1. A DITADURA CIVIL-MILITAR NO BRASIL (1964-1985)
Com a deposição do presidente João Goulart e a ascensão dos militares ao poder, o Brasil viveu uma época na qual as liberdades e os direitos políticos foram suspensos. A ditadura civil-militar brasileira vigorou de 1964 a 1985. Logo após o golpe de Estado, em 1964, os militares impuseram um regime ditatorial que se estendeu por mais de vinte anos.
Durante os 21 anos desse regime, os cidadãos brasileiros foram impedidos de escolher seus representantes para os principais cargos do Poder Executivo. As eleições para presidente da República, governadores dos estados, prefeitos das capitais e de municípios considerados áreas de segurança nacional passaram a ser feitas de maneira indireta, e os escolhidos eram, em geral, civis que apoiavam o regime. Nesse período, o país teve cinco presidentes, todos eles generais indicados pelo Exército e eleitos também indiretamente, sem disputar o cargo com qualquer outro adversário.
Muitas pessoas que faziam oposição ao regime foram presas e torturadas, várias delas foram mortas e outras tiveram de se exilar para sobreviver. A imprensa e as manifestações culturais, como o teatro, o cinema, a música e a literatura, também foram cerceadas, sendo muitas vezes submetidas à censura prévia.
O plano político é marcado pelo autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela imposição de censura prévia aos meios de comunicação. Na economia, há uma rápida diversificação e modernização da indústria e serviços, sustentada por mecanismos de concentração de renda, endividamento externo e abertura ao capital estrangeiro. A inflação é institucionalizada através de mecanismos de correção monetária e passa a ser uma das formas de financiamento do Estado. Acentuam-se as desigualdades e injustiças sociais.
A partir do governo do general Humberto de Alencar Castello Branco, entre 1964 e 1967, houve, basicamente, duas estratégias: repressão sistemática e violenta aos que se opunham ao golpe e Atos Institucionais (AI), decretos com força de lei expedidos pelo Poder Executivo que, gradativamente, davam mais poder aos militares e limitavam as liberdades políticas e civis no Brasil.
Primeiros tempos (1964-1968)
Entre as primeiras medidas da ditadura esteve a organização de uma rede de informações voltadas ao controle, repressão e censura aos oposicionistas e à proibição de estes participarem da vida política.
Em 1965, os partidos políticos foram encerrados e instaurou-se o bipartidarismo. Assim, os políticos que apoiavam a ditadura – grande parte deles oriundos da antiga União Democrática Nacional (UDN) – uniram-se em torno da Aliança Nacional Renovadora (Arena); e os da oposição, em torno do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Ao adotar o bipartidarismo, visava-se dar um verniz democrático ao regime, uma vez que ele parecia acolher posições políticas divergentes no Legislativo.
O golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart e colocou os militares no poder foi um ato que violou a Constituição em vigor. Para legitimar o regime então instalado, o comando militar criou o regulamento que ficou conhecido como ato institucional.
Os atos institucionais (AIs) eram decretos que permitiam ao governo modificar leis, sem que tal decisão passasse pela aprovação do Congresso, como ocorre em uma democracia. Por meio desses atos, o governo procurava criar embasamento legal para suas decisões autoritárias.
Com base no argumento de que os atos institucionais tinham por objetivo combater a corrupção e a subversão, entre 1964 e 1969 foram decretados 17 atos institucionais, bem como 104 atos complementares, que garantiram ao regime amplos poderes para interferir nos poderes Legislativo e Judiciário e conduzir a política nacional.
Os primeiros Atos Institucionais
Nos primeiros anos do regime ditatorial, três importantes Atos Institucionais foram impostos:
• AI-1: Decretado por uma junta militar em 9 de abril de 1964, estabeleceu eleições indiretas para a escolha de um presidente temporário. Assim, Castello Branco foi eleito pelo Congresso Nacional e permaneceu no poder até 1967. O AI-1 permitiu a cassação de mandatos de vereadores, deputados e senadores e a suspensão de direitos políticos de muitos cidadãos.
• AI-2: Instituído por Castello Branco em 1965, determinou a extinção dos partidos políticos tradicionais, eleições indiretas para a Presidência da República e a instauração do bipartidarismo, ou seja, a imposição de apenas duas organizações partidárias: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido do governo; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o único partido de oposição autorizado.
• AI-3: Estabeleceu eleições indiretas para governadores e vice-governadores e a nomeação de prefeitos das capitais pelos respectivos governadores.
Os anos iniciais do governo militar foram de relativa tranquilidade no cenário político, visto que boa parte da população apoiou o golpe e se acreditava que esse governo seria provisório. Contudo, o vislumbre da permanência dos militares no poder e o aumento da repressão aos adversários levaram ao surgimento de movimentos que reagiram ao autoritarismo do governo. Diante disso, os militares passaram a perseguir diversos grupos opositores e políticos que se opuseram à implantação da ditadura, com medidas como cassação de mandatos.Entre eles estavam o ex-presidente João Goulart, o deputado federal Leonel Brizola e o economista Celso Furtado.
A oposição se fortalece
Setores variados da população reagiram ao autoritarismo implantado. Entre os estudantes, por exemplo, era forte o descontentamento com o governo. Nos sindicatos, começaram a surgir líderes contrários ao autoritarismo e à política de arrocho salarial do governo.
Diversos filmes e peças de teatro faziam constantes críticas ao regime. Na música popular, as manifestações contrárias ao governo eram ainda mais fortes. Mesmo sujeitos à censura e ao controle, muitos artistas produziram canções que criticavam abertamente as ações do regime.
A consolidação do sistema repressivo
Em 1964, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), cuja função era reunir e analisar informações sobre adversários do regime. Havia agentes do SNI infiltrados em diversas instituições privadas e públicas, como escolas, redações de jornais, sindicatos e universidades. Muitos opositores, que corriam o risco de ser presos, torturados ou exilados, foram perseguidos por esse órgão, que os acusava de subversão.
Em 1967, o governo criou a Lei de Imprensa, que implantou a censura e limitou a liberdade de expressão e de informação nos meios de comunicação; e a Lei de Segurança Nacional, que permitia julgar e reprimir, com o apoio da Justiça Militar, qualquer manifestação particular ou coletiva, como comícios, reuniões ou assembleias de categorias profissionais ou estudantis, consideradas ameaças à ordem política e social.
Em março de 1967, entrou em vigor no Brasil uma Constituição que ampliou os poderes do presidente da República e incorporou as determinações dos Atos Institucionais, o que legitimou as ações do Regime Militar desde 1964. Essa Constituição institucionalizou a Ditadura Civil-Militar no país.
Ainda em 1967, o general Arthur da Costa e Silva sucedeu a Castello Branco na Presidência da República. Costa e Silva representava um grupo das Forças Armadas conhecido como “linha dura”, mais radical e hostil às lideranças civis que o grupo ligado ao ex-presidente Castello Branco, os chamados “castelistas”. Uma das diferenças entre os dois grupos estava na questão da perseguição e punição aos chamados “inimigos da Revolução”. Para os “castelistas”, as punições deveriam ser rápidas e pontuais. Já para os militares da “linha dura”, as punições deveriam ser abrangentes e durar o tempo que fosse necessário para “limpar” o país dos opositores do novo regime.
1968: luta democrática e repressão
O ano de 1968 foi marcado por amplas manifestações contra as práticas autoritárias dos militares. Nas ruas, as passeatas contra o regime, articuladas principalmente pelo movimento estudantil, começaram a reunir milhares de pessoas.
Os estudantes exigiam a volta da democracia e a melhoria na qualidade do ensino. As greves operárias também reapareceram, e milhares de trabalhadores cruzaram os braços para reivindicar reajuste salarial e liberdade política.
Um dos fatos marcantes da violência desse período foi a morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos, em março de 1968. Durante a repressão a uma reunião para organizar uma passeata, a polícia invadiu o restaurante estudantil Calabouço, onde Edson Luís estava, e o atingiu com um tiro no peito. Além dele, os disparos acertaram Benedito Frazão Dutra, que também morreu, e seis outros jovens, que ficaram feridos.
Em junho, como resposta à violência do regime contra os estudantes, ocorreu a “Passeata dos Cem Mil” no centro do Rio de Janeiro. Participaram dessa manifestação artistas, políticos, trabalhadores e estudantes. Meses depois, mais de seiscentos estudantes reunidos no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, São Paulo, foram surpreendidos e presos pela polícia.
Os anos de chumbo (1969-1978)
As manifestações contra a Ditadura Civil-Militar se multiplicavam, os militares aumentaram a repressão aos opositores. Em setembro de 1968, ainda no período do Governo Costa e Silva, o deputado federal Márcio Moreira Alves, do MDB, fez um discurso conclamando a população a não comparecer à parada militar de 7 de setembro, em repúdio à ditadura. Após seu discurso, os generais exigiram sua cassação, mas o Congresso não acatou a ordem. Em seguida, o presidente Costa e Silva decretou o AI-5, símbolo maior do autoritarismo militar.
O decreto do AI-5 autorizava o presidente da República a fechar o Congresso Nacional, legislar sobre qualquer assunto e intervir em estados e municípios, demitir juízes e decretar estado de sítio. Permitia ainda que o presidente suspendesse os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos, cassasse mandatos de deputados e senadores e estabelecesse censura prévia às manifestações culturais e à imprensa.
O AI-5 também proibia o habeas corpus aos presos políticos e determinava que as decisões do governo, baseadas nesse ato institucional, não podiam ser discutidas na Justiça. Era, assim, um instrumento que impedia a manifestação dos que discordavam do governo e aumentava a perseguição contra eles.
Muitos oposicionistas tiveram de deixar o país e se exilar. Entre essas pessoas estavam artistas, professores, intelectuais, políticos, estudantes etc. Outros, principalmente os mais jovens, passaram a fazer parte de grupos clandestinos que combatiam a ditadura por meio da luta armada. Isso deu origem a diversas organizações guerrilheiras, chamadas de organizações terroristas pelos militares.
Em agosto de 1969, Costa e Silva foi afastado da Presidência por motivos de saúde e, após o breve governo de uma junta militar, o general Emílio Garrastazu Médici assumiu o cargo em dezembro. Em seu mandato, que terminou em 1974, Médici consolidou os chamados Anos de Chumbo da Ditadura Civil-Militar.
A resistência armada
Com o aumento da violência após a decretação do AI-5, o fechamento dos canais de participação política e o consequente enfraquecimento dos movimentos estudantil e operário, muitos ativistas recorreram à luta armada para combater o regime ditatorial e defender a implantação do socialismo.
Inspirados em experiências ocorridas em outros países, como a Revolução Cubana, os guerrilheiros urbanos brasileiros, dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em sua maioria, uniram-se em organizações como a Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderada pelo ex-deputado Carlos Marighella; a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), liderada pelo ex-capitão Carlos Lamarca; e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Eles sequestravam diplomatas, roubavam carros, assaltavam bancos para financiar a guerrilha e produziam documentos falsos para viabilizar a fuga dos militantes perseguidos pelo regime.
A Guerrilha do Araguaia foi uma guerrilha rural organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e foi assim chamada porque se formou em uma região ao longo do Rio Araguaia, na divisa dos estados do Pará, Goiás (na região que hoje pertence a Tocantins) e Maranhão. Em pontos isolados, cerca de sessenta guerrilheiros procuraram desenvolver focos revolucionários, e para isso buscaram obter apoio da população camponesa. Eles estocavam armas e munições, além de abrigar pessoas perseguidas pela ditadura. Para combater esse movimento, o governo militar enviou para a região uma grande tropa de soldados, que assassinaram 59 militantes, além de um número ainda desconhecido de moradores que supostamente apoiavam a guerrilha.
O aumento da repressão
Em resposta às ações de guerrilha, o governo endureceu a repressão. Para isso, criou órgãos encarregados de desmantelar os grupos de esquerda, armados ou não, e prender seus integrantes.
Nesse momento, a Ditadura Civil-Militar unificou as ações de diversos órgãos repressivos. A Operação Bandeirantes (Oban), centro de informações e investigações estabelecida em São Paulo desde 1969 e apoiada financeiramente por empresários brasileiros e estrangeiros, integrava as Forças Armadas, a polícia militar, a polícia federal e a polícia civil. Seu principal objetivo era centralizar e coordenar as atividades de combate ao que os militares chamavam de “subversão” e “terrorismo”.
A estrutura da Oban serviu de modelo para a criação do Departamento de Operações de Informações (DOI) e do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) em diversas capitais do país. As atividades principais do DOI-Codi eram a prisão e o interrogatório de militantes da esquerda, ligados ou não à resistência armada. Esses órgãos se transformaram nos principais centros de tortura do Regime Militar.
Assim, os grupos guerrilheiros, após uma fase inicial de organização da resistência, foram duramente reprimidos pela ditadura. Muitos militantes morreram em sessões de tortura, outros em confrontos com a polícia, outros ainda foram dados como desaparecidos. Seus familiares também eram vítimas do regime, que os torturava em troca de informações que muitas vezes não tinham. Organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que 210 militantes presos nessa época nunca mais foram vistos; entre eles, 191 foram oficialmente declarados mortos.
Toda essa violência acabou por desmantelar não só os grupos de luta armada, mas também as organizações de esquerda que haviam optado por não pegar em armas naquele momento. No começo dos anos 1970, nenhum desses grupos
estava em condições de prosseguir em seu combate à ditadura.
Segundo os militares, as ações dos grupos guerrilheiros também provocaram diversas mortes. De acordo com dados das Forças Armadas, os confrontos com os militantes acarretaram a morte de 126 agentes do governo, entre militares e civis.
O “Brasil potência”, censura e repressão
Com a censura aos meios de comunicação, o governo militar impedia que jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão publicassem notícias contrárias a seus interesses. Ao mesmo tempo, fazia uso intenso da propaganda para divulgar sua ideologia e exaltar o regime e suas realizações.
Dessa forma, a ditadura procurava isolar os opositores do regime, denunciando-os como inimigos do Brasil. Um dos slogans mais repetidos nessa época era: “Brasil, ame-o ou deixe-o.”, como se amar o país fosse apoiar o governo.
O governo militar procurava acobertar a repressão e a violência do período com a divulgação, em todos os canais de comunicação, das altas taxas de crescimento econômico do país. Essa propaganda transmitia a ideia de que o Brasil tinha encontrado um caminho de desenvolvimento e progresso.
As conquistas esportivas, sobretudo no futebol, também serviram como propaganda política pelo Regime Militar. A conquista do tricampeonato pela Seleção Brasileira de Futebol na Copa de 1970 provocou no país uma forte onda ufanista. A canção “Pra frente Brasil”, de Miguel Gustavo, fez muito sucesso.
O presidente de então, Emílio Garrastazu Médici, recebeu em festa os atletas em Brasília, com o objetivo de vincular a conquista dos jogadores ao governo.
O “milagre econômico”
Entre 1968 e 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu, em média, 11,2%, taxa bem maior que a de 4,2%, entre os anos de 1964 e 1967.
Isso foi possível em razão dos seguintes fatores:
• Entrada de capital estrangeiro com a instalação crescente de empresas transnacionais.
• Baixa tarifa de importação de equipamentos para produção de produtos intermediários.
• Expansão do crédito à agricultura, o que possibilitou a mecanização da agricultura e o aumento da produção industrial de tratores e caminhões.
• Incentivo às exportações, com isenções de impostos e crédito facilitado.
• Investimento na construção de rodovias, como a Transamazônica, grandes obras de infraestrutura, como a Rio-Niterói, portos e moradia popular, o que aumentou a produção de cimento e diversos materiais de construção.
Grande parte da propaganda do governo alardeava o crescimento econômico e a realização de obras, como a rodovia Transamazônica, que atravessava parte da região Norte, e a ponte Rio-Niterói, que foi construída na época e é usada ainda hoje. Era a época do “Brasil grande”. Esse clima de exaltação da ditadura foi favorecido pela vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1970 e pela comemoração do Sesquicentenário (150 anos) da Independência do Brasil.
O rápido crescimento econômico do país entre 1967 e 1973 foi chamado por entusiastas do regime de milagre econômico. Os índices resultavam da ampliação de investimentos internacionais no país, da intervenção do Estado em setores importantes da economia e da redução de salários. No entanto, a realidade não era tão positiva como o governo queria fazer parecer, já que o “milagre econômico” foi combinado a uma forte concentração de renda (aumento da desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres).
Entretanto, a maioria dos brasileiros não foi beneficiada por esse “milagre econômico”. O crédito rural, por exemplo, foi concedido aos grandes proprietários de terras, e o arrocho salarial impedia o aumento real dos salários e prejudicou as camadas mais pobres da população. A concentração de renda aumentou na mesma medida em que reforçou as disparidades regionais e a desigualdade social.
No campo, o aumento da concentração de terras resultou na migração de muitos trabalhadores rurais sem-terra para as cidades. Entretanto, não havia habitações para todos nos centros urbanos e, consequentemente, milhares de trabalhadores passaram a morar em casas improvisadas e precárias nas periferias e em favelas.
Além disso, a industrialização e os grandes investimentos em infraestrutura foram feitos graças a empréstimos externos junto a bancos e instituições internacionais. Com isso, quando o cenário externo mudou, a expansão econômica sofreu forte redução.
Em 1973, a inflação voltou a crescer, e a dívida externa, que em 1966 era de 4,5 bilhões de dólares, tinha aumentado para 12,6 bilhões de dólares, ou seja, o “milagre” não durou muito. A riqueza construída permaneceu concentrada nas mãos de poucos. Nesse ano ocorreu uma grave crise econômica mundial em razão do aumento do preço do petróleo, que atingiu os países dependentes de empréstimos externos, como o Brasil.
A inflação e a mobilização popular
No final de 1973, os preços internacionais do petróleo dispararam por iniciativa dos grandes países produtores. Isso afetou a economia mundial. No Brasil, como os salários continuavam controlados, o aumento dos preços das mercadorias reduziu significativamente o poder de compra da população. O país entrou em uma recessão. Era o fim do “milagre econômico”.
Esse cenário, no entanto, não impedia que os órgãos de segurança do governo continuassem a reprimir violentamente os grupos de oposição. Em outubro de 1975, o jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog foi assassinado em um quartel do Exército, na cidade de São Paulo. Em janeiro do ano seguinte, outro assassinato sob tortura ocorreu também em São Paulo. Dessa vez, a vítima foi o operário Manuel Fiel Filho, acusado de ser comunista.
Apesar da repressão e dos desaparecimentos de grupos de oposição ao governo, nos anos de 1976 e 1977, estudantes universitários retomaram a mobilização estudantil contra o regime. Nos anos seguintes, entre 1978 e 1979, ocorreram importantes greves operárias por todo o Brasil, e as de maior repercussão foram organizadas na região do ABC paulista. Diante da pressão, o governo foi obrigado a fazer reformas e concessões que favoreceram o processo de redemocratização do país.
Desde 1975 já vinha ganhando força no Brasil um movimento reivindicando a anistia dos presos e exilados políticos brasileiros. As articulações em torno dessa ideia surgiram em 1975, com a formação do Movimento Feminino pela Anistia (MFA), liderado pela advogada e ativista Therezinha Zerbini. Aos poucos, a campanha espalhou-se pelo país.
A pressão popular deu resultado e, em 1979, o Congresso aprovou uma lei que anistiou tanto os presos políticos quanto as pessoas cassadas e perseguidas pela ditadura. Cerca de dez mil exilados retornaram ao Brasil ao mesmo tempo que presos políticos foram postos em liberdade.
Em contrapartida, a lei da Anistia perdoou também os agentes da ditadura envolvidos em assassinatos e torturas de presos políticos.
As Diretas Já
Ainda em 1979, o Congresso Nacional aprovou o fim do bipartidarismo e cinco novos partidos se formaram logo em seguida. Alguns setores da ditadura eram contrários ao processo de redemocratização; por isso, decidiram utilizar estratégias terroristas para enfraquecer a oposição, promovendo atentados. Apesar disso, a luta pela redemocratização do país não se deteve, e surgiu o movimento Diretas Já.
Esse movimento suprapartidário teve início em 1983, período em que partidos de oposição organizaram uma campanha por eleições diretas para presidente. Ganhou força em 1984, quando foram realizados comícios dos quais participaram milhões de pessoas, em todo o Brasil, em defesa da redemocratização.
Nesse contexto, a oposição apresentou no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional destinada a restabelecer as eleições diretas para presidente. No entanto, tal iniciativa foi derrotada em abril de 1984. Dessa forma, a escolha do presidente continuaria a ser feita pelo Colégio Eleitoral, órgão formado por deputados e senadores. A eleição indireta para presidente estava marcada para janeiro de 1985. Com a derrota das Diretas Já, a oposição escolheu o político mineiro Tancredo Neves, do PMDB, como seu candidato.
Para vice na chapa oposicionista, foi escolhido José Sarney, que havia sido presidente da Arena, partido que apoiara a ditadura, mas que então se alinhava com a oposição. O candidato do PDS, partido do governo, era Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo.
Mudanças sociais ao longo do governo militar
Ao longo dos 21 anos em que vigorou a Ditadura Civil-Militar, a sociedade brasileira passou por importantes transformações. Uma delas foi a vertiginosa urbanização. A mecanização da agricultura reduziu os postos de trabalho no campo, enquanto a industrialização e o crescimento do setor de serviços aumentaram o número de vagas nos centros urbanos, com grande deslocamento populacional do campo para as maiores cidades do país, sobretudo aquelas do Sudeste, região mais rica e mais industrializada do país.
A transformação do país em uma sociedade predominantemente urbana foi acompanhada de alguns problemas, como:
• aumento das disparidades regionais: o crescimento econômico concentrou-se no Centro-Sul em detrimento do Norte e do Nordeste;
• crescimento desordenado das metrópoles: as cidades não foram preparadas (infraestrutura, moradia, hospitais e escolas) para o elevado aumento populacional, o que resultou no aparecimento de assentamentos precários e de favelas.
O resultado dessas transformações pode ser visto no censo de 1970, que retratou a sociedade brasileira como majoritariamente urbana.
A repressão à população indígena
Desde o início do século XX, os governos brasileiros adotaram políticas agressivas contra as populações indígenas, buscando intervir em seus modos de vida para utilizar suas terras. Essa política foi intensificada pela ditadura civil-militar brasileira.
O modelo de crescimento econômico da Ditadura Civil-Militar incentivou investimentos nas regiões Amazônica e Centro-Oeste e causou forte impacto em sua estrutura fundiária, natural e social.
O desmatamento das florestas e do Cerrado criou condições para a criação de gado, as atividades de mineração, a construção de grandes hidrelétricas e indústrias siderúrgicas, o aumento das plantações de soja e de outros produtos agrícolas. Essas atividades, entretanto, causaram perda de terras naturais, deslocamentos populacionais forçados e mudanças radicais no modo de vida das comunidades indígenas e quilombolas da região. Afinal, como continuar vivendo da caça, da pesca e da agricultura de subsistência em terras inférteis, desmatadas, sem rios ou animais?
Em 1967, foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo de garantir a “pacificação” de grupos indígenas que ameaçavam o avanço das atividades econômicas na Amazônia.
Além disso, o órgão deveria organizar aldeamentos retirando os grupos indígenas de suas terras a fim de dar lugar ao avanço das fronteiras agrícolas, transformando esses indígenas em mão de obra acessível.
O resultado dessa política foi desastroso. Muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras e outras dizimadas após o contato com as expedições governamentais. Um exemplo desse impacto foi o caso da população araweté, que vivia nas margens do Rio Xingu. Em 1976, cerca de 200 pessoas formavam esse grupo. Com as obras da Transamazônica e a ocupação da região, 73 indígenas morreram por causa de doenças e da fome.
A resistência quilombola e indígena
Como forma de resistência, diversos povos indígenas se organizaram e exigiram o direito de permanecer em suas terras, contestando o modelo desenvolvimentista da ditadura em curso. Esse ato sensibilizou políticos e outros membros da sociedade brasileira, que passaram a se preocupar com a situação indígena e iniciaram investigações sobre as arbitrariedades cometidas na região amazônica. Todo esse movimento possibilitou a criação de leis que reconheceram os direitos indígenas de permanecer em suas terras, especialmente após a redemocratização do país.
Em 1974, realizou-se, em Diamantino (MT), uma grande assembleia de povos indígenas para discutir suas lutas e demandas. Depois desse primeiro encontro, muitos outros ocorreram e essa mobilização resultou na criação da União das Nações Indígenas (UNI), em 1980. Essa organização indígena é considerada a primeira a ter caráter nacional e cumpriu papel fundamental, ao final da ditadura, no processo de elaboração de uma nova Constituição em 1988.
Durante a Ditadura Civil-Militar, muitas etnias indígenas foram vítimas de graves violações de direitos humanos. Mais de 8 mil indígenas foram mortos entre 1964 e 1985 em massacres, invasões de terras, remoções forçadas, contágio por doenças, prisões e torturas.
2. Os governos militares (1964-1985)
Com a deposição de João Goulart, o presidente da Câmara Federal, Ranieri Mazzilli, assume formalmente a Presidência e permanece no cargo até 15 de abril de 1964. Na prática, porém, o poder é exercido pelos ministros militares de seu governo: brigadeiro Correia de Melo, da Aeronáutica, almirante Augusto Rademaker, da Marinha, e general Arthur da Costa e Silva, da Guerra. Nesse período é instituído o Ato Institucional no 1 (AI-1).
AI-1 – Os atos institucionais são mecanismos adotados pelos militares para legalizar ações políticas não previstas e mesmo contrárias à Constituição. De 1964 a 1978 são decretados 16 atos institucionais e complementares que transformam a Constituição de 1946 em uma colcha de retalhos. O AI-1, de 9 de abril de 1964, transfere o poder político aos militares, suspende por dez anos os direitos políticos de centenas de pessoas, entre elas os ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros, governadores, parlamentares, líderes sindicais e estudantis, intelectuais e funcionários públicos. As cassações de mandatos alteram a composição do Congresso e intimidam os parlamentares.
Governo Castello Branco
Em 11 de abril de 1964, o Congresso elege para presidente o chefe do Estado-maior do Exército, marechal Humberto de Alencar Castello Branco.
Empossado em 15 de abril de 1964, governa até 15 de março de 1967. Usa atos institucionais e emendas constitucionais como instrumentos de repressão: fecha associações civis, proíbe greves, intervém em sindicatos, cassa mandatos de políticos, entre eles o do ex-presidente Kubitschek, em 8 de junho de 1964. No dia 13 de junho cria o Serviço Nacional de Informações (SNI). Em 27 de outubro o Congresso aprova a Lei Suplicy, que extingue a UNE e as uniões estaduais de estudantes. O novo governo assina com os EUA o acordo MEC-Usaid, com o objetivo de reestruturar a educação pública no país. Em 18 de outubro de 1965 manda invadir e fechar a Universidade de Brasília pela polícia militar.
A linha dura
As ações repressivas do governo são estimuladas por grande parte dos oficiais do Exército, principalmente pelos coronéis. A chamada "linha dura" defende a pureza dos princípios "revolucionários" e a exclusão de todo e qualquer vestígio do regime deposto. Usando de pressões, conseguem que o Congresso aprove várias medidas repressivas. A emenda das inelegibilidades, por exemplo, aprovada em 1965 antes das eleições para governadores, transforma em inelegíveis alguns candidatos que desagradam aos militares. Uma das maiores vitórias da linha dura é a permissão dada à Justiça Militar para julgar civis pelos chamados "crimes políticos".
AI-2 – Em 27 de outubro de 1965 Castello Branco edita o AI-2: dissolve os partidos políticos e confere ao Executivo poderes para cassar mandatos e decretar o estado de sítio sem prévia autorização do Congresso. Estabelece também a eleição indireta para a Presidência da República, transformando o Congresso em Colégio Eleitoral.
Bipartidarismo
O ato complementar no 4, de 24 de novembro de 1965, institui o sistema bipartidário no país. É criada a Aliança Renovadora Naciona (Arena), de apoio ao governo, reunindo integrantes da antiga UDN e do PSD. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) reúne oposicionistas de diversos matizes, entre os que sobraram dos processos de repressão pós-golpe. Como único espaço consentido de oposição, aos poucos, adquire o caráter de uma grande frente política.
AI-3 e AI-4
Prevendo a derrota nas eleições para os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o governo baixa o AI-3, em 5 de fevereiro de 1966: as eleições para governadores passam a ser indiretas. Em novembro de 1966 Castello Branco fecha o Congresso e inicia uma nova onda de cassações de parlamentares. O AI-4, de 7 de dezembro de 1966, atribui poderes constituintes ao Congresso para que aprove o projeto constitucional elaborado pelo ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva.
Constituição de 1967
A sexta Constituição do país e a quinta da República traduz a ordem estabelecida pelo Regime Militar e institucionaliza a ditadura. Incorpora as decisões instituídas pelos atos institucionais, aumenta o poder do Executivo, que passa a ter a iniciativa de projetos de emenda constitucional, reduz os poderes e prerrogativas do Congresso, institui uma nova lei de imprensa e a Lei de Segurança Nacional. A nova Carta é votada em 24 de janeiro de 1967 e entra em vigor no dia 15 de março.
Governo Costa e Silva
O marechal Arthur da Costa e Silva assume em 15 de março de 1967 e governa até 31 de agosto de 1969, quando é afastado do poder por motivo de saúde.
Logo nos primeiros meses de governo enfrenta uma onda de protestos que se espalha por todo o país. O autoritarismo e a repressão recrudescem na mesma proporção em que a oposição se radicaliza. Costa e Silva cria a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).
Movimentos de oposição
Em meados de 1967 é formada a Frente Ampla, movimento de oposição extraparlamentar que reúne líderes do período pré-64, como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Crescem também as manifestações de rua nas principais cidades do país, em geral organizadas por estudantes. Em 1968 o estudante secundarista Edson Luís morre no Rio de Janeiro em um confronto entre policiais e estudantes. Em resposta, o movimento estudantil, setores da igreja e da sociedade civil promovem a passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, a maior mobilização do período contra o Regime Militar. Na Câmara Federal, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, exorta o povo a não comparecer às festividades do Dia da Independência. Os militares exigem sua punição. A Câmara não aceita a exigência. O governo fecha o Congresso e decreta o Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968.
Áreas de segurança
Em 17 de abril de 1968, 68 municípios, inclusive todas as capitais, são transformados em áreas de segurança nacional e seus prefeitos passam a ser nomeados pelo presidente da República.
AI-5 – Mais abrangente e autoritário que todos os outros atos institucionais, o AI-5, na prática, revoga os dispositivos da Constituição de 1967. Reforça os poderes discricionários do regime e concede ao Executivo o direito de determinar medidas repressivas específicas, como decretar o recesso do Congresso, das assembléias legislativas estaduais e das câmaras municipais. O governo pode censurar os meios de comunicação, eliminar garantias de estabilidade do Poder Judiciário e suspender a aplicação do habeas-corpus em caso de crimes políticos. O ato ainda cassa mandatos, suspende direitos políticos e cerceia direitos individuais. Em seguida ao AI-5, o governo Costa e Silva decreta outros 12 atos institucionais e complementares, que passam a constituir o núcleo da legislação do regime. O AI-5 é revogado pela emenda no 11, que entra em vigor em 1º de janeiro de 1979.
Junta militar
A Junta Militar é integrada pelos ministros da Marinha, Augusto Rademaker, do Exército, Lyra Tavares, e da Aeronáutica, Márcio de Sousa e Melo. Governa por dois meses – de 31 de agosto de 1969 até 30 de outubro de 1969. Em 9 de setembro de 1969, decreta, entre outras medidas, o AI-14, que institui a prisão perpétua e a pena de morte em casos de "guerra revolucionária e subversiva"; reforma a Constituição de 1967 e impõe nova lei de segurança nacional. Decreta também a reabertura do Congresso, após dez meses de recesso. Em 25 de outubro de 1969, os parlamentares elegem o general Emílio Garrastazu Medici para a Presidência.
Reforma constitucional
A reforma é elaborada pelo jurista Carlos Medeiros Silva com base em estudos feitos pelo professor de Direito Penal, Pedro Aleixo, e nas normas decretadas pela Junta Militar. Incorpora o AI-5 e os atos institucionais posteriores à Constituição, permite ao presidente decretar estado de sítio e de emergência.
Decurso de prazo
A emenda constitucional no1, de 17 de outubro de 1969, cria a figura do decurso de prazo, artifício usado pelos governos militares para seus decretos-lei junto ao Congresso. Pela emenda, os decretos do governo não votados num prazo de 45 dias entram automaticamente em vigor. Assim, mesmo que os parlamentares governistas sejam minoria no Congresso, basta-lhes não comparecer ao plenário para impedir a formação do quórum necessário às votações.
GOVERNO MEDICI
Emílio Garrastazu Médici assume a Presidência em 30 de outubro de 1969 e governa até 15 de março de 1974. Seu governo fica conhecido como "os anos negros da ditadura".
General Médici em carro aberto
O movimento estudantil, sindical e as oposições estão contidos e silenciados pela repressão policial. O fechamento dos canais de participação política leva uma parcela da esquerda a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. O governo responde com mais repressão. Lança também uma ampla campanha publicitária com o slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o". O endurecimento político é respaldado pelo chamado "milagre econômico": crescimento do PIB, diversificação das atividades produtivas, concentração de renda e o surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo.
Governo Geisel
O general Ernesto Geisel assume a Presidência em 15 de março de 1974 e governa até 15 de março de 1979. Enfrenta dificuldades econômicas que anunciam o fim do "milagre econômico" e ameaçam o Regime Militar.
No final de 1973 a dívida externa contraída para financiar as obras faraônicas do governo atinge US$ 9,5 bilhões. A inflação chega a 34,5% em 1974 e acentua a corrosão dos salários. A crise internacional do petróleo desencadeada em 1973 afeta o desenvolvimento industrial e aumenta o desemprego. Diante desse quadro, Geisel propõe um projeto de abertura política "lenta, gradual e segura". Mas ainda cassa mandatos e direitos políticos. Devido ao expressivo crescimento das oposições nas eleições parlamentares de 1974, promulga a Lei Falcão, que impede o debate político nos meios de comunicação, em 24 de junho de 1976.
Abertura política
O plano para a abertura é atribuído ao ministro-chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva. Apesar de ser definida como "lenta, gradual e segura", repercute negativamente entre os militares de linha dura. Em 20 de janeiro de 1976, o general da linha dura Ednardo d'Ávila Mello é afastado do comando do 2º Exército e substituído pelo general Dilermando Gomes Monteiro. A medida é tomada em conseqüência da morte do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, e do operário Manuel Fiel Filho, em 17 de janeiro de 1976, no interior do DOI-Codi, órgão vinculado ao 2º Exército. Em 12 de outubro de 1977 Geisel exonera o ministro do Exército, general Sylvio Frota, também da linha dura, por sua oposição à liberalização do regime. Desmancha, assim, as articulações do ex-ministro para sucedê-lo na Presidência.
Pacote de Abril
Prevendo nova vitória da oposição nas eleições de 1978, Geisel fecha o Congresso por duas semanas e decreta em abril de 1977 o chamado Pacote de Abril, que altera as regras eleitorais: as bancadas estaduais na Câmara não podem ter mais do que 55 deputados ou menos que seis. Com isso, os Estados do Norte e Nordeste, menos populosos, mas controlados pela Arena, garantem uma boa representação governista no Congresso, contrabalançando as bancadas do Sul e Sudeste, onde a oposição é mais expressiva. O pacote mantém as eleições indiretas para governadores e cria a figura do senador biônico: um em cada três senadores passa a ser eleito indiretamente pelas assembléias legislativas de seus Estados. A emenda também aumenta o mandato do presidente de quatro para seis anos.
Eleições de 1978
Em 15 de outubro de 1978 o MDB apresenta um candidato ao colégio eleitoral, o general Euler Bentes. Recebe 266 votos, contra os 355 votos do candidato do governo, general João Batista Figueiredo. Nas eleições legislativas de 15 de novembro a Arena obtém em todo o país 13,1 milhões de votos para o Senado e 15 milhões para a Câmara e o MDB, 17,4 milhões de votos para o Senado e 14,8 milhões para a Câmara.
Governo Figueiredo
João Baptista Figueiredo assume a Presidência em 15 de março de 1979 e governa até 15 de março de 1985. O crescimento das oposições nas eleições de 1978 acelera o processo de abertura política. Em 28 de agosto de 1979 é aprovada a lei da anistia. No mesmo ano, em 22 de novembro, é aprovada a Lei Orgânica dos Partidos, que extingue a Arena e o MDB e restabelece o pluripartidarismo no país. Cresce também a mobilização popular por eleições diretas para os cargos executivos. Em 13 de novembro de 1980 é aprovada uma emenda constitucional que restabelece as eleições diretas para governadores e acaba com os senadores biônicos, respeitando os mandatos em curso.
Pluripartidarismo
Com o fim do bipartidarismo, os aliados do regime aglutinam-se no Partido Democrático Social (PDS). O MDB transforma-se no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), mas a frente de oposições fragmenta-se. Parte delas abandona a legenda e cria novos partidos. Ressurgem algumas das antigas siglas, como o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que reúne setores do antigo trabalhismo liderados por Ivete Vargas. Em janeiro de 1979 é criado o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado pelo líder metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, reunindo grande parcela do movimento sindical rural e urbano, intelectuais, militantes das comunidades eclesiais de base, setores da esquerda antes abrigada no MDB e também grupos que saem da clandestinidade. O PT é legalizado em 1980 e, nesse mesmo ano, Leonel Brizola funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT), reunindo outra parcela do antigo trabalhismo.
Eleições de 1982
Apesar do crescimento das oposições, o Regime Militar mantém o controle sobre o processo de transição para a democracia. Em 4 de setembro de 1980 uma emenda constitucional prorroga os mandatos dos vereadores e prefeitos e adia por dois anos as eleições para Câmara Federal e Senado, governos estaduais, prefeituras, assembléias estaduais e câmaras de vereadores. Um ano antes das eleições, marcadas para 15 de novembro de 1982, o governo proíbe as coligações partidárias e estabelece a vinculação de voto – o eleitor só poderia votar em candidatos de um mesmo partido. Nas eleições para governadores, as oposições somadas obtêm 25 milhões de votos. O PMDB elege nove governadores e o PDT, um. O PDS obtém 18 milhões de voto mas elege 12 governadores. As oposições crescem nos grandes centros urbanos e ganham espaço nas pequenas e médias cidades.
Diretas-já
Embora a oposição ganhe em número de votos, o Regime Militar mantém o controle do processo político e articula a sucessão do general Figueiredo por meio de eleições indiretas, marcadas para novembro de 1984. No final de 1983, as oposições lançam a campanha por eleições diretas para presidente da República. A primeira manifestação, em 27 de novembro, é organizada pelo PT e reúne cerca de 10 mil pessoas em São Paulo. O movimento cresce rapidamente e aglutina todos os setores oposicionistas. Nas principais cidades do país multidões vão às ruas para pressionar o Congresso a aprovar a emenda Dante de Oliveira, que restabelece as eleições diretas para presidente. As maiores manifestações ocorrem em São Paulo, na praça da Sé, dia 12 de fevereiro de 1984, com 200 mil pessoas; no Rio de Janeiro, a primeira no dia 21 de março, com 300 mil pessoas e, a segunda, dia 10 de abril com 1 milhão; Goiânia, no dia 12 de abril, com 300 mil pessoas; em Porto Alegre, dia 13 de abril, com 150 mil; novamente em São Paulo, no vale do Anhangabaú, com 1,7 milhão; e em Vitória, em 18 de abril, com 80 mil manifestantes.
Emenda Dante de Oliveira
A emenda constitucional apresentada pelo deputado federal Dante de Oliveira vai a plenário no dia 25 de abril: 298 deputados votam a favor, 65 contra, três se abstêm e 113 parlamentares não comparecem ao plenário. Seriam necessários mais 22 votos, que somariam dois terços do total, para a aprovação da emenda.
Eleição de Tancredo Neves
O governador de Minas, Tancredo Neves, apresenta-se como candidato da oposição para disputar a Presidência no Colégio Eleitoral. O PDS lança Paulo Maluf, líder de uma facção do partido. Uma dissidência do PDS, a Frente Liberal, une-se ao PMDB e forma a Aliança Democrática. O senador José Sarney, rompido com o PDS e filiado ao PMDB, é indicado para vice na chapa de Tancredo. O PT recusa-se a comparecer ao Colégio Eleitoral sob o argumento de não compactuar com a farsa das eleições indiretas. Tancredo Neves é eleito em 15 de janeiro de 1985 com 480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf e 26 abstenções. É o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura. Os militares retornam às casernas.