Um dos acontecimentos históricos mais importantes ocorridos durante a Primeira Guerra Mundial foi a Revolução Russa. Marca o fim do império dos czares, sendo a primeira tentativa bem-sucedida de implantação de um regime comunista. Divide-se em duas etapas, a democrática, em fevereiro de 1917, e a socialista, com a instalação da ditadura do proletariado, em outubro do mesmo ano.
Sua importância decorre do fato de ter provocado a ruptura da ordem socioeconômica capitalista, que se espalhava pelo mundo sob a hegemonia das grandes potências europeias e dos Estados Unidos.
Com a Revolução Russa de 1917, surgiu pela primeira vez uma proposta concreta de implantação do socialismo, rompendo com a ordem econômica capitalista.
Antecedentes
Pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha a maior população da Europa. Era cerca de 175 milhões de habitantes. Podemos dizer que ela possuía também o maior problema social do continente: a extrema pobreza do povo em geral. Indiferentes à situação, os czares (imperadores russos) e a nobreza levavam uma vida de privilégios. Enquanto isso, as ideologias liberal e marxista penetravam no país, despertando a consciência política de que era preciso mudar. A exigência de mudança se aprofundou com os bolcheviques, e a Rússia entrou no duro caminho da revolução. Como resultado, tornou-se o primeiro Estado socialista do mundo. Depois uniu-se a outras repúblicas e fundou a União Soviética, que se tornaria uma das maiores potências do século XX.
No começo do século 20, os governos da maioria dos países europeus adotavam regimes políticos liberais. O Império Russo, porém, ainda era governado por uma monarquia absolutista, sob o comando de um czar. O poder do czar não era limitado por instituições legais. Ele comandava o governo segundo costumes e vínculos mantidos com a nobreza rural (latifundiários) e o setor militar.
O Império Russo era o país mais extenso da Europa, reunindo, reunindo em 1914, aproximadamente 175 milhões de pessoas, uma população heterogênea formada por povos de diversas etnias, com línguas e tradições diferentes. Para muitos políticos da época, o Império Russo somente se mantinha unificado devido ao governo forte e centralizado dos czares.
A economia do país era predominantemente rural, com ênfase na produção de trigo. Mais de 80% da população morava no campo, sendo constituída, em sua maioria, por camponeses pobres que, até 1861, viviam submetidos ao regime de servidão. Mesmo depois da abolição legal da servidão, as condições de vida desses camponeses não melhoraram. Faltavam técnicas adequadas para o plantio, e a produção era insuficiente para atender às necessidades da população.
Industrialização e movimento operário
A partir do governo do czar Alexandre III (1881-1894) a realidade socioeconômica do país começou a se alterar: com mais de um século de atraso em relação à Inglaterra, a Rússia começou a se industrializar.
O surto de industrialização teve três estímulos principais:
- a política posta em prática pelo conde Witte, ministro do governo czarista, conhecido como o pai da indústria russa;
- a existência de grande quantidade de mão-de-obra livre, devido à abolição da servidão nos campos;
- a entrada maciça de capitais estrangeiros, principalmente franceses, sob a forma de empréstimo ou investimentos diretos.
Em conseqüência disso, o número de fábricas multiplicou-se, acelerou-se a urbanização e surgiram grandes núcleos industriais em cidades como São Petersburgo, Moscou e na região da Ucrânia. Esses centros passaram a abrigar uma próspera burguesia industrial e um numeroso operariado concentrado em torno de grandes fábricas. O operariado era formado, em sua maioria, por famílias que trocaram o campo pela cidade em busca de uma vida melhor.
O governo de Nicolau II
Quando Nicolau II assumiu o governo, em 1894, o país modernizava-se rapidamente, impulsionado pela crescente urbanização. Porém, as condições de trabalho nos centros industriais eram bastante desfavoráveis. Os operários enfrentavam jornadas de 12 horas de trabalho, sob disciplina rigorosa, em troca de salários baixíssimos. Além disso, suas moradias e alimentação eram precárias. Reagindo a essa situação opressiva, o operariado russo começou a promover greves, motins e passeatas para exigir melhores condições de vida e trabalho.
O governo, através da Okrana (polícia política), reprimia brutalmente toda e qualquer manifestação de rebeldia.
O desenvolvimento da indústria e o maior relacionamento com a Europa Ocidental também aumentaram a influência das novas correntes políticas que combatiam o absolutismo da monarquia russa. Eram marxistas, social-democratas, anarquistas, e muitos outros grupos de oposição. Dentre essas correntes destacou-se o Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), fundado em 1898 por intelectuais e operários marxistas.
Duramente perseguido pela Okrana, o POSDR logo foi desmantelado na Rússia. Muitos de seus membros foram presos e seus principais líderes, George Plekhanov, Vladimir Ulianov (Lênin) e Lev Bronstein (Trotsky) refugiaram-se no exterior, onde voltaram a se organizar.
Em 1903, os membros do POSDR passaram a ter divergências entre si e o partido dividiu-se em dois grupos: o bolchevique (maioria) e o menchevique (minoria).
O grupo menchevique defendia que os trabalhadores poderiam conquistar o poder estabelecendo alianças políticas com a burguesia liberal. Os mencheviques acreditavam que era necessário esperar o pleno desenvolvimento do capitalismo para dar início à ação revolucionária dos trabalhadores. Entre seus líderes, destacou-se o escritor russo Guiorgui Valentinovitch Plekhanov (1856-1918).
Os bolcheviques acreditavam que os trabalhadores poderiam conquistar o poder de forma imediata, pela luta revolucionária que derrubaria a monarquia absolutista e transformaria a sociedade russa. Pregavam a formação de uma ditadura do proletariado, uma forma de governo em que o poder político, social e econômico estaria nas mãos da classe operária, em torno de um partido que representasse operários e camponeses. Seu principal líder era Lênin.
As rebeliões populares de 1905
A situação da Rússia tornou-se ainda mais tensa após a guerra contra o Japão, entre os anos de 1904 e 1905. as sucessivas derrotas militares exibiram a ineficiência do regime czarista e contribuíram para aprofundar a crise interna, aumentando a insatisfação popular.
Para se organizar e lutar por melhorias, os trabalhadores criaram então os sovietes, conselhos formados por delegados eleitos por operários, camponeses e soldados, que conferiram maior representação política à população russa.
Para conter a onda de protestos populares, que vinham se avolumando dia a dia, o governo simplesmente redobrava a violência.
A 9 de janeiro de 1905, em São Petersburgo, os soldados abriram fogo contra operários que apenas pretendiam entregar uma petição ao czar pedindo melhorias nas condições de vida.
Em decorrência desse episódio, que ficou conhecido como “domingo sangrento”, explodiram greves, motins e rebeliões sociais por todo o país. Os militares também se sublevaram. É dessa época a célebre revolta dos marinheiros do encouraçado Potemkin, no mar Negro. Todos esses movimentos rebeldes eram organizados e liderados por comitês de soldados, operários e camponeses chamados sovietes, que nasceram e se multiplicaram rapidamente logo após o “domingo sangrento”.
Disposto a diminuir a pressão popular, Nicolau II prometeu convocar a Duma, ou seja, uma assembleia legislativa que poria fim ao absolutismo dos czares, elaborando uma Constituição para o país.
A promessa conseguiu diminuir e enfraquecer as oposições. Meses depois, porém, com a situação sob o seu controle, o czar mandou reprimir violentamente os rebeldes e seus sovietes. A Duma eleita foi dominada pelo czar.
As rebeliões populares de 1905 não conseguiram derrubar o czarismo. Entretanto, segundo avaliação dos próprios rebeldes, serviram como “ensaio geral” para a revolução de 1917.
Processo Revolucionário
Do fim do czarismo à supremacia bolchevique
A participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial multiplicou as tensões no interior da sociedade russa e possibilitou o nascimento de uma nova e forte onda revolucionária.
Iniciada a Grande Guerra, o governo de Nicolau II enviou para os campos de batalha um exército que, embora possuísse 15 milhões de homens, era extremamente mal treinado e não tinha sequer fuzis, botas e cobertores em quantidade suficiente.
Esse exército sofreu contínuas derrotas frente aos alemães. Decorridos dois anos e meio de guerra, já tinham morrido mais de três milhões de soldados russos e outros tantos haviam desertado.
A população civil russa também padecia com a guerra; o sistema de transportes entrou em colapso, a população agrícola caíra, o desemprego aumentara, os preços dos alimentos haviam disparado e a fome atingia a maioria.
Diante dessa situação desesperadora, uma gigantesca onda de protestos sacudiu o país. Uma passeata organizada por mulheres e operários em março de 1917, em Petrogrado, deu início ao movimento revolucionário. A cavalaria czarista reprimiu os manifestantes, mas várias unidades do exército os apoiaram.
Aproveitando a situação crítica, em 15 de março de 1917, o conjunto das forças políticas de oposição (socialistas e liberais burgueses) tomou o poder, depondo o czar Nicolau II. Tinha início, assim, a Revolução Russa, que colocaria um fim ao czarismo.
Os estudiosos do processo revolucionário russo costumam dividi-lo em três grandes fases:
• Revolução Branca (iniciada em março de 1917) – conhecida também como Revolução Liberal Burguesa, em que o governo foi controlado pelos “brancos”, designação dada aos grupos não bolcheviques (mencheviques, liberais e aristocracia).
• Revolução Vermelha (iniciada em novembro de 1917) – conhecida também como Revolução Comunista, em que o poder foi tomado pelos “vermelhos”, designação dada aos bolcheviques.
• Guerra civil (1918-1920) – em que os “brancos” tentaram derrubar os “vermelhos” do poder.
Revolução Liberal Burguesa
Com a deposição do czar, em 15 de março, instalou-se um governo provisório, formado em sua maioria por políticos liberais e chefiado pelo príncipe Lvov. O socialista moderado Alexander Kerensky, que ocupou o cargo de ministro da Guerra, tornou-se, em 27 de julho, o principal líder do governo.
Os membros do governo provisório tomaram algumas medidas importantes, exigidas pelas oposições políticas, como:
• Redução da jornada de trabalho de doze para oito horas;
• Anistia aos preços políticos e permissão para que os exilados voltassem ao país;
• Garantia das liberdades fundamentais do cidadão (direitos de expressão e associação).
O novo governo não ofereceu, porém, respostas rápidas aos grandes problemas sociais que afligiam os operários e os camponeses, como terra e alimentos. Além disso, tomaram uma medida impopular: mantiveram a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial.
Por causa disso, recomeçaram as lutas populares, mais uma vez lideradas pelos sovietes de toda a Rússia, coordenados pelo soviete de Petrogrado.
Vendo-se ameaçado, o governo provisório fez algumas concessões: instituiu o direito de livre expressão e associação, libertou os presos políticos e deu consentimento para que os exilados voltassem ao país.
Oposição Bolchevique
Beneficiado pela medida que permitia a volta dos exilados, Lenin ̶ que, como vimos, fora perseguido e exilado, com outros líderes da oposição, antes da Primeira Guerra ̶ regressou à Rússia em abril de 1917 e passou a liderar a oposição bolchevique ao governo provisório.
Além de ter reorganizado o Partido Bolchevique, em 1903, Lenin publicou as Teses de Abril (1917), nas quais pregava a formação de uma república dos sovietes (denominação dos comitês políticos dos trabalhadores).
Lênin, líder dos bolcheviques, resumiu os interesses populares no lema “Paz, terra e pão”. Os trabalhadores russos desejavam que a Rússia se retirasse da Primeira Guerra, que uma reforma agrária acabasse com a exploração dos camponeses e, finalmente, que a produção econômica do país fosse organizada para acabar com a fome do povo.
Nesse documento, defendia também a nacionalização dos bancos e da propriedade privada. Seu principal lema era: “Todo o poder aos sovietes”.
Revolução Comunista
Contada com um grande número de militantes e com apoio de parte das forças armadas, em 7 de novembro de 1917 (25 de outubro, pelo calendário russo), tendo à frente Lênin e Trotsky – o organizador e comandante da Guarda Vermelha –, os bolcheviques ocuparam os principais edifícios públicos de Petrogrado e entregaram a chefia do governo a Lênin, que passou a exercer o cargo de presidente do Conselho de Comissários do Povo.
Os sovietes da Rússia reuniram-se, então, num congresso e delegaram o poder governamental ao chamado Conselho dos Comissários do Povo, que, presidido por Lenin, tomou as seguintes medidas:
• Pedido de paz imediata – a Rússia declarou unilateralmente sua retirada da Primeira Guerra Mundial. Em março de 1918,os membros do Conselho firmaram a paz como governo da Alemanha, por meio do Tratado de Brest-Litovsk.
• Confisco de propriedade privada – muitas propriedades, cerca de 150 milhões de hectares, foram confiscadas dos nobres e da igreja Ortodoxa, sem pagamento de indenizações, e distribuídas entre os camponeses.
• Estatização da economia – o novo governo passou a intervir duramente na vida econômica do país, nacionalizando diversas empresas (bancos, fábricas).
Guerra civil
Entre 1918 e 1919, para consolidar a chamada revolução socialista, os bolcheviques tiveram de enfrentar uma guerra civil. Do lado oposto, estavam as forças políticas ligadas à monarquia russa, que montaram uma organização contra o novo governo, contando com auxílio econômico e militar de países como Inglaterra, França e Japão, que temiam a repercussão das ideias socialistas.
Após conflitos violentos, o governo bolchevique conseguiu manter-se no poder graças à resistência militar do Exército Vermelho, que, liderado por Trotsky, saiu-se vitorioso. Assim, os membros do Partido Bolchevique (que em 1918 mudara o nome para Partido Comunista) firmaram sua posição no comando do governo.
Derrotaram também as manifestações de outras correntes políticas que haviam lutado contra o czarismo, como os grupos socialistas que não seguiam estritamente os mandamentos bolcheviques, além dos anarquistas e dos liberais.
Isolamento internacional
A Revolução Comunista causou grande temor em grupos no mundo inteiro, principalmente entre os capitalistas, pela ameaça que representava para sua riqueza privada. Depois da vitória dos bolcheviques na guerra civil, esse medo aumentou, e os governos dos países capitalistas ocidentais procuraram isolar a Rússia socialista do cenário internacional. O objetivo dessa estratégia era impedir a expansão do socialismo.
A Nova Política Econômica
Depois de duas guerras consecutivas – uma externa e outra interna –, a economia encontrava-se fortemente abalada, registrando uma queda acentuada da produção agrícola e industrial.
Visando reerguer o país, Lênin adotou a Nova Política Econômica (NEP), um programa econômico que apresentava, ao mesmo tempo, medidas capitalistas e socialistas.
A NEP permitia que:
- as indústrias com menos de vinte funcionários funcionasse em regime de empresa privada;
- os camponeses comercializassem livremente as sobras de suas colheitas;
- os capitais estrangeiros entrassem No país sob a forma de empréstimo e de investimentos diretos.
O Estado socialista, por sua vez, reservava-se o direito de controlar o comércio exterior, a rede bancária, o sistema de transportes e comunicações e a indústria de base.
A Nova Política Econômica surtiu o efeito esperado e o país começou a se reerguer economicamente.
Em dezembro de 1922, um grande congresso, que reuniu diferentes povos do extinto Império Russo, decidiu fundar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), federação cujo principal Estado era a Rússia.
Em 1924, com a morte de Lênin, assistiu-se na URSS a uma renhida luta pelo poder entre dois líderes bolcheviques: Trotsky e Stálin.
O governo de Stálin
Trotsky, organizador do Exército Vermelho, defendia a ideia de que era necessário expandir o socialismo para outros países. Segundo ele, se a Rússia ficasse isolada, as grandes nações capitalistas liquidariam a revolução socialista soviética.
Já Stálin afirmava que a URSS deveria primeiro se consolidar como nação socialista para, depois, influenciar outros países a fazerem sua revolução.
Stálin venceu a disputa e instalou-se no poder por quase trinta anos. Durante esse tempo, implantou uma ditadura brutal e policialesca. A seu mando, milhares de cidadãos (entre eles centenas de líderes socialistas) foram fuzilados ou exilados nas terras frias da Sibéria.
No plano econômico, Stálin suprimiu a NEP e adotou os chamados planos qüinqüenais. Por meio deles, a União Soviética desenvolveu-se rapidamente, tornando-se uma grande potência mundial.
A NEP, que possibilitara a restauração da economia russa após a guerra civil, não teria utilidade na realização da meta de Stálin: o industrialismo. Então a URSS entrou na era dos Planos Quinquenais. O primeiro plano (1928-1932) visava sobretudo à transformação industrial. O setor privado desapareceu, em proveito do Estado. Foram investidas grandes somas em eletrificação e no desenvolvimento da indústria pesada. No setor agrícola, foram formados os kolkhozes (fazendas coletivas) e os sovkhozes (fazendas estatais), assegurando a mecanização da agricultura.
O segundo plano quinquenal (1933-1937) pretendia desenvolver sobretudo a indústria leve, a de bens de consumo. A economia planificada apresentou resultados excepcionais. A URSS foi o único país do mundo que não sofreu a crise de 1929, fechada em si mesma, vivendo das trocas internas, não conheceu nem a superprodução nem o desemprego. A produtividade energética cresceu consideravelmente e a indústria metalúrgica passou a ocupar a terceira posição do mundo.