sexta-feira, 20 de maio de 2022

PRODUÇÃO DE SABERES NA ESCOLA: SUSPEITAS E APOSTAS

  


José Carlos Libâneo*


O tema “produção de saberes na escola” pode referir-se ao aluno e aos processos de aprendizagem, ao professor que produz saberes sobre sua disciplina, sua profissão e sua experiência, e, também, a uma multiplicidade de saberes que intervêm e circulam na vida escolar. Ou seja, na escola se realiza uma atividade de produção de saberes, científicos ou não, sistematizados ou não, levada a cabo por professores e alunos. É sobre as práticas de produção de saberes que desejo fazer uma reflexão neste texto, formulando algumas suspeitas, mas também algumas apostas. O que tratarei aqui não são propriamente conclusões, mas pistas de investigação sobre o que vem sendo o papel da escola e dos professores na produção de saberes, na sua relação com o conhecimento. As escolas vêm produzindo saberes? Em que condições encontra-se a escola brasileira para produzir saberes? Que qualidade de saberes tem saído das escolas? O que os intelectuais do campo educacional vêm pensando sobre os saberes escolares? Como os saberes provenientes da pesquisa universitária afetam os saberes e as práticas dos professores? O que os professores que atuam diretamente nas escolas pensam sobre esses saberes? Os professores podem ir além dos seus saberes de experiência? Em que condições reais os professores estão produzindo saberes? Que saberes de professores ajudam a produzir saberes de alunos? Durante sua escolarização e quando a concluem, os alunos tornam-se preparados para produzir saberes?

As suspeitas

As suspeitas apontadas têm o sentido de dúvidas, pressentimentos, algo que se supõe com base em pesquisas e no que se observa na realidade mas sem caráter conclusivo e sem garantias de certezas. O que estaria acontecendo com a produção de saberes na escola?

1. Quanto mais se fala em qualidade de ensino, tanto na linguagem oficial quanto na linguagem dos educadores e da crítica, mais parece se ampliar a fragilidade das aprendizagens, mais se perde a qualidade cognitiva das aprendizagens. Dizendo de outra maneira, quanto mais se adotam novidades organizacionais, pedagógicas, curriculares, mais parece estar se perdendo o sentido dos objetivos prioritários da escola. É claro que critérios de qualidade de ensino e aprendizagem são discutíveis. Entretanto, captando a realidade pelos resultados escolares através de relatórios de pesquisa ou da imprensa ou pela observação direta do que acontece dentro das escolas, o que vemos são crianças e jovens concluindo as várias fases da escolarização sem uma mudança perceptível na qualidade das aprendizagens escolares, na formação geral. A se considerar com boa vontade os dados do SAEB, do ENEM, do desempenho dos candidatos nos vestibulares, a se prestar mais atenção no que reproduz a imprensa, ninguém se surpreenderá com a afirmação de que o ensino brasileiro continua com um baixo nível de qualidade. A questão crucial é recorrente: quem perde, quem ganha com a baixa qualidade da escolarização?

Recente reportagem da revista Isto É (2000) traz o seguinte título: “Ensino Reprovado - Sem repetência, alunos de escolas públicas chegam até a 6a série sem saber ler, escrever nem fazer as quatro operações”. A matéria informa que alunos entre 11 e 15 anos, matriculados na 4ª, 5ª séries em escolas da periferia da cidade de S.Paulo, não sabem ler, não sabem escrever, não sabem fazer contas. Será sensacionalismo, atitude pessimista, mania de ver o pior em tudo? Pode ser, mas quem se der ao trabalho de visitar escolas poderá encontrar relatos parecidos com o da reportagem. Não se pode tirar daí a conclusão de que a culpa pelo baixo nível de ensino seja exclusivamente dos professores, há um conjunto complexo de fatores a serem considerados desde as condições de trabalho, remuneração e formação às políticas escolares mais amplas. Conviria perguntar, por exemplo, pelos efeitos de medidas organizacionais do sistema de ensino tais como a intervenção na estrutura física das redes, os reordenamentos de estruturas de gestão, a substituição da seriação pelos ciclos de escolarização, a flexibilização das práticas de avaliação da aprendizagem, a difusão de teorias e práticas pedagógicas com precário vínculo com as necessidades e demandas da realidade escolar. Em relação aos ciclos, não será temerária a adoção de medidas aparentemente inovadoras sabendo que requerem condições que os sistemas de ensino não são capazes de cumprir? E o que dizer da flexibilização da avaliação escolar que, em nome da relativização ou eliminação de controles, dissolve-se também o necessário rigor na verificação da qualidade das aprendizagens? E o que tem sido feito em relação ao tempo de trabalho dos professores? Em que condições se fazem as recuperações? O que, de fato, tem sido feito quanto à formação continuada dos professores para incorporarem as inovações? De que vale a promoção automática se a qualidade das aprendizagens cai? E uma outra pergunta incômoda: se o sistema de ciclos é tão boa solução pedagógica, por que as escolas particulares não o adotaram?[1]

2. A qualidade das aprendizagens dos alunos depende da qualidade do desempenho profissional dos professores e essa qualidade, no geral, tem sido extremamente precária. Convém termos senso de realismo: a precariedade da formação profissional dos professores está implicada nos baixos resultados da aprendizagem escolar. Há, certamente, professores com bom nível de competências e habilidades profissionais, social e eticamente comprometidos com seu trabalho. Entretanto, as deficiências de formação inicial e a insuficiente oferta de formação continuada, aliadas a outros fatores desestimulantes, têm resultado num grande contingente de professores mal preparados para as exigências mínimas da profissão (domínio dos conteúdos, sólida cultura geral, domínio dos procedimentos de docência, bom senso pedagógico). Há dificuldades dos professores em lidar com novos problemas sociais e psicológicos que acompanham os alunos que entram na escola (familiares, de saúde, de comportamento social, concorrência dos meios de comunicação, desemprego, migração...). Mais uma vez, não se trata de culpabilizar os professores, eles não respondem sozinhos pelos fracassos da escola, atrás deles estão as políticas educacionais, os baixos salários, a formação profissional insuficiente, a falta de condições de trabalho, falta de estrutura de coordenação e acompanhamento pedagógico etc. Mas para quem gostaria de ver as crianças e jovens aprendendo cidadania, dominando conceitos das disciplinas escolares, desenvolvendo seus processos e habilidades de pensamento... não há como não se decepcionar com os resultados apresentados.

Persiste o paradoxo pelo qual os governos precisam responder: por um lado, a formação de professores é um dos temas mais candentes na área da educação, há consenso de que qualidade de educação é inseparável da qualificação e competência dos professores; por outro lado, há um rebaixamento evidente da qualificação dos professores em todo o país, além da degradação social e econômica da profissão. Em outros termos, ao mesmo tempo em que se fala da valorização da educação escolar para a competitividade, para a cidadania, para o consumo, continuam vigorando salários baixos e um reduzido empenho na requalificação profissional dos professores.

3. A despeito de um crescimento realmente expressivo da pesquisa universitária e da produção editorial no campo educativo, resultando em ampliação da temática investigativa e em significativos desdobramentos teóricos, a relação do professorado do ensino fundamental e médio com essa produção é, em geral, insatisfatória. Persiste o já conhecido fosso entre teoria e prática, em que os pesquisadores não conseguem operar a transposição didática de sua elaboração teórica para os professores envolvidos na trama diária do trabalho docente. Os professores, por sua vez, desconfiam da eficácia da produção acadêmica sobre seu próprio trabalho. As práticas pedagógico-didáticas, as representações, muito pouco se modificam, o que se acrescenta são complementações, modismos, temperos, que não chegam a afetar o núcleo forte daquelas tendências pedagógicas mais conhecidas. Ainda assim, sabe-se da precariedade com que tais tendências são incorporadas, vigorando uma pedagogia tradicional, uma pedagogia nova e um tecnicismo educacional quase sempre vulgarizados. Em muitos casos, teorizações envolvendo a crítica política aos sistemas educacionais, a defesa do multiculturalismo, do feminismo, a adoção da interdisciplinaridade etc., ou não chegam aos professores ou a linguagem com que são comunicadas lhes é inacessível. Por outro lado, há palestrantes que sonegam a informação teórica em nome do apelo ao sentimento, ao prazer, aos devaneios, estabelecendo uma divisão equivocada entre a formação científica e profissional e os aspectos afetivos e estéticos. Os professores batem palmas mas, na verdade, acabam vendo nesses discursos uma ilusão para esquecer suas deficiências de formação, as condições precárias de trabalho e de salário e a desvalorização social da profissão. No fundo, é uma atitude que banaliza a capacidade de compreensão dos professores e se aproveita da sua ingenuidade.

Zeichner (1998) captou bem os sentimentos de uma professora sobre sua relação com os pesquisadores universitários:

Apesar do meu contentamento por ter outras pessoas para falar – pessoas com importantes perspectivas e interesses e algumas vezes valiosas informações – sob diferentes pontos de vista, estas relações parecem ter um sabor colonial para eles... Parece-me que os outros estão fazendo as discussões que necessitamos fazer por nós mesmos e que os outros se beneficiam em uma economia que recompensa aqueles que dão sentido ao nosso trabalho.

4. Boa parte dos professores formadores de professores (filósofos, sociólogos, psicólogos e, até, especialistas no ensino de disciplinas) desconhece a necessidade de que suas disciplinas se convertam em saberes pedagógicos, ou se recusam a isso, pelo que formulam conteúdos distanciados dos problemas concretos das salas de aula, empobrecendo a especificidade desses saberes, muitas vezes substituídos pela discussão de temas fragmentados – linguagem, gênero, interdisciplinaridade, diversidade cultural – dissociados do campo conceitual da pedagogia e da didática e, por isso mesmo, resultando em visões reducionistas. O problema não está nos temas, está na fragmentação ou viés com que são apresentados. Com efeito, a pesquisa em formação de professores tem propiciado a explicitação de saberes profissionais dos professores: saberes específicos (conteúdos das disciplinas), saberes da experiência, saberes pedagógicos (das ciências da educação) e saberes da ação pedagógica (o ensino, o currículo, a didática das disciplinas, as formas de transposição didática dos conteúdos, as características da aprendizagem dos alunos, etc.) (Cf.Gauthier, 1998; Pimenta, 1997; Tardif, 1999; Garcia, 1999). Isso, todavia, não tem sido suficiente para mobilizar parte dos formadores de professores a orientarem seus planos de ensino às necessidades da prática docente que acontece nas escolas, desenvolvendo seus conteúdos à margem de suas implicações pedagógico-didáticas, preferindo temáticas supostamente mais “científicas”, mais “críticas”. Por razões ainda pouco pesquisadas, resistem a converter os saberes das ciências da educação – quando estas se destinam a formar professores - em saberes pedagógicos e, com isso, pouco colaboram no atendimento de necessidades e problemas postos pela prática (Pimenta, 1999). Há uma ideia de que a pesquisa que dá status e prestígio é a que enfoca os temas da moda; ao invés de se buscar o conhecimento da realidade, respostas a demandas da realidade, tende-se mais a referendar posições teóricas ou interpretativas prévias. Tratar de temas do senso comum, ficar à mercê das demandas da prática docente cotidiana seria sucumbir à lógica do sistema, como se problemas da vida interna da escola e da sala de aula fossem questões menores... Certos formadores de professores estariam preocupados mais com suas carreiras, suas pesquisas e seus artigos do que com as escolas e seus professores (Cf.Zeichner, 1998). Há casos de professores que, a propósito de análises políticas, sociais, econômicas, sobre a situação da educação e do ensino, induzem os alunos a uma atitude de ceticismo, às vezes até de desdém pelas questões pedagógicas, levando à ridicularização da profissão. Nesse acaso, alguns professores formadores confundem “postura crítica” com atitudes destrutivas em relação à educação e à profissão, corroendo as possibilidades de construção da identidade profissional e compromisso com a profissão. A questão é: para que efetivamente servem essas disciplinas e suas pesquisas, quando desenvolvidas no campo investigativo da educação e que, em princípio, deveriam estar a serviço da pedagogia e dos professores?

O retorno aos reducionismos – especialmente o sociológico e o psicológico – é fenômeno antigo na educação, um campo científico realmente propício a isso. Esse viés das pesquisas em educação talvez seja bem mais problemático do que parece à primeira vista se considerarmos que as práticas educativas, e obviamente as práticas docentes, têm um caráter multifacetado, ou seja, elas são, ao mesmo tempo, sociais, psicológicas, culturais, econômicas, biológicas etc. E quanto mais se reconhece a não redução da prática educativa à prática escolar, mais se faz necessário compreender que essas relações entre o indivíduo e o meio humano, social, físico, ecológico, cultural, econômico, requerem um campo teórico-prático que integre esses vários aportes, que é a Pedagogia. Com efeito, cada uma das chamadas ciências da educação (Sociologia da..., Psicologia da..., Linguística aplicada à..., Economia da...) aborda o fenômeno educativo sob a perspectiva de seus próprios conceitos e métodos de investigação, enquanto que a Pedagogia se distingue por estudar o educativo na sua globalidade, inclusive para integrar os enfoques parciais daquelas ciências em função de uma aproximação global e intencionalmente dirigida aos problemas educativos. Corroborando para a construção dos saberes pedagógicos, com a Pedagogia propiciando a necessária unidade de enfoque das práticas educacionais, as ciências da educação seriam fortalecidas. Mas a aproximação entre as chamadas ciências da educação e a Pedagogia parece estar longe de realizar-se.

5. O “boom” dos estudos sobre formação de professores, com raras exceções, também parece ter provocado uma redução do interesse investigativo pelas questões pedagógico-didáticas ligadas à qualidade da aprendizagem dos alunos, enfatizando ora os aspectos institucionais ora o desenvolvimento pessoal do professor, num risco de se dissociar na prática docente o refletir, o saber fazer e a garantia de resultados de excelência na aprendizagem dos alunos. De fato, tem surpreendido o volume de trabalhos nessa área nos vários encontros e simpósios, mas precisa ser motivo de preocupação entre os educadores a redução de espaço de discussão e reflexão aos professores das diversas metodologias e práticas de ensino. A pergunta é: com que objeto, mesmo, lida um campo de investigação que se denomina “formação de professores”? Será que esta linha de investigação tem chegado à essência dos problemas, ou seja, a efetividade da formação e a aprendizagem dos alunos? Suspeito que à maior visibilidade para a temática da formação de professores correspondeu, em alguns casos, a um distanciamento da vida real das escolas e das salas de aula, especialmente das necessidades e demandas relacionadas com a qualidade cognitiva e relacional da aprendizagem dos alunos. Não é que a formação de professores não possa constituir-se em campo de investigação (currículo, as formas de desenvolvimento profissional, locais de formação etc.). Apenas se questiona eventuais distanciamentos de temas do campo da didática e das metodologias específicas e das ações concretas de melhora da qualidade da atuação docente, deixando para segundo plano os processos de ensino e aprendizagem que correspondem, afinal de contas, ao nuclear do exercício profissional de professores[2].

6. As recentes teorizações sobre formação de professores talvez não estejam dando a devida importância a alguns ingredientes da realidade institucional e social das escolas brasileiras, na verdade, condições de base que comporiam os requisitos indispensáveis para introdução de práticas de reflexividade no contexto das ações práticas. Algumas dessas condições dizem respeito: (a) à precariedades das condições de trabalho dos professores que podem levar a um comportamento bastante resistente a mudar suas práticas. Um estudo citado por Contreras (1998) é útil para a nossa reflexão sobre resistências à mudança por parte dos professores e seu escasso entusiasmo pela profissão. Segundo esse estudo, os professores constroem seu papel no contexto da instituição escolar que têm uma história, uma cultura, práticas, rotinas, estilos estabelecidos. Os professores aprendem a conviver com essa cultura e precisam combinar suas perspectivas e expectativas com as que a instituição possui a respeito deles. Haveria três formas de o professor orientar o seu trabalho: o presentismo, em que os professores concentram seu esforço nos planos de curto prazo na sala de aula, que é onde acham que podem conseguir alguma coisa, alguma realização etc.; o conservadorismo – os professores evitam discussões, reflexões ou compromissos com mudanças que mexam com o que fazem ou com o modo como fazem, e também resistem a alguma observação sobre o que ensinam e como ensinam; o individualismo – tendem a recusar colaboração de colegas por medo de julgamentos e críticas ou de interferências no seu trabalho. (b) à precariedade da formação profissional, seja no domínio dos conteúdos com os quais trabalha, seja na bagagem cultural necessária a insistentes exigências de flexibilidade mental e capacidade de enfrentar problemas imprevistos, seja no domínio de competências e habilidades para gerir a sala de aula[3]. (c) às formas de organização do sistema educacional e suas políticas, às contradições das instituições formadoras e das próprias entidades que congregam professores e às práticas culturais e o habitus existente nas escolas, ingredientes esses que conformam as bases da cultura em que os professores são socializados e formados. (d) ao conflito de papéis que muitos professores se veem obrigados a desempenhar numa sociedade em que cresce a pobreza, a violência, o desemprego, a precariedade das condições de vida. Muitos professores hoje precisam desempenhar ao mesmo tempo papéis de pai ou mãe, vigilante de alunos, militante de uma ONG ou organização política, conselheiro, etc.

7. A desconsideração ou secundarização dos conteúdos em algumas teorias recentes, a posição de antinomia entre processos educativos e resultados de desempenho, a flexibilização da avaliação escolar, a promoção automática pouco cuidadosa e outras ações tendentes a certo afrouxamento nas práticas escolares, ao invés de serem medidas progressistas, podem estar contribuindo para manter a exclusão social. Não posso negar mudanças nas formas de escolarização, nos modos de aprender, no papel da escola numa sociedade marcada pelo aparato informacional. Cumpre, também, reconhecer a crescente dificuldade de se chegar a um consenso sobre as funções da educação em geral, da escola em particular e das formas pedagógicas e metodológicas que lhe cabem, frente às características do mundo atual. Estão em evidência diferentes posições de educadores, pais, alunos, professores sobre os objetivos das escolas, papel dos conteúdos, ênfases a se dar nas práticas pedagógicas.

Sem pretender ignorar as efetivas contribuições, por exemplo, da teoria curricular crítica, da psicopedagogia, da teoria crítica de origem alemã e até das teorias pós-críticas, há nelas certa recusa a estabelecer objetivos e conteúdos sistematizados, a aceitar certa racionalidade na condução dos processos de ensino e aprendizagem, e uma tendência exacerbada em valorizar os processos em detrimento dos resultados da aprendizagem. Todavia, não seria uma injustiça social, especialmente aos pobres, sonegar o domínio dos conteúdos escolares e as competências do pensar autônomo, crítico e criativo? Com efeito, a escolarização é uma necessidade social, há um nível de desempenho escolar e social imposto pela sociedade presente, há exigências de educação social, moral e estética, sanitária, ambiental. Posições extremadas que incentivam o espontaneísmo, a omissão em relação ao domínio dos conhecimentos sistematizados, a diminuição do rigor no atendimento das tarefas sociais da educação, a leniência nas práticas avaliativas, podem levar a prejuízos inestimáveis às crianças das camadas populares e camadas médias empobrecidas. Essas posições não ajudam na luta pela eliminação das desigualdades sociais, pelo reconhecimento da diversidade cultural, pela superação da subalternidade da globalização, pela preparação profissional geral, ou seja, não propiciam as condições para que a parte pobre e oprimida da sociedade produza ideias, crie, se prepare para o mundo da ciência, da cultura, da arte, da profissão e da cidadania.

8. Em alguns setores do campo educacional seja pelo lado dos simpatizantes da teoria social pós-moderna, seja pelo lado dos que insistem nas “conquistas históricas” do movimento pela formação de professores, perpassa a crença de que seus pontos de vista são “avançados”, o dos demais, “ultrapassados”. Minha suspeita é de que esses setores realizam uma operação mental muito semelhante ao que já se viveu num período de patrulhamento ideológico: nossa posição é a verdadeira, a dos outros ideológica ou ultrapassada. Na verdade, o que define algo como “avançado” ou progressista? Será progressista, por exemplo, a organização da escola por ciclos, quando esta resulta numa frágil escolarização? Será ultrapassado postular a formação específica de diretores e coordenadores pedagógicos e avançada a posição de defender um curso de pedagogia apenas para formar professores? Que posições dessas beneficia mais a escola e a qualidade cognitiva das aprendizagens? Será mais progressista defender uma prática escolar centrada nas relações sociais ou num currículo mais voltado para os processos do que para os produtos, e mais conservador quem defende o domínio da cultura objetivada e o desenvolvimento das capacidades do pensamento como forma de enfrentamento tanto das exigências de exercício profissional e cidadania como dos conteúdos das mídias e das variadas formas de inculcação de modelos de vida e de subjetividade? Porque um aluno seria melhor “educado” ao se preferir o uso das narrativas, ao trabalho com o desenvolvimento das estratégias de pensamento? Ou, ainda, o que haveria de ultrapassado em se reconhecer que há campos de conhecimento com implicações na educação, distintos de um campo especificamente voltado para a investigação sobre o fenômeno educativo? Não será mais conservador para uma época nitidamente interdisciplinar insistir na redução da formação do educador à docência, como defendem alguns militantes da causa da formação de professores?

Penso que o uso de termos como tradicional, moderno, pós-moderno ou pós-crítico precisam ser trabalhados a partir de certos parâmetros, especialmente, diante da questão: o que deve ser uma escola que atenda às necessidades individuais e sociais das crianças, do ponto de vista da formação escolar, neste país de hoje, e que educadores, de vários estilos, são necessários.

AS TEORIZAÇÕES EM TORNO DA ESCOLARIZAÇÃO - O DISTANCIAMENTO ENTRE OS DISCURSOS E O QUE EFETIVAMENTE ACONTECE NAS SALAS DE AULA


Apresentei até aqui um não tão animador diagnóstico da situação da escola, do ensino e do professorado, através de moções que chamei de suspeitas. Não espero estar trazendo novidade, são fatos conhecidos de todos, embora eu não tenha pretensão de estar absolutamente seguro da validade dessas afirmações. Pode-se extrair dessas suspeitas uma série de consequências, mas eu queria tratar apenas do impacto que elas podem ter na qualidade da produção de saberes, enquanto atividade peculiar das escolas e dos professores. Várias questões e problemas implicados nas suspeitas levantadas dizem respeito às relações entre vários fatores: a pesquisa universitária, as teorizações no campo educacional, as políticas de formação inicial e continuada de professores, as necessidades e demandas das escolas, as vicissitudes da organização e gestão internas das escolas. A principal hipótese é de que algumas das teorias ou propostas tidas como mais “avançadas” e mais prestigiadas hoje, estariam negativamente relacionadas com a realidade concreta e as práticas de produção de saberes na escola.

Não é, evidentemente, possível captar a variedade de teorias e propostas que vêm circulando no meio educacional - nas faculdades, nas instituições de pesquisa, nos congressos e encontros. Farei uma seleção arbitrária delas, situando-as em duas linhas gerais de análise: 1) os estudos centrados em torno da sociologia educacional ou campos correlatos que geralmente fazem uma análise externa da escola e do ensino, algumas todavia sonhando penetrar dentro da escola, ainda que seja pelo viés sociológico. 2) os estudos e ações organizacionais, de natureza pedagógica ou curricular, que se destacam pela intervenção por dentro da estrutura escolar, ainda que seja pelo viés ora organizacional ora psicológico.

1. Do lado da sociologia educacional (critica externa)


É conhecida a produção acadêmica que tem saído do âmbito da análise sociológica, política e filosófica da educação. Uma linha desses estudos se detém nas análises críticas globalizantes, especialmente em relação ao novo paradigma produtivo caracterizado pelo economicismo. Outra destaca a análise dos elementos sociais e culturais da prática educativa enquanto projetados no currículo das escolas. Uma terceira linha acentua mais fortemente os aspectos culturais, tendendo a uma postura mais subjetivista e ao relativismo cultural.

Os autores do primeiro grupo se destacam por uma forte crítica ao ideário neoliberal, especialmente pelo seu caráter economicista excludente. São objetos de crítica não só a ideologia neoliberal, mas suas estratégias de reforma educacional como a autonomia da escola, a gestão, avaliação institucional, formação e profissionalização de professores, projeto pedagógico, participação de pais etc. Denuncia-se que algumas dessas práticas mal disfarçam um cunho diversionista no uso dos termos, os temas autonomia da escola, descentralização, por exemplo, podem significar na prática uma ação concreta de diminuição do papel do Estado. O que alguns desses autores não distinguem é que tais estratégias são, também, propostas que marcaram no passado as lutas de educadores de esquerda e que obviamente continuam sendo admitidos como necessários e válidos para os objetivos de melhor qualidade das escolas. A crítica generalizante a essas ações (que podem ser legítimas também numa política educacional de esquerda) podem inibir iniciativas de renovação e decisões dos educadores empenhadas na modificação das escolas, temendo que sejam identificados com posições neoliberais. A despeito do valor de tais análises em nutrir a visão crítica dos professores, podem ocorrer duas consequências desmobilizadoras: a) acentuar um reducionismo crítico, achando que basta tomar consciência dos males das políticas neoliberais e das divisões sociais, dos impactos perversos do economicismo, da tecnologia etc., sem valorizar a necessidade da atuação pedagógica nas escolas. b) difundir uma problemática identificação entre a ideologia das políticas educacionais oficiais e as ações pedagógico-didáticas de melhoria do funcionamento das escolas mesmo que coincidam em algum ponto com aquelas políticas. c) Não propiciar pistas aos professores para elaborarem subjetivamente a visão crítica e desenvolverem formas pedagógicas para trabalhá-la com os alunos.

Uma proposta de atuação escolar originada na Sociologia da Educação vem tentando, no entanto, aliar a análise externa da escola a ações internas. A ideia básica é de que a escola seja um espaço de vivências de novas relações sociais, ou seja, as formas como se organizam e ocorrem as relações sociais da escola aparecem como caminho pedagógico para a formação dos alunos. A formação escolar estaria centrada não nos conhecimentos formais, mas no processo de sua aquisição e nas relações sociais aí envolvidas (Arrroyo, 2000).

Na prática, é possível supor que se introduz na escola uma espécie de pedagogia cooperativa, ressaltando práticas de convivência entre professores e alunos, especialmente entre os próprios alunos e a atenção a problemas sociais que se passam fora da escola como as práticas sociais, as desigualdades sociais, os conflitos, os problemas ambientais e tecnológicos, etc. A proposta reforçaria a dimensão sociocultural no processo do conhecimento, lembrando Dewey, que propunha às escolas criar situações pedagógicas interativas para facilitar os processos democráticos. Esta concepção acentua os fatores sociais e culturais no processo de conhecimento, contrapondo-se à ênfase nos conteúdos formais, ao enfoque psicológico da aprendizagem ou a qualquer tentativa de considerar os fatores cognitivos internos da aquisição do conhecimento.

Por sua vez, a Sociologia Crítica da Educação vem alimentando boa parte da investigação em torno de uma teoria curricular crítica, também acentuando os fatores sociais e culturais na construção do conhecimento, lidando com temas como cultura, ideologia, currículo oculto, linguagem, poder, multiculturalismo (Moreira & Silva, 1994). Os autores dessa orientação opõem-se às chamadas teorias do consenso, especialmente o funcionalismo estrutural, são pouco simpáticos ao Estado e às formas de planejamento estatal e defendem que os conflitos, as discordâncias, são condições para a mudança social. A teoria curricular crítica questiona como são construídos os saberes escolares, propõe analisar o saber particular de cada agrupamento de alunos, porque esse saber expressa certas maneiras de agir, de sentir, falar e ver o mundo. Ou seja, são essas práticas discursivas que constróem os sujeitos em relação com as questões do poder. As perguntas a serem feitas num contexto de aprendizagem seriam do tipo seguinte: como é que o discurso se relaciona com a construção e a subjugação da humanidade? como se relacionam conhecimento e poder? quais são as relações de classe, etnia, gênero, que fazem com que o currículo seja o que é e que produza os efeitos que produz? (Ibid.).

A cultura é vista como terreno de produção cultural e de política cultural. Na visão da Sociologia Crítica não há uma cultura unitária, homogênea; a cultura é um terreno conflitante onde enfrentam-se diferentes concepções de vida social. O currículo, nesse sentido, não tem a ver com a organização de matérias cujo conteúdo deve ser absorvido, mas a um terreno de luta e contestação, em que se criará e produzirá cultura. No âmbito, ainda, da esfera cultural, destaca-se o tema da diversidade cultural e da diferença, em que se inscrevem novos movimentos sociais e novos sujeitos sociais que afirmam sua identidade: crianças, mulheres, negros, homossexuais e outros. Quando se pensa um currículo, é preciso começar captando as “significações” que estes sujeitos fazem de si mesmos e dos outros através da experiência compartilhada de vivências. Na prática, o discurso da diferença e da pluralidade constitui o tema do multiculturalismo, de uma educação e um currículo multicultural. Na esfera dos sistemas de ensino, leva a políticas de integração de minorias sociais, étnicas e culturais ao processo de escolarização. Na esfera da escola e do currículo, ao acolhimento da diversidade, das diferenças, à diversificação da cultura escolar, a um currículo multicultural. Está claro que se propõe uma transição da ênfase no social para o cultural. É bem ilustrativa a declaração de Giroux:



“(...) é imperioso que se criem métodos de análise que não partam do pressuposto de que as experiências vividas podem ser automaticamente inferidas a partir de determinações estruturais. (...) Uma política cultural requer o desenvolvimento de uma pedagogia atenta às histórias, aos sonhos e às experiências que os alunos trazem à escola (...) começando por essas formas subjetivas, os educadores poderão desenvolver uma linguagem e um conjunto de práticas que confirmem, acolham e desafiem formas contraditórias de capital cultural”(1994).

Essa perspectiva da Sociologia Crítica tem méritos que precisam ser destacados: é afirmativa, pois ao mesmo tempo que denuncia o papel da escola como reprodução da estrutura social, sustenta a importância da ação dos sujeitos e as possibilidades de um currículo critico centrado na cultura dos oprimidos. Entretanto, não parece facilitar muito as coisas para os professores. Na verdade, o viés sociológico faz desvincular o trabalho docente de preocupações mais pontuais com questões de aprendizagem, desenvolvimento, processos cognitivos. Ao criticar a psicologia comportamental e a cognitiva por estarem demasiadamente voltadas para questões mais imediatas e mais metodológicas descuidando da ênfase na analise das relações de poder, da ideologia, da cultura, a sociologia crítica também descarta os aportes da didática e da psicologia no processo de ensino e aprendizagem. É certo que o currículo é espaço de produção de cultura, é luta. Mas não vejo como dispensar as mediações cognitivas, o desenvolvimento de processos cognitivos internos, progresso na leitura critica da realidade propiciado pelo conhecimento científico. Ao se perguntar sobre como fortalecer o poder dos estudantes, não se põem aí exigências de natureza cognitiva? A mediação dos professores não implica operações cognitivas, processos cognitivos internos?[4] Como é que a escola e o conhecimento ajudam a desenvolver a autonomia dos sujeitos senão por processos mediadores que implicam a ajuda cognitiva às estratégias de pensamento do aluno?

Além disso, não fica suficientemente esclarecido nessa proposta a forma pela qual os professores transformam as análises dos fundamentos sociais e culturais do currículo em práticas de sala de aula nas suas matérias. Eu sei que os professores precisam compreender as formas pelas quais o conhecimento escolar se constitui e em que grau as relações sociais na sala de aula estão impregnadas de relações de poder. Mas, daí, como se realiza o trabalho efetivo de ensino? Qual é a contribuição desses autores sobre as condições de provimento de melhores situações de aprendizagens, de recursos eficazes de promoção de aprendizagens mais sólidas e duradouras pelos alunos? (Cf.Libâneo, 1997).

A terceira linha que busca estabelecer ligações da teoria social com a educação, é a que se denomina pós-estruturalista ou pós-critica. É difícil dizer o que é uma visão pós-crítica de currículo, de conhecimento e muito menos do papel da escola. No geral, pode-se identificá-la com os seguintes traços: uma descrença no saber fundado na razão, crítica dos paradigmas clássicos do conhecimento, impossibilidade das formas de sistematização do conhecimento, caráter opressivo dos saberes, ligação entre saber e poder (cumplicidade do saber com o poder). Todas as teorias pedagógicas modernas passam pelo seu crivo crítico, ao questionar o ideário iluminista, as visões totalizantes do ser e existir e, por outro lado, acentuar as subjetividades, o emocional, o imaginário, a diferença, a alteridade, o sentido das falas, a relação saber-poder, as peculiaridades culturais, as relações de gênero, sexo, raça, etnia. “Quando aborda os temas educacionais, o faz exclusivamente para denunciar o caráter sistemático, desumanizador e repressivo dos saberes e dos aparelhos sociais envolvidos (...) A institucionalização do pedagógico é passada por severo crivo quando abordada” (Severino,1999).

Recentemente, vem se delineando uma perspectiva pós-moderna de currículo, com pretensão de conectar o moderno com o pós-moderno, cujas referências são Dewey, Bruner, Rorty e a teoria da auto-organização. O currículo é tomado como processo, não para “transmitir o que é conhecido, mas o de explorar o que é desconhecido”, em contextos situacionais em que um grupo de indivíduos interagem na mútua exploração de questões relevantes. Busca-se uma epistemologia experiencial em que se destacam os significados pessoais, o conhecimento dialógico, interativo, através de um modo de conhecimento narrativo (Doll Jr., 1997). Um currículo pós-moderno, segundo Doll Jr., será baseado na experiência, na vivência dos alunos, apostando no processo, na relação intersubjetiva, na busca de significados pessoais da experiência, para ir criando conhecimento. Importa o processo, não o produto, de modo que o currículo não é estabelecido previamente mas emerge através da ação e interação dos participantes. Esse diálogo experiencial pode acontecer através de modos narrativos, como contar boas histórias que expressam sentimentos, vivências, visando incitar as pessoas ao diálogo. Não se pretende com isso chegar a nenhuma definição, a nenhuma conclusão, mas explorar, entre as pessoas, possibilidades de um texto, de uma história.

Num relacionamento reflexivo entre professor e aluno, o professor não pede ao aluno que aceite a autoridade do professor, pelo contrário, ele pede que o aluno suspenda a descrença nessa autoridade, reuna-se ao professor na investigação, naquilo que o aluno está experienciando (Ibid.).

As teorias e proposições resenhadas não têm o mesmo perfil teórico, mas aproximam-se de uma tendência comum de por em questão práticas educacionais que impliquem uma pedagogia que explicite objetivos e formas organizacionais e metodológicas, que proponha uma direção, um conjunto de saberes sistematizados e de processos de ensinar. Há uma clara tendência em ignorar a tradição pedagógica e psicológica que pode ajudar a compreender os processos internos do aprender, bem como em ignorar a importância dos conteúdos escolares para a formação geral, tendendo a passar ao largo da necessidade social da escolarização, da realidade das salas de aula e dos processos reais de ensino e aprendizagem. É verdade que o contexto social e cultural é integrante da aprendizagem, que as práticas de relações sociais criadas na escola atuam na formação dos alunos, que se aprende melhor com base em situações reais do cotidiano etc., mas a priorização seja das relações sociais e culturais, seja do emocional e do imaginário, seja do currículo em processo, não só não atende ao conjunto dos objetivos escolares como também não se aplica a todas as necessidades do ensino e da aprendizagem, por mais que cada um desses fatores, quando integrados num conjunto pedagógico-didático, sejam da mais alta importância.

A meu ver, da mesma forma que não podemos deixar de lado os contextos externos da aprendizagem, - e aqui é evidente que se concebe os alunos como sujeitos sociais e históricos constituindo-se na prática social concreta - também não é possível um ensino de qualidade sem penetrar nas questões da aprendizagem, dos processos internos da aquisição do conhecimento e do desenvolvimento das capacidades de pensamento, assim como o desenvolvimento de competências profissionais dos professores.

2. Do lado da prática escolar e docente (crítica interna)


As formas de intervenção pedagógico-didática e organizacional nas escolas têm sido defendidas a partir de vários enfoques, não sem riscos de se cair em reducionismos de tipo psicológico, pedagógico ou mesmo organizacional, à medida que se desconsidera os fatores políticos, sociais e culturais na escolarização. Em qualquer caso, o que se argumenta é que mudanças institucionais e formas de atuação pedagógica ou psicopedagógica visam atender à demanda por mais qualidade da educação escolar e do ensino. É certo que não é fácil apresentar soluções para a problemática do ensino brasileiro. Os sistemas de ensino pensam estar acertando, os educadores pensam, a cada onda que chega, estar descobrindo o melhor caminho para o enfrentamento dos problemas. Assim é que podemos estar identificando algumas dessas soluções e levantando suspeitas de sua efetividade, explicadas, em parte, por não se ter muita clareza do que se quer com a educação escolar no mundo de hoje.

As ações pedagógico-didática nas escolas, no marco das reformas educativas que acompanham as políticas neoliberais, têm como suporte a tese da centralidade da educação no novo paradigma produtivo, concretizada em ações em que se priorize maior eficiência da aprendizagem escolar. Esta orientação se viabiliza por várias medidas, desde modificações nas formas de gestão (descentralização, autonomia, capacidade gerencial, reorganização dos níveis de escolarização, parceria com a comunidade) até as questões pedagógicas diretas (atuação do professor, eficiência dos processos de ensino e aprendizagem, práticas de avaliação, utilização de técnicas e recursos de ensino). Há uma evidente tendência em localizar os problemas na esfera institucional, para torná-la eficiente mediante práticas da gestão empresarial. Sistemas de ensino estaduais e municipais aplicam essa orientação de vários modos, ora jogando o peso das intervenções na esfera organizacional (práticas de gestão da escola), ora em medidas pedagógicas de alcance duvidoso (os ciclos de escolarização, a flexibilização da avaliação da aprendizagem). A ênfase à gestão institucional vem de uma crença já incidente nos anos 70 nos meios oficiais de que formas de gestão mais eficazes resultam em melhoria da qualidade de ensino, ou seja, a eficiência da aprendizagem escolar decorreria de equipes de professores eficientes, treinados. Há um bom número de pesquisas, nacionais e estrangeiras, mostrando como os professores reagem a um tipo de estrutura imposta, resistindo à participação, induzindo à suspeita de que tais medidas funcionariam contra a qualidade de ensino desejada. A adoção dos ciclos e a flexibilização da avaliação, por exemplo, embora apareçam em alguns lugares como solução psico-pedagógica, teria como objetivo, na realidade, liberar vagas ocupadas pela ocorrência da repetência e descongestionar o fluxo de alunos mas trazendo, como consequência, perda da qualidade cognitiva das aprendizagens (manutenção do fracasso escolar).

Também no âmbito das experiências “progressistas” trabalha-se no sentido de reforçar o processo de ensino e aprendizagem, não propriamente na ênfase anterior em que a motivação é quase sempre de cunho organizacional, gerencial. Quando se prioriza, no campo progressista, os aspectos organizacionais, o fazem no sentido de que a organização escolar se apoie predominantemente nas práticas participativas de decisão, na crença de que basta participar, bastam reuniões sistemáticas, eleições de diretores, e ter-se-á democracia na escola e qualidade de ensino. Mas também estão presentes ações pedagógico-didáticas, especialmente voltadas para a superação da cultura da repetência e da exclusão escolar, como a organização da escola em ciclos, dentro de uma justificativa notoriamente escolanovista segundo a qual a escola precisa respeitar o ritmo de desenvolvimento natural da criança, no que se refere ao desempenho nas matérias e às suas habilidades cognitivas e afetivas. Então conclui-se que repetir de ano é um desrespeito à criança, a organização em séries contraria os tempos e ritmos de cada criança, a avaliação formal é impensável, é mais importante o processo do que o produto, etc. Novamente aqui reaparecem as dificuldades dos educadores em definir objetivos e meios da educação obrigatória hoje, que práticas escolares são mais compatíveis com esses objetivos ou em que consiste a qualidade do ensino. Não há nenhuma dúvida sobre a consideração da subjetividade dos alunos, seu ritmo de desenvolvimento, suas características de personalidade, suas possibilidades e limites de aprender. Todavia, é preciso que se considere que os indivíduos vivem numa sociedade que põe exigências concretas de inserção, implicando conteúdos, competências do pensar e do agir e também assistência aos comportamentos sociais dos alunos e à sua conduta pessoal[5]. Especialmente, a realização humana implica a apropriação ativa e o domínio da cultura, da ciência, da arte, o que não se assegura sem parâmetros mínimos de organização, rigor e acompanhamento sistemático. Isso significa uma aposta num novo critério de justiça social: qualidade cognitiva e operativa dos processos de ensino e aprendizagem para todos.

Uma outra questão que tem mobilizado os educadores preocupados com formas de atuação pedagógica dentro das escolas, para além das analises mais globais, é a profissionalização e o desempenho dos professores. De fato, nenhum projeto político e pedagógico de reforma educacional pode prescindir dos professores, a qualidade dos professores é o limite das propostas de mudança na qualidade do ensino (Gimeno, 1999). A esse respeito, vem repercutindo com muita intensidade no Brasil as pesquisas realizadas em países da Europa e nos Estados Unidos sobre o professor reflexivo, isto é, sobre o desenvolvimento da capacidade reflexiva dos professores com base na sua própria prática. Há nessas pesquisas um entendimento de que a formação teórica não resultaria necessariamente numa prática, e sendo assim, a prática deveria ser buscada na reflexão do professor a partir de sua própria prática. Sobre a necessidade de o profissional associar o seu fazer ao processo do pensar não há o que questionar, o cuidado estará sempre em evitar que a ideia do professor reflexivo vire modismo e torne-se tábua de salvação de todos os problemas da escola.

Há outras orientações buscando espaço enquanto teorias educacionais aplicadas à contemporaneidade. Tem-se falado de pós-piagetianismo, linguística aplicada à educação, teoria da complexidade, teoria da corporeidade, teoria da ação comunicativa. São tendências com forte poder de persuasão, mas ainda sem suficiente formulação pedagógica para serem referência para o trabalho dos professores, especialmente naqueles casos em que não procedem da prática, mas do mundo acadêmico. Há, por outro lado, outras orientações de cunho meramente prático, com pouco lastro teórico e crítico, que encantam os professores, mas dispensam sua reflexividade.

Não seria sensato desconhecer a potencialidade teórica e prática de muitas inovações levadas a efeito nos sistemas de ensino, na pesquisa e nas escolas. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer a variedade de olhares com que se vê hoje a escolarização obrigatória, pois daí decorrem distintos objetivos e distintas práticas. Se, todavia, se acredita na educação escolar como direito social universal, se se acredita no desenvolvimento da capacidade de pensar como requisito para a participação social, se se aceita que sem conteúdos científicos e culturais não há desenvolvimento mental, então há que se apostar numa “escolaridade igual para sujeitos diferentes, em uma escola comum”, assim definida por Gimeno Sacristan:

Uma escola comum que satisfaça o ideal de uma educação igual para todos (o que pressupõe em boa medida um currículo comum), na paisagem social das sociedades modernas, acolhendo a sujeitos muito diversos, parece uma contradição ou algo impossível. Não obstante, o direito básico desses sujeitos à educação, nas condições do que Walzer denomina igualdade simples (um ensino com conteúdos e fins comuns), obriga a aceitar o desafio de tornar compatível na escolaridade obrigatória um projeto válido para todos com a realidade da diversidade. (...) a escola, durante a etapa da escolaridade obrigatória, deve ser integradora de todos ou, em caso contrario, trairá o direito universal à educação. Como chegar à universalização efetiva da mesma, respeitando o princípio da igualdade simples, dando acolhida à diversidade de estudantes e, inclusive, aspirando a fazer destes seres singulares? Enfrentamos um desafio tão difícil quanto atrativo (1999).



AS APOSTAS: O QUE SERÁ ESSENCIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES?

Foi Gimeno Sacristan quem inspirou o título deste trabalho quando esteve na 19ª Reunião da ANPEd em 1998. Ele começou sua exposição dizendo que iria expressar três suspeitas sobre o movimento de formação de professores. A primeira, dizia, era de que os professores trabalham, enquanto nós fazemos discursos sobre eles. Não falamos sobre a nossa própria prática mas sobre a prática de outros que não podem falar, que não sabem escrever artigos, e esta seria uma questão ao mesmo tempo sociológica, política e epistemológica. A segunda suspeita referia-se à complexidade do fato de um professor da universidade falar sobre o professor em geral, geralmente o professor do ensino básico porque entre esse professor e o professor universitário haveria muito poucas semelhanças. Somos ambos professores mas, na realidade, fazemos coisas muito diferentes, a preços muito diferentes, com status muito distintos, com poderes muito diferentes. Terceira suspeita: por que investigar os professores se os militares não investigam sobre os coronéis, os médicos não costumam investigar sobre médicos? Gimeno expressa a suspeita de que a maior parte da investigação sobre a formação dos professores é uma investigação enviesada, parcial, desestruturada e descontextualizada, que não entra na essência dos problemas (Cf.Gimeno, 2000).

Como contribuição à reflexão e à proposição de ações, passo das suspeitas às apostas no rumo de outra qualidade da produção de saberes na escola.

1ª aposta: É preciso retomar o debate e tomar posição sobre os objetivos de formação a serem providos pela escola hoje, que forme cidadãos numa sociedade que inclua todos, na nova configuração econômica, política, social, cultural, do mundo contemporâneo. Gimeno está certo, é preciso que retomemos o essencial da prática escolar para sabermos o que é o essencial da identidade profissional dos professores. Vamos formular nossas convicções, nossos propósitos políticos e pedagógicos e, em seguida, aprender na escola, com os professores, com as famílias, o que deve ser uma escola para a realidade social de hoje. O caminho para se chegar à essência dos problemas é fazer a pesquisa e a reflexão sobre a prática docente junto com os agentes diretos da escolarização. Eis o que me parece ser o essencial: os alunos precisam aprender ciência, cultura, arte, processos do pensar, e os professores precisam saber o quê e o como fazer isso. Dizendo o mesmo de um modo “politicamente correto”: “uma escolaridade igual para sujeitos diferentes em uma escola comum”, tal como propõe Gimeno. Na linguagem do pesquisador universitário: investigar a formação de professores a partir das necessidades e demandas da prática. Aprender a cultura, a ciência, a arte através de uma aprendizagem pensante não é nada muito mais do que a sempre proclamada formação geral que, ao mesmo tempo que possibilita a internalização de um conteúdo significativo e útil, proporciona também as ferramentas mentais para lidar praticamente com os conceitos e fazer a leitura e atuação prática no mundo da ciência, da cultura, da arte.

2ª aposta: Uma educação de qualidade para os alunos depende de uma formação teórica e prática de qualidade dos professores. Há exigências notórias de mudança na identidade profissional e nas formas de trabalho dos professores decorrentes de transformações no mundo da produção e do trabalho, nas tecnologias e nos meios de comunicação e informação, nos paradigmas do conhecimento, nas formas de exercício da cidadania, nos objetivos de formação que articulam aspectos cognitivos, sociais, afetivos, estéticos. A formação teórica e prática implica algo como um vai-e-vem entre o estudar e o fazer, mas cujo resultado é o saber fazer com consciência. Não se pode tolerar mais a formação teórica e prática precárias, ao contrário, é preciso cuidar do aprofundamento teórico nas disciplinas propriamente pedagógicas e admitir que o trabalho nas escolas e nas salas de aula implicam um “saber-fazer” que necessita ser assunto do currículo. A insuficiência de formação teórica dificultará a análise reflexiva da prática, por sua vez, a desvinculação do currículo das efetivas demandas da prática não permitirá que os professores desenvolvam competências para lidar com situações novas, problemas novos que sempre acabam por requerer um modus operandi. Muitos professores sentem necessidade de mudanças no seu trabalho e sabem que, para introduzi-las no seu trabalho, dependem de melhor formação pedagógico-didática, ou seja, de reorientação de suas convicções educativas e um replanejamento das práticas docentes em sala. Entretanto, a revisão dos currículos ainda resiste a necessidades de formação para o saber fazer, para as competências que propiciam flexibilidade mental e capacidade de resolver problemas imprevistos.

As propostas de formação de professor têm em comum a ideia de que a transformação da prática docente requer a ampliação da consciência sobre a própria prática. Isso se dá pela reflexão na ação, reflexão sobre o que faz, sobre as decisões que toma. Em paralelo, e sem descartar a reflexividade, desenvolve-se a temática de se conceber a formação de professores a partir das demandas da prática, considerando essa prática como uma situação concreta, em “contextos sociais e institucionais” em que ocorre o ensino (Pimenta, 1998). Ressalta-se aí o papel da pesquisa no ensino, instrumento da prática profissional do professor e forma pela qual o professor pode pensar sua prática, produzir conhecimento que leve ao aprimoramento do seu trabalho[6].

A Didática terá aí um papel decisivo: ajudar os formadores de professores a desenvolverem competências profissionais do saber conhecer, saber fazer, saber agir e, especialmente, a aprenderem a encontrar soluções frente a problemas didáticos, compreender situações concretas que envolvem as ações do ensinar e aprender. Ou seja, não basta refletir sobre a prática, é preciso desenvolver competências. A formação teórica e prática dos professores envolve, obviamente, a formação inicial, mas será necessário um investimento maciço na formação continuada através de um programa nacional de requalificação profissional.

3ª aposta: Somente professores que se transformam em sujeitos cultos, isto é, sujeitos pensantes e críticos, serão capazes de compreender e analisar criticamente a sociedade em que vivem, a política, as diferenças sociais, a diversidade cultural, os interesses de grupos e classes sociais e a agir eficazmente frente a situações escolares concretas. Há uma necessidade premente de o professorado ampliar sua cultura geral. Se precisamos colocar à disposição dos alunos os elementos necessários para desenvolverem uma formação geral elevada, é preciso que a formação dos professores contemple as bases de uma cultura científica na matemática, na geografia, na história, na cultura musical, na cultura literária, na cultura artística em geral. Alguém pode argumentar que isso é papel do ensino fundamental. Mas que fazer se os professores entram nas salas de aula sem dispor desta cultura de base? Se esses instrumentos culturais estão ausentes da formação, se o professor não se tornou um adulto culto, se ele necessita da cultura para ensinar cultura, então é preciso retomá-los na formação inicial e nas ações de formação continuada.

Não se trata, obviamente, do retorno à cultura enciclopédica antiga. Ser culto, hoje, é dispor de ferramentas conceituais para lidar com as coisas, tomar decisões, resolver problemas pessoais e profissionais. Culta é aquela pessoa que tem gosto em ampliar seus esquemas mentais de compreensão da realidade, que tem uma atitude de curiosidade, que desconfia do que parece normal. Uma pessoa culta está aberta a tudo o que não é ela mesma, a aceitar e analisar tudo o que ultrapassa o círculo mais fechado do cotidiano, do familiar, do local, ou seja, ir além das necessidades imediatas. Mas, para isso, são necessários, sim, informação, conteúdos, estratégias de pensamento.

4ª aposta: Ainda o domínio de conteúdos... Não há que se alimentar ilusões no campo da escolarização geral obrigatória: as escolas têm uma referência concreta e real do seu trabalho - os conteúdos escolares e os processos de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas – e nenhuma justiça social se fará sem um propósito de prover isso a todos. O termo “conteúdos” refere-se aos conhecimentos sistematizados, selecionados das bases das ciências e dos modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo métodos e procedimentos de aprendizagem e de estudo; são atitudes, convicções, valores, envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo. É na escola que se trabalha a cultura essencial, ainda que para isso necessite dos aportes das mídias, da cidade, das culturas específicas, dos movimentos sociais.

Um olhar realista sobre as condições de exercício da profissão apontaria para questões extremamente básicas sem as quais se torna difícil o alcance da qualidade de ensino. Por exemplo, no terreno da cultura e da ciência, ninguém dá o que não tem, professor que não se cultiva, que não está seguro ao menos no campo de conhecimento em que se especializa, não pode ensinar cultura. Por isso, é inteiramente descabida e antidemocrática a desvalorização que certos setores da educação vêm atribuindo ao domínio dos conteúdos culturais. Quanto mais se admite estarmos vivendo numa sociedade do conhecimento, mais se requer um conhecimento que interprete, elabore e critique a informação. A informação recebida das mídias e de outras formas de interação cultural representa ideias, conceitos, realidades que, para serem reinterpretadas, necessitam de outras ideias, outros conceitos, outras representações. Do mesmo modo, professores que não desenvolvem habilidades do pensar, que não conseguem argumentar oralmente ou por escrito, não consegue fazer o mesmo com seus alunos.

Nenhuma política de capacitação de professores será bem sucedida se não colocar os conteúdos como instrumentos de formação de capacidades cognitivas e operativas, como portadores dos meios conceituais de pensar a realidade a que se refere cada matéria. Obviamente, se esperamos da educação escolar a relação do aluno com os conteúdos, é fundamental que o mediador dessa relação também tenha um domínio seguro deles, de sua ligação com a prática e com problemas concretos, que saiba trabalhar os conteúdos como instrumentos conceituais para leitura da realidade, como ajuda para compreender o mundo cultural e social.

5ª aposta: A Didática deve ser assumida como disciplina prática, desenvolvendo programas de pesquisa a partir das necessidades e demandas da prática. É preciso ligar os conteúdos de formação com as experiências vividas na prática das escolas, considerar os pedidos de socorro que os professores fazem. Os problemas da prática dos educadores deverão ser considerados como ponto de partida e ponto de chegada do processo, garantindo-se uma reflexão com o auxílio de fundamentação teórica que amplie a consciência do educador em relação aos problemas e que aponte caminhos para uma atuação coerente, articulada e eficaz, frente aos problemas diários da sala de aula.

Não se trata, todavia, de atribuir à formação de professores uma conotação praticista, de formar o professor “prático”. Nem toda prática é necessariamente boa ou adequada, assim como não é possível qualquer reflexão sobre a prática se não há da parte do professor um domínio sólido dos saberes profissionais, incluída aí a cultura geral. E, mais importante que isso, não haverá muito avanço na competência profissional dos professores se ele apenas pensar na sua prática corrente sem recorrer a um modo de pensar obtido sistematicamente, a partir do estudo teórico das matérias pedagógicas e da disciplina em que é especialista. Sem teoria, sem desenvolvimento sistemático de processos de pensamento, sem competência cognitiva, sem o desenvolvimento de habilidades profissionais, o professor permanecerá atrelado ao seu cotidiano, encerrado em seu pequeno mundo pessoal e profissional. Seria uma má estratégia de formação de quadros docentes reservar a capacidade de pensar de forma mais elaborada, a aquisição de uma sólida formação científica, a capacidade de abstração, apenas aos pesquisadores e docentes das universidades. A busca da profissionalidade docente não pode transformar-se em mais uma forma de exclusão do professorado do ensino fundamental.

Os professores necessitam, pois, de uma sólida formação teórica – cultural e científica – para aprender a captar as distorções, as realidades sociais e escolares, desde as desigualdades sociais, as relações de poder, até as sutilezas da relação docente e das dificuldades dos alunos. Inclusive para captar as distorções sociais, culturais, de sua própria prática. O que proponho é que a investigação sobre formação de professores não se detenha no desenvolvimento da reflexividade, mas que coloque questões como: que tipo de formação inicial leva o futuro professor a tornar-se um sujeito pensante, culto e crítico? O que pode ser feito pelos sistemas de ensino para “recuperar” ou remediar a falta de cultura geral e de uma cabeça pensante e crítica?

6ª aposta: Introduzir na formação de professores uma nova visão do ensinar e do aprender – o desenvolvimento das competências do pensar. Na história da educação brasileira, a formação de professores tem sido marcada por um amálgama de, ao menos, três componentes: (1) a idéia de primeiro receber teoria e depois colocá-la em prática, (2) fornecer formação técnica (fase do tecnicismo educacional), (3) propiciar consciência crítica para perceber as contradições da realidade, captar as desigualdades sociais, ir além das aparências para atingir o fundo das coisas. Sabemos que nenhum desses posicionamentos deu conta de melhorar as práticas de formação. Faz-se necessário, hoje, uma mudança de mentalidade sobre o processo do ensinar e aprender por dentro das práticas de formação de professores. Há um razoável consenso hoje em torno de proposições construtivistas: o papel ativo do sujeito na aprendizagem escolar, a aprendizagem interdisciplinar, o desenvolvimento de competências do pensar, a interligação das várias culturas que perpassam a escola etc. A pedagogia estaria empenhada na formação de sujeitos pensantes e críticos, implicando estratégias interdisciplinares de ensino para desenvolver competências do pensar e do pensar sobre o pensar. Escrevi sobre isso recentemente:

O que está em questão é uma formação que ajude o aluno a transformar-se num sujeito pensante, de modo que aprenda a utilizar seu potencial de pensamento por meio de meios cognitivos de construção e reconstrução de conceitos, habilidades, atitudes, valores. Trata-se de investir numa combinação bem-sucedida da assimilação consciente e ativa desses conteúdos com o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas pelos alunos visando a formação de estruturas próprias de pensamento, ou seja, instrumentos conceituais de apreensão dos objetos de conhecimento, mediante a condução pedagógica do professor que disporá de práticas de ensino intencionais e sistemáticas de promover o “ensinar a aprender a pensar” (Libâneo, 1998).

A mesma coisa precisa ser dita em relação à formação inicial e continuada de professores. É preciso saber que experiências de aprendizagem podem ser providas nos cursos, encontros, treinamentos que possibilitem aos professores mais qualidade cognitiva no processo de construção e reconstrução de conceitos, procedimentos, valores. Obviamente, isso significa que as ações de formação continuada são ações didáticas, elas próprias consistem de um processo de ensino, de modo que tudo o que queremos que aconteça nas escolas em termos de mudança de atitude dos professores na sala de aula, deve acontecer também nas ações de formação continuada.

7ª aposta: Reavaliar o perfil dos formadores de professores na formação inicial e continuada. Os responsáveis pelos programas e ações de formação inicial e continuada precisam investir na qualificação específica dos formadores de professores. Não é mais aceitável que as licenciaturas mantenham professores que não possuem uma preparação pedagógico-didática. É preciso que dominem princípios elementares da didática, da psicologia da aprendizagem, da teoria do conhecimento, que fique claro para todos que a docência de qualquer conteúdo científico e cultural supõe uma transposição pedagógico-didática e o domínio de saberes pedagógicos (como condição para aprendizagem eficaz), o conhecimento das características sociais e culturais dos aprendentes.



8ª aposta. Os sistemas de ensino e as agências formadoras precisam desenvolver estratégias e procedimentos de avaliação de desempenho dos professores, integrando a avaliação do processo e a avaliação do produto nas instituições formadoras. É preciso investigar mais sobre formas de avaliação dos processos e resultados das ações de formação continuada. Tem havido pouca consciência entre os educadores (especialmente entre os que formam opinião), de que todo o aparato de gestão do sistema e da escola, todo o sistema de formação de professores, todas as lutas pela democratização, somente têm sentido se se projetarem na melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Serão inúteis as práticas democráticas de gestão, a descentralização, a avaliação institucional externa, a participação dos pais etc. se os alunos não aprimorarem sua aprendizagem, se não aprenderem mais e melhor. Nesse caso, não saberemos se o professor é competente se não soubermos se o aluno aprendeu bem, se dominou os conceitos básicos, se desenvolveu habilidades de pensamento, se soube usar os conhecimentos na prática. Não se trata, obviamente, de estabelecer diagnósticos meramente a partir dos resultados de desempenho do aluno, mas de pesquisar formas avaliativas que contemplem conjuntamente aspectos do processo e dos resultados.

Em trabalhos recentes, Placco (1998) tem investigado pistas para saber como os professores concebem e analisam sua formação e as ações de capacitação e atualização e que representações expressam quanto à sua prática, consciência de suas dificuldades, dificuldades dos alunos e sua participação na exclusão social desses alunos. Ela justifica seu trabalho a partir da constatação de que, nos cursos de formação inicial e continuada, “as qualificações didáticas e pessoais do professor recebem uma atenção periférica. A articulação dessa formação com o cotidiano do professor é ainda menos cuidada; as ocorrências de sala de aula e as suas relações com as questões teóricas e didático-pedagógicas não se inserem na maior parte dos processos formativos”. Essa constatação reforça a necessidade de se aferir em que grau as ações de formação continuada estariam respondendo às necessidades dos professores e do sistema de ensino a partir de critérios pedagógico-didáticos e das demandas sociais de escolarização. Ao mesmo tempo, é desejável que sejam aferidas as mudanças no trabalho do professor junto com resultados efetivos de aprendizagem dos alunos. A produção ou indução de meras mudanças nos discursos dos professores são inócuas se não se verificam mudanças efetivas na prática docente e na aprendizagem dos alunos.

9ª aposta: Ainda e sempre, a necessidade de mudanças nas condições salariais e de trabalho - É absolutamente imprescindível que os professores mantenham as reivindicações por melhores salários, condições de trabalho e plano de carreira. Os professores precisam ganhar respeito pelo seu próprio trabalho. E aqui é preciso formar entre os administradores e professores uma mentalidade em que o desenvolvimento profissional esteja articulado com a progressão na carreira. O sistema de promoção na carreira do magistério precisa prever formas de estímulo à iniciativa individual de autoformação e desenvolvimento profissional, de modo que os professores tenham acesso a melhores níveis salariais.

O educador italiano Mario Manacorda, em 1986, dizia numa entrevista:

Creio que (...) uma educação voltada apenas para a afirmação dos princípios de liberdade, democracia, participação cultural, não basta, porque tal gênero de educação os inimigos da democracia também podem fazer, no plano do discurso. Sem negar ou ignorar esses princípios, considero mais importante que os homens sejam instruídos, isto é, armados de saber, de tal modo que possam participar concretamente da criação de uma vida mais rica, de uma maior capacidade produtiva, com maior participação democrática. Isso significa mais instrução, mais cultura. (...) Mas a cultura hoje não passa somente pelo ler, escrever e fazer contas. Passa pelo conhecimento teórico-prático, conhecimento e uso de novos instrumentos de produção e comunicação entre os homens. É preciso dar instrução, sim, mas como instrumento concreto de conhecimento, de capacidade operativa, produtiva, e de capacidade cognoscitiva.

Se se pode dizer que a justiça social, hoje, no que diz respeito à democratização da educação escolar, é a garantia da qualidade cognitiva e operativa das aprendizagens, para a produção de saberes, numa sociedade e numa escola que inclua todos, certamente valerá a pena continuar apostando na busca de dignidade e credibilidade profissional dos professores a partir da qualidade de sua formação e das suas condições de trabalho.


TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR

  

Tendências pedagógicas na prática escolar

    Boa parte dos professores baseia sua prática pedagógica em prescrições que viram senso-comum, aquelas mesmas incorporadas ao longo da vida estudantil ou pela transmissão informal dos mais velhos.
    Saviani, num artigo (1981), descreve sobre uma confusão que os professores vivenciam nesta época. Caracterizando a pedagogia tradicional e a pedagogia nova, indica o aparecimento da tendência tecnicista e das teorias crítico-reprodutivas, todas incidindo sobre o professor. "Os professores têm na cabeça o movimento e os princípios da escola nova. A realidade, porém, não oferece aos professores condições para instaurar a escola nova, porque a realidade em que atuam é tradicional. (...) o professor se vê pela pedagogia oficial que prega a racionalidade e a produtividade do sistema e do seu trabalho, isto é: ênfase nos meios (tecnicismo). (...) E não aceita a linha crítica porque não quer receber a denominação de agente repressor".

    As tendências pedagógicas foram classificadas em liberais e progressistas, a saber:

A - Pedagogia Liberal
1- tradicional
2- renovada progressista
3- renovada não-diretiva
4- tecnicista

B - Pedagogia progressista
1- libertadora
2- libertária
3- crítico-social dos conteúdos

Pedagogia Liberal

    O termo liberal não tem o sentido de "avançado", "democrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais na sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal é uma manifestação própria desse tipo de sociedade.
    A educação brasileira tem sido marcada nos últimos cinquenta anos pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Tais tendências se manifestam, concretamente, nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se deem conta disso.
    A pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais, para isso os indivíduos precisam aprender adaptar-se aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. Historicamente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razões de recomposição da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (também denominada escola nova ou ativa). O que não significou a substituição de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem com a prática escolar.

Pedagogia Progressista:

    Este termo, emprestado de SNYDERS, é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sócio-políticas da educação. Evidentemente a Pedagogia Progressista não tem como se institucionalizar numa sociedade capitalista; daí ser um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais.

SABER, SABER SER, SABER FAZER O CONTEÚDO DO FAZER PEDAGÓGICO

    Tradicionalmente a formação do educador escolar vem abrangendo três dimensões da prática docente – o saber, o saber ser e o saber fazer – privilegiando-se uma ou outra, de acordo com a concepção filosófica do processo educativo que se adote. Raramente essas dimensões andaram juntas: a escola renovada, por exemplo, durante muito tempo, acentuou o saber fazer em prejuízo do saber, ao contrário da escola conservadora, que acentuou exatamente o inverso. Com muita frequência, também o deslocamento da ênfase para o saber ser – ou seja, nas características pessoais positivas do educador – tem levado, ora à neutralidade da prática docente que valoriza um professor ausente, ora a um comprometimento pessoal político ou religioso tão envolvente que dissolve a especificidade do ensino escolar – o saber e o saber fazer.

... A educação escolar deve recuperar sua unidade através de uma perspectiva integradora. Na verdade, é dessa integração que resultarão os princípios de um novo projeto de fazer pedagógico. Sem essa dimensão explícita da ação pedagógica escolar – a perspectiva integradora no ato educativo -, a escola deixa de ter sentido. Se, efetivamente, como querem alguns críticos, ensinar não é dar aula, organizar planos de ensino, administrar, prever métodos e técnicas, fazer algum tipo de aconselhamento, supervisionar, etc., (...) Numa perspectiva de educação crítica, direcionada para uma pedagogia social que privilegia uma educação de classe no rumo de um novo projeto de sociedade, a escola pública possui papel relevante e indispensável. Para isso, é preciso sim, dar aulas, fazer planos, controlar a disciplina, manejar a classe, dominar o conteúdo e tudo o mais. (...) Uma boa instrumentação teórico-prática é necessária, para que os professores tomem consciência do lado político de sua prática.

ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL, ESCOLA PÚBLICA E PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS

    As posições dos educadores envolvidos no cotidiano da escola pública de hoje podem ser caracterizadas em três grupos: os que continuam atuando dentro de pressupostos da pedagogia liberal, seja de tipo tradicional, seja de tipo renovado-tecnicista; os que continuam sustentando o discurso da escola reprodutora preferindo a denúncia política ao trabalho pedagógico na escola e os que vêm tentando uma atuação pedagógica crítica, por acreditar na possibilidade de explorar os espaços disponíveis pelas contradições da sociedade de classes.
(...) a orientação educacional é um produto genuíno da pedagogia nova, por onde se formalizou sua conotação de mentora, na escola, do enfoque psicológico estrito da educação.
...Há muito trabalho a ser feito por orientadores, supervisores, psicológicos educacionais. As tarefas parcializadas desses profissionais deveriam ser unificadas numa única, a coordenação de ensino, centrada sobre as relações entre alunos-professores-matérias de ensino e na prática social vivida.

PSICOLOGIA EDUCACIONAL: UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA – ESTUDO SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA E DIDÁTICA

    A mais grave limitação do ensino da Psicologia educacional é a distância entre seu conteúdo e a prática escolar e isso explica seu efeito quase insignificante na formação de professores.
(...) uma das dificuldades desse entrosamento pode estar na impermeabilidade entre as ciências que concorrem para a explicação do ato educativo. Devido ao pouco desenvolvimento da ciência pedagógica, os próprios educadores têm permitido que as ciências auxiliares da educação (Psicologia da, Sociologia da, Economia da) disputem a hegemonia sobre o especificamente pedagógico. Isso tem favorecido toda a sorte de reducionismos: além do próprio pedagogismo, o sociologismo e o psicologismo.
(...) o enfoque sociopolítico leva a reduzir todos os problemas da escola e da educação ao conhecimento e crítica da função social de reprodução das relações sociais de produção que cumprem em nossa sociedade. Esta posição recusa qualquer fundamentação psicológica na educação, força a diluição do pedagógico no sociopolítico e assim falha por não considerar o ato educativo na sua totalidade.
(...) o enfoque estritamente psicológico ignora o efeito das condições sociais e políticas sobre o comportamento, tornando subjetivos os problemas gerados pela estrutura social e econômica. As tendências psicológicas atuais continuam concebendo um tipo de sociedade idealizada, para a qual as pessoas devem ser ajustadas, buscando no indivíduo a origem de suas condutas.
(...) o pedagogismo é tido por muitos professores e técnicos escolares como a preservação da missão salvadora da escola na supressão das desigualdades sociais, independentemente do sistema social e político, como se a sociedade pudesse ser modificada exclusivamente em decorrência da ação escolar.
(...) O ato educativo não é exclusivamente psicológico ou pedagógico ou sociopolítico; é um momento específico de interação social, configurando uma totalidade para a qual convergem fatores econômicos, sociais e psicológicos e que se constituem em condições para o completamento da ação pedagógica, cujo termo é o desenvolvimento individual e social. ... É em referência ao evento pedagógico que se buscará a contribuição da psicologia educacional e sociologia educacional.
(...) No que se refere ao ensino da Psicologia, trata-se de articular seus princípios e explicações com a prática cotidiana do professor, para que ele próprio os transforme em métodos e conteúdos. Levar em conta a problemática real da escola significa: classes numerosas, condições desiguais nos pré-requisitos para a aprendizagem, motivação e interesses vinculados a perspectivas de classe social, problemas de comunicação e entendimento professor-alunos, indisciplina, inadequação de programas, etc. a orientação do ensino se torna psicológica quando pretende adaptar-se ao aluno. Na verdade, não se estaria errando muito se se pudesse extrair o conteúdo da Psicologia da observação atenta de como certos professores conseguem aproximar-se dos interesses, compreensão e linguagem das crianças sem sacrificar a tarefa de ensinar, o que Wallon chama de "poder espontâneo de simpatia intelectual", e que infelizmente não pertence a todos.
O segundo nível de atuação da Psicologia na escola se dá através do supervisor/orientador educacional. O autor não faz distinção relevante entre supervisor pedagógico e orientador educacional: quanto mais cresce a convicção da unidade do ato pedagógico na sua diversidade, menos sentido faz a fragmentação do atendimento ao professor e ao aluno; algo parecido se poderia dizer do próprio diretor de escola.

ANOTAÇÕES SOBRE A QUESTÃO PEDAGÓGICO-DIDÁTICA E A POLÍTICA DA EDUCAÇÃO

    Pedagogia e didática se correspondem, mutuamente, a primeira buscando na prática educativa a compreensão crítica da sociedade, da cultura, da geração em desenvolvimento a partir de seus determinantes histórico-sociais, constituindo-se na teoria da ação educativa na sua intimidade, a fim de apreender suas exigências concretas; e os determinantes que afetam os sujeitos envolvidos (sistema de valores, linguagem, condições concretas de vida e de trabalho, motivações, etc.), proporcionando elementos para a reavaliação das diretrizes teóricas.
(...) o ato pedagógico constitui-se de uma relação entre o aluno e as matérias de estudo, mediadas pelo professor, a quem cabe garantir os efeitos formativos desse encontro. O ato pedagógico não se dá ao acaso, exige um trabalho docente sistemático, intencional, planejado, visando introduzir o aluno nas estruturas significativas; exige, além disso, que a assimilação seja ativa, embora não espontânea. É preciso que se conheçam as disposições do aluno, em termos socioculturais e psicológicos, a fim de que sejam conquistados seus interesses, sua colaboração, sua aspiração à formação. É preciso não apenas que se valorize o significado humano e social da cultura, mas o desvelamento das contradições sociais, atribuindo-se uma conotação crítica à transmissão do saber.
(...) os discursos e a mobilização política em torno da escola pública e gratuita tendem a se tornar inócuos caso não sejam seguidos de intervenções dentro das escolas, no domínio do pedagógico-didático; para isso é preciso que os educadores empenhados na valorização da escola adquiram uma formação pedagógica mais consistente e pesquisem situações pedagógicas reais, com suas exigências concretas, suas dificuldades e positividades.

DIDÁTICA E PRÁTICA HISTÓRICO-SOCIAL
(Uma introdução aos fundamentos do trabalho docente)

    Pedagogia crítico-social - esta corrente da pedagogia progressista defende o ponto de vista de que a principal contribuição da escola para a democratização da sociedade está na difusão da escolarização para todos, colocando a formação cultural e científica nas mãos do povo como instrumento de luta para sua emancipação. Valoriza a instrução como domínio do saber sistematizado e os meios de ensino como processo de desenvolvimento das capacidades cognitivas dos alunos e viabilização da atividade de transmissão/assimilação ativa de conhecimentos. Assume a historicidade da escola, sendo determinada pelos interesses opostos das classes existentes na sociedade, e, determinante, porque histórica e fruto da atividade humana transformadora.

    A pedagogia crítico-social propõe uma teoria pedagógica embasada numa concepção de mundo que parte das condições concretas em que se desenvolve a luta de classes; propõe uma didática que determina princípios e meios como diretrizes orientadoras para os processos de ensino necessários ao domínio de conhecimentos, garantindo durabilidade aos efeitos formativos da instrução e da educação.
    O trabalho docente concebe o aluno como ser educável, sujeito ativo do próprio conhecimento, mas também como ser social, historicamente determinado, indivíduo concreto, inserido no movimento coletivo de emancipação humana. (...) É preciso que o professor aprenda a abarcar todos os aspectos, ligações e mediações inerentes à ação pedagógica, tomá-lo no seu desenvolvimento, nas suas contradições, a fim de introduzir no trabalho docente a dimensão da prática histórico-social no processo do conhecimento.
(...) uma didática crítico-social concebe o ensino como transmissão intencional e sistemática de conteúdos culturais e científicos, a partir do entendimento de cultura como expressão das contradições e lutas concretas da sociedade.
Os enfoques da didática nas tendências pedagógicas são pelo menos três:
O tradicional → didática assentada na transmissão cultural, concebendo o aluno como um ser receptivo/passivo, atribuindo um caráter dogmático aos conteúdos e métodos da educação.
Valoriza o aspecto material do ensino. A didática é entendida como um conjunto de regras e preceitos → matéria a ser ensinada, devendo o aluno submeter-se aos métodos do professor.
O renovado-tecnicista → versão modernizada da escola nova, acentua o caráter prático-técnico do ensino e sua neutralidade face às questões sociais.
(...) inspirado numa concepção de sociedade assentada na produtividade, na eficiência e no rendimento, foi incorporado à tendência escolanovista como continuidade dela.
O sociopolítico → assume uma postura crítica em relação aos dois anteriores, acentua a relevância dos determinantes sociais na educação e, as finalidades sociopolíticas da escola. Sustenta uma visão parcializada da educação, ao reduzi-la à sua dimensão sociopolítica, negando a especificidade do pedagógico.
(...) é acentuado pelas tendências progressistas, mas é exacerbado nas versões libertadora e libertária. ... o movimento da crítica sociopolítica à pedagogia e à didática se inicia no começo da década de 70, mas é na segunda metade que aparecem suas manifestações na prática escolar → não existem problemas pedagógicos, mas problemas políticos. A escola cumpre o papel de aparelho ideológico do Estado garantindo uma função política de inculcacão da ideologia burguesa, acomoda-se às necessidades do sistema industrial como formadora de mão-de-obra, domestica professores e alunos por meio de procedimentos burocráticos e técnicas didáticas, subordina-se aos princípios da racionalidade, eficiência e rendimento máximos.
  A pedagogia crítico-social dos conteúdos tem como propósitos integrar os aspectos material/formal do ensino e, ao mesmo tempo, articulá-los com os movimentos concretos tendentes à transformação da sociedade. Valoriza a escola enquanto mediadora entre o aluno e o mundo da cultura, cumprindo esse papel pelo processo de transmissão/assimilação crítica dos conhecimentos, inseridos no movimento da prática social concreta dos homens, que é objetiva e histórica.
    A pedagogia dos conteúdos considera que a invenção da escola na sociedade não é mera casualidade, mas resultado de necessidades e exigências sociais que lhe dão o caráter inelutável de historicidade, e, por conseguinte, de transitoriedade de cada modalidade e ação formativa existente.
(...) Teoria e prática, pedagogia e didática são momentos inseparáveis na atividade transformadora da prática social, enriquecendo-se mutuamente à medida que a prática educativa concreta é questionada e modificada em decorrência das exigências de situações pedagógicas que ocorrem em circunstâncias históricas determinadas.
(...) o trabalho docente é um momento-síntese, uma totalidade à qual afluem determinantes econômicos, sociais, biológicos, psicológicos que são, ao mesmo tempo, condições para o complemento do ato educativo. São também mediações que irão favorecer ou dificultar a um aluno apropriar-se do saber escolar e, por ele, construir-se como ser social ativo. ... o trabalho docente consiste então na atuação do professor no ato educativo medindo os processos pelos quais o aluno apropria ou reapropria o saber de sua cultura e o da cultura dominante, elevando-se do senso comum ao saber criticamente elaborado. (...) o núcleo do trabalho docente é o encontro direto do aluno com o material formativo (apropriação ativa de conhecimentos). (...) o trabalho docente consiste numa atividade mediadora entre o individual e o social, entre o aluno e a cultura social e historicamente acumulada, entre o aluno e as matérias de estudo.
No trabalho docente as orientações metodológicas podem ser operacionalizadas em três passos articulados entre si:

- Situação orientadora inicial (síncrese)

-  Desenvolvimento operacional (análise)

- Integração e generalização (síntese)

"A síncrese corresponde à visão global, indeterminada, confusa, fragmentária da realidade; a análise consiste no desdobramento da realidade em seus elementos, a parte como parte do todo; a síntese é o resultado da integração de todos os conhecimentos parciais num todo orgânico e lógico, resultando em novas formas de ação → Do sincrético pelo analítico para o sintético".
(...) a didática progressista assentada numa pedagogia crítico-social dos conteúdos vai buscar formas pedagógicas da pedagogia tradicional, da pedagogia renovada e outras pedagogias, em procedimentos lógico-metodológicos de análise da realidade concreta que sirvam de apoio ao professor nas situações pedagógicas específicas. Uma teoria crítica de escola parte de uma avaliação das circunstâncias histórico-sociais e concretas que determinaram o aparecimento e o desenvolvimento das formas pedagógicas, para incorporá-las, por superação, às realidades sociais presentes.
   O conhecimento deste conteúdo, instrumentaliza o educador, norteando o seu trabalho e agora, com certos indicadores, pode identificar qualquer falha possível que venha ocorrer no curso desta prática.

    A democratização da escola, portanto deve ser:
1-Ampliação das oportunidades educacionais
2-Difusão dos conhecimentos
3-Reelaboração crítica desses conhecimentos
4-Conhecimento científico para as camadas populares
5-Conhecimento científico visando melhoria de vida para essas camadas, quando esses forem motivos de resposta a anseios e aspirações imediatas.
6- Inserção do indivíduo num projeto coletivo de mudança da sociedade.

Bibliografia:


LIBÂNEO, José C. Democratização da escola pública, São Paulo, Edições. Loyola,1985.

 

 

Construtivismo em Vygotsky

 Outro psicólogo que fundamenta o pensamento construtivista, Lev Vygotsky, Tendo sido contemporâneo de Piaget, ambos nasceram em 1896. Vigotsky elaborou uma teoria que tem por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico e o papel de linguagem e da aprendizagem neste desenvolvimento.

Para Vigotsky, as origens da vida consciente e do pensamento abstrato deveriam ser procuradas na interação do organismo com as condições de vida social e nas formas histórico-sociais de vida da espécie humana e não, como muitos acreditavam, no mundo espiritual e sensorial dos homens. Sendo, portanto, necessário analisar o reflexo do mundo exterior no mundo interior dos indivíduos a partir da interação destes com a realidade.

Enquanto no referencial Construtivista o conhecimento é entendido como ação do sujeito sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), o referencial Histórico Cultural enfatiza a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações. Na troca com outros sujeitos e consigo próprio vão se internalizando os conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própria consciência.

A discussão do pensamento de Vygotsky na área educacional e psicológica nos remete a uma reflexão sobre as relações entre ele e Piaget. Esse confronto se dá uma vez que os autores possuem vários pontos divergentes que separam os seus pensamentos em abordagens ou pontos de vista diferentes.

Ambos autores fazem parte das correntes interacionista (através de dialética externas de adaptação entre o organismo psicológico do indivíduo e seu mundo circundante ou contexto) e construtivista (dialéticas internas de organização entre as partes do organismo psicológico, como explicação da mudança adaptativa), entretanto Vygotsky enveredou-se pelo marxismo. É interessante notar que seu pensamento tem como pano de fundo essa teoria. Desse embasamento, o autor abstrai que o ser humano é criado histórico e socialmente, e que suas relações com a natureza e com os outros homens no nível da consciência são lidados de forma espontânea apenas quando ele não tem percepção da consciência sobre aquilo que está fazendo. Por outro lado, à medida que o homem toma consciência da consciência que possui, mais e mais ele abstrai sobre seus atos e sobre o meio. Com isto, seus atos deixam de ser espontâneos (no sentido biológico do termo) para se tornarem atos sociais e históricos, envolvendo a psique do indivíduo. Observe que, nesse diverso campo da consciência, existe como base metodológica e objeto de estudo a intencionalidade da consciência.

Diríamos de certa forma, que para este autor a consciência é o estado supremo do homem, o que na teoria vygotskiniana é chamado de Tomada de Consciência. E esses elementos da consciência vão dar origem aos denominados processos mentais superiores, os quais são diferentes dos processos mecânicos, por estes serem ações conscientes, controladas ou voluntárias, envolvendo memorização ativa seguida de pensamento abstrato.

Vygotsky interessou-se por enfatizar o papel da interação social ao longo do desenvolvimento do homem.  Donde surge o termo sócio-cultural ou histórico atribuído nesta teoria. E assim assinalam-se constantemente a busca de explicar os processos mentais superiores baseados na imersão social do homem que por sua vez é histórico, ontológico e filogenético.

Vygotsky entendia que os processos psíquicos, a aprendizagem entre eles, ocorrem por assimilações de ações exteriores, interiorizações desenvolvidas através da linguagem interna que permite formar abstrações. Para Vygotsky, a finalidade da aprendizagem é a assimilação consciente do mundo físico mediante a interiorização gradual de atos externos e suas transformações em ações mentais.

Nesse processo, a aprendizagem se produz, pelo constante diálogo entre o exterior e interior do indivíduo, uma vez que para formar ações mentais tem que partir das trocas com o mundo externo, cuja da interiorização surge a capacidade da atividades abstratas que a sua vez permite elevar a cabo ações externas.

O que nos faz pensar que esse processo de aprendizagem se desenvolve do concreto (segundo as variáveis externas) a abstrata (as ações mentais), com diferentes formas de manifestações, tanto intelectual, verbal e de diversos graus de generalizações e assimilações.

Costuma-se destacar que a abordagem de Vygotsky tem explicação das mudanças de ordem qualitativa. Isto porque o autor preocupou em descrever e entender o que ocorre ao longo da gênese de certas funções, assim como, no estudo da linguagem da formação de conceitos, etc. Nessa teoria não se tem estágios de desenvolvimento explicado detalhadamente sobre o surgimento e desenvolvimento das funções psíquicas através de acumulação de processos elementares. Já que nessa abordagem não se questiona o fato de que todos os indivíduos tenham uma capacidade de aprendizagem que, inicialmente, está condicionada pelo nível de desenvolvimento alcançado. Mas existe na teoria de Vygotsky, assim como na de Piaget - os diferentes níveis de funcionamento psicológico, cada qual com características específicas:

Pseudo-conceitos: aqui ainda a criança não consegue formular conceitos, mas o pensamento ocorre por cadeia e de natureza factual e concreta. Nesta fase a criança se orienta pela semelhança concreta visual, formando apenas um complexo associativo restrito a um determinado tipo de conexão perceptual.

Conceitos: formação de conceito atividade complexa e abstrata, que usa o signo, ou palavra, como meio de condução das operações mentais.

Conceitos cotidianos: aprendidos assistematicamente, estes conceitos dispensam a necessidade da escola para a sua formulação.

Conceitos científicos: constituído por um sistema hierárquico de inter-relação, são os conceitos aprendidos na escola sistematicamente.

Nessa teoria há uma complexa relação entre o aprendizado e o desenvolvimento, ao contrário do que se tem em Piaget, onde a curva do desenvolvimento antecede em grande escala para que ocorra o aprendizado. Em Vygotsky, as curvas do aprendizado não coincidem com as do desenvolvimento, sendo que quando a criança aprende algum conceito, por exemplo: aritmética, o desenvolvimento dessa operação ou conceito apenas começou. Não há paralelismo entre aprendizagem e o desenvolvimento das funções psicológicas correspondentes. Tal relação é um processo extremamente complexo, dialético, não linear se dá aos saltos.

A aprendizagem dos alunos vai sendo assim construída mediante processo de relação do indivíduo com seu ambiente sócio-cultural e com o suporte de outros indivíduos mais experientes. É na zona de desenvolvimento proximal (ZDP) que a interferência desses outros indivíduos é mais transformador. O conceito de ZDP é relativamente complexo, ele compreende a região de potencialidade para o aprendizado. No caso da criança, representa uma situação cognitiva em que ela só consegue resolver determinada tarefa psicointelectual com auxílio de alguém mais experiente.

É justamente a comprovação da existência de uma área de desenvolvimento potencial que o, texto abaixo menciona a postura da escola nessa área. É aqui que desprende ou desvincula a proposta de uma concepção distinta da ajuda pedagógica de que surge das teorias de Piaget. Se em Piaget havia que ter em conta o desenvolvimento como um limite para adequar o tipo de conteúdo de ensino a um nível evolutivo do aluno, em Vygotsky o que tem que estabelecer é a sequência que permite o progresso de forma adequada, impulsionando ao longo de novas adequações, sem esperar a maduração "mecânica" e evitando que possa pressupor as dificuldades para prosperar por não delinear um desequilíbrio adequado. É desta concepção que Vygotsky afirma que a aprendizagem vai em frente do desenvolvimento

Assim, para Vygotsky, as potencialidades do indivíduo devem ser levadas em conta durante o processo de ensino aprendizagem. Isto porque, a partir do contato com pessoa mais experiente e com o quadro histórico-cultural, as potencialidades do aprendiz são transformadas em situações em que ativam nele esquemas processuais cognitivos ou comportamentais. Pode acontecer também de que este convívio produza no indivíduo novas potencialidades, num processo dialético contínuo.

Assim, para Vygotsky, como a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, a escola tem um papel essencial na construção do ser psicológico e racional. A escola deve dirigir o ensino não para etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando como um incentivador de novas conquistas psicológicas. Assim, a escola tem ou deveria ter como ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança (em relação ao conteúdo) e como ponto de chegada os objetivos da aula que deve ser alcançado, ou seja chegar ao potencial da criança. Aqui o professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente.

Observe que esse nível de desenvolvimento real que é abordado na teoria refere-se ao que a criança no seu nível atual, real e efetivo, ou seja, aquilo que a criança consegue fazer sem ajuda de outro. Enquanto que no nível de desenvolvimento proximal são as funções que não amadureceram, mas estão em estado embrionário - diz respeito às potencialidades e aos processos a longo prazo. Por conseguinte, o que ocorre para Vygotsky é que o aprendizado progride mais rapidamente do que o desenvolvimento. Por isto, a proposta do termo ZDP em sua teoria, e que é onde a escola deve atuar. É aí que o professor agente mediador (por meio da linguagem, material cultural entre outros) intervém e auxilia para a construção e reelaboração do conhecimento do aluno, para que haja seu desenvolvimento.

De forma geral, Piaget e Vygotsky contribuíram para a elaboração de metodologias inovativas que ultrapassam aquelas existentes na escola tradicional. Isto para que, a partir daí, possam trabalhar rumo a uma educação significativa e construtiva – a qual possa conduzir o aluno a ser sujeito consciente de sua autonomia social.


Construtivismo em Piaget

 

    Embora especializado em biologia, Piaget demonstra logo cedo seu interesse pela lógica e pela epistemologia, desenvolvendo pesquisas no campo da psicologia infantil e educação. Através de uma psicologia do desenvolvimento da inteligência( A linguagem e o pensamento da criança, 1925; Juízo e raciocínio da criança,1928; A psicologia da inteligência, 1947; A origem da inteligência nas crianças, 1954; Os começos da lógica na criança, 1954, etc.).
Piaget estabelece uma teoria sobre as quatro fases através das quais o indivíduo - desde o nascimento até a idade adulta - adquiri aptidões para o raciocínio lógico.
Assim, nos convém relacionar em primeiro instante o pensamento de Piaget: sua abordagem é construtivista principalmente porque nos ajuda a pensar o conhecimento científico na perspectiva da criança ou daquele que aprende. O seu estudo é principalmente centrado em compreender como o aprendiz passa de um estado de menor conhecimento a outro de maior conhecimento, o que está intimamente relacionado com o desenvolvimento pessoal do indivíduo.
O essencial nessa teoria consiste em que o pensamento não é resultado automático de reflexos ou intuição, mas sim uma operação flexível, que se desenvolve através de tentativa de erros. Piaget aceitou o estruturalismo e até completou, ao incluir nele as temáticas do sujeito, da gênese e da função. Na Epistemologia genética (1970), ele analisa os fundamentos do conhecimento. publicou também importantes trabalhos sobre gênese das estruturas matemáticas e lógicas e no campo das investigações interdisciplinares.

 Piaget chama de epistemologia a sua teoria do conhecimento porque está centralizada no conhecimento científico. E também de genética porque, além de atentar-se no como é possível alcançar o conhecimento - ele estuda as condições necessárias para que a criança (bebê) chegue na fase adulta com conhecimentos possíveis a ela. Disto, surge o termo em Piaget epistemologia genética ou psicogenética.

Em sua posição epistemológica, cujos fundamentos implicam uma franca oposição aos  pensamentos  empíricos e racionalistas, nos  quais se busca explicar  o processo que ocorre  no desenvolvimento cognitivo do  homem. Suas principais bases são:

- O sujeito está ativo, processando as informações enviadas a ele por seus sentidos, com base em seus quadros conceituais chamados esquemas.

- Esquemas são construídos à medida que o sujeito (indivíduo) interage com o objeto (do conhecimento).

- O sujeito constrói seus esquemas interpretativos, à medida que ele e o objeto interagem.

- É necessário que o sujeito aja sobre o objeto de forma física e - principalmente mental, para conhecê-lo; isso faz com que o sujeito mude suas estruturas mentais, por isso diz-se que o sujeito age sobre o objeto e sobre o assunto.

- À medida que o conhecimento do objeto avança, torna-se   mais complexo e são necessários níveis mais avançados de desenvolvimento do conhecimento, ou seja, um conhecimento mais profundo do objeto é obtido.  objeto, mas nunca total.

- Mudanças no nível cognitivo do sujeito requerem um momento de ajuste entre as estruturas mentais anteriores e as novas.

    Ao contrário dessa abordagem cujo ponto de partida é a ação, os anteriores não concebem uma interação entre o objeto e o sujeito, mas explicam o problema do conhecimento em um único sentido, seja do objeto ou com a primazia do sujeito. Para esclarecer melhor essas posições, o empirismo e o racionalismo estão estabelecidos abaixo:

Empirismo:

- O sujeito é passivo, ou seja, ele não processa a informação.

- Conhecimento é a cópia simples de informações sobre as características do objeto.

- Os esquemas são o produto da experiência sensorial acumulada.

- A estrutura cognitiva é meramente cumulativa.

Racionalismo:

- O sujeito é ativo na prática de que processa as informações enviadas a ele por seus sentidos com base em seus quadros conceituais (esquemas).

- Esquemas são inatas.

- A estrutura cognitiva já está formada, só é atualizada para aceitar o novo conhecimento.

    De acordo com as abordagens epistemológicas de Piaget, o conhecimento (aprendizagem) tem sua gênese em ação; no entanto, é conduzida com base em uma organização mental anterior, conhecida em sua forma mais simples como esquemas. Quando um conjunto de esquemas é organizado consistindo de leis entre eles, eles constituem uma estrutura, cuja função também é orientar a ação e interpretar o objeto, apenas que ele tem um nível mais complexo (Hernández, 1998)
    Assim, os estudos de Piaget são uma construção conceitual que define o desenvolvimento intelectual através da análise de aspectos estruturais, referindo-se ao tipo de estruturas que definem competência cognitiva, e aspectos funcionais, nos quais são descritos os mecanismos e processos que explicam o desenvolvimento das estruturas. É o que mais tarde será conhecido como o modelo de equilíbrio (Díaz Barriga em Castorina, 1999).
    Nos aspectos estruturais, é postulado que a competência cognitiva operatória determina em grande parte a capacidade do sujeito (nossos alunos) de assimilar e entender os objetos do conhecimento, para quais estágios de desenvolvimento foram derivados de acordo com determinadas idades-chave, o que significa a necessidade de adaptar diferentes pedagogias em cada uma delas.
    A teoria psicogenética desperta nos educadores enormes interesses devido a vários fatores, como:

descreve as características do pensamento sensório-motor, pré-operatório, concreto e formal;

- apresenta uma análise sistemática da gênese das noções básicas do pensamento racional (espaço, tempo, causalidade, movimento, lógica das classes, lógica das relações, etc.) ;

- aborda como se dá o desenvolvimento e aprendizagem ;

- explica como se dá assimilação e acomodação conflito cognitivo.

Em princípio os educadores seguidores da teoria psicogenética acreditavam que a psicologia e a epistemologia genética possuíam a chave para solucionar, se não todos, pelo menos alguns dos problemas educacionais mais importantes. Porém mais adiante os educadores decepcionaram-se ao verificar que, na prática educacional, os resultados são surpreendentemente pequenos em relação aos esforços despendidos. Isto talvez devido a teoria genética ser de difícil compreensão e também pela forma como essa teoria foi colocada nas escolas, com objetivo de análise dos problemas relacionados a educação. Mesmo assim, a visão piagetiana vem sendo usada e discutida nos meios educacionais.

Na teoria piagetiana, o sujeito (aluno) é um ser ativo que estabelece relação de troca com o meio-objeto (físico, pessoa, conhecimento) num sistema de relações vivenciadas e significativas, uma vez que este é resultado de ações do indivíduo sobre o meio em que vive, adquirindo significação ao ser humano quando o conhecimento é inserido em uma estrutura – isto é o que denomina assimilação. A aprendizagem desse sujeito ativo exige sempre uma atividade organizadora na interação estabelecida entre ele e o conteúdo a ser aprendido, além de estar vinculado sua aprendizagem ao grau de desenvolvimento já alcançado.

As questões fundamentais abstraídas pelos educadores, quando estes inteiraram-se com a obra de Piaget, para elaborarem suas metodologias, diz respeito ao processo ensino-aprendizagem. Importante aqui destacar as questões do desenvolvimento e aprendizagem. Piaget defende a ideia que, antes da aprendizagem, é necessário o desenvolvimento das funções psicológicas. Ou seja, ao preparar determinada aula (conteúdo específico), o professor deve estar consciente sobre o estágio de desenvolvimento que o aluno se encontra.

Como já mencionado, pela teoria piagetiniana, os seres humanos somente conhece a realidade atuando sobre ela, por isto ele estabelece intercâmbio com o meio mediatizados pelos esquemas de ação e pelos esquemas de representação. Os esquemas de ação podem ser compreendidos como os primeiros reflexos (sugar, pegar entre outros), que a criança tem; além de incluir tudo o que é generalizado numa determinada ação. Por outro lado, os esquemas de representação só tornam possíveis quando a criança adquiriu a função semiótica, ou seja, capacidade de distinguir entre significante e significado - ela passa a representar suas ações, situações e experiências através destes esquemas.

É através dos esquemas de ações e representações que as crianças entram em contato com o meio, cada objeto novo as crianças tentam encaixá-las em seus esquemas. É graças aos esquemas que podemos interpretar, dar significado ao meio tornando-o possível apreendê-lo. Num ponto de vista da aprendizagem, conclui-se que a capacidade dos seres humanos para aprender com experiência depende dos esquemas que utilizam para interpretá-la e lhe dar significado. Enquanto, para o processo ensino aprendizagem a capacidade do aluno aprender depende não somente do ensino, mas também das formas ou estruturas de pensamento que ele predispõe para assimilar o ensino, ou seja, depende do nível de competência cognitiva do aluno.

Em Piaget, o mecanismo da equilibração tem um jogo duplo de assimilação e de acomodação e depois, busca permanente de equilíbrio entre a tendência dos esquemas para assimilar a realidade e a tendência contrária para se acomodar e modificar-se para atender às suas resistências e exigências. Este é o motor do desenvolvimento cognitivo humano, as trocas com o meio e o sujeito resultando estado sucessivo de equilíbrio mutável, separados por fases mais ou menos duradouras de desequilíbrios e de busca de um novo equilíbrio.

A teoria psicogenética centrou sua atenção na psicogênese, no estudo das formas mais primitivas de conhecimento até as mais complexas. Esta teoria descreve em esquemas de ação interiorizada ou esquemas representativos por regras de combinações de esquemas ou operações. De forma bastante detalhada Piaget trata as etapas de evolução desses esquemas e de forma organizada, desde o nascimento até a idade adulta. Podendo ser classificada os períodos da inteligência em quatro estágios abaixo descritos:

Sensório-motor (0 aos 18/24 meses aproximadamente): nesta fase a criança está explorando o meio físico através de seus esquemas motores.

- Pré-operatório (2 anos a mais ou menos 7 anos): a criança é capaz de simbolizar, de evocar objetos ausentes. Estabelece diferença entre significante e significado, o que possibilita distância espaço-temporal entre o sujeito e o objeto, por meio da imagem mental. A criança é capaz de imitar gestos, mesmo com a ausência de modelos.

Operatório Concreto (7 a 11 anos): a criança tem a inteligência operatória concreta, sendo capaz de realizar uma ação interiorizada, executada em pensamento, reversível, pois admite a possibilidade de uma inversão e coordenação com outras ações, também interiorizadas. Necessita de material concreto, para realizar essas operações, mas já está apta a considerar o ponto de vista do outro, sendo que está saindo do egocentrismo.

Formal (entre os 9/10 anos aos 15/16 anos): o adolescente tem as estruturas intelectuais para combinar as proporções, as noções probabilísticas, raciocínio hipotético dedutivo de forma complexa e abstrata.

Assim, as noções da gênese que são admitidas pela concepção piagetiana quanto aos esquemas que os alunos utilizam num determinado momento de sua escolaridade, estão em parte determinados ou condicionados pelo nível de desenvolvimento operatório que alcançaram.

Mas o que determinará se um aluno tem ou não a possibilidade de levar a cabo um raciocínio complexo e abstrato do tipo formal, como afirmado em [Coll (1997), p.157],

 está estreitamente relacionado com seus esquemas de assimilação e de interpretação da realidade e consequentemente com sua capacidade de aprender e tirar proveito do ensino sistemático a propósito de um conteúdo escolar concreto como, por exemplo, os mecanismos de participação dos cidadãos no funcionamento de um sistema democrático (...).

Para Piaget, o sujeito estabelece ação de troca com o meio, o qual pressupõe duas dimensões: a assimilação e a acomodação. Por isso, esse sujeito age ativamente sobre o objeto, de forma que assimila-o, apropriando-se desse objeto. Com isto, cria em si para este objeto um significado próprio, na medida que interpreta-o de acordo com a sua possibilidade e fase cognitiva; faz-se entender que havendo uma acomodação resulta em reestruturação dos esquemas anteriores, o que entende-se que tem produzido aprendizagem ou mudanças cognitiva. Ou talvez, o sujeito por não ter as estruturas cognitivas suficientemente maduras, age no sentido de se transformar ajustando-se num esforço pessoal às resistências impostas pelo objeto do conhecimento, agindo sobre suas próprias estruturas alterando-as para acomodar o objeto experienciado. E assim, estas duas dimensões, assimilação e acomodação, estão intimamente ligadas, de forma que, sem assimilação (interpretação ativa), de determinado objeto (conteúdo) não haveria a acomodação das estruturas psicológicas do aluno. A todo esse processo dá-se o nome de equilibração, que é o verdadeiro motor do desenvolvimento e do progresso intelectual. Como afirmado em [Coll (1997), p.155],

A tendência ao equilíbrio nos intercâmbios funcionais entre o ser humano e o meio no qual vive se encontra no núcleo da explicação genética do desenvolvimento. O duplo jogo da

assimilação e da acomodação é presidido pela busca permanente de equilíbrio entre a tendência dos esquemas para assimilar a realidade à qual se aplicam e a tendência de sinal contrário para se acomodar e modificar-se para atender às suas resistências e exigências

Nesta teoria conhecer implica mudanças dos esquemas de interpretação da realidade conhecida. Essas mudanças não é fruto de uma simples leitura da realidade e nem pura cópia da experiência. Além dos esquemas de ações e representações e as estruturas do pensamento não se modificarem no sentido de irem se acomodando simplesmente às exigências impostas pela assimilação da realidade. Essas resistências estão certamente na origem da modificação dos esquemas, mas as mudanças se dão mediante o resultado de um complexo e intrincado processo de modificação e reorganização dos próprios esquemas. A teoria genética propôs no modelo desta dinâmica da mudança e do progresso intelectual: o modelo da equilibração. À medida que os seres humanos estabelecem intercâmbio com o meio no qual vive existe uma tendência ao equilíbrio. Esta equilibração não ocorre simplesmente para recuperar o equilíbrio perdido, mas sobretudo, numa tendência para recuperar o equilíbrio num nível superior ao que era permitido pela organização de esquemas que precedeu a perda do equilíbrio.

É importante destacar que os aspectos mais revisado por Piaget ao longo de sua vida, diz respeito, a formação final de níveis sucessíveis de equilíbrio: primeiro entre objetos-esquemas; segundo - entre esquemas; terceiro - a elaboração de uma hierarquia de esquemas que permita articular a relação entre eles. Quando algum destes três níveis de equilíbrio se rompe, provoca desequilíbrio também entre o restante.

O mecanismo de aquisição de conhecimento consiste em vincular os dois elementos básicos de sua teoria. (equilíbrio e desequilíbrio). Isto ainda se faz quando conclui que existe uma relação direta entre desenvolvimento e a aprendizagem. De acordo com os resultados de experiências piagetianas coincide que aprendizagem de operações, fatos, ações, procedimentos práticos ou leis físicas dependem do nível cognitivo do sujeito, o que significa que o grau de desenvolvimento é determinante e torna-se inacessível uma nova aquisição a uma pessoa que não esteja capacitada para ela, por fim a compreensão de problemas somente é possível em momento evolutivo adequado.

É a partir deste resultado de experiência que essa teoria teoria vai corroborando a construção do objetivo da escola, como sendo, o de desenvolver as capacidades dos indivíduos. Há uma tendência intrínseca de identificar os programas educativos correspondentes as diferentes idades, com as competências estabelecidas na teoria de Piaget, de forma que o objetivo é desenvolver corretamente estas competências e construir as estruturas mentais correspondentes.

Ainda é objetivo dessa escola de acordo com as contribuições de Piaget a importância concedida as características do indivíduo que aprende, uma vez que com ela se descentrava enfoque que se colocava as ciências, os conteúdos, como único elemento digno de consideração.

Ao contrário do ensino tradicional, em que o indivíduo é considerado ¨tábua rasa¨ o qual a escola precisa enche-lo de conteúdos. A visão que Piaget tem sobre o sujeito que possui conceitos - não científico, ou seja, os chamados conceitos espontâneos que lhe permite entender a realidade e relacionar-se com ela. À medida em que esta relação vão sendo estabelecida com a realidade, o indivíduo desenvolve conceitos espontaneamente durante o processo da própria experiência da criança. Levar isto em consideração implica a escola ver o aluno com experiências importantes, como ponto de partida para formação dos conceitos científicos, sendo possível o desenvolvimento deste último tão somente quando os conceitos espontâneos da criança tem alcançado um nível determinado, próprio do começo da idade escolar.

A ideia acima defendida encaminha nos a outro elemento importante da escola nessa teoria que enfatiza o interesse pelo desenvolvimento das operações concretas e das operações formais, como autêntica capacidade do indivíduo progredir. Dessa forma, as teorias pedagógicas influídas pelo construtivismo genético em consolidação de ditas operações faz uso de trabalho sistemático de procedimentos adequados.

Os processos de instruções que as crianças recebem na escola ampliam suas estruturas de pensamento em forma de pensamento mais elevados próprios da formação de conceitos científicos.

Referências:

Coll, César. Piaget, o construtivismo e a educação escolar: onde está o fio condutor? In: Substratum: Temas Fundamentais em Psicologia e Educação, v.1, n.1 (Cem Anos com Piaget). Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. p.145-164.

Bassedas, E. Aprender e ensinar na educação infantil. Trad. Cristina M. Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

Coutinho, M.T.C & Moreira, M. Psicologia da Educação 6o ed. Belo Horizonte. São Paulo: Pioneira, 1993.


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