As primeiras manifestações modernistas
começaram a surgir no período compreendido entre as duas guerras mundiais,
período marcado por profundas transformações político-sociais em toda a Europa,
não só em Portugal.
Didaticamente, o Modernismo português tem início em 1915, com o lançamento do
primeiro número da Revista Orpheu, revista que, inspirada pelos movimentos da
Vanguarda Europeia, desejava romper com o convencionalismo, com as idealizações
românticas, chocando a sociedade da época.
Vários artistas participaram da
elaboração da revista, entre eles destacaram-se: Fernando Pessoa, Mário de
Sá-Carneiro e Almada Negreiros.
Os escritores do Orfismo, como ficaram conhecidos, queriam imprimir à literatura
portuguesa as inovações européias.
Anos depois, em 1927, outra importante
revista passa a ser divulgadora dos novos ideais modernistas – A Revista
Presença, que teve como maior representante, o escritor José Régio.
Veja o principal representante do Modernismo português:
Ilustração
de Costa Pinheiro
Fernando Pessoa é a grande figura da produção
modernista em Portugal. Mas por que será que essa imagem tem o autor ao centro
com três sombras ao redor?
Pessoa criou vários heterônimos que
apresentavam características particulares e que por isso escreviam textos bem
diversos. Mas o que é um heterônimo?
É um desdobramento da própria personalidade do autor, é a criação de outras
pessoas. Heterônimo é diferente de pseudônimo,
pois atinge uma maior complexidade, o pseudônimo é apenas a criação de nomes
fictícios para uma mesma pessoa, heterônimo é mais que um nome diferente, é uma
outra pessoa.
Veja esquematicamente o que significa o fenômeno da heteronímia:
-ORTÔNIMO
– “Ele mesmo” FERNANDO
PESSOA -HETERÔNIMOS
*Alberto Caeiro
*Ricardo Reis
*Álvaro de Campos |
Existem outros heterônimos menos
conhecidos. Como disse o próprio escritor, várias foram as personagens que o
acompanharam desde a infância. Segundo ele sua tendência, sua necessidade era
multiplicar-se:
“Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei-me, não fiz senão extravasar-me”.
Os heterônimos de Pessoa apresentavam
uma biografia, ou seja, tinham data e local de nascimento, profissão e
diferentes visões de mundo.
Alberto Caeiro
nasceu em 1989 e morreu tuberculoso em 1915, era um homem simples do campo. Sua
estatura era mediana, loiro, de olhos azuis, órfão e estudou pouco, até o
primeiro ano.
Seus textos são marcados pela
ingenuidade e pela linguagem simples, seus versos são livres e falam do amor à
natureza e à simplicidade da vida no campo. Recusa qualquer explicação
filosófica sobre a vida. Caeiro pensa com os sentidos, não com a razão, para
ele a felicidade reside em não pensar.
Identifique as características de
Alberto Caeiro no próximo fragmento de um de seus textos:
O Guardador de Rebanhos
“Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o
nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o
sentido.
Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a
verdade e sou feliz”.
Alberto Caeiro
Ricardo Reis nasceu em 1887, na cidade
do Porto e era médico. Era baixo, forte, moreno e um monarquista de formação.
Seus textos caracterizam-se pelo estilo
erudito e clássico. Enquanto Alberto Caeiro era sinônimo de sensibilidade, Ricardo Reis é extremamente racional.
Sua linguagem é rebuscada e complexa. Usa com muita frequência a mitologia
clássica, principalmente a máximas horacianas do Carpe Diem (“aproveite o momento”). Tinha plena consciência da
brevidade da vida, o que lhe provocava muito sofrimento.
Identifique as características de
Ricardo Reis no próximo fragmento de um de seus textos:
Ode
VI
“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não
estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito
longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos
grandes (...)”
Ricardo Reis
Álvaro de Campos
nasceu em outubro de 1890. Era engenheiro naval, alto, magro, cabelos lisos e
assemelhava-se a um judeu português.
Álvaro de Campos
era o poeta do futuro, da velocidade, das máquinas, do tempo presente,
identificado com a Vanguarda Europeia. Seus textos são contraditórios: ora
marcados por uma grande energia, ora revelando a crise dos valores espirituais
e a angústia do homem de seu tempo, inadaptado às condutas sociais Enquanto
Alberto Caeiro pensava com os sentidos e Ricardo Reis com a razão, Álvaro de
Campos, pensava com a emoção.
Veja suas características no próximo texto:
Lisbon revisited
“Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas Das
ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) – Das ciências, das artes, da
civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo direito a
sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus! (...)”
Álvaro de Campos
Veja agora a imagem de Fernando
Pessoa “ele mesmo”:
Ilustração
de Almada Negreiros
Fernando Pessoa foi um dos escritores mais
complexos da literatura portuguesa. Começou a se destacar como escritor a
partir de seus inúmeros artigos publicados sobre as novas tendências
modernistas em Portugal. Mas foi graças a criação de seus heterônimos que
ganhou notoriedade mundial.
A produção ortônima de Fernando Pessoa
apresenta características bem diferentes das encontradas em seus heterônimos.
Fernando Pessoa “ele-mesmo” expressa um profundo sentimento nacionalista e um
apego à tradição portuguesa. Sua produção literária é comumente dividida em:
lírica e épica. O livro Mensagem é um exemplo da sua obra
épica. Nele Fernando Pessoa, numa clara aproximação com Camões, vai falar dos
grandes feitos portugueses, dos reis e da época das grandes navegações.
Veja um exemplo de sua obra lírica,
através de um de seus poemas mais conhecidos:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não
têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda Que se chama o coração.
Fernando Pessoa
Outra figura importante do Modernismo
português é Mário de Sá Carneiro,
que como vimos, também fez parte do grupo de escritores responsáveis pela
publicação da Revista Orpheu em 1915. Ele era o responsável pela parte
financeira da revista, tanto que após o seu suicídio, em 1916, com apenas 26 anos,
e revista não circulou mais.
Seus textos são marcados por um forte
sentimento de inadaptação ao mundo e por muito subjetivismo. Mário de
Sá-Carneiro buscou compreender o porquê de sua existência, mas não o encontrou,
acabando se perdendo nele mesmo.
Veja o seu texto mais famoso:
Dispersão
“Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto, É com saudades de mim.
(...)
Não sinto o espaço que encerro Nem as linhas que projeto: Se me olho a
um espelho, erro – Não me acho no que projeto.
Regresso dentro de mim Mas nada me fala, nada! Tenho a alma
amortalhada, Sequinha, dentro de mim.
(...)
Eu tenho pena de mim, Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...
(...)
Perdi a morte e a vida, E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...”
Mário de
Sá-Carneiro