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Censura e repressão na Ditadura

A ditadura militar foi, entre tantos outros fatos notáveis da história do Brasil, o que mais manchou a biografia do nosso país. Este período é marcado pelo despotismo, veto aos direitos estabelecidos pela constituição, opressão policial e militar, encarceramentos e suplício dos oponentes. A censura aos canais de informação e à produção cultural, ou seja, a editoração de livros, a produção cinematográfica e tudo que fosse referente à televisão, foi intensa, tudo era acompanhado muito de perto pelos censores do governo. O objetivo principal era passar à população a ideia de que o país se encontrava na mais perfeita ordem, os jornais foram calados, obrigados a publicarem desde poesias até receitas no lugar das verdadeiras atrocidades pelas quais o país passava.

Contexto político do Brasil – 1964 a 1968

Em abril de 1964 o Brasil se inseriu na pior fase negra já passada pelo país, a ditadura militar, período que durou 21 anos e no qual somente os militares governaram o país. Foi um longo tempo de enfrentamentos políticos e sociais. O projeto político é caracterizado pelo despotismo, pela extinção dos direitos constitucionais, persecução política, encarceramento e longo sofrimento dos opositores, além da determinação da censura aos meios de comunicação e à industria cultural, englobando a editoração de livros e revistas, a produção cinematográfica e teatral, a composição de músicas, que às vezes eram censuradas unicamente pelo nome escolhido pelo compositor, e até mesmo a programação televisiva. Porém, foi a música que mais sofreu com a censura, devido à sua capacidade perspicaz de entrar no inconsciente das pessoas, e por esse motivo vários autores musicais acabaram aprisionados e expatriados, vários discos foram vetados e recolhidos, algumas canções nem chegavam ao conhecimento dos ouvintes.
A Música Popular Brasileira foi tratada como um ser nocivo pelo Estado, capaz de fazer mal à população. Segundo o governo, elas eram ofensivas às leis, à moral e aos costumes. A canção de protesto “Para não dizer que não falei das flores”, do cantor Geraldo Vandré, tornou-se a mais cantada pelos manifestantes.
A economia anda a passos rápidos, introduzindo o progresso nas indústrias e na área de serviços, amparada pela junção de lucros, a contração de dívidas externas e a oportunidade de entrada do capital exterior. Com a destituição de João Goulart, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzelli, assume de acordo com as regras a presidência, na qual permanece até o dia 15 de abril de 1964. Porém, nos bastidores, quem exerce de fato o poder são os ministros militares que fazem parte de seu governo, entre os quais podemos citar o general Arthur da Costa e Silva, Ministro da Guerra. Nesta ocasião surge o Ato Institucional nº 1, maneira encontrada pelos militares para colocar em prática atos ilegais não calculados e até mesmo avessos à Constituição. Durante o período que vai de 1964 a 1978 são determinados 16 Atos Institucionais que servem de complemento para dar nova forma à Constituição de 1946, transformando-a por completo. O Ato Institucional I, datado de 09 de abril de 1964, concede aos militares poderes que antes eles não tinham, proibindo diversas pessoas, por dez anos, de exercerem seus atos políticos. Vários mandatos foram cassados, transformando a estrutura política do Congresso, o que alarmou os parlamentares. O marechal Arthur Costa e Silva assume a presidência em março de 1967, porém, por motivo de doença, se retira em agosto de 1969. Apesar de governar por apenas dois anos, enfrentou uma série de adversidades no início de seu governo, defrontando-se com uma série de manifestações que se estenderam pelo país inteiro. O despotismo e a coação agravam-se na mesma dimensão em que a oposição reage. Os manifestos públicos nas ruas das principais urbes do país se aquecem, traçados por estudantes. Contudo, em 1968, as coisas fogem um pouco do controle e um estudante secundarista de nome Édson Luís morre em um embate entre a polícia e estudantes no Rio de Janeiro, tornando-se o herói da revolução contra a ditadura e a censura no Brasil. O movimento estudantil, a igreja e a coletividade civil reagem promovendo uma passeata que entrou para a história como a Passeata dos Cem mil, o ato que reuniu o maior número de pessoas, lutando juntas contra o regime militar. A situação começa a ficar tensa demais, o que faz com que o governo implante o AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968, um dos atos mais conhecidos e mais duros na história do nosso país. Abole os mecanismos constitucionais dispostos na constituição de 1967, revigora os poderes despóticos do regime e confere ao exército a faculdade legal de aprimorar as medidas repressivas, tais como ordenar o retiro do Congresso, do corpo com poder legislativo de uma nação, a nível estadual e das Assembléia Municipais.
No período em que esteve em vigor o AI-5, mais precisamente de 1968 a 1978, a censura federativa coibiu mais de seiscentos filmes, quinhentas peças teatrais, a editoração de vários livros e a inclusão de assuntos essenciais para a carreira escolar das crianças, sem falar do sem número de músicas. O fim do regime militar vem com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney, a democracia imperou novamente e a liberdade foi restituída após décadas de despotismo. A censura chegou ao fim, nasceram novos partidos políticos e finalmente alcançamos as eleições presidenciais diretas.

O movimento estudantil

Em abril de 1964, o prédio da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, foi incendiado. Nele funcionava o Centro Popular de Cultura (CPC), do qual participavam artistas e estudantes que levavam o teatro, a música, o cinema e a literatura a escolas, universidades, fábricas, favelas e sindicatos.
Muitas produções artísticas do CPC tinham como tema a realidade social do país. Com a implantação da ditadura, a UNE foi colocada na ilegalidade. Apesar disso, os estudantes continuaram se organizando na clandestinidade e realizando congressos anuais para eleger seus representantes, discutir os problemas da educação no país e definir formas de luta.
O último congresso clandestino da UNE aconteceu em 1968, no município de Ibiúna, no interior de São Paulo. Descobertos pela polícia, mais de 700 estudantes foram presos. Depois disso, a repressão do governo militar ao movimento estudantil se intensificou. Muitos estudantes foram presos e mortos pela ditadura, e alguns tiveram de deixar o país.

O Movimento Estudantil

Representado principalmente pela União Nacional dos Estudantes (UNE), o Movimento Estudantil desempenhou um papel importante na luta contra a ditadura no Brasil. Seus membros organizaram vários Centros de Cultura Popular (CPC) e implantaram o programa UNE-volante, que passou a divulgar propostas a favor de uma cultura nacional revolucionária, popular e democrática. Alguns estudantes, por outro lado, se engajavam em movimentos de direita, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), o que demonstra que, como no caso da população civil em geral, os interesses estudantis não eram homogêneos.
O Movimento Estudantil avançou como vanguarda dos protestos de resistência e de contestação até o decreto do AI-5. Depois disso, em consequência da violenta repressão e perseguição aos seus líderes, o movimento se desestruturou e perdeu grande parte da sua capacidade de mobilização.

Cantando a revolução

Muitos compositores e cantores fizeram de sua arte uma forma de protesto contra a opressão e a violência da ditadura. As músicas de protesto abordavam problemas sociais, econômicos e políticos e expressavam o ideal de construir uma sociedade igualitária e democrática.
Um dos principais artistas do período foi o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré. Em 1968, Vandré lançou o disco Canto geral, o quarto de sua carreira, considerado um dos discos mais contundentes de crítica à ditadura civil-militar, pois boa parte de suas letras trata do cotidiano do povo brasileiro, como a canção “Ventania”.
No mesmo ano, Vandré compôs a canção “Pra não dizer que não falei das flores” e a apresentou no III Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. A canção, que conquistou o segundo lugar, acabou se transformando em um hino de resistência à ditadura. Por causa disso, ela foi censurada pelo governo, e Vandré teve de deixar o país.
Outro artista que se destacou pelas canções de protesto foi Chico Buarque. Também ligado aos festivais das décadas de 1960 e 1970, suas composições ficaram marcadas por driblarem a censura prévia imposta pelo governo com o uso de letras de duplo sentido.

O teatro

A cena teatral do período também produziu espetáculos que criticavam as injustiças sociais e exaltavam a luta contra a ditadura. Grupos teatrais, como o Teatro de Arena e o Teatro Oficina, realizaram montagens que defendiam a liberdade na política e nos costumes.
As peças estimulavam o espectador a misturar-se aos atores e a participar da ação. Em 1965, o Teatro de Arena apresentou Arena conta Zumbi, sobre a saga dos quilombolas no Brasil colonial em sua luta contra a escravidão. A peça, ao denunciar o nosso passado escravocrata, remetia à opressão social e política daquele momento, criticando, sutilmente, o regime militar. Os atores iniciavam a peça com a seguinte frase: “O elenco dedica a obra a todos os homens e mulheres
que morreram e morrem na luta pela liberdade”.

O Cinema Novo

Na década de 1950, um grupo de jovens cineastas iniciou um movimento que combatia o predomínio da produção industrial de filmes inspirados no cinema estadunidense. Esse movimento, que ficou conhecido como Cinema Novo, defendia a produção, a baixo custo, de filmes que abordassem criticamente os problemas sociais no Brasil, além de se preocupar em renovar a estética do cinema nacional.
Com uma linguagem cinematográfica inovadora, o Cinema Novo obteve reconhecimento de público e de crítica, e vários filmes do movimento foram premiados em festivais internacionais. Como os cineastas dessa nova estética atuavam à margem do circuito industrial do cinema, eles conseguiram, na medida do possível, furar o bloqueio da censura e da repressão.
Com poucos recursos técnicos e utilizando a miséria do povo como pano de fundo para suas histórias, os cineastas Glauber Rocha, com Deus e o Diabo na terra do Sol (1964), Nelson Pereira dos Santos, com a adaptação para o cinema do romance Vidas secas (1969), de Graciliano Ramos, e o moçambicano Ruy Guerra, com Os fuzis (1964), marcaram o ponto alto do movimento.

Os movimentos negros e populares na ditadura

A luta dos afrodescendentes brasileiros contra a discriminação racial e por mais direitos sociais iniciou-se bem antes da ditadura, mas, durante esse período, os movimentos negros atuaram significativamente na resistência ao regime.
A ditadura reprimiu os movimentos negros, que se organizavam basicamente em duas frentes de luta: no campo cultural e no campo político. Valorizar a cultura afro-brasileira e combater o racismo eram os objetivos de grupos como o Bloco Ilê Aiyê, surgido na cidade de Salvador, na Bahia, e que continua até hoje bastante ativo. No campo político, vale ressaltar a ação dos operários por melhores condições de trabalho e a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), no final da década de 1970, na cidade de São Paulo. Esse movimento aglutinou diversos grupos na luta pela igualdade étnico-racial no Brasil.
Nas áreas rurais, na década de 1970, muitas comunidades formadas por quilombolas e camponeses foram expulsas das terras onde viviam, em decorrência da construção de barragens, usinas e estradas e da exploração mineral e agropecuária. A ação desenvolvimentista do Estado brasileiro não ofereceu garantias a essas populações. Consequentemente, diversos movimentos sociais começaram a ser organizados no campo para lutar por direitos, pelo reconhecimento dos modos de vida e das terras tradicionalmente ocupadas por diferentes comunidades, como também contra as desigualdades e a violência que até hoje atingem populações que vivem em áreas rurais.

Os indígenas na ditadura

Você sabia que, além de estudantes, intelectuais, políticos, artistas e ativistas sindicais, os indígenas também foram alvo da repressão e da violência dos governos militares? Recentes investigações revelaram que ao menos 8350 indígenas foram mortos, presos, torturados ou expulsos de seus territórios entre 1964 e 1985.
Em 1969, por exemplo, os militares fundaram, no estado de Minas Gerais, o Centro de Reeducação Indígena Krenak. Indígenas de diferentes etnias, como os Ashaninka, os Krenak, os Kaingang e os Guarani, foram enviados a esse local sob a alegação de abandonar sua área tribal, carregar arco e flecha, brigar e até mesmo promover atos descritos como vadiagem. Lá, eles eram forçados a realizar diversos trabalhos braçais, recebiam pouca alimentação, eram proibidos de se comunicar em sua língua e eram submetidos a torturas e espancamentos. Muitos nunca retornaram a suas comunidades e foram declarados desaparecidos.
Além disso, com o apoio dos militares, vários indígenas foram mortos e removidos de seus territórios. Os Waimiri Atroari, que habitavam uma área na divisa dos estados do Amazonas e de Roraima, por exemplo, foram massacrados e suas terras foram afetadas pela abertura de rodovias e pela construção da hidrelétrica de Balbina. O governo militar ainda financiou atividades agropecuárias e obras de infraestrutura no território desse povo. Outro exemplo são os Akrãtikatejê, no Pará, expulsos de suas terras por causa da construção da usina de Tucuruí, durante o governo de Médici.
Muitas lideranças indígenas e pessoas que apoiavam a sua causa foram investigadas, perseguidas e até mesmo assassinadas. Organismos como a União das Nações Indígenas e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foram acusados de promover atividades subversivas e comunistas.
Apesar da violência e da repressão, os movimentos indígenas resistiram e tiveram papel fundamental na definição do texto da Constituição de 1988, que reconheceu a organização social, os costumes, as línguas, as tradições e as crenças indígenas, além do direito desses povos às terras que tradicionalmente ocupam.

A resistência cultural na imprensa

O Golpe de 1964 obteve o apoio de grande parte da imprensa, que aprovava a derrubada do presidente João Goulart. No entanto, após o golpe, grandes jornais como o Correio da Manhã passaram a publicar denúncias relacionadas à ditadura civil-militar.
No início, quase todos os jornais de esquerda foram fechados pelo governo ditatorial. Os veículos de comunicação que permaneceram em atividade, como jornais, revistas, rádio, cinema e televisão, foram vítimas de uma rígida censura.
Muitas editoras de livros e escritórios de redação de jornais que transmitiam ideias de esquerda ou eram consideradas inadequadas pelo governo sofreram duras intervenções, como o recolhimento das edições impressas e a prisão de seus editores. Diversos jornalistas fundaram periódicos pequenos, que acabaram por obter grande aceitação do público.
Para conseguir transmitir as informações censuradas à população, alguns jornalistas utilizavam mensagens cifradas. Além disso, utilizavam o humor para criticar a ditadura.

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