quinta-feira, 26 de maio de 2022

LITERATURA - MODERNISMO NO BRASIL


   Muito influenciadas pelos movimentos da Vanguarda Europeia e pelo Modernismo português, as manifestações modernas no Brasil começam a aparecer muito antes de 1922.
       O marco inicial do Modernismo brasileiro foi a Semana de Arte Moderna de 1922, que ocorreu na cidade mais avançada, mais moderna da época: nos dias 13, 15, 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Apresentaram-se então, sob vaias, assobios e muita algazarra, escritores, pintores, escultores, arquitetos e músicos que pretendiam não só “assustar a burguesia que cochila na glória de seus lucros”, mas também propagar as novas tendências artísticas europeias para colocar a cultura brasileira em sintonia com elas.

     Entretanto, é importante observamos que o Modernismo brasileiro não começou a partir desse evento. Vários fatos e trabalhos foram responsáveis pelo o que ocorreu na Semana. Entre os principais antecedentes da semana de 22 estão: a volta de Oswald de Andrade da Europa, onde entrou em contato com as inovações propostas pela Vanguarda Europeia, principalmente com o Futurismo de Marinetti; a primeira exposição dos quadros expressionistas de Lasar Segall, chocando-se com a pintura acadêmica da época; a fundação da Revista Orpheu, símbolo do Modernismo em Portugal; a publicação de vários livros dos autores que participariam mais tarde da Semana de 22 e o grande estopim e a grande mola propulsora do Modernismo, segundo muitos estudiosos, a exposição da pintora Anita Malfatti, que como já vimos recebeu uma forte crítica de Monteiro Lobato, no artigo intitulado Paranoia ou Mistificação ?

Contexto Histórico

Ao fim da Primeira Guerra Mundial, impérios da Europa Central dissolveram-se, e seguiu-se uma época de intensos conflitos sociais. Em 1917, a Revolução Russa colocou o proletariado no poder. Em vários países europeus, a democracia liberal começou a entrar em crise, dando lugar a regimes totalitários e nacionalistas, como o nazista e o fascista.

No Brasil, a imigração, a industrialização e a expansão das cidades (em que cresciam a pequena burguesia e o proletariado) começavam a ameaçar a hegemonia política das oligarquias, que se mantinham no poder à custa de meios fraudulentos e até da violência. São Paulo assistiu, em 1917, a uma greve operária que paralisou a cidade. Com a fundação do Partido Comunista, em 1922, propagavam-se os ideais da Revolução Russa. No pós-guerra, o intercâmbio cultural permitiu a chegada ao Brasil dos ecos da renovação artística europeia: a vanguarda.

Vanguarda Europeia  

    A rápida industrialização da Europa — com a introdução da máquina no cotidiano, o surgimento dos transportes modernos (carro, avião) e dos meios de comunicação de massa (rádio, cinema) — transformou o mundo e o modo de vida das pessoas.
    Na estética, diversas tendências refletiram esse momento e influenciaram mais tarde nosso Modernismo: Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo.

 PARTICIPANTES DA SEMANA DE 22

 Veja os principais participantes da Semana:

*  LITERATURA: Mário de Andrade

                        Oswald de Andrade

                        Ronald de Carvalho

*  PINTURA: Anita Malfatti

         Tarsila do Amaral 

          DI CAVALCANTE               

*  MÚSICA: Heitor Villa-Lobos

A Semana foi patrocinada pelas pessoas da elite paulistana e contou até com a presença de um autor já consagrado, membro da Academia Brasileira de Letras. Graça Aranha, pré-modernista autor do livro Canaã, foi o responsável pela cerimônia de abertura.

O evento não foi apenas literário, vários artistas da música, da pintura, da escultura e de outras áreas, puderam mostrar seus trabalhos.

Mas qual foi a reação da sociedade da época? Veja os comentários dos principais jornais da época:

“Foi como se esperava, um notável fracasso a récita de ontem na pomposa Semana de Arte Moderna, que melhor e mais acertadamente deveria chamar-se Semana de Mal – às Artes”.
Jornal Folha da Noite
fevereiro de 1922

“As colunas da secção livre deste jornal estão à disposição de todos aqueles que, atacando a Semana de Arte Moderna, defendam o nosso patrimônio artístico”.
Jornal O Estado de São Paulo fevereiro de 1922

“É preciso que se saiba que nos manicômios se produzem poemas, partituras, quadros e estátuas, e que essa arte de doidos tem o mesmo característico da arte dos futuristas e cubistas que andam soltos por aí”.
Jornal do Comércio fevereiro de 1922

A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 22

A Semana foi verdadeiramente um choque, uma afronta direta aos autores e à sociedade da época. Em outras palavras a Semana foi um escândalo público.

Mas o que será que aconteceu de tão diferente nessa semana?

Logo no primeiro dia, depois da abertura de Graça Aranha, o músico Villa-Lobos tem sua apresentação interrompida por vários assobios e vaias da plateia. No segundo dia, a confusão foi ainda maior. Ronald de Carvalho ao declamar o poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, leva o público à loucura, repetindo bravamente o refrão do texto que se assemelha ao coaxar dos sapos. Mário de Andrade, quebrando todas as formalidades, recita, entre vaias, um poema nas escadarias do teatro e, para fechar a noite com chave de ouro, Villa-Lobos entra no palco de casaca, chinelos e guarda-chuva. A plateia escandalizada quase parte para a agressão física.

Dizem as más línguas que entre “famílias direitas” não se comentavam os acontecimentos da Semana na presença de crianças e mulheres, tamanha sorte de barbaridades que lá aconteceram e que sobre a atitude de Villa-Lobos, na realidade não era uma afronta, mas um calo que o impedia de calçar sapato.

Diante do acontecido, os organizadores ficaram felicíssimos, pois conseguiram o que queriam, ou seja, chocar a sociedade, destruir as estéticas tradicionais e conservadoras.

Veja a célebre foto do grupo organizador, tirada no almoço de confraternização logo após o encerramento da semana:

Veja um fragmento do poema considerado uma espécie de hino do Modernismo:

Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:

_ “Meu pai foi à guerra!”
_ “Não foi! _ “Foi!”
_ “Não foi!”

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: _ “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte!
E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.

Faço rimas com
Consoantes de apoio.
(...)
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio ...

                                Manuel Bandeira

Os Sapos, de Manuel Bandeira é uma paródia do conhecido poema Profissão de Fé, do parnasiano Olavo Bilac. É um poema-piada, satirizando a extrema preocupação parnasiana com a forma, ou seja, com as rimas com a seleção vocabular.  É crítica uma aos parnasianos. A expressão sapo tanoeiro é uma referência direta a Bilac, pois tanoeiro é um artesão. Lembre-se de que Bilac comparava a tarefa do poeta à do artesão. E sapo-cururu é o poeta moderno, autêntico, simples, sem artificialismos.

DESDOBRAMENTOS MODERNISTAS

    Veja os desdobramentos da semana:
Os acontecimentos da semana ganham expressão nacional. As ideias modernistas aos poucos foram ganhando adeptos por todo o país. No período de 1922 a 1930, conhecido como a primeira fase modernista, a fase heroica, a fase de provocação de ruptura, de inovação, vários grupos, manifestos e revistas difundiram-se no cenário cultural brasileiro. Entre as revistas destacaram-se:

REVISTAS

*   Klaxon (São Paulo)

*   Estética (Rio de Janeiro)

*   Festa (Rio de Janeiro)

*   A Revista (Minas Gerais)

*   Revista Antropofagia (São Paulo)

A revista Klaxon foi a primeira a circular. Seu nome vem do termo em francês buzina, numa aproximação com o que ela queria realmente provocar: barulho, muito barulho. Seus artigos eram inovadores, exaltavam o progresso e recusavam “a arte vista como cópia da realidade”.  Os principais organizadores da Semana participaram ativamente de sua elaboração.

As revistas Estética e Festa, divulgaram as ideias modernistas no Rio de Janeiro. A primeira, a partir de um forte nacionalismo, buscou uma arte genuinamente brasileira. A segunda, ao contrário da maioria, apresentou um caráter mais espiritualista, identificado com os valores simbolistas. Uma das principais colaboradoras da revista Festa, foi a poetisa Cecília Meireles.

A Revista, foi uma publicação mineira de periodicidade irregular e que contou, em seu primeiro número, com a colaboração de Carlos Drummond de Andrade.

A mais polêmica de todas foi sem dúvida a Revista Antropofagia, que segundo seus criadores apresentou duas “dentições”, ou seja, duas fases. A primeira com publicações mensais e a segunda com publicações semanais.

Juntamente com as revistas, vários manifestos foram escritos, de acordo com a ideologia adotada pelos grupos.

MOVIMENTOS MODERNISTAS

 Veja os principais movimentos ou correntes desse período:

CORRENTES MODERNISTAS

*  MOVIMENTO PAU-BRASIL

*  MOVIMENTO VERDE-AMARELO

*  MOVIMENTO ANTROPOFÁGICO

*  MOVIMENTO ESPIRITUALISTA

Veja a capa da 1ª edição do manifesto Pau-Brasil:

 
O movimento Pau-brasil, criado por Oswald de Andrade, tinha como objetivo a redescoberta e revalorização da cultura primitiva brasileira.

Oswald queria uma poesia de exportação, daí o nome Pau-Brasil, nome do primeiro produto exportado pelo Brasil.

O movimento Verde-Amarelo foi um movimento de reação ao movimento Pau-Brasil, pois ao contrário do primeiro, propunha uma arte livre das influências europeias, buscando uma identidade realmente nacional. Para seus adeptos, o nacionalismo de Oswald era um nacionalismo importado.

O movimento Antropofágico origina-se no trabalho da pintora Tarsila do Amaral.

 

Abaporu é um termo indígena que significa “aquele que come gente,“antropófago”. Segundo uma crença indígena, comer o inimigo significava assimilar suas qualidades.

Esses quadros fazem parte da chamada galeria antropofágica de Tarsila. E é com o quadro Abaporu, que tem início o movimento.

Segundo a própria pintora, a ideia do movimento surgiu quando ela resolveu dar esse quadro de presente ao então marido Oswald de Andrade.

O movimento antropofágico queria justamente isso, “devorar” a cultura estrangeira, para reelaborá-la com autonomia.

O movimento espiritualista, como o próprio nome já sugere, voltou-se para o interior do ser humano, para o misticismo e a religião, mostrando-se um pouco distante da irreverência dos outros movimentos. Buscava uma conciliação entre o passado e o futuro.

Há também uma corrente regionalista, voltada para a valorização da cultura regional, especialmente a nordestina.

FASES MODERNISTAS

 Costuma-se dividir o Modernismo brasileiro em três grandes fases.

Veja quais são:

1ª Fase (1922-1930) HERÓICA

      Oswald de Andrade

      Mário de Andrade

      Manuel Bandeira

      Alcântara Machado

2ª Fase (1930-1945) CONSOLIDAÇÃO

POESIA:

              Carlos Drummond de Andrade

              Cecília Meireles Vinícius de Moraes

PROSA:

              José Lins do Rego

              Graciliano Ramos

              Jorge Amado

3ª Fase (1945 em diante) REFLEXÃO

      Guimarães Rosa

      Clarice Lispector

      João Cabral de Melo Neto

A primeira fase, conhecida como heroica, compreende o período de 1922 a 1930 e apresenta o desejo de liberdade, de ruptura e de destruição do passado como características marcantes. Os principais autores são: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Alcântara Machado.

A segunda se estende de 1930 a 1945 e é conhecida como a fase da consolidação das conquistas anteriores. Essa segunda fase subdivide-se em dois grupos: a poesia, em que se destacam: Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Vinícius de Moraes e a prosa, representada entre outros autores, por José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado.

A terceira fase, de 1945 em diante, é conhecida como a fase da reflexão e da universalidade temática. Os principais autores desse período são: Guimarães Rosa, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto.


MODERNISMO EM PORTUGAL

 

 

As primeiras manifestações modernistas começaram a surgir no período compreendido entre as duas guerras mundiais, período marcado por profundas transformações político-sociais em toda a Europa, não só em Portugal.

Didaticamente, o Modernismo português tem início em 1915, com o lançamento do primeiro número da Revista Orpheu, revista que, inspirada pelos movimentos da Vanguarda Europeia, desejava romper com o convencionalismo, com as idealizações românticas, chocando a sociedade da época.

Vários artistas participaram da elaboração da revista, entre eles destacaram-se: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Os escritores do Orfismo, como ficaram conhecidos, queriam imprimir à literatura portuguesa as inovações européias.

Anos depois, em 1927, outra importante revista passa a ser divulgadora dos novos ideais modernistas – A Revista Presença, que teve como maior representante, o escritor José Régio.

Veja o principal representante do Modernismo português:

 


Ilustração de Costa Pinheiro

Fernando Pessoa é a grande figura da produção modernista em Portugal. Mas por que será que essa imagem tem o autor ao centro com três sombras ao redor?

Pessoa criou vários heterônimos que apresentavam características particulares e que por isso escreviam textos bem diversos. Mas o que é um heterônimo? É um desdobramento da própria personalidade do autor, é a criação de outras pessoas. Heterônimo é diferente de pseudônimo, pois atinge uma maior complexidade, o pseudônimo é apenas a criação de nomes fictícios para uma mesma pessoa, heterônimo é mais que um nome diferente, é uma outra pessoa.

Veja esquematicamente o que significa o fenômeno da heteronímia:

                                                    -ORTÔNIMO – “Ele mesmo”

FERNANDO PESSOA

                           -HETERÔNIMOS

                                                     *Alberto Caeiro

                                                     *Ricardo Reis

                                                     *Álvaro de Campos

Existem outros heterônimos menos conhecidos. Como disse o próprio escritor, várias foram as personagens que o acompanharam desde a infância. Segundo ele sua tendência, sua necessidade era multiplicar-se:

“Multipliquei-me, para me sentir,

Para me sentir, precisei sentir tudo,

Transbordei-me, não fiz senão extravasar-me”.

Os heterônimos de Pessoa apresentavam uma biografia, ou seja, tinham data e local de nascimento, profissão e diferentes visões de mundo.

Alberto Caeiro nasceu em 1989 e morreu tuberculoso em 1915, era um homem simples do campo. Sua estatura era mediana, loiro, de olhos azuis, órfão e estudou pouco, até o primeiro ano.

Seus textos são marcados pela ingenuidade e pela linguagem simples, seus versos são livres e falam do amor à natureza e à simplicidade da vida no campo. Recusa qualquer explicação filosófica sobre a vida. Caeiro pensa com os sentidos, não com a razão, para ele a felicidade reside em não pensar.

Identifique as características de Alberto Caeiro no próximo fragmento de um de seus textos:

O Guardador de Rebanhos

“Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto.

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz”.

                             

Alberto Caeiro

 

Ricardo Reis nasceu em 1887, na cidade do Porto e era médico. Era baixo, forte, moreno e um monarquista de formação.

Seus textos caracterizam-se pelo estilo erudito e clássico. Enquanto Alberto Caeiro era sinônimo de sensibilidade, Ricardo Reis é extremamente racional. Sua linguagem é rebuscada e complexa. Usa com muita frequência a mitologia clássica, principalmente a máximas horacianas do Carpe Diem (“aproveite o momento”). Tinha plena consciência da brevidade da vida, o que lhe provocava muito sofrimento.

Identifique as características de Ricardo Reis no próximo fragmento de um de seus textos:

                              Ode VI

“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.           (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,             Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

            E sem desassossegos grandes (...)”

                                                 Ricardo Reis

Álvaro de Campos nasceu em outubro de 1890. Era engenheiro naval, alto, magro, cabelos lisos e assemelhava-se a um judeu português.

Álvaro de Campos era o poeta do futuro, da velocidade, das máquinas, do tempo presente, identificado com a Vanguarda Europeia. Seus textos são contraditórios: ora marcados por uma grande energia, ora revelando a crise dos valores espirituais e a angústia do homem de seu tempo, inadaptado às condutas sociais Enquanto Alberto Caeiro pensava com os sentidos e Ricardo Reis com a razão, Álvaro de Campos, pensava com a emoção.

Veja suas características no próximo texto:

Lisbon revisited

“Não: não quero nada.

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) – Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus! (...)”

                Álvaro de Campos

Veja agora a imagem de Fernando Pessoa “ele mesmo”:

 



 

Ilustração de Almada Negreiros

Fernando Pessoa foi um dos escritores mais complexos da literatura portuguesa. Começou a se destacar como escritor a partir de seus inúmeros artigos publicados sobre as novas tendências modernistas em Portugal. Mas foi graças a criação de seus heterônimos que ganhou notoriedade mundial.

A produção ortônima de Fernando Pessoa apresenta características bem diferentes das encontradas em seus heterônimos. Fernando Pessoa “ele-mesmo” expressa um profundo sentimento nacionalista e um apego à tradição portuguesa. Sua produção literária é comumente dividida em: lírica e épica. O livro Mensagem é um exemplo da sua obra épica. Nele Fernando Pessoa, numa clara aproximação com Camões, vai falar dos grandes feitos portugueses, dos reis e da época das grandes navegações.

Veja um exemplo de sua obra lírica, através de um de seus poemas mais conhecidos:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda Que se chama o coração.

                      Fernando Pessoa

Outra figura importante do Modernismo português é Mário de Sá Carneiro, que como vimos, também fez parte do grupo de escritores responsáveis pela publicação da Revista Orpheu em 1915. Ele era o responsável pela parte financeira da revista, tanto que após o seu suicídio, em 1916, com apenas 26 anos, e revista não circulou mais.

Seus textos são marcados por um forte sentimento de inadaptação ao mundo e por muito subjetivismo. Mário de Sá-Carneiro buscou compreender o porquê de sua existência, mas não o encontrou, acabando se perdendo nele mesmo.

Veja o seu texto mais famoso:

Dispersão

“Perdi-me dentro de mim

Porque eu era labirinto,

E hoje, quando me sinto, É com saudades de mim.

(...)

Não sinto o espaço que encerro Nem as linhas que projeto: Se me olho a um espelho, erro – Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim Mas nada me fala, nada! Tenho a alma amortalhada, Sequinha, dentro de mim.

(...)

Eu tenho pena de mim, Pobre menino ideal...

Que me faltou afinal?

Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

(...)

Perdi a morte e a vida, E, louco, não enlouqueço...

A hora foge vivida

Eu sigo-a, mas permaneço...”

          Mário de Sá-Carneiro


LITERATURA - VANGUARDA EUROPÉIA

 

 

As principais manifestações artísticas do início do século XX foram fundamentais para o desenvolvimento do Modernismo literário.

Costuma-se chamar de Vanguarda Europeia o conjunto de movimentos artísticos, não só na literatura, mas também na pintura e escultura, que apresentavam no início do século XX o comum desejo de renovação, de rompimento com as estéticas tradicionais. Vanguarda europeia é rebeldia, é negação.

Veja quais foram esses movimentos:

*  FUTURISMO

*  EXPRESSIONISMO

*  CUBISMO

*  DADAÍSMO

*  SURREALISMO

O início do século XX caracteriza-se como um período marcado por grandes e rápidas transformações tecnológicas. Literalmente rápidas. Essa é era da eletricidade, do automóvel, do avião, ou seja, é o momento da velocidade, provocada pelo aperfeiçoamento das máquinas e pela crescente industrialização.

O Futurismo foi o primeiro movimento de vanguarda, chocando com sua rebeldia toda a população da época.

Veja uma imagem futurista:

 


Nesse quadro, chamado O Dinamismo de um automóvel, de Luigi Russolo, encontramos uma característica marcante do Futurismo: a velocidade, o movimento e a força das máquinas representados nas fortes cores e traçados.

O principal representante do Futurismo foi o escritor italiano Marinetti, que, na literatura, pregava a destruição da sintaxe, o menosprezo pela pontuação. Para esse autor tudo deveria ser novo e rápido, seu desejo era a exaltação da vida moderna e o rompimento total com o passado.

O Futurismo apresentou vários manifestos. Veja um fragmento do mais conhecido, escrito por Marinetti:

“Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à eternidade.

Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.

Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.

 Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida (...) é mais belo que a Vitória de Samotrácia  (...)

 Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas idéias que matam, e o menosprezo à mulher.

 Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunistas e utilitárias”.

Vitória de Samotrácia é o nome de uma famosa escultura grega que se encontra no Louvre, em Paris, considerada uma das obras de arte mais perfeita de todos os tempos (O Louvre é um dos museus mais famosos do mundo).

O próximo movimento é de origem alemã e caracteriza-se pela expressão do mundo interior, pela expressão das imagens independentemente dos conceitos de beleza. O importante era a expressão, daí ser conhecido como Expressionismo.

Veja uma pintura expressionista:

 


Perceba a densidade expressionista dessa pintura. A imagem parece transformar-se na própria dor do homem que gritava.

As principais características desse movimento foram:

*Composições abstratas

*Subjetivismo

*Ilogismo

Composições abstratas = Assim como na pintura, os escritores expressionistas também gostavam de deformações abstratas do real.

Subjetivismo = O artista expressionista desejava a expressão violenta do subjetivo, das emoções, do mundo interior.

Ilogismo = Uma vez que tudo era expressão não havia a preocupação com a lógica do mundo exterior como nas estéticas anteriores.

 


Lês Demoiselles d’Avignon

Essa pintura de Pablo Picasso, de 1907, é considerada por muitos estudiosos o marco inicial do Cubismo e da arte moderna. Perceba que as formas são geometrizadas, com cores duras e chapadas. Picasso conseguiu romper com séculos de tradição artística.

Na pintura, as formas geométricas e os objetos vistos sob vários ângulos simultaneamente caracterizam o Cubismo.

Veja as características do Cubismo na literatura:

*  Ilogismo

*Linguagem caótica

*  Tempo presente

*  Humor

Ilogismo = Os textos cubistas são marcados pela supressão da lógica formal. O pensamento não é racional, ele aparece entre o consciente e o inconsciente do escritor.

Linguagem caótica = Como não há uma lógica, as palavras são soltas, dispostas aparentemente de uma forma aleatória.

Tempo presente = Para o escritor cubista, ansioso por viver o seu tempo, o tempo presente, tudo passa a ser tema para poesia, como por exemplo: viagens, paisagens e visões exóticas.

Humor = Muito comum nos textos cubistas, provocado não só pelas ironias, mas pela própria disposição gráfica das palavras.

Veja uma imagem do próximo movimento:

 


Perceba nesse quadro, chamado É o chapéu que faz o homem, 1920, de Max Ernst, a justaposição dos objetos, associados livremente. A liberdade artística foi uma grande característica do movimento chamado Dadaísmo.

O Dadaísmo é considerado por muitos, o mais radical de todos os movimentos da Vanguarda Européia. Ele era a negação de todos os valores culturais existentes há séculos. O dadaísmo é a estética do absurdo, do incoerente, do ilógico, a começar pelo próprio nome. Quando indagado sobre o significado da palavra dada, Tristan Tzara, o criador do Dadaísmo, afirma que dada não significava nada, que ele encontrou essa palavra ao acaso, abrindo um dicionário. Os dadaístas estavam preocupados em ridicularizar, em negar tudo e todos.

Veja como escrever um poema dadaísta a partir de uma receita dada pelo próprio criador do movimento:

        “Pegue um jornal.

Pegue a tesoura.

Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.

Recorte o artigo.

Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.

Agite suavemente.

Tire em seguida cada pedaço um após o outro.

Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.

O poema se parecerá com você.

E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público”.

                                                            Tristan Tzara

 

Nessa conhecida pintura de Salvador Dali, chamada A persistência da Memória, encontramos relógios derretendo, numa espécie, de sonho, de sugestão sobre a brevidade do tempo e da vida. Esse quadro é um dos símbolos do Surrealismo.



Os escritores surrealistas, influenciados pelos estudos de Freud, mostraram grande interesse pelo inconsciente humano e pelo sonho, considerado a expressão máxima da liberdade humana. Através do sonho o homem estava livre de toda crítica, de toda censura e principalmente da lógica.

Veja um texto surrealista:

 As realidades

                 (fábula)

Era uma vez uma realidade com suas ovelhas de lã real a filha do rei passou por ali

E as ovelhas baliam que linda que está a re a re a realidade.

Na noite era uma vez

uma realidade que sofria de insônia Então chegava a madrinha fada e realmente levava-a pela mão a re a re a realidade.

No trono havia uma vez um velho rei que se aborrecia e pela noite perdia o seu manto e por rainha puseram-lhe ao lado a re a re a realidade.

CAUDA: dade dade a reali

Dade dade a realidade

A real a real

Idade idade dá a reali

Ali

A re a realidade

Era uma vez a REALIDADE.

                          Louis Aragon


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