FUNÇÃO SOCIAL DO ENSINO: QUE
FINALIDADE DEVE TER O SISTEMA EDUCATIVO?
Por trás de qualquer proposta
metodológica se esconde uma concepção do valor que se atribui ao ensino, assim
como certas ideias mais ou menos formalizadas e explícitas em relação aos
processos de ensinar e aprender.
De maneira esquemática, e
tomando como base o ensino público na Espanha durante este século, poderíamos
considerar que além das grandes declarações de princípios, a função fundamental
que a sociedade atribuiu à educação tem sido a de selecionar os melhores em
relação à sua capacidade para seguir uma carreira universitária ou para obter
qualquer outro título de prestígio reconhecido. O que tem justificado a maioria
dos esforços educacionais e a valorização de determinadas aprendizagens acima
de outras tem sido a potencialidade que lhes é atribuída para alcançar certos
objetivos propedêuticos, quer dizer, determinados por seu valor a longo prazo e
quanto a uma capacitação profissional, subvalorando, deste modo, o valor
formativo dos processos que os meninos e as meninas seguem ao longo da
escolarização.
Por acaso o papel da escola
deve ser exclusivamente seletivo e propedêutico? Ou deve cumprir outras
funções? Não há dúvida de que esta é a primeira pergunta que temos que nos
colocar. Quais são nossas intenções educacionais? O que pretendemos que nossos
alunos consigam?
O PAPEL DOS OBJETIVOS
EDUCACIONAIS
Um modo de determinar os
objetivos ou finalidades da educação consiste em fazê-lo em relação às
capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Existem diferentes formas
de classificar as capacidades do ser humano (Bloom, Gagné, Tyler). A proposta
por C. Coll (1986) - que estabelece um agrupamento em capacidades cognitivas ou
intelectuais, motoras, de equilíbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relação
interpessoal e de inserção e atuação social - tem a vantagem, em minha opinião,
de não atomizar excessivamente o que, sem dúvida, se encontra fortemente
inter-relacionado, ao mesmo tempo que mostra a indissociabilidade, no desenvolvimento
pessoal, das relações que se estabelecem com os outros e com a realidade
social. Se tomamos como referência estes diferentes tipos de capacidades, a
pergunta acerca das intenções educacionais pode se resumir no tipo de
capacidades que o sistema educativo deve levar em conta. Até hoje, o papel
atribuído ao ensino tem priorizado as capacidades cognitivas, mas nem todas, e
sim aquelas que se tem considerado mais relevantes e que, como sabemos,
correspondem à aprendizagem das disciplinas ou matérias tradicionais. Na
atualidade, devemos considerar que a escola também deve se ocupar das demais
capacidades, ou esta tarefa corresponde exclusivamente à família ou a outras
instâncias? Por acaso é dever da sociedade e do sistema educacional atender
todas as capacidades da pessoa? Se a resposta é afirmativa e, portanto, achamos
que a escola deve promover a formação integral dos meninos e meninas, é preciso
definir imediatamente este princípio geral, respondendo ao que devemos entender
por autonomia e equilíbrio pessoal, o tipo de relações interpessoais a que nos
referimos e o que queremos dizer quando nos referimos à atuação ou inserção
social.
A resposta a estas perguntas é
chave para determinar qualquer atuação educacional, já que, explicite-se ou
não, sempre será o resultado de uma maneira determinada de entender a sociedade
e o papel que as pessoas têm nela. Educar quer dizer formar cidadãos e cidadãs,
que não estão parcelados em compartimentos estanques, em capacidades isoladas.
Quando se tenta potencializar certo tipo de capacidades cognitivas, ao mesmo
tempo se está influindo nas demais capacidades, mesmo que negativamente. A
capacidade de uma pessoa para se relacionar depende das experiências que vive,
e as instituições educacionais são um dos lugares preferenciais, nesta época,
para se estabelecer vínculos e relações que condicionam e definem as próprias
concepções pessoais sobre si mesmo e sobre os demais. A posição dos adultos
frente à vida e às imagens que oferecemos aos mais jovens, a forma de
estabelecer as comunicações na aula, o tipo de regras de jogo e de convivência
incidem em todas as capacidades da pessoa.
Nós, os professores, podemos
desenvolver a atividade profissional sem nos colocar o sentido profundo das
experiências que propomos e podemos nos deixar levar pela inércia ou pela
tradição. Ou podemos tentar compreender a influência que estas experiências têm
e intervir para que sejam o mais benéficas possível para o desenvolvimento e o
amadurecimento dos meninos e meninas. Mas, de qualquer forma, ter um
conhecimento rigoroso de nossa tarefa implica saber identificar os fatores que
incidem no crescimento dos alunos. O segundo passo consistirá em aceitar ou não
o papel que podemos ter neste crescimento e avaliar se nossa intervenção é
coerente com a ideia que temos da função da escola e, portanto, de nossa função
social como educadores.
Convém se dar conta de que
esta determinação não é simples, já que por trás de qualquer intervenção
pedagógica consciente se escondem uma análise sociológica e uma tomada de
posição que sempre é ideológica. As razões que justificam a resposta à pergunta
de quais serão as necessidades de todo tipo que terão nossos alunos quando
forem adultos, ou seja, em pleno século XXI, e a avaliação das capacidades que
se terá que potencializar para que possam superar os problemas e os empecilhos
que surgirão em todos os campos (pessoal, social e profissional) não apenas
estão sujeitas a uma análise prospectiva, como principalmente à consideração do
papel que deverão ter na sociedade como membros ativos e co-partícipes em sua
configuração. Aqui é onde surge a necessidade de uma reflexão profunda e
permanente quanto à condição de cidadão e cidadã e quanto às características da
sociedade em que irão viver. E isto significa situar-se ideologicamente.
É preciso insistir que tudo
quanto fazemos em aula, por menor que seja, incide em maior ou menor grau na
formação de nossos alunos. A maneira de organizar a aula, o tipo de incentivos,
as expectativas que depositamos, os materiais que utilizamos, cada uma destas
decisões veicula determinadas experiências educativas, e é possível que nem
— Sempre estejam em
consonância com o pensamento que temos a respeito do sentido e do papel que
hoje em dia tem a educação.
OS CONTEÚDOS DE APRENDIZAGEM:
INSTRUMENTOS DE EXPLICITAÇÃO DAS INTENÇÕES EDUCATIVAS
Como dissemos, a determinação
das finalidades ou objetivos da educação, sejam explícitos ou não, é o ponto de
partida de qualquer análise da prática. E impossível avaliar o que acontece na
aula se não conhecemos o sentido último do que ali se faz. Mas, ao mesmo tempo,
as intenções educacionais são tão globais e gerais que dificilmente podem ser
instrumentos de atuação prática no âmbito tão concreto da sala de aula. Os grandes
propósitos estabelecidos nos objetivos educacionais são imprescindíveis e
também úteis para realizar a análise global do processo educacional ao longo de
toda uma série e, sem dúvida, durante todo um ciclo ou uma etapa. Mas quando
nos situamos no âmbito da aula, e concretamente, numa unidade de análise válida
para entender a prática que nela acontece, temos que buscar alguns instrumentos
mais definidos. A resposta à pergunta "por que ensinar?" devemos
acrescentar a resposta a "o que ensinamos?", como uma questão mais
acessível neste âmbito concreto de intervenção. Os conteúdos de aprendizagem
são o termo genérico que define esta pergunta, mas convém refletir e fazer
alguns comentários a respeito.
O termo "conteúdos"
normalmente foi utilizado para expressar aquilo que deve se aprender, mas em
relação quase exclusiva aos conhecimentos das matérias ou disciplinas clássicas
e, habitualmente, para aludir àqueles que se expressam no conhecimento de
nomes, conceitos, princípios, enunciados e teoremas. Assim, pois, se diz que
uma matéria está muito carregada de conteúdos ou que um livro não tem muitos
conteúdos, fazendo alusão a este tipo de conhecimentos. Este sentido,
estritamente disciplinar e de caráter cognitivo, geralmente também tem sido
utilizado na avaliação do papel que os conteúdos devem ter no ensino, de forma
que nas concepções que entendem a educação como formação integral se tem
criticado o uso dos conteúdos como única forma de definir as intenções
educacionais. Devemos nos desprender desta leitura restrita do termo
"conteúdo" e entendê-lo como tudo quanto se tem que aprender para
alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades
cognitivas, como também incluem as demais capacidades. Deste modo, os conteúdos
de aprendizagem não se reduzem unicamente às contribuições das disciplinas ou
matérias tradicionais. Portanto, também serão conteúdos de aprendizagem todos
aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas,
de relação interpessoal e de inserção social.
Assim, pois, será possível pôr
sobre o papel o que se tem denominado currículo oculto, quer dizer, aquelas
aprendizagens que se realizam na escola mas que nunca apareceram de forma
explícita nos planos de ensino. Como estes planos têm se centrado nas
disciplinas ou matérias, tudo aquilo que indubitavelmente se aprende na escola,
mas que não se pode classificar nos compartimentos das disciplinas, não tem
aparecido e tampouco tem sido objeto de avaliações explícitas. Optar por uma definição
de conteúdos de aprendizagem ampla, não restrita aos conteúdos disciplinares,
permite que este currículo oculto possa se tornar manifesto e que possa se
avaliar sua pertinência como conteúdo expresso de aprendizagem e de ensino.
Portanto, ao responder à
pergunta "o que deve se aprender?" deveremos falar de conteúdos de
natureza muito variada: dados, habilidades, técnicas, atitudes, conceitos, etc.
Das diferentes formas de classificar esta diversidade de conteúdos, Coll (1986)
propõe uma que, como veremos, tem uma grande potencialidade explicativa dos
fenômenos educativos. Este autor agrupa os conteúdos segundo sejam conceituais,
procedimentais ou atitudinais. Esta classificação corresponde respectivamente
às perguntas "o que se deve saber?", "o que se deve saber
fazer?" e "como se deve ser?", com o fim de alcançar as
capacidades propostas nas finalidades educacionais.
Se examinamos a resposta
tradicional sobre o papel do ensino e utilizamos os diferentes tipos de
conteúdos como instrumentos descritivos do modelo propedêutico que propõe,
poderemos ver que é fácil efetuar uma descrição bastante precisa e que vai além
das definições genéricas. As perguntas para defini-lo se resumiriam no que é
preciso saber, saber fazer e ser neste modelo. Certamente, a resposta afirmará
que - pensemos na maioria dos conteúdos dos exames e, concretamente, das provas
de seleção - acima de tudo é preciso "saber", que se necessita de um
pouco "saber fazer" e que não é muito necessário "ser";
quer dizer, muitos conteúdos conceituais, alguns conteúdos procedimentais e
poucos conteúdos atitudinais. Mas isto, inclusive neste modelo, não é assim em todos
os níveis de escolarização, nem em todas as escolas, nem para todos os
professores. Vejamos como podemos utilizar a diferenciação dos conteúdos
segundo a tipologia conceituai, procedimental ou atitudinal para fazer uma
primeira aproximação às características diferenciais dos ciclos e das etapas do
sistema educacional vigente até agora.
Mas se a importância relativa
dos diferentes tipos de conteúdos nos lados, pelo que poderemos avaliar se o
que se faz está de acordo com o serve para descrever melhor as diferenças entre
os diversos níveis do que se pretende nos objetivos; e também poderemos avaliar
se os conteúdos de ensino, também é um meio que permite entender a própria
posição e a de dos que se trabalham são coerentes com nossas intenções
educacionais. nossos companheiros e companheiras em relação à importância que
para efetuar uma avaliação completa da unidade didática não basta atribuímos a
cada um dos conteúdos, de tal forma que nos é possível dar a pertinência dos
conteúdos, é necessário verificar se as atividades interpretar com mais
fidelidade as diferenças pessoais a respeito das propostas na unidade são
suficientes e necessárias para alcançar os objetivos e concepção que cada um
tem do papel que o ensino deve desempenhar. E vos previstos. A questão que se
coloca agora consiste em saber se aqueles evidentes que se trata de uma
primeira aproximação na qual não consta conteúdos que se trabalham realmente
são aprendidos.
Desta maneira, a tipologia de
conteúdos pode nos servir de instrução, esconde uma ideia sobre como se
produzem as aprendizagens. O mais mento para definir as diferentes posições
sobre o papel que deve ter o extraordinário de tudo é a inconsciência ou o desconhecimento
do fato do ensino. Portanto, num ensino que propõe a formação integral a
presença dos que quando não se utiliza um modelo teórico explícito também se
atua diferentes tipos de conteúdos estará equilibrada; por outro lado, um
ensino sob um marco teórico.
A discriminação tipológica dos
conteúdos e a importância que lhes é quer
dizer que não exista. Por trás de qualquer prática educativa sempre atribuída
nas diferentes propostas educacionais nos permitem conhecer há uma resposta a "por que
ensinamos" e "como se aprende".
Pois bem, se partimos do fato
de que nossa atuação é inerente a uma determinada concepção, será lógico que
esteja o mais fundamentada possível. Faz mais de cem anos que existem estudos e
trabalhos experimentais sobre os processos de aprendizagem; nosso conhecimento seguro
de muitas coisas. O fato de que não exista uma única corrente psicológica, nem
consenso entre as diversas correntes existentes, não pode nos fazer perder de
vista que há uma série de princípios nos quais as diferentes correntes estão de
acordo: as aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos
aprendizes; correspondem, em grande parte, às experiências que cada um viveu
desde o nascimento; a forma como se aprende e o ritmo da aprendizagem variam
segundo as capacidades, motivações e interesses de cada um dos meninos e
meninas; enfim, a maneira e a forma como se produzem as aprendizagens são o
resultado de processos que sempre são singulares e pessoais. São acordos ou
conclusões que todos nós, educadores, constatamos em nossa prática e que, diríamos,
praticamente são senso comum. Deles decorre um enfoque pedagógico que deve
observar a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. E aqui
parece outro paradoxo. Usamos esta interpretação dos processos de aprendizagem
em alguns casos, mas a esquecemos em muitas outras ocasiões.
Darei um exemplo. Imaginemos
que somos professoras e professores de educação física e que alguém nos
pergunta que altura deve saltar um menino ou uma menina de 14 anos que está no
segundo ano do ensino médio. Certamente mostraremos certa surpresa frente ao
absurdo aparente da pergunta, já que todos teremos pensado imediatamente que B
altura a ser saltada dependerá de cada menino ou menina. Portanto,
responderemos que está em função de suas capacidades (físicas e afetivas:
compleição, força, interesse, etc.) e de seu treinamento, quer dizer, de suas
aprendizagens prévias. Isto fará com que situemos a barreira para cada um
segundo suas possibilidades reais, de forma que para quem salta 90 cm
colocaremos a barreira a 95, e para quem salta 120, a 125. Em todos os casos,
superar a barreira constituirá um desafio, mas um desafio acessível com nossa
colaboração, um desafio que ajude a melhorar o aluno. Neste caso, consideramos
lógico que para que os alunos progridam será inútil colocar a barreira na mesma
altura para todos, já que para alguns será tão fácil que não os obrigará a
realizar o esforço necessário para melhorar, enquanto que para outros a
barreira estará tão alta que nem sequer tentarão ultrapassá-la e, portanto, não
lhes ajudaremos a avançar.
Utilizamos um critério para
estabelecer o nível, quer dizer, o grau de aprendizagem segundo as capacidades
e os conhecimentos prévios de cada menino e menina. E esta proposição, útil
para determinar o nível, marcará também a forma de ensinar, como veremos.
Imaginemos agora que como
professores de educação física temos que trabalhar a cambalhota. É óbvio que
não nos ocorrerá colocar todos os alunos em fila diante de um enorme colchonete
que vai de um extremo a outro do ginásio e lhes dizer num tom sabichão e com
voz contundente: "Agora faremos uma cambalhota. A cambalhota consiste na
rotação do corpo humano em relação a um eixo horizontal que passa mais ou menos
pelo umbigo, de forma que com um impulso das extremidades inferiores nos
deslocaremos desde este ponto, A, até este outro ponto, B. Como sou um
professor ativo, vou lhes demonstrar. Viram como tem que se fazer? Agora,
quando eu contar três, façam todos a cambalhota. Um, dois e três... Muito bem,
João, um 10; você, Pedro, um 8; Carmen, um 9; Enrique, muito ruim, um 3;
etc."
Em vez disto, utilizaremos
apenas um colchonete, colocaremos os alunos em fila indiana, um atrás do outro,
e lhes pediremos que façam a cambalhota um por um. A cada aluno exigiremos um
grau diferente de execução do exercício e lhe ofereceremos um tipo diferente de
ajuda. Se Juana é muito flexível e tem destreza, diremos: "Juana, os
braços bem esticados, as pernas bem juntas e que a cabeça não toque o chão."
Como esta aluna, apesar de ter feito bastante bem a cambalhota, deslocou
ligeiramente as pernas, diremos: "Não colocou bem as pernas. Você deve
prestar mais atenção."
Por outro lado, quando for a
vez de Pablo, um menino gordinho e pouco ágil, diremos: "Vamos, Pablo,
você pode fazer. Vamos lá!" E enquanto faz a cambalhota, ajudaremos,
pegando-o pelas pernas, para que acabe de virar. Ao concluir, embora não tenha
se saído muito bem, certamente faremos um comentário como por exemplo:
"Muito bem,
—---- Pablo, é isso aí!"—
Em cada caso utilizamos uma
forma de ensinar adequada às necessidades do aluno. Segundo as características
de cada um dos meninos e meninas, estabelecemos um tipo de atividade que
constitui um desafio alcançável, mas um verdadeiro desafio e, depois, lhes
oferecemos a ajuda necessária para superá-lo. No final, fizemos uma avaliação
que contribui para que cada um deles mantenha o interesse em seguir
trabalhando.
Podemos observar que se trata
de uma forma de intervenção extremamente complexa, com uma autêntica atenção à
diversidade, que implicou estabelecer níveis, desafios, ajudas e avaliações
apropriados às características pessoais de cada menino e menina.
O que acontece se em vez de
pensar numa atividade de educação física nos situamos nas áreas de língua,
matemática ou física? Se fazemos uma pergunta similar à do salto em altura e
indagamos o que um menino ou uma menina de 14 anos tem de saber sobre
morfossintaxe, funções matemáticas ou eletricidade, o mais normal é que não
duvidemos nem um segundo e respondamos: "Na segunda série tem que
saber..." Se não fosse o fato de termos aprendido e vivido com este modelo
e, portanto, estarmos acostumados a ele, poderia parecer que nos achamos numa
situação paradoxal. Por um lado, quando o conteúdo de aprendizagem se refere a
algo que pode ser visto, como acontece no caso da educação física, utilizamos
um modelo de ensino de acordo com uma interpretação complexa da aprendizagem.
Por outro, quando a aprendizagem se realiza sobre um conteúdo cognitivo, posto
que não vemos o que acontece na mente do aluno, em vez de utilizar um modelo
interpretativo mais complexo, simplificamos e estabelecemos propostas de ensino
notavelmente uniformizadoras: na oitava série tem que estudar o "sintagma
nominal" ou os "polinómios"; os exercícios são iguais para
todos, e aplicamos o mesmo critério para avaliar a competência de cada um dos
meninos e meninas.
Certamente você pensará que no
caso da educação física não existe a mesma pressão por parte das famílias, de
determinadas matérias repletas de conteúdos e de um sistema seletivo que não vê
da mesma maneira esta disciplina. Todas estas considerações fazem com que, em
conjunto, o tratamento possa ser suficientemente flexível para permitir formas
de intervenção que levem em conta a diversidade dos alunos. E isto é certo: as ideias
e pressões a que estão submetidas as outras áreas de conhecimento dificultam um
trabalho que leve em conta as diferenças individuais. Mas o fato de que existam
estes e outros condicionantes não deve implicar a utilização de modelos que
neguem a compreensão de como se produzem os processos de aprendizagem. Pelo
contrário, partindo do princípio de atenção à diversidade, temos que nos mover
na identificação dos condicionantes que impedem levá-lo a cabo e tomar as
medidas que diminuam ou eliminem esses condicionantes que impedem que nos
ocupemos das demandas particulares de cada um dos meninos e meninas.
Sem dúvida, é difícil conhecer
os diferentes graus de conhecimento de cada menino e menina, identificar o
desafio de que necessitam, saber que ajuda requerem e estabelecer a avaliação
apropriada para cada um deles a fim de que se sintam estimulados a se esforçar
em seu trabalho. Mas o fato de que custe não deve nos impedir de buscar meios ou
formas de intervenção que, cada vez mais, nos permitam dar uma resposta
adequada às necessidades pessoais de todos e cada um de nossos alunos.
O CONSTRUTIVISMO: CONCEPÇÃO
SOBRE COMO SE PRODUZEM OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM
Embora uma primeira
aproximação ao conhecimento do como se aprende nos permite chegar à conclusão
de que os modelos de ensino devem ser capazes de atender à diversidade dos
alunos, existe uma série de princípios psicopedagógicos em torno da concepção
construtivista da aprendizagem suficientemente validados empiricamente que,
como veremos, são determinantes para estabelecer referências e critérios para a
análise da prática e da intervenção pedagógica.
A concepção construtivista
(Coll, 1986; Coll, Martin, Mauri, Miras, Onrubia, Solé e Zabala, 1993; Mauri,
Solé, Del Carmen e Zabala, 1990), partindo da natureza social e socializadora
da educação escolar e do acordo construtivista que desde algumas décadas se
observa nos âmbitos da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, reúne
uma série de princípios que permitem compreender a complexidade dos processos
de ensino/aprendizagem e que se articulam em torno da atividade intelectual
implicada na construção de conhecimentos. Sem pretender dar uma explicação
exaustiva deste marco teórico, que tem tido uma ampla difusão, citaremos, a
seguir, alguns de seus elementos fundamentais.
Nesta explicação, pressupõe-se
que nossa estrutura cognitiva está configurada por uma rede de esquemas de
conhecimento. Estes esquemas se definem como as representações que uma pessoa
possui, num momento dado de sua existência, sobre algum objeto de conhecimento.
Ao longo da vida, estes esquemas são revisados, modificados, tornam-se mais
complexos e adaptados à realidade, mais ricos em relações. A natureza dos
esquemas de conhecimento de um aluno depende de seu nível de desenvolvimento e
dos conhecimentos prévios que pôde construir; a situação de aprendizagem pode
ser concebida como um processo de comparação, de revisão e de construção de
esquemas de conhecimento sobre os conteúdos escolares.
Agora, para que este processo
se desencadeie, não basta que os alunos se encontrem frente a conteúdos para
aprender; é necessário que diante destes possam atualizar seus esquemas de
conhecimento, compará-los com o que é novo, identificar semelhanças e
diferenças e integrá-las em seus esquemas, comprovar que o resultado tem certa
coerência etc. Quando acontece tudo isto - ou na medida em que acontece —
podemos dizer que está se produzindo uma aprendizagem significativa dos
conteúdos apresentados. Ou, dito de outro modo, estão se estabelecendo relações
não-arbitrárias entre o que já fazia parte da estrutura cognitiva do aluno e o
que lhe foi ensinado. Na medida em que podem se estabelecer estas relações,
quer dizer, quando a distância entre o que se sabe e o que se tem que aprender
é adequada, quando o novo conteúdo tem uma estrutura que o permite, e quando o
aluno tem certa disposição para chegar ao fundo, para relacionar e tirar
conclusões (Ausubel, Novak e Hanesian, 1983), sua aprendizagem é uma
aprendizagem significativa que está de acordo com a adoção de um enfoque
profundo. Quando estas condições são insuficientes ou não estão presentes, a
aprendizagem que se realiza é mais superficial e, no limite, pode ser uma aprendizagem
mecânica, caracterizada pelo escasso número de relações que podem ser estabelecidas
com os esquemas de conhecimento presentes na estrutura cognitiva e, portanto,
facilmente submetida ao esquecimento.
Como se tem repetido
continuamente, a aprendizagem significativa não é uma questão de tudo ou nada,
mas de grau - do grau em que estão presentes as condições que mencionamos.
Assim, pois, a conclusão é evidente: o ensino tem que ajudar a estabelecer
tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os
conhecimentos prévios quanto permita a situação.
Chegando a este ponto,
falaremos do ensino. Na concepção construtivista, o papel ativo e protagonista
do aluno não se contrapõe à necessidade de um papel igualmente ativo por parte
do educador. É ele quem dispõe as condições para que a construção que o aluno
faz seja mais ampla ou mais restrita, se oriente num sentido ou noutro, através
da observação dos alunos, da ajuda que lhes proporciona para que utilizem seus
conhecimentos prévios, da apresentação que faz dos conteúdos, mostrando seus
elementos essenciais, relacionando-os com o que os alunos sabem e vivem,
proporcionando-lhes experiências para que possam explorá-los, compará-los,
analisá-los conjuntamente e de forma autônoma, utilizá-los em situações
diversas, avaliando a situação em seu conjunto e reconduzindo-a quando
considera necessário, etc. Dito de outro modo, a natureza da intervenção
pedagógica estabelece os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do
aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e
reequilíbrio (Coll, 1 9S3).
Assim, concebe-se a
intervenção pedagógica como uma ajuda adaptada ao processo de construção do
aluno; uma intervenção que vai criando Zonas de Desenvolvimento Próxima!
(Vygotsky, 1979) e que ajuda os alunos a percorrê-las. Portanto, a situação de
ensino e aprendizagem também pode ser considerada como um processo dirigido a
superar desafios, desafios que possam ser enfrentados e que façam avançar um.
pouco mais além do ponto de partida. É evidente que este ponto não está
definido apenas pelo que se sabe. Na disposição para a aprendizagem - e na
possibilidade de torná-la significativa - intervêm, junto às capacidades
cognitivas, fatores vinculados às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação
interpessoal e de inserção social. Os alunos percebem a si mesmos e percebem as
situações de ensino e aprendizagem de uma maneira determinada, e esta percepção
- "conseguirei, me ajudarão, é divertido, é uma chatice, vão me ganhar,
não farei direito, é interessante, me castigarão, me darão boa nota..." -
influi na maneira de se situar diante dos novos conteúdos e, muito
provavelmente, (Solé, 1993) nos resultados que serão obtidos.
Por sua vez, estes resultados
não têm um efeito, por assim dizer, exclusivamente cognitivo. Também incidem no
autoconceito e na forma de perceber a escola, o professor e os colegas, e,
portanto, na forma de se relacionar com. eles. Quer dizer, incidem nas diversas
capacidades das pessoas, em suas competências e em seu bem-estar.
A concepção construtivista, da
qual o mencionado anteriormente não é mais do que um apontamento, parte da
complexidade intrínseca dos processos de ensinar e aprender e, ao mesmo tempo,
de sua potencialidade para explicar o crescimento das pessoas. Apesar de todas
as perguntas que ainda restam por responder, é útil porque permite formular
outras novas, respondê-las desde um marco coerente e, especialmente, porque
oferece critérios para avançar.
A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS
SEGUNDO SUA TIPOLOGIA
Vimos as condições gerais de
como se produzem as aprendizagens sob uma concepção construtivista e,
previamente, diferenciamos os conteúdos de aprendizagem segundo uma determinada
tipologia que nos serviu para identificar com mais precisão as intenções
educativas. A pergunta que agora podemos nos fazer é se os princípios descritos
genericamente se realizam de forma diferente conforme trate-se de conteúdos
conceituais, procedimentais ou atitudinais.
A tendência habitual de situar
os diferentes conteúdos de aprendizagem sob a perspectiva disciplinar tem feito
com que a aproximação à aprendizagem se realize segundo eles pertençam à
disciplina ou à área: matemática, língua, música, geografia, etc., criando, ao
mesmo tempo, certas didáticas específicas de cada matéria
Assim, veremos que o conhecimento geral da
aprendizagem, descrita anteriormente, adquire características determinadas
segundo as diferenças tipológicas de cada um dos diversos tipos de conteúdo.
Mas antes de efetuar uma
análise diferenciada dos conteúdos, é conveniente nos prevenir do perigo de
compartimentar o que nunca se encontra de modo separado nas estruturas de
conhecimento. A diferenciação dos elementos que as integram e, inclusive, a
tipificação das características destes elementos, que denominamos conteúdos, é
uma construção intelectual para compreender o pensamento e o comportamento das
pessoas. Em sentido estrito, os fatos, conceitos, técnicas, valores, etc., não
existem. Estes termos foram criados para ajudar a compreender os processos
cognitivos e condutuais, o que torna necessária sua diferenciação e
parcialização metodológica em compartimentos para podermos analisar o que
sempre se dá de maneira integrada.
Esta relativa artificialidade
faz com que a distinção entre uns e outros corresponda, na realidade, a
diferentes faces do mesmo poliedro. A linha divisória entre umas e outras é
muito sutil e confusa. Portanto, seguindo com a analogia, a aproximação a uma
ou outra face é uma opção de quem efetua a análise. Num determinado momento
queremos ensinar ou nos deter no aspecto factual, conceituai, procedimental ou
atitudinal do trabalho de aprendizagem a ser realizado. Assim, pois, é preciso
levar em conta que:
Todo conteúdo, por mais
específico que seja, sempre está associado e, portanto, será aprendido junto
com conteúdos de outra natureza. Por exemplo, os aspectos mais factuais da soma
(código e símbolo) são aprendidos junto com os conceituais da soma (imião e
número), com os algorítmicos (cálculo mental e algoritmo) e os atitudinais
(sentido e valor).
• A estratégia de
diferenciação tem sentido basicamente a partir da análise da aprendizagem e não
do ensino. Desde uma perspectiva construtivista, as atividades de ensino têm
que integrar ao máximo os conteúdos que se queiram ensinar para incrementar sua
significância, pelo que devem observar explicitamente atividades educativas
relacionadas de forma simultânea com. todos aqueles conteúdos que possam dar
mais significado à aprendizagem. Portanto, esta integração tem uma maior
justificação quando os conteúdos se referem a um mesmo objeto específico de
estudo. No caso da soma, a capacidade de utilizá-la competentemente será muito
superior se se trabalham ao mesmo tempo os diferentes tipos de conteúdos
relacionados com a soma.
Apesar das duas considerações
anteriores, as atividades de aprendizagem são substancialmente diferentes segundo
a natureza do conteúdo.
Utilizarei outro exemplo para
ilustrar estas considerações. Situemo-nos na área de Ciências Sociais e numa
unidade didática que faz referência à bacia hidrográfica do rio Segre. Quando
se aprende o nome do rio, dos afluentes e das populações da bacia, estão se
reforçando conjuntamente, e, portanto, aprendendo, os conceitos de rio,
afluente e população. Ao mesmo tempo, se melhora o domínio da leitura do mapa
correspondente e se leva em consideração o papel que têm neste território as
medidas para a conservação do meio ambiente. A forma de propor as atividades de
ensino será a que permita a máxima inter-relação entre os diferentes conteúdos.
Assim, serão propostas atividades que facilitem a memorização da toponímia, ao
mesmo tempo que contribuam para ampliar os conceitos associados, se situem no
mapa e façam considerações sobre as necessidades de manutenção do meio
ambiente. Mas, apesar disso, a forma de aprender os nomes dos rios e das
populações não é a mesma forma com que se concebe o significado de rio,
afluente ou população, que se chega a dominar a interpretação de mapas, nem que
se adquirem atitudes de respeito pela natureza.
A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS
FACTUAIS
Por conteúdos factuais se
entende o conhecimento de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos
concretos e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista de um território, a
localização ou a altura de uma montanha, os nomes, os códigos, os axiomas, um
fato determinado num determinado momento, etc. Sua singularidade e seu caráter,
descritivo e concreto, são um traço definidor. O ensino está repleto de conteúdos
factuais: toda a toponímia na área de geografia; as datas e os nomes de
acontecimentos na de história; os nomes de autores e correntes na de
literatura, música e artes plásticas; os códigos e os símbolos nas áreas de
língua, matemática, física e química; as classificações na de biologia; o
vocabulário nas línguas estrangeiras, etc. Tradicionalmente, os fatos têm sido
a bagagem mais aparente do vulgarmente denominado "homem culto",
objeto da maioria de provas e inclusive concursos. Conhecimento ultimamente
menosprezado, mas indispensável, de qualquer forma, para poder compreender a
maioria das informações e problemas que surgem na vida cotidiana e
profissional. Claro, sempre que estes dados, fatos e acontecimentos disponham
dos conceitos associados que permitam interpretá-los, sem os quais se
converteriam em conhecimentos estritamente mecânicos.
Antes de examinarmos como se
aprendem os conteúdos factuais e para justificar a interpretação que fazemos devemos
nos perguntar a que nos referimos quando dizemos que se aprendeu um fato, um
dado, um acontecimento, etc. Consideramos que o aluno ou a aluna aprendeu um
conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo. Na maioria destes conteúdos, a
reprodução se produz de forma literal; portanto, a compreensão não é necessária
já que muitas vezes tem um caráter arbitrário. Dizemos que alguém aprendeu
quando é capaz de recordar e expressar, de maneira exata, o original, quando se
dá a data com precisão, o nome sem nenhum erro, a atribuição exata do símbolo. Trata-se
de conteúdos cuja resposta é inequívoca. Nestes casos é uma aprendizagem de
tudo ou nada. Sabe-se a data, o nome, o símbolo, a valência... ou não se sabe.
Mas quando os conteúdos factuais se referem a acontecimentos, pede-se da
aprendizagem que, embora não seja reprodução literal, implique uma lembrança o
mais fiel possível de todos os elementos que a compõem e de suas relações. A
trama de um romance, a descrição da colonização das terras americanas ou o
argumento de uma ópera podem ser recordados com mais ou menos componentes e não
é necessário fazer urna repetição literal. Geralmente, consideramos que, com
relação aos fatos, a aprendizagem adequada é a mais próxima do texto original
ou da exposição que é objeto de estudo.
Este tipo de conhecimento se
aprende basicamente mediante atividades de cópia mais ou menos literais, a fim
de ser integrado nas estruturas de conhecimento, na memória. Dos diferentes
princípios da aprendizagem significativa expostos anteriormente, podemos ver que,
no caso dos fatos, muitos deles têm uma importância relativa, já que a maioria
é condição para a compreensão. Condição que nestes conteúdos podemos considerar
como valor acrescentado e que, de qualquer forma, não corresponde aos fatos mesmos,
mas aos conteúdos conceituais associados. De forma que se já se tem uma boa
compreensão dos conceitos a que se referem os dados, fatos ou acontecimentos, a
atividade fundamental para sua aprendizagem é a cópia. Este caráter reprodutivo
comporta exercícios de repetição verbal. Repetir nomes, as datas e as obras
tantas vezes quanto forem necessário até chegar a uma automatização da
informação. Segundo as características dos conteúdos a serem aprendidos, ou
segundo sua quantidade, serão utilizadas estratégias que, através de
organizações significativas ou associações, favoreçam a tarefa de memorização
no processo de repetição. Listas agrupadas segundo ideias significativas,
relações com esquemas ou representações gráficas, associações entre este
conteúdo e outros fortemente assimilados, etc. Embora esta aprendizagem ,
repetitiva .seja fácil, posto que não se requer muito planejamento nem
intervenção externa, para fazer estes exercícios de caráter notavelmente
rotineiro é imprescindível uma atitude ou predisposição favorável. Além do
mais, se ao cabo de algum tempo não se realizam atividades para fomentar a
lembrança - geralmente novas repetições em diferentes situações ou contextos de
aprendizagem - destes conteúdos, são esquecidos com muita facilidade.
A APRENDIZAGEM DOS CONCEITOS E
PRINCÍPIOS
Os conceitos e os princípios
são termos abstratos. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou
símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças
que se produzem num fato, objeto ou situação em. relação a outros fatos,
objetos ou situações e que normalmente descrevem relações de causa-efeito ou de
correlação. São exemplos de conceitos: mamífero, densidade, impressionismo,
função, sujeito, romantismo, demografia, nepotismo, cidade, potência, concerto,
cambalhota, etc. São princípios as leis ou regras como a de Arquimedes, as que
relacionam demografia e território, as normas ou regras de uma corrente
arquitetônica ou literária, as conexões que se estabelecem entre diferentes
axiomas matemáticos, etc.
De um ponto de vista
educacional, e numa primeira aproximação, os dois tipos de conteúdos nos
permitem tratá-los: conjuntamente, já que ambos têm como denominador comum a
necessidade de compreensão. Não podemos dizer que se aprendeu um conceito ou
princípio se não se entendeu o significado. Saberemos que faz parte do
conhecimento do aluno não apenas quando este é capaz de repetir sua definição,
mas quando sabe utilizá-lo para a interpretação, compreensão ou exposição de um
fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações
concretas naquele conceito que os inclui. Podemos dizer que sabemos o conceito
"rio" quando somos capazes de utilizar este termo em qualquer
atividade que o requeira, ou quando com este termo identificamos um determinado
rio; e não apenas quando podemos reproduzir com total exatidão a definição mais
ou menos estereotipada deste termo. Podemos dizer que sabemos o princípio de
Arquimedes quando este conhecimento nos permite interpretar o que sucede quando
um objeto submerge num líquido. Em qualquer caso, esta aprendizagem implica uma
compreensão que vai muito além da reprodução de enunciados mais ou menos
literais. Uma das características dos conteúdos conceituais é que a aprendizagem
quase nunca pode ser considerada acabada, já que sempre existe a possibilidade
de ampliar ou aprofundar seu conhecimento, de fazê-la mais significativa.
As condições de uma
aprendizagem, de conceitos ou princípios coincidem exatamente com as que foram
descritas como gerais e que permitem que as aprendizagens sejam o mais
significativas possível. Trata-se de atividades complexas que provocam um
verdadeiro processo de elaboração e construção pessoal do conceito. Atividades
experimentais que favoreçam que os novos conteúdos de aprendizagem se
relacionem substantivamente com os conhecimentos prévios; atividades que
promovam uma forte atividade mental que favoreça estas relações; atividades que
outorguem significado e funcionalidade aos novos conceitos e princípios;
atividades que suponham um desafio ajustado às possibilidades reais, etc.
Trata-se sempre de atividades que favoreçam a compreensão do conceito a fim de
utilizá-lo para a interpretação ou o conhecimento de situações, ou para a
construção de outras ideias.
A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS
PROCEDIMENTAIS
Um conteúdo procedimental -
que inclui entre outras coisas as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas
ou habilidades, as estratégias, os procedimentos - é um conjunto de ações
ordenadas e com um fim, quer dizer, dirigidas para a realização de um objetivo.
São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar,
traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar, etc. Conteúdos que, como podemos
ver, apesar de terem como denominador comum o fato de serem ações ou conjunto
de ações, são suficientemente diferentes para que a aprendizagem de cada um
deles tenha características bem específicas. Para a identificação destas
características diferenciais podemos situar cada conteúdo procedimental em três
eixos ou parâmetros:
O primeiro parâmetro se define
conforme as ações que se realizam impliquem componentes mais ou menos motores
ou cognitivos: a linha contínua motor/cognitivo. Poderíamos situar alguns dos
conteúdos que mencionamos em diferentes pontos desta linha contínua: saltar,
recortar ou espetar estariam mais próximos do extremo motor; inferir, ler ou
traduzir, mais próximos do cognitivo.
• O segundo parâmetro está
determinado pelo número de ações que intervêm. Assim, teremos certos conteúdos
procedimentais compostos por poucas ações e outros por múltiplas ações.
Poderíamos situar os conteúdos saltar, espetar, algum tipo de cálculo ou de
tradução, próximos do extremo dos de poucas ações; ler, desenhar, observar...
se encontrariam mais próximos dos de muitas ações. Trata-se do eixo poucas
ações/muitas ações.
* O terceiro parâmetro tem
presente o grau de determinação da ordem, das sequências, quer dizer, o
continuum algorítmico/heurístico. Segundo este eixo, teríamos mais próximo do
extremo algorítmico os conteúdos cuja ordem das ações é sempre a mesma. No
extremo oposto, estariam os conteúdos procedimentais cujas ações a serem
realizadas e a maneira de organizá-las dependem em cada caso das
características da situação em que se deve
Aplicados, como as estratégias
de leitura ou qualquer estratégia de aprendizagem.
Como podemos ver, todo
conteúdo procedimental pode se situar em algum ponto destas três linhas
contínuas. O fato de que se encontre numa ou noutra linha determina, enfim, as
peculiaridades da aprendizagem do procedimento; não exige as mesmas atividades
de aprendizagem um conteúdo procedimental configurado por ser algorítmico, de
poucas ações e de caráter motor, como pode ser a elaboração de um nó, que um
conteúdo de componente heurístico, composto por muitas ações e de caráter
cognitivo, como pode ser a realização do comentário de um texto literário. Mas
apesar disso, em termos muito gerais, podemos dizer que se aprendem os
conteúdos procedimentais a partir de modelos especializados. A realização das
ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida.
Sabemos que os conteúdos
procedimentais são um conjunto de ações ordenadas e com um fim. Como se aprende
a realizar ações? A resposta parece óbvia: fazendo-as. Aprende-se a falar
falando; a caminhar, caminhando; a desenhar, desenhando; a observar, observando.
Apesar da obviedade da resposta, numa escola onde tradicionalmente as propostas
de ensino têm sido expositivas, esta afirmação não se sustenta. Atualmente,
ainda é normal encontrar textos escolares que partem da base de que memorizando
os diferentes passos de, por exemplo, uma pesquisa científica, seremos capazes
de realizar pesquisas, ou que pelo simples fato de conhecer as regras
sintáticas saberemos escrever ou falar.
• A exercitação múltipla é o
elemento imprescindível para o domínio competente. Como também confirma nossa
experiência, não basta realizar uma vez as ações do conteúdo procedimental. E
preciso fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias até que seja suficiente
para chegar a dominá-lo, o que implica exercitar tantas vezes quantas forem
necessárias as diferentes ações ou passos destes conteúdos de aprendizagem.
Esta afirmação, também aparentemente evidente, não o é tanto quando observamos
muitas das propostas de ensino que se realizam, sobretudo as que se referem aos
conteúdos procedimentais mais complexos, como são as estratégias cognitivas. Na
tradição escolar, é fácil encontrar um trabalho exaustivo e pormenorizado de
alguns tipos de conteúdos, geralmente mais mecânicos, e, pelo contrário, um
trabalho superficial de outros conteúdos muito mais difíceis de dominar.
A reflexão sobre a própria atividade permite
que se tome consciência da atuação. Como também sabemos, não basta repetir um
exercício sem mais nem menos. Para poder melhorá-lo devemos ser capazes de
refletir sobre a maneira de realizá-lo e sobre quais são as condições ideais de
seu uso. Quer dizer, é imprescindível poder conhecer as chaves do conteúdo para
poder melhorar sua utilização. Como podemos constatar, para melhorar nossa
habilidade de escrever, não basta escrever muito, embora seja uma condição
imprescindível; possuir um instrumento de análise e reflexão - a morfossintaxe
- ajudará muito a melhorar nossas capacidades como escritores, sempre que
saibamos, quer dizer, que tenhamos aprendido a utilizar estes recursos em nosso
processo de escrita. Esta consideração nos permite atribuir importância, por um
lado, aos componentes teóricos dos conteúdos procedimentais a serem aprendidos
e, por outro, à necessidade de que estes conhecimentos estejam em função do
uso, quer dizer, de sua funcionalidade. Não se trata apenas de conhecer o marco
teórico, o nível de reflexão, como é preciso fazer esta reflexão sobre a
própria atuação. Isto supõe exercitar-se, mas com o melhor suporte reflexivo,
que permita analisar nossos atos e, portanto, melhorá-los. Assim, pois, é
preciso ter um conhecimento significativo dos conteúdos conceituais associados
ao conteúdo procedimental que se exercita ou se aplica.
• A aplicação em contextos
diferenciados se baseia no fato de que aquilo que aprendemos será mais útil na
medida em que podemos utilizá-lo em situações nem sempre previsíveis. Esta
necessidade obriga que as exercitações sejam tão numerosas quanto for possível
e que sejam realizadas em contextos diferentes para que as aprendizagens possam
ser utilizadas em qualquer ocasião. Esta afirmação, também bastante evidente,
não é uma fórmula comum em muitas propostas de ensino. Seguidamente, observamos
que a aprendizagem de algumas estratégias ou técnicas se realiza mediante exercitações
exaustivas, sem variar muito seu contexto de aplicação. Isto é frequente em
muitas estratégias cognitivas que trabalham insistentemente num único tipo de
atividade ou numa área específica. Chega-se a pensar que, pelo fato de se
aprender uma habilidade em condições determinadas, esta será transferível para
outros contextos quase mecanicamente. Neste sentido, é sintomático o discurso
que considera quase como imediata a transferência das capacidades de
“raciocínio" da matemática: aquele que sabe raciocinar em matemática será
capaz de fazê-lo em qualquer circunstância .
A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS
ATITUDINAIS
O termo, conteúdos atitudinais
engloba uma série de conteúdos que por sua vez podemos agrupar em valores,
atitudes e normas. Cada um destes grupos tem uma natureza suficientemente
diferenciada que necessitará, em dado momento, de uma aproximação específica.
Entendemos por valores os
princípios ou as ideias éticas que permitem às pessoas emitir um juízo sobre as
condutas e seu sentido. São valores: a solidariedade, o respeito aos outros, a
responsabilidade, a liberdade, etc.
» A atitudes são tendências ou
predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira.
São a forma como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com valores
determinados. Assim, são exemplos de atitudes: cooperar com o grupo, ajudar os
colegas, respeitar o meio ambiente, participar das tarefas escolares, etc.
• As normas são padrões ou
regras de comportamento que devemos seguir em determinadas situações que
obrigam a todos os membros de um grupo social. As normas constituem a forma
pactuada de realizar certos valores compartilhados por uma coletividade e
indicam o que pode se fazer e o que não pode se fazer neste grupo. Como podemos
notar, apesar das diferenças, todos estes conteúdos estão estreitamente
relacionados e têm em comum que cada um deles está configurado por componentes
cognitivos (conhecimentos e crenças), afetivos (sentimentos e preferências) e
condutuais (ações e declarações de intenção). Mas a incidência de cada um
destes componentes se dá em maior ou menor grau segundo se trate de um valor,
uma atitude ou uma norma.
Consideramos que se adquiriu
um valor quando este foi interiorizado e foram elaborados critérios para tomar
posição frente àquilo que deve se considerar positivo ou negativo, critérios
morais que regem a atuação e a avaliação de si mesmo e dos outros. Valor que
terá um maior ou menor suporte reflexivo, mas cuja peça-chave é o componente
cognitivo.
Aprendeu-se uma atitude quando
a pessoa pensa, sente e atua de uma forma mais ou menos constante frente ao
objeto concreto a quem dirige essa atitude. Estas atitudes, no entanto, variam
desde disposições basicamente intuitivas, com certo grau de automatismo e escassa
reflexão das razões que as justificam, até atitudes fortemente reflexivas,
fruto de uma clara consciência dos valores que as regem.
Podemos dizer que se aprendeu
uma norma em diferentes graus: num primeiro grau, quando se trata de uma
simples aceitação, embora não se entenda a necessidade de cumpri-la (além da
necessidade de evitar uma sanção); em segundo grau, quando existe uma
conformidade que implica certa reflexão sobre o que significa a norma e que
pode ser voluntária ou forcada; e em último grau, quando se interiorizaram as
normas e se aceitam como regras básicas de funcionamento da coletividade que
regem.
As características
diferenciadas da aprendizagem dos conteúdos atitudinais também estão
relacionadas com a distinta importância dos componentes cognitivos, afetivos ou
condutuais que contém cada um deles. Assim, os processos vinculados à
compreensão e elaboração dos conceitos associados ao valor, somados à reflexão
e tomada de posição que comporta, envolvem um processo marcado pela necessidade
de elaborações complexas de caráter pessoal. Ao mesmo tempo, a vinculação
afetiva necessária para que o que se compreendeu seja interiorizado e
apropriado implica a necessidade de estabelecer relações afetivas, que estão
condicionadas pelas necessidades pessoais, o ambiente, o contexto e a
ascendência das pessoas ou coletividades que promovem a reflexão ou a
identificação com os valores que se promovem. Esta vinculação afetiva ainda é
maior quando nos fixamos nas atitudes, já que muitas delas são o resultado ou o
reflexo das imagens, dos símbolos ou experiências promovidas a partir de
modelos surgidos dos grupos ou das pessoas às quais nos sentimos vinculados. As
atitudes de outras pessoas significativas intervêm como contraste e modelo para
as nossas e nos persuadem ou nos influenciam sem que em muitos casos façamos
uma análise reflexiva. Em termos gerais, a aprendizagem dos conteúdos
atitudinais supõe um conhecimento e uma reflexão sobre os possíveis modelos,
uma análise e uma avaliação das normas, uma apropriação e elaboração do
conteúdo, que implica a análise dos fatores positivos e negativos, uma tomada
de posição, um envolvimento afetivo e uma revisão e avaliação da própria
atuação.
Conclusões
No primeiro capítulo
apresentei um quadro que relacionava as diferentes variáveis que configuram a
prática educativa com os modelos teóricos dos métodos e os referenciais que
determinam as tomadas de decisão. Neste quadro se situavam os dois referenciais
básicos para a análise da prática, mas sem identificá-los. Em relação com esta,
e em termos genéricos, o modelo educativo denominado tradicional marcou e
condicionou a forma de ensinar ao longo dos diversos séculos e chegou a nossos
dias num estado de saúde bastante bom. Se completamos o quadro da página
seguinte (Quadro 2.3) relacionando-o com este modelo, dando resposta às
perguntas que determinam ambos os referenciais, veremos que teríamos que situar
como função fundamental do ensino a seletiva e propedêutica, e que sua
realização estaria em concordância com determinados objetivos que dão
prioridade às capacidades cognitivas acima das demais. Portanto, os conteúdos
prioritários que daí decorrem seriam basicamente conceituais. Se nos situamos
em outro referencia], a concepção da aprendizagem, veremos que tem uma interpretação
principalmente acumulativa, e que os critérios que decorrem são os de um ensino
uniformizador e essencialmente transmissivo.
Se prosseguimos com a leitura
do quadro e tentamos responder às diferentes variáveis que se deduzem da
combinação de ambos os referenciais, poderemos chegar a um modelo teórico cuja sequência
de ensino/ aprendizagem deve ser, logicamente, a aula magistral, já que é a que
corresponde de maneira mais apropriada aos objetivos de caráter cognitivo e aos
conteúdos conceituais, e à concepção da aprendizagem como processo acumulativo
através de propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras. Sob esta
concepção, as relações interativas podem se limitar às uni direcionais
professor/aluno, de caráter diretivo. Uma vez que a forma de ensino é
transmissora e uniformizadora, os tipos de agrupamentos podem se circunscrever
a atividades de grande grupo. Pelo mesmo motivo, a distribuição do espaço pode
se reduzir à convencional de uma sala por grupo, com uma organização por fileiras
de mesas ou classes.
A resposta é muito mais
complexa e obriga a interpretar as características das diferentes variáveis de
maneira muito mais flexível. Não existe uma única resposta. Posto que a
importância relativa dos diferentes objetivos e conteúdos, as características
evolutivas e diferenciais dos alunos e o próprio estilo dos professores podem variar,
a forma de ensino não pode se limitar a um único modelo. Assim, pois, a busca
do "modelo único", do "método ideal" que substitui o modelo
único tradicional não tem nenhum sentido. A resposta não pode se reduzir a
simples determinações gerais. É preciso introduzir, em cada momento, as ações
que se adaptem às novas necessidades formativas que surgem constantemente,
fugindo dos estereótipos ou dos apriorismos. O objetivo não pode ser a busca da
"fórmula magistral", mas a melhora da prática. Mas isto não será
possível sem o conhecimento e uso de alguns marcos teóricos que nos permitam levar
a cabo uma verdadeira reflexão sobre esta prática, que faça com que a
intervenção seja o menos rotineira possível; que
atuemos segundo um pensamento estratégico que faça com que nossa intervenção
pedagógica seja coerente com nossas intenções e nosso saber profissional. Tendo
presente. este objetivo, nos capítulos seguintes farei um exame das diferentes
variáveis metodológicas e analisaremos como podem ir se configurando de
diferente forma segundo os papéis e as funções que atribuímos em cada momento
ao ensino, sob uma concepção construtivista do ensino e da aprendizagem.
Antoni Zabala - A Prática de Ensino