimentos têm os meninos e meninas, sempre que todos participem do diálogo. Neste caso, devemos acrescentar que os alunos participam na maioria das atividades que compõem a unidade,  fato que permite que o conhecimento sobre o estado de elaboração e o que sabem apareça frequentemente e que possibilita, ao mesmo tempo, a adequação das intervenções do professor às necessidades que se apresentam.

b)     Significância e funcionalidade dos novos conteúdos

O esquema da sequência é muito similar ao anterior, mas além das mudanças determinadas pelo grau de participação dos alunos, cabe acrescentar que neste caso só se tratam de maneira manifesta conteúdos de caráter conceituai, enquanto que no anterior os procedimentais eram básicos. Como no modelo anterior, isto faz com que o sentido das aprendizagens esteja claramente determinado desde o começo. Os novos conteúdos de aprendizagem aparecem, no princípio, como meios para resolver os conflitos que o professor propôs e não como um conhecimento fora de um contexto mais ou menos próximo do aluno.

c)     Nível de desenvolvimento

A participação dos alunos durante a sequência permite, desde que o professor esteja alerta, reconhecer as dificuldades de compreensão que se apresentam. Portanto, é possível adequar as explicações aos diferentes graus de assimilação.

e) Conflito cognitivo c atividade mental

O ponto de partida desta sequência é a criação do conflito cognitivo e a ativação do pensamento, de maneira que esta é uma das funções da primeira atividade. Mas este argumento não se limita a esta atividade, senão que nas seguintes se busca que os alunos manifestem suas opiniões, a fim de que lhes seja mais fácil entender as conclusões e o processo de generalização. No entanto, dado o protagonismo que o professor tem ao tirar conclusões, e no momento da generalização, é bem possível que este processo construtivo só seja realizado por aqueles capazes de participar ativamente. Certamente será necessário introduzir alguma atividade que promova um maior grau de participação dos alunos no processo de generalização e, portanto, um maior controle do professor sobre o processo de aprendizagem.

f)      Atitude favorável

Esta é a outra função que a primeira atividade deveria cumprir. O fato de que se parta de uma situação conflitante pode facilitar que os alunos se engajem, mas, logicamente, para que este interesse não se manifeste apenas nos mais estimulados intelectualmente, será necessário entreter os alunos para permitir a participação de todos. A vantagem desta unidade é que oferece a possibilidade de potencializar nas atividades seguintes, o interesse inicial ou favorecer outros momentos para provocá-lo novamente. Como sempre, o papel que desempenhe a avaliação será crucial como meio para promover interesse pelo conteúdo de aprendizagem ou simplesmente pela nota final.

g)     Autoestima e autoconceito

As opiniões dos alunos são a-matéria-prima para a construção do discurso do professor e para gerar as conclusões. É lógico que se os diferentes momentos de diálogo são utilizados para promover a avaliação pessoal, estes ajudarão na formação de imagens positivas. Mas o simples fato de que haja um maior número de relações interpessoais não quer dizer que ajudem na melhora do autoconceito. O tipo pie intercâmbios, as avaliações que se fazem das opiniões e, principalmente, o tipo de valoração final das aprendizagens alcançadas e sua publicidade serão peças cruciais na construção positiva da autoestima.

O que comentamos na unidade 2 em relação a este fator também pode se aplicar a esta unidade. Esta sequência ajuda a promover certas habilidades de construção pessoal de conceitos, às quais é preciso acrescentar as técnicas de estudo e de memorização. Todas elas são estratégias cruciais para possibilitar novas aprendizagens, mas têm. o defeito de se limitar a um determinado tipo de habilidades, embora sejam, sem dúvida, as mais habituais no contexto escolar.

Conclusões

Esta sequência, pelo fato de seguir um esquema centrado na construção sistemática dos conceitos^ e oferecer um grau notável de participação dos alunos, especialmente nos processos iniciais, satisfaz em grande parte, as condições que possibilitam que as aprendizagens sejam o mais significativas possível. As carências são consequência da dificuldade para manter o controle do processo individual de cada aluno. É fácil cair na tentação de acreditar que todos e cada um dos meninos e meninas participam numa autentica construção pessoal de significados. Dado que o ritmo da classe, e sobretudo a obtenção de conclusões, tem como protagonista o professor ou a professora, pode se cair facilmente numa situação em que os alunos se limitam apenas a reproduzir as explicações finais - objeto de avaliação - e considerem as atividades prévias como uma simples liturgia necessária para dar um tom atual à intervenção educativa. Neste caso, será responsabilidade do tipo de provas de avaliação conseguir que a aprendizagem seja mais ou menos profunda, que se reduza à simples exposição das conclusões e generalizações, ou que se converta num instrumento da revisão que o aluno faz — do processo que seguiu, desde as perguntas iniciais até a elaboração de suas próprias "descobertas".

Unidade 4

1. Apresentação por parle do professor ou da professora de uma situação problemática em relação a um tema

2. Proposição de problemas ou questões

3. Explicitação de respostas intuitivas ou suposições

4. Proposta das fontes de informação

5. Busca da informação

6. Elaboração de conclusões

7. Generalização das conclusões e síntese.

8. Exercícios de memorização

9. Prova ou exame

10. Avaliação

a) Conhecimentos prévios

Como nas duas unidades anteriores, as atividades iniciais têm como uma das funções prioritárias evidenciar os conhecimentos prévios.

No entanto, neste caso a estrutura da sequência se organiza em torno das contribuições que os alunos fazem em cada momento. São eles que manifestam seus problemas ou perguntas, que serão os que deverão articular toda a intervenção. O objetivo da unidade não consiste em conhecer um tema, mas em dar resposta a determinadas perguntas que os alunos se fazem e que consideram que é interessante resolver. Também se parte dos princípios de que os alunos possuem um conhecimento. Portanto, antes de iniciar a investigação, busca-se que este conhecimento aflore ou que os alunos se inclinem por possíveis soluções, quer dizer, que elaborem suas hipóteses ou suposições. Estes dados serão cruciais para saber que conhecimentos têm os alunos sobre o tema tratado. O problema surge quando nos perguntamos qual é o grau de envolvimento dos alunos nas perguntas e hipóteses que fazem. Neste ponto é necessário empreender um trabalho em pequenos grupos ou individualmente, que ajude todos- os meninos e meninas a participarem em sua elaboração. Nesta sequência, o papel fundamentai do professor consiste em incentivar a participação. Se não há participação, o processo só será seguido por uns poucos, embora se tenha a falsa impressão de se tratar de um processo coletivo.

b) Significância e funcionalidade dos novos conteúdos

Neste caso, o que se" aprende sempre é o resultado da resposta às perguntas que se fazem. Portanto, todos os conteúdos que se referem ao tema têm sentido como meios para ampliar o conhecimento ou resolver situações que os alunos considerem interessantes, já que se não fosse assim não teriam feito a pergunta. Assim, quanto aos conteúdos conceituais, a significância e a funcionalidade estão garantidas. Por outro lado, se nos detemos nos conteúdos procedimentais, nos damos conta de que nunca aparecem como uma necessidade da aprendizagem escolar, mas como um meio imprescindível para resolver os problemas ou questões colocados. A realização de uma pesquisa bibliográfica ou a utilização da medida, da enquete, da observação direta, da experimentação, etc., para não mencionar todas as habilidades, técnicas e estratégias ligadas às funções da língua - ler, escrever, escutar, falar têm lugar de forma natural em função de uma necessidade de uso, o que implica a evidente significância destas aprendizagens.

c) Nível de desenvolvimento

As perguntas feitas, as suposições propostas, o diálogo que se estabelece em pequenos grupos ou coletivamente, o tipo de técnicas de informação utilizadas, os dados selecionados, etc., podem proporcionar informação suficiente para determinar qual o grau de dificuldade de aprendizagem que apresenta o tema. No entanto, será necessário que o professor ou a professora não deixe nas mãos de uns poucos alunos a dinâmica do processo e que intervenha para promover a participação e a explicitação do pensamento de todos os meninos e meninas.

d) Zona de desenvolvimento proximal

A segunda e a terceira atividades são cruciais para examinar o que pensam os alunos, que dúvidas têm e que interpretações fazem. Esta série de informações pode ser suficiente par orientar o tipo de exemplos ou argumentos que é necessário oferecer a fim de que a construção do conhecimento seja realizada por todos e cada um dos meninos e meninas.

e)     Conflito cognitivo e atividade mental

Apesar do fato de que a sequência se articula segundo o esquema da pesquisa, o que quer dizer que seu desenvolvimento implica um profundo processo intelectual, seguidamente os aspectos que chamam mais a atenção das fases de investigação - por exemplo, visitas, observações, ensaios de laboratório, entrevistas, elaboração de simulações ou produtos podem fazer com que o aluno demonstre muita atividade sem que estas ações cheguem a se transformar no meio intencional para favorecer a realização do processo mental exigido pela aprendizagem. Tanto é assim que, com a passagem do tempo, muitas vezes os alunos se limitam a recordar os aspectos mais episódicos do trabalho realizado. Agora, esta consideração não tem cabimento nesta unidade, já que houve um verdadeiro trabalho nas fases 1, 2, 3 e 4. No entanto, seria um comentário acertado naquelas unidades cujas atividades de pesquisa são feitas sem que o aluno participe da definição de razões que justificam a saída, a experimentação ou a observação, de forma que se convertem em atividades sem nenhum outro sentido além da decisão mais ou menos arbitrária do professor. Fazem-se coisas bastante interessantes, mas não se sabe- o porquê. O que deveria ser um meio para promover a atividade mental, dado que para favorecê-la é preciso contribuir com manipulações - sobretudo em determinadas idades -, se converte numa finalidade em si mesma.

f)      Atitude favorável

A motivação é-a alma da sequência. Ou os alunos estão interessados ou a sequência se interrompe em alguma das fases. A atividade inicial pretende criar os primeiros interesses e deve ser a que provoca as perguntas. E, pois, a peça-chave da unidade. Ou se criam as condições para que os meninos e meninas formulem as questões que querem resolver ou dificilmente se pode seguir adiante. Mais, todas as fases posteriores giram em torno do protagonismo dos alunos, de tal forma que além de ser um fator motivador em si mesmas, a tensão necessária para desenvolver a unidade passa pela manutenção constante do interesse. E aqui é onde o papel do professor adquire todo seu sentido, como favorecedor e dinamizador de todo o processo, estabelecendo os desafios individuais e coletivos e oferecendo meios que mantenham a atenção dos alunos.

g)     Autoestima e autoconceito

Nesta unidade, todo o peso do trabalho repousa na dinâmica do grupo. Suas contribuições são as que configuram as diferentes fases da sequência e a maioria dos conteúdos. Portanto, há uma valoração das contribuições e dos conhecimentos dos alunos e certas expectativas em relação às suas capacidades, tanto para solucionar os problemas que lhes suscitam os temas tratados, como para resolver os conflitos de todo tipo e surgirão numa sequência pouco determinada. Ao mesmo tempo, levando em conta a quantidade de relações que se estabelecem, as possibilidades de intervir durante o processo permitem fazer avaliações que ajudem ou não a criar sensações positivas de autoestima e auto conceito. Logicamente, será a consciência dos professores diante destas necessidades que influirá nas idéias dos alunos, já que, evidentemente, a umidade não o garante por si mesma. Por último, temos que examinar novamente o papel decisivo da avaliação. Neste caso, o único traço diferencial que encontramos é o fato de que a avaliação não apenas é o resultado da prova, como também do trabalho realizado ao longo da unidade. Agora, em nenhum caso podemos saber que tipo de avaliação se faz, o que nos permite tirar conclusões sobre se promove ou não as avaliações pessoais que melhoram a autoestima e o autoconceito.

h)     Aprender a aprender

Este é um dos fatores mais claros nesta unidade, no mínimo pelo fato de incluir, além das habilidades escolares de estudo individual, muitas outras de variedade e características suficientemente diferenciadas. Dependendo dos diferentes tipos de instrumentos ou fontes de informação, sejam diretos ou indiretos, o número de técnicas e habilidades para favorecer que aprendam a aprender será notável, mas será necessário que haja um verdadeiro trabalho de ensino destas estratégias de aprendizagem, um trabalho que não se reduza a um uso mais ou -menos episódico.

Conclusões

Esta sequência, comparada com os demais, é-a que apresenta uma maior variedade de atividades, o que logicamente lhe permite satisfazer a totalidade dos condicionantes, a fim de que as aprendizagens sejam o mais significativas possível. Para que estas razões sejam acertadas, os professores deverão ter uma consciência clara a respeito do sentido de cada fase. Numa unidade deste tipo é fácil se deixar levar pela dinâmica do grupo e perder de vista os objetivos que se perseguem. Os problemas e a complexidade da organização do grupo fazem com que esta tarefa ocupe um espaço de tempo notável, somado à necessidade de reconduzir os interesses naturais dos alunos para os objetivos previstos. Apesar de tudo, o maior risco está na possibilidade de cair no denominado falso ativismo, quer dizer, que a atenção do educador se centre nas atividades de pesquisa: observações diretas, visitas, excursões, elaborações, etc., abandonando as atividades prévias e posteriores que são básicas para alcançar a compreensão dos conhecimentos propostos. Embora este não seja o caso, também é possível que não realize um trabalho sério de estudo, posterior às atividades de compreensão, de forma que não haja oportunidade para se fazer os exercícios de memorização imprescindíveis para possibilitar sua lembrança posterior.

AS SEQÜÊNCIAS DE CONTEÚDO, OUTRA UNIDADE DE ANÁLISE

A confluência do referencial construtivista com a explicitação dos conteúdos segundo sua tipologia nos permitiu analisar algumas sequências didáticas, isto tornou possível que examinássemos os diferentes conteúdos e chegássemos a algumas conclusões sobre a necessidade de insistir, modificar ou ampliar estas sequências com outras atividades. No entanto, vocês devem ter se dado conta de que a análise focalizou os conteúdos conceituais, deixando de lado os outros, de tal forma que a maioria das considerações foi feita em relação a estes conteúdos. Portanto, as atividades propostas têm por objetivo a melhora da significância na aprendizagem dos conteúdos conceituais. Esta inclinação é determinada pelas próprias características das sequências. Como pudemos ver, todas elas trabalham conteúdos conceituais, mas só a segunda introduz determinados conteúdos procedimentais, enquanto que a quarta os amplia com outros de tipo procedimental e atitudinal. Assim, pois, o estudo esteve condicionado pelas características das sequências. Se, em vez de nos centrarmos preferencialmente nos conteúdos conceituais, tivéssemos prestado atenção aos procedimentais e atitudinais, poderíamos considerar que a análise está completa?

Em primeiro lugar, vamos nos deter na segunda sequência que, além dos conceitos, considera como conteúdos de aprendizagem os algoritmos, a análise sintática ou a aplicação da fórmula da velocidade, segundo os exemplos de uma ou outra área. Agora, a pergunta que nos colocamos é a seguinte: com a sequência descrita e o conhecimento que temos sobre a aprendizagem destes conteúdos de caráter procedimental, podemos deduzir que as atividades propostas são apropriadas? Nesta unidade pudemos comprovar que algumas atividades tomaram possível a compreensão dos conceitos associados aos procedimentos, de maneira que os meninos e meninas podem entender que função têm e como são utilizados, ao mesmo tempo que fizeram toda uma série de exercícios para se iniciar em seu domínio. Se agora examinamos os conteúdos procedimentais da unidade 4, veremos que se utilizam alguns como o trabalho em equipe, a pesquisa, a entrevista, etc. Mas com o trabalho realizado nestas duas unidades não podemos assegurar que os alunos cheguem a dominar estes diferentes procedimentos e técnicas. Sabemos que os trabalham, mas isto não basta. Para que realmente cheguem a dominá-los, será necessário, em primeiro lugar verificar se nas outras unidades, anteriores e posteriores, há momentos em que estes conteúdos voltam a aparecer.

Ampliemos agora nosso objeto de análise aos conteúdos atitudinais que podem ser trabalhados na unidade 4 e nos perguntemos: nesta unidade, se aprendeu a ser mais tolerante, respeitoso e cooperador? Nossa resposta nos fará ver ainda mais a necessidade de revisar não apenas as unidades anteriores e posteriores da própria área ou disciplina, como todas as unidades de todas as áreas que incidem nos alunos. Assim, pois, vemos que nos falta uma nova unidade de análise que se centre em todas aquelas atividades que podem incidir na aprendizagem de um determinado conteúdo. Trata-se de um conjunto de atividades que em alguns casos se concretiza em apenas uma unidade didática e em outros casos se estende ao longo de várias, ou inclusive de todas as unidades didáticas.

Para poder estabelecer as características desta unidade de análise - básica sobretudo nas áreas de caráter mais procedimental e para os conteúdos de caráter atitudinal e, também, portanto, para os conteúdos dos denominados eixos transversais e aqueles objetivos relacionados com a moral e a ética - proporemos um exemplo em que se utilizam sequências didáticas da unidade de tipo 4 ao longo de todo um curso.

Vamos nos situar na área de conhecimento do meio no ensino fundamental. Organizemos os conteúdos em quinze unidades, de forma que para cada uma corresponda duas semanas. As unidades são as seguintes: Unidade 1 - A paisagem; Unidade 2 - A vegetação; Unidade 3 - A hidrografia... Unidade 15 - A passagem do tempo. Dos possíveis conteúdos que serão abordados nas diversas unidades, iremos nos fixar somente em três: os componentes da paisagem, a interpretação e a realização de planos e mapas e a cooperação. Conteúdos fundamentalmente de caráter conceituai, procedimental e atitudinal, respectivamente.

O conteúdo conceituai "componentes da paisagem" será trabalhado especificamente na primeira unidade. Será realizada uma série de atividades de ensino com o objetivo de que ao final da unidade se tenha aprendido esse conteúdo. Teremos uma série de atividades com um princípio e um finai na própria unidade. No começo, os alunos desconhecem a maioria dos "componentes da paisagem", mas no final, se as atividades foram apropriadas, podem considerá-los aprendidos. Neste caso, temos uma sequência de atividades específicas para este conteúdo. Nas unidades posteriores utilizaremos estes conceitos e certamente ampliaremos e melhoraremos seu conhecimento, mas podemos considerar que as atividades fundamentais se desenvolveram na primeira unidade. Estas atividades são as que configurarão a sequência do conteúdo "componentes da paisagem".

O conteúdo procedimental "interpretação e realização de planos e mapas" já aparece na primeira unidade, que, pelo fato de estar localizada no começo do curso, implica um grau de exigência muito baixo. Nesta unidade será iniciado um trabalho de elaboração de planos e mapas que se estenderá ao longo de todo o curso, em diversas unidades. Assim, haverá muitas atividades que terão como objetivo o conhecimento e o domínio deste conteúdo. Este conjunto de atividades necessárias para sua aprendizagem constitui a sequência do conteúdo "interpretação e realização de planos e mapas".

O conteúdo atitudinal "cooperação" certamente já aparece na primeira unidade e em outras se toma um conteúdo essencial, seja pelo tema, seja pelas situações de trabalho e convivência que se propõem. Ao longo do curso, e em todas as unidades, haverá vivências ou experiências cruciais para a aprendizagem deste conteúdo. O conjunto destas atividades deverá garantir o alcance dos objetivos estabelecidos em relação à cooperação. Portanto, dentro do conjunto de atividades que ajudam uma formação cooperativa, será necessário observar aquelas que se realizam, explícita ou implicitamente, não apenas na área de conhecimento do meio, como nas demais-áreas e em outros momentos escolares. A sequência do conteúdo "cooperação" estará formada pelo conjunto de atividades, nas diferentes unidades didáticas das diferentes áreas ou fora delas, que incidem na formação de atitudes cooperativas.

Assim, podemos definir a unidade de análise que desenhamos como o conjunto ordenado de atividades estruturadas e articuladas para a consecução de um objetivo educacional em relação a um conteúdo concreto. Esta unidade de análise, como as sequências didáticas, está inserida num contexto em que se deverá identificar, além dos objetos didáticos e do conteúdo objeto da sequência; as outras variáveis metodológicas: relações interativas, organização social, materiais curriculares, etc.

Por tudo o que vimos a respeito destas sequências, a exemplo das didáticas, não nos interessa preliminarmente tanto a forma em que se desenvolve cada uma das atividades, mas estabelecer sua inserção ou não no conjunto de atividades, uma vez determinadas suas características. O que convém é examinar o sentido total da sequência e, portanto, o lugar que ocupa cada atividade e como se articula e estrutura nesta sequência, com o objetivo de prever quais são as atividades que é preciso modificar ou acrescentar.

Estas sequências serão mais ou menos complexas conforme o número de atividades envolvidas na aprendizagem de um conteúdo determinado, a duração da sequência 4e o número de unidades didáticas das quais fazem parte as diferentes atividades.

O ENSINO SEGUNDO AS CARACTERÍSTICAS TIPOLÓGÍCAS DOS CONTEÚDOS

Uma vez identificadas as sequências de conteúdo, o passo seguinte consiste em relacioná-las com o conhecimento que temos sobre os processos subjacentes à aprendizagem dos diferentes conteúdos, segundo sua tipologia. Isto nos permitirá estabelecer que condições de ensino devem

observar as sequências que encontramos representadas de maneira esquemática no Quadro 3.2, para cada um dos diferentes tipos de conteúdo.

Ensinar conteúdos factuais

No capítulo anterior já vimos que se aprendem os fatos mediante atividades de cópia mais ou menos literais, com o fim de integrá-los nas estruturas de conhecimento, na memória. O caráter reprodutivo dos fatos implica exercícios de repetição verbal. Repetir tantas vezes quanto seja necessário até que se consiga a automatização da informação. Assim, pois, as atividades básicas para as sequências de conteúdos factuais terão que ser aquelas que têm exercícios e repetição e, conforme a quantidade e a complexidade da informação, utilizem estratégias que reforcem as repetições mediante organizações significativas ou associações.

Esta simplificação da aprendizagem faz com que as sequências para estes conteúdos possam ser extremamente simples. Uma apresentação dos conteúdos sob um modelo expositivo, um estudo individual que consiste em exercícios de repetição e uma posterior prova pode ser suficientes; sempre com a condição de que cada uma destas fases cumpra uma série de requisitos para evitar que as aprendizagens estejam desvinculadas da capacidade de utilizá-las em outros contextos que não sejam os estritamente escolares. Desse modo, o modelo descrito na unidade 1 pode atender perfeitamente às condições para esta aprendizagem, sempre que a exposição consiga atrair o interesse dos alunos, que não haja um excesso de informação, que se conheçam e se tomem como ponto de partida os conhecimentos que já têm e, sobretudo, que os alunos disponham dos conhecimentos conceituais a que pertence cada um dos fatos: saber o que é um rio quando se aprendem os nomes dos rios ou uma corrente artística quando se memorizam suas obras mais representativas.

Quanto à atenção à diversidade, devemos levar em conta que numa aprendizagem de fatos, se os alunos são suficientemente maduros, a atenção sempre recai nos próprios alunos. São eles, e apenas eles, que terão que realizar as atividades de estudo, que, como vimos, são de repetição. Neste caso, levar em conta a diversidade dos alunos consiste em avaliar o número de atividades que deve realizar cada aluno para aprender o conteúdo e não a maneira de ensiná-lo. Uma vez exposto o conteúdo, para atender à diversidade o professor ou a professora só tem que estimular os meninos e meninas a que façam as atividades de memorização de que cada um necessita. Que cada aluno realize o número de exercícios que precisa é algo que não depende do professor. Portanto, o próprio aluno tem que exercitar por sua conta até que seja capaz de assimilar o conteúdo. De qualquer forma, será necessário propiciar um clima que favoreça a realização de determinados exercícios individuais que costumam ser bastante monótonos.

        Ensinar conceitos e princípios

Como os conceitos e princípios são temas abstratos, requerem uma compreensão do significado e, portanto, um processo de elaboração pessoal. Neste tipo de conteúdo são totalmente necessárias as diferentes condições estabelecidas anteriormente sobre a significância na aprendizagem: atividades que possibilitem o reconhecimento dos conhecimentos prévios, que assegurem a significância e a funcionalidade, que sejam adequadas ao nível de desenvolvimento, que provoquem uma atividade

mental, etc. As sequências de conteúdos conceituais têm que levar em conta todas elas. Portanto, a análise que fizemos anteriormente nos exemplos das quatro unidades é a adequada, já que, como vimos, a maioria destas sequências se situa numa mesma unidade didática.

Ensinar conteúdos procedimentais

Teremos que dedicar mais tempo a estes conteúdos, posto que a adaptação que devemos fazer das considerações gerais da aprendizagem significativa é mais complexa. Neste caso, o dado mais relevante é determinado pela necessidade de realizar exercícios suficientes e progressivos das diferentes ações que formam os procedimentos, as técnicas ou estratégias. Uma vez aceita essa informação, as sequências dos conteúdos procedimentais deverão conter atividades com algumas condições determinadas:

As atividades devem partir de situações significativas e funcionais, a fim de que o conteúdo possa ser aprendido junto com a capacidade de poder utilizá-lo quando seja conveniente. Por isto é imprescindível que este conteúdo tenha sentido para o aluno: ele deve saber para que serve e que função tem, ainda que seja útil apenas para poder realizar uma nova aprendizagem. Caso se desconheça sua função, ter-se-á aprendido o conteúdo procedimental, mas não será possível utilizá-lo quando se apresente a ocasião. Em geral estes conteúdos são trabalhados prescindindo de suas funções, se insiste às vezes em sua aprendizagem, mas não na finalidade a que estão ligados. Assim, encontramos trabalhos repetitivos e, portanto, esgotantes, cujo único sentido parece ser o domínio do conteúdo procedimental em si mesmo.

• A sequência deve contemplar atividades que apresentem os modelos de desenvolvimento do conteúdo de aprendizagem. Modelos onde se possa ver todo o processo, que apresentem uma visão* • completa das diferentes fases, passos ou ações que os compõem, para passar posteriormente, se a complexidade do modelo assim o requer, ao trabalho sistemático das diferentes ações que compreendem. Estes modelos deverão ser propostos unicamente quando se inicia o trabalho de aprendizagem, mas será necessário insistir neles em diferentes situações e contextos sempre que convenha.

• Para que a ação educativa resulte no maior benefício possível, é necessário que as atividades de ensino/aprendizagem se ajustem ao máximo a uma sequência clara com uma ordem de atividades que siga um processo gradual. Esta consideração é visível nos conteúdos mais algorítmicos como, por exemplo, o cálculo, onde o processo de mais simples para mais complexo é uma constante. Por outro lado, não é tão evidente na maioria dos outros conteúdos procedimentais. Um exemplo bastante evidente é o do ensino da observação. Hoje em dia, sobretudo nas áreas de Ciências Sociais e Naturais, se propõem atividades de observação de uma maneira sistemática. Mas se analisamos as características das atividades que se propõem ao longo das diferentes unidades didáticas, observamos que normalmente não respondem a uma determinada ordem de dificuldade. Existem algumas atividades e uma exercitação, mas não há uma ordem progressiva que facilite a aprendizagem além da simples repetição.

• São necessárias atividades com ajudas de diferente grau e prática guiada. A ordem e o progresso das sequências de ensino/aprendizagem, no caso dos conteúdos procedimentais, estarão determinados, na maioria das vezes, pelas características das ajudas que se irão dando ao longo da aplicação do conteúdo. Assim, em muitos casos, a estratégia mais apropriada, depois da apresentação do modelo, será a de proporcionar ajudas ao longo das diferentes ações e ir retirando-as progressivamente. Agora, a única maneira de decidir o tipo de ajuda que se deve dar e a oportunidade de mantê-la, modificá-la ou retirá-la consiste em observar e conduzir os alunos através de um processo de prática guiada, em que eles poderão ir assumindo, de forma progressiva, o controle, a direção e a responsabilidade da execução.

• Atividades de trabalho independente. Estreitamente ligado ao que comentávamos em relação ao ponto anterior, o ensino de conteúdos procedimentais exige que os meninos e meninas tenham a oportunidade de levar a cabo realizações independentes, em que possam mostrar suas competências no domínio do conteúdo aprendido. O trabalho independente, por um lado, é o objetivo que se persegue com a prática guiada e, por outro, se assume em sua verdadeira complexidade quando se aplica a contextos diferenciados.

Ensinar conteúdos atitudinais

As características dos conteúdos atitudinais, e o fato de que o componente afetivo atue de forma determinante em sua aprendizagem, fazem com que as atividades de ensino destes conteúdos sejam muito mais complexas que as dos outros tipos de conteúdo. O caráter conceituai dos valores, as normas e as atitudes, quer dizer, o conhecimento do que “cada um deles é e implica, pode ser aprendido mediante estratégias já descritas para os conteúdos conceituais. Agora, para que este conhecimento se transforme em referência de atuação é preciso mobilizar todos os recursos relacionados com o componente afetivo. O papel e o sentido que pode ter o valor solidariedade, ou o respeito às minorias, não se aprende apenas com o conhecimento do que cada uma destas ideias representa. As atividades de ensino necessárias têm que abarcar, junto com os campos cognitivos, os afetivos e condutuais, dado que os pensamentos, os sentimentos e o comportamento de uma pessoa não dependem só do socialmente estabelecido, como, sobretudo, das relações pessoais que cada um estabelece com o objeto da atitude ou do valor. Como bem se sabe, as intenções, neste âmbito, não coincidem indefectivelmente com as atuações.

E fundamental levar em conta não tanto os aspectos evidentes e

-Explícitos dos valores no momento das exposições, debates ou diálogos em que são tratados, como toda a rede de relações que se estabelece em aula: o tipo de interação entre professores e alunos, entre os próprios alunos e entre todos os membros da equipe docente. Estas relações e imagens, e as interpretações das condutas e comportamentos, serão algumas das peças-chave na configuração dos valores e das atitudes pessoais.

O fato de que estas inter-relações sejam um dos fatores determinantes supõe que é preciso prestar atenção a muitos dos aspectos que não se incluem de maneira manifesta nas unidades didáticas e que se referem aos aspectos organizativos e participativos. Muitos dos valores que se pretendem ensinar se aprendem quando são vividos de maneira natural; e isso só é possível quando o ambiente cie aula, as decisões organizativas, - as relações interpessoais, as normas de conduta, as regras de jogo e os papéis que se atribuem a uns e a outros correspondem àqueles valores que se quer que sejam aprendidos. A maneira de organizar as atividades e os papéis que cada um dos meninos e meninas deve assumir pode promover ou não atitudes como as de cooperação, tolerância e solidariedade.

Estas considerações exigem que se dê uma atenção especial à série de medidas que se toma na escola e que nunca foi objeto dos planos de ensino - o denominado currículo oculto posto que muitas atuações podem ser contraditórias com os propósitos estabelecidos nos objetivos educacionais da escola. Neste sentido, a manifestação explícita dos conteúdos em geral implícitos, e a reflexão pessoal e grupai dos professores e de todos os componentes da comunidade escolar, tornam-se algo fundamental.

E uma das primeiras medidas a se tomar é a de sensibilizar o aluno e do grupo-classe em geral. Como nos demais tipos de conteúdos, os conhecimentos prévios de que o aluno dispõe devem ser o ponto de partida, mas neste caso a medida tem que ser observada de forma muito mais "sutil". A interpretação que é preciso fazer dos diferentes valores deve levar muito mais em conta os traços socioculturais dos alunos, sua situação familiar e os valores que prevalecem em seu ambiente para que a interpretação dos diferentes valores se adapte às características de cada um dos contextos sociais em que se encontram as escolas. Partir da realidade e aproveitar os conflitos que nela se apresentam tem que ser o fio condutor do trabalho destes conteúdos. Aproveitar as experiências vividas pelos alunos e os conflitos ou pontos de vista contrários que apareçam nestas vivências ou na dinâmica da aula, a fim de promover o debate e a reflexão sobre os valores que decorrem das diferentes atuações ou pontos de vista. Propor situações que ponham em conflito os conhecimentos, as crenças e os sentimentos de forma adaptada ao nível de desenvolvimento dos alunos, sobre as normas existentes na escola e na aula, com o objetivo de que compreenda sua necessidade e de que, a partir da reflexão e da análise, não apenas as aceite, mas as respeite como suas. Essa finalidade requer a promoção da participação ativa do aluno, fugindo do verbalismo e potencializando o intercâmbio entre os alunos para debater as opiniões e ideias sobre tudo o que os afeta em seu trabalho nas aulas e na escola, pedindo, ao mesmo tempo, compromissos derivados dos valores e atitudes aceitos livremente. Esse processo deve permitir que os meninos e meninas se sintam protagonistas de suas aprendizagens e agentes na formulação das propostas de convivência e trabalho, mediante a promoção da aceitação e da internalização das concepções e avaliações das atitudes a serem promovidas, participando no controle do processo e dos resultados.

Neste sentido a assembleia de alunos como recurso didático pode responder às necessidades de participação na formação dos valores que queremos que governem a escola. A introdução do caráter público que a assembleia representa faz com que os compromissos pessoais tenham uma implicação condutual, emocional e cognitiva diante dos demais, o que possibilita que o grupo-classe, e não apenas os professores, possa colaborar na regulação dos compromissos adquiridos.

Além destes critérios de caráter geral, nas sequências de aprendizagem para estes conteúdos, em cada unidade didática e no curso das diferentes unidades, será preciso levar em conta uma série de medidas:

* Adaptar o caráter dos conteúdos atitudinais às necessidades e situações reais dos alunos, levando em conta, ao defini-las, as características, os interesses e as necessidades pessoais de cada um deles

* Introduzir processos de reflexão crítica para que as normas sociais de convivência integrem as próprias normas. É preciso ajudar os alunos a relacionar estas normas com determinadas atitudes que se queiram desenvolver em situações concretas e promover a reflexão crítica acerca dos contextos históricos e institucionais nos quais se manifestam estes valores.

Favorecer modelos das atitudes que se queiram desenvolver, não apenas por parte dos professores, incentivando e promovendo comportamentos coerentes com estes modelos. Desenvolver atividades que façam com que os alunos participem em processos de mudança atitudinal, pondo em crise suas próprias proposições. Incentivar e ajudar para que ensaiem e provem as mudanças que em muitos casos serão necessárias, favorecendo o apoio dos colegas nestas mudanças e promovendo as avaliações adequadas ao trabalho realizado e aos êxitos alcançados.

Fomentar a autonomia moral de cada aluno, o que implica não apenas que os professores estabeleçam espaços para colocá-la em prática, como também que criem nos alunos espaços de experimentação dos processos de aquisição que permitam esta autonomia.

Conclusões

Neste capítulo pudemos ver que a partir de nossas propostas de trabalho aparecem, para os alunos, diferentes oportunidades de aprender diversas coisas e, para nós como educadores, uma diversidade de meios para captar os processos de construção que eles edificam, de possibilidades de neles incidir e avaliá-los. Também observamos que os diferentes conteúdos que apresentamos aos meninos e meninas exigem esforços de aprendizagem e ajudas específicas. Nem tudo se aprende do mesmo modo, no mesmo tempo nem com o mesmo trabalho. Discernir o que pode ser objeto de uma unidade didática, como conteúdo prioritário, do que exige um trabalho mais continuado, ao longo de diversas unidades e, inclusive, em áreas e situações escolares diversificadas, talvez seja um exercício ao qual não estamos suficientemente acostumados, mas nem por isso é menos necessário. Quantas vezes nos mostramos

perplexos porque nossos alunos esqueceram a realização de um procedimento? Quantas vezes nos perguntamos como é possível que não sejam capazes de utilizar o que sabem fazer numa área quando lhes é apresentado um problema numa área diferente? Por que nosso desejo de que sejam tolerantes e respeitosos se vê frustrado justamente naquelas ocasiões em que é mais necessário exercer a tolerância e o respeito? Como pode ser que os conceitos que pareciam seguros não resistam ao embate das mínimas contradições?

A resposta que atribui estes fatos exclusivamente a características dos alunos não deveria nos tranquilizar, embora seja lógico que a utilizemos, se não temos outras. Em minha opinião, refletir sobre o que implica aprender o que propomos, e o que implica aprendê-lo de maneira significativa, pode nos conduzir a estabelecer propostas mais fundamentadas, suscetíveis de ajudar mais os alunos e ajudar nós mesmos. As contribuições deste capítulo pretendem, por um lado, oferecer elementos para esta reflexão e, por outro, demonstrar que as diferentes propostas didáticas que oferecemos de maneira mais ou menos consciente têm diferentes potencialidades. Em resumo, o que queremos dizer é que mais do que nos movermos pelo apoio acrítico a um ou outro modo de organizar o ensino, devemos dispor de critérios que nos permitam considerar o que é mais conveniente num dado momento para determinados objetivos a partir da convicção de que nem tudo tem o mesmo valor, nem vale para satisfazer as mesmas finalidades. Utilizar estes critérios para analisar nossa prática e, se convém, para reorientá-la em algum sentido, pode representar, em princípio, um esforço adicional, mas o que é certo é que pode evitar perplexidades e confusões posteriores.

Antoni Zabala – A Prática Educativa


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