quinta-feira, 26 de maio de 2022

MODERNISMO EM PORTUGAL

 

 

As primeiras manifestações modernistas começaram a surgir no período compreendido entre as duas guerras mundiais, período marcado por profundas transformações político-sociais em toda a Europa, não só em Portugal.

Didaticamente, o Modernismo português tem início em 1915, com o lançamento do primeiro número da Revista Orpheu, revista que, inspirada pelos movimentos da Vanguarda Europeia, desejava romper com o convencionalismo, com as idealizações românticas, chocando a sociedade da época.

Vários artistas participaram da elaboração da revista, entre eles destacaram-se: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Os escritores do Orfismo, como ficaram conhecidos, queriam imprimir à literatura portuguesa as inovações européias.

Anos depois, em 1927, outra importante revista passa a ser divulgadora dos novos ideais modernistas – A Revista Presença, que teve como maior representante, o escritor José Régio.

Veja o principal representante do Modernismo português:

 


Ilustração de Costa Pinheiro

Fernando Pessoa é a grande figura da produção modernista em Portugal. Mas por que será que essa imagem tem o autor ao centro com três sombras ao redor?

Pessoa criou vários heterônimos que apresentavam características particulares e que por isso escreviam textos bem diversos. Mas o que é um heterônimo? É um desdobramento da própria personalidade do autor, é a criação de outras pessoas. Heterônimo é diferente de pseudônimo, pois atinge uma maior complexidade, o pseudônimo é apenas a criação de nomes fictícios para uma mesma pessoa, heterônimo é mais que um nome diferente, é uma outra pessoa.

Veja esquematicamente o que significa o fenômeno da heteronímia:

                                                    -ORTÔNIMO – “Ele mesmo”

FERNANDO PESSOA

                           -HETERÔNIMOS

                                                     *Alberto Caeiro

                                                     *Ricardo Reis

                                                     *Álvaro de Campos

Existem outros heterônimos menos conhecidos. Como disse o próprio escritor, várias foram as personagens que o acompanharam desde a infância. Segundo ele sua tendência, sua necessidade era multiplicar-se:

“Multipliquei-me, para me sentir,

Para me sentir, precisei sentir tudo,

Transbordei-me, não fiz senão extravasar-me”.

Os heterônimos de Pessoa apresentavam uma biografia, ou seja, tinham data e local de nascimento, profissão e diferentes visões de mundo.

Alberto Caeiro nasceu em 1989 e morreu tuberculoso em 1915, era um homem simples do campo. Sua estatura era mediana, loiro, de olhos azuis, órfão e estudou pouco, até o primeiro ano.

Seus textos são marcados pela ingenuidade e pela linguagem simples, seus versos são livres e falam do amor à natureza e à simplicidade da vida no campo. Recusa qualquer explicação filosófica sobre a vida. Caeiro pensa com os sentidos, não com a razão, para ele a felicidade reside em não pensar.

Identifique as características de Alberto Caeiro no próximo fragmento de um de seus textos:

O Guardador de Rebanhos

“Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto.

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz”.

                             

Alberto Caeiro

 

Ricardo Reis nasceu em 1887, na cidade do Porto e era médico. Era baixo, forte, moreno e um monarquista de formação.

Seus textos caracterizam-se pelo estilo erudito e clássico. Enquanto Alberto Caeiro era sinônimo de sensibilidade, Ricardo Reis é extremamente racional. Sua linguagem é rebuscada e complexa. Usa com muita frequência a mitologia clássica, principalmente a máximas horacianas do Carpe Diem (“aproveite o momento”). Tinha plena consciência da brevidade da vida, o que lhe provocava muito sofrimento.

Identifique as características de Ricardo Reis no próximo fragmento de um de seus textos:

                              Ode VI

“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.           (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,             Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

            E sem desassossegos grandes (...)”

                                                 Ricardo Reis

Álvaro de Campos nasceu em outubro de 1890. Era engenheiro naval, alto, magro, cabelos lisos e assemelhava-se a um judeu português.

Álvaro de Campos era o poeta do futuro, da velocidade, das máquinas, do tempo presente, identificado com a Vanguarda Europeia. Seus textos são contraditórios: ora marcados por uma grande energia, ora revelando a crise dos valores espirituais e a angústia do homem de seu tempo, inadaptado às condutas sociais Enquanto Alberto Caeiro pensava com os sentidos e Ricardo Reis com a razão, Álvaro de Campos, pensava com a emoção.

Veja suas características no próximo texto:

Lisbon revisited

“Não: não quero nada.

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) – Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus! (...)”

                Álvaro de Campos

Veja agora a imagem de Fernando Pessoa “ele mesmo”:

 



 

Ilustração de Almada Negreiros

Fernando Pessoa foi um dos escritores mais complexos da literatura portuguesa. Começou a se destacar como escritor a partir de seus inúmeros artigos publicados sobre as novas tendências modernistas em Portugal. Mas foi graças a criação de seus heterônimos que ganhou notoriedade mundial.

A produção ortônima de Fernando Pessoa apresenta características bem diferentes das encontradas em seus heterônimos. Fernando Pessoa “ele-mesmo” expressa um profundo sentimento nacionalista e um apego à tradição portuguesa. Sua produção literária é comumente dividida em: lírica e épica. O livro Mensagem é um exemplo da sua obra épica. Nele Fernando Pessoa, numa clara aproximação com Camões, vai falar dos grandes feitos portugueses, dos reis e da época das grandes navegações.

Veja um exemplo de sua obra lírica, através de um de seus poemas mais conhecidos:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda Que se chama o coração.

                      Fernando Pessoa

Outra figura importante do Modernismo português é Mário de Sá Carneiro, que como vimos, também fez parte do grupo de escritores responsáveis pela publicação da Revista Orpheu em 1915. Ele era o responsável pela parte financeira da revista, tanto que após o seu suicídio, em 1916, com apenas 26 anos, e revista não circulou mais.

Seus textos são marcados por um forte sentimento de inadaptação ao mundo e por muito subjetivismo. Mário de Sá-Carneiro buscou compreender o porquê de sua existência, mas não o encontrou, acabando se perdendo nele mesmo.

Veja o seu texto mais famoso:

Dispersão

“Perdi-me dentro de mim

Porque eu era labirinto,

E hoje, quando me sinto, É com saudades de mim.

(...)

Não sinto o espaço que encerro Nem as linhas que projeto: Se me olho a um espelho, erro – Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim Mas nada me fala, nada! Tenho a alma amortalhada, Sequinha, dentro de mim.

(...)

Eu tenho pena de mim, Pobre menino ideal...

Que me faltou afinal?

Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

(...)

Perdi a morte e a vida, E, louco, não enlouqueço...

A hora foge vivida

Eu sigo-a, mas permaneço...”

          Mário de Sá-Carneiro


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