quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O Movimento Operário Brasileiro

  AS PRIMEIRAS ORGANIZAÇÕES 

Surgiram entre 1850 e 1880, não tinham caráter político, eram instituições que desenvolviam o auxílio mútuo entre os seus membros, nos casos de extrema necessidade como: doenças, enterros, acidentes, etc., a partir da iniciativa exclusiva dos próprios trabalhadores. Atente-se que, essas Associações não representavam uma ferramenta de resistência à exploração patronal. 

LIGAS OPERÁRIAS 

Começaram a surgir a partir de 1870, mais politizadas que as anteriores, deram origem aos primeiros sindicatos operários brasileiros. Objetivavam cobrar direitos, preconizando a greve como instrumento de luta. Deste momento em diante, as reivindicações operárias são: a redução da jornada de trabalho, o aumento salarial e a melhoria das condições de trabalho. 

SINDICATOS 

O termo SINDICATO passa a ser usado com mais, frequência, após o 1° Congresso Operário Brasileiro, realizado em 1906, que sugeriu o seu uso para estabelecer diferença entre as associações de resistência ao patronato das associações beneficentes.

Os sindicatos, em sua maioria, reuniam operários do mesmo ofício: sapateiros, chapeleiros, operários de indústria têxteis, garçons, gráfico, oleiros, vidraceiros, ferreiros marmoristas, etc. Havia, no entanto, sindicatos que reuniam, indistintamente, operários de diversos ofícios e de vários locais de trabalho. Podiam ainda, ser encontrados sindicatos que reuniam trabalhadores do mesmo grupo étnico, como o Círculo Operário Italiano e associações que se definiam pelo quadro de organização técnica de trabalho, como, por exemplo, o Sindicato dos Ferroviários. Esta nova forma de organização teve como principal característica a total desvinculação dos sindicatos de trabalhadores com relação ao Estado. 

Para garantir seus direitos, no início do século XX, muitos trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos. Essas associações de trabalhadores atuavam na luta por direitos como regulamentação da jornada de trabalho, salários dignos e melhores condições de trabalho dentro das fábricas.

As maneiras mais comuns de mobilização eram por meio da imprensa escrita; de manifestações, como comícios e passeatas; e de greves, que atingiam diretamente os interesses dos patrões com a paralisação das atividades nas fábricas.

Os sindicatos chegaram a ser perseguidos pelas autoridades policiais, que os viam como organizações que visavam perturbar a ordem, com seus associados sendo considerados “agitadores” e “baderneiros”, muitos dos quais foram presos como criminosos.

Apesar das dificuldades, a atuação dos sindicatos foi importante na conquista de direitos e na regulamentação do trabalho nas fábricas. Direitos como férias e licença-maternidade só foram alcançados por causa da ação dos sindicatos.

Vida de operário

Nas fábricas, os operários enfrentavam condições precárias. Trabalhavam mais de 15 horas por dia, ganhavam baixos salários e não tinham direito a férias. A maioria desses operários vivia em moradias precárias, como cortiços, que consistiam em um conjunto de pequenas casas onde várias famílias tinham, por exemplo, que compartilhar um único banheiro ou um tanque para lavar roupa.

Diante das difíceis condições de vida, as mulheres e os homens operários passaram a lutar por direitos sociais e participação política. Entre as correntes políticas que influenciaram o movimento operário, destacou-se, no início, o anarquismo. Mas havia outras tendências atuantes, como a corrente católica, que procurava afastar o operariado da influência anarquista e socialista, e o sindicalismo revolucionário, que defendia a greve como principal instrumento de luta.

Mulheres operárias, como a tecelã Maria Allés e as costureiras Elvira Boni e Maria Lopes, atuaram no movimento anarquista, protestando contra regulamentos de fábricas e organizando greves para reivindicar melhores condições de trabalho. Suas histórias foram, muitas vezes, apagadas devido ao predomínio de uma perspectiva masculina e das classes dominantes.

O país em greve

Em 1917, os operários conseguiram organizar uma greve geral, que atingiu várias cidades do país e teve a participação de aproximadamente 70 mil trabalhadores. A greve começou em São Paulo e teve a adesão de trabalhadores de outros estados, como Rio de Janeiro, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Durante a greve, no dia 9 de julho, o jovem sapateiro e anarquista José Martinez morreu baleado por tropas do governo. Esse fato ampliou a greve que se estendeu para outras fábricas de São Paulo e de diversas regiões do país.

Entre as reivindicações dos operários e das operárias, estavam: a proibição do trabalho para menores de 14 anos; a abolição do trabalho noturno para mulheres; a redução da jornada de trabalho para oito horas; o aumento de salários; e o respeito ao direito de associação e libertação dos grevistas presos.

Pressionados, o governo e os industriais tiveram de negociar. Concordaram em não punir os grevistas e prometeram aos operários melhores salários e condições de trabalho. Porém, os compromissos não foram cumpridos, provocando novas ondas de greves em 1919 e 1920.

DOUTRINAS SOCIAIS: 

Durante o período em que o movimento operário gozou de total liberdade de associação (República Oligárquica), três correntes disputaram entre si a liderança da classe: Socialista, Anarco-sindicalista.

Liderados por intelectuais pertencentes à classe média, os sindicatos socialistas tiveram pequena penetração nos meios populares, porque defendiam a aliança dos setores médios urbanos ao operariado, como estratégia revolucionária. Suas preocupações centravam-se na divulgação das ideias de Marx e Engels no Brasil. Não acreditavam no sindicato como principal instrumento para a emancipação dos trabalhadores. Por buscarem a transformação gradativa do sistema social existente através da atuação de um partido político, insistiam no alistamento eleitoral e na adoção, pelo imigrante, da cidadania brasileira, necessária para a filiação ao partido socialista e para obter o direito ao voto nas eleições. Ao condenarem a greve como instrumento de luta, distanciavam-se cada vez mais do proletariado. 

ANARCOSINDICALISMO 

Quase sempre associado à presença de imigrantes italianos e espanhóis, foi a corrente de maior prestígio junto à classe operária brasileira da época. Seus líderes eram operários e priorizavam as reivindicações da classe.

Dentre seus princípios básicos destacam-se: a negação da autoridade do Estado ( a liberdade e a igualdade só seriam conseguidas com a destruição do capitalismo e do Estado que o defende), pregavam contra a propriedade privada, pois seria a fonte de todos os problemas da sociedade (destruir a propriedade privada sem destruir o governo burocrático de nada adiantaria, porque os burocratas concentram privilégios e não têm interesse em perde-los) consideravam a associação sindical como a única organização legítima dos trabalhadores (só o sindicato seria capaz de agrupar e solidarizar os operários conscientes, com base em interesses comuns), a ênfase na ação direta como instrumento de resistência ao capital, entendida como greve (geral ou parcial), passando pelo boicote, queda do ritmo de trabalho, produção intencionalmente imperfeita, além das manifestações públicas (passeatas). As greves deveriam constituir um exercício preparatório para a greve geral revolucionária.

O Anarquismo defendia ainda o desenvolvimento de uma cultura operária própria, marcada pela prática de várias atividades, que iam dos piqueniques, passeios e bailes, ao teatro e festivais de todos os tipos.

A atuação sindical se faria através de duas vias: a participação em movimentos coletivos de protesto ou reivindicação e a divulgação dos ideais anarquistas no meio do operariado.

Os ideais comunista no meio sindical teve início com a fundação do Partido Comunista, em 1922, formado por ex-anarquistas, na cidade de Niterói. Inicialmente chamado Partido Comunista do Brasil, depois se denominou Partido Comunista Brasileiro. Sua fundação é reflexo do processo revolucionário desencadeado na Rússia (Revolução de 1917) e da realização da Terceira Internacional Comunista, que tinha por objetivo, dirigir a revolução socialista em todas as partes do mundo.

Condenava as greves sem prévia análise de sua conveniência. Pregava um modelo de estrutura sindical que se completaria com uma central sindical. Em 1928, o PCB fundou a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, que reunia cerca de 60.000 de trabalhadores sindicalizados.

Os comunistas defendiam a transformação da luta econômica dos operários em luta política e o centralismo democrático, ou seja, que as decisões fossem tomadas pela direção do Partido, que promoveria a tomada do Estado e instalaria a ditadura do proletariado.

O PCB defendia ainda a sua participação nas eleições e a formação de "frentes únicas", isto é, a sua união com diversos outros setores da sociedade para atender os interesses dos trabalhadores, mesmos que estes tivessem posições muito diferentes dos comunistas.

O PCB sofreu várias oscilações quanto à sua, legalização (foi fechado em 1922 e depois em 1927) Para contornar esta situação, expandiu-se o Bloco Operário para Bloco Operário e Camponês (BOC), que apesar de camponês, não teve nenhuma penetração nas zonas rurais, ficando restrito às grandes cidades. A maior vitória do BOC ocorreu nas eleições de 1928, no Rio de Janeiro com as vitórias de Otávio Brandão (dirigente do PCB) e Minervino de Oliveira (operário marmorista e dirigente da Federação Sindical Regional).

Cultura no Regime Militar

Usar a arte como instrumento de agitação política – caminho apontado pelo Centro Popular de Cultura da UNE no início dos anos 60 – acaba tendo vários seguidores. Os festivais de música do final dessa década revelam compositores e intérpretes das chamadas canções de protesto, como Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda e Elis Regina. O cinema traz para as telas a miséria de um povo sem direitos mínimos, como nos trabalhos de Cacá Diegues e Glauber Rocha. No teatro, grupos como o Oficina e o Arena procuram dar ênfase aos autores nacionais e denunciar a situação do país. Com o AI-5, as manifestações artísticas são reprimidas e seus protagonistas, na grande maioria, empurrados para o exílio. Na primeira metade dos anos 70 são poucas as manifestações culturais expressivas, inclusive na imprensa, submetida à censura prévia.

Ebulição cultural

A década de 1960 foi culturalmente intensa em todo o mundo ocidental. O ano de 1968, um dos mais agitados, é lembrado até hoje pelos confrontos entre a polícia e os movimentos estudantis e sociais e pela ebulição cultural em países da Europa e nos Estados Unidos.

No Brasil não foi diferente! Foram produzidas obras artísticas marcantes na música, nas artes visuais, no teatro e no cinema. Embora a censura se tornasse cada vez mais dura naquela década, inclusive, com a prática de confisco de materiais considerados “subversivos”, artistas e intelectuais conquistaram espaços para expressar críticas ao regime e denunciar a censura.

Nos festivais da canção, concursos musicais muito populares transmitidos ao vivo por emissoras de televisão, tornaram-se conhecidas as canções de protesto contra o autoritarismo do regime e a favor da exaltação da vida e da dignidade das pessoas pobres do interior do país. Entre essas canções estavam “Arrastão” (1965), de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, e “Procissão” (1966), de Gilberto Gil. A primeira trata da alegria de pescadores diante de uma grande quantidade de peixes, e a segunda reconhece e lamenta a vida dura no Sertão nordestino.

As canções de protesto eram o principal alvo dos censores, mas eles também proibiam a exibição de filmes e novelas que manifestassem críticas aogoverno ou considerados imorais para a época, impediam que os grandes jornais veiculassem artigos de opinião e proibiam a publicação de livros considerados subversivos. Compositores e intérpretes, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Geraldo Vandré e João do Vale, tiveram muito destaque naqueles anos, com canções contra a repressão e a violência da ditadura.

O Tropicalismo

No final da década de 1960, o fenômeno cultural chamado Tropicalismo reuniu diferentes manifestações artísticas. Os tropicalistas queriam revolucionar a linguagem musical, plástica e teatral, além de criticar comportamentos e costumes da época. Eles combatiam a ditadura e mesclavam o popular, o erudito, o regional nordestino e o pop nas diversas formas de expressão.

No teatro, Zé Celso Martinez Corrêa, a frente do Teatro Oficina, incitava o público a se posicionar sobre o regime. Ao montar a peça “Roda viva”, em 1968, com texto e música de Chico Buarque, o grupo foi atacado em São Paulo por membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Outros gêneros musicais

Nesse período, além das músicas de protesto e das inovações do Tropicalismo, outros gêneros musicais fizeram parte do cotidiano cultural do país. Havia a Jovem Guarda, movimento musical voltado ao entretenimento e ao mercado que, com canções leves e dançantes – algumas delas adaptações de sucessos internacionais –, se tornou bastante popular entre a juventude. Os principais expoentes eram Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos.

Outro gênero musical foi o brega ou cafona, que, muito popular de Norte a Sul do país, cujos artistas eram oriundos dos estratos populares da sociedade brasileira. Depreciados pela crítica especializada, eram adorados pelas classes populares por suas músicas românticas que retratavam o cotidiano (relacionamentos, trabalho etc.) dessa população. Além disso, algumas das canções, ao abordar temas como trabalho infantil ou sexualidade, foram percebidas como denúncias das desigualdades e da segregação social existente no cotidiano do país e, por isso, alguns desses artistas foram censurados pela ditadura. Alguns representantes do gênero são Paulo Sergio, Odair José, Nelson Ned e Waldick Soriano.

No Brasil dessa época também se difundiram gêneros da black music estadunidense, como o soul e o funk, muito diferente do funk atual. Nos chamados bailes black, a juventude negra, pobre e periférica, sobretudo do Rio de Janeiro e de São Paulo, encontrou espaços de entretenimento que também eram locais para manifestações contra o racismo, valorização estética, artística e cultural da população negra, assim como denúncias contra o Regime Militar. A expressividade dos bailes e da afirmação e as manifestações pró-orgulho negro geraram grande incômodo entre os militares, que passaram a espionar, investigar e reprimir os eventos.

Por fim, houve sambas-enredo e, sobretudo, canções sertanejas que exaltaram a Ditadura Civil-Militar, seus valores e realizações. Em suas letras destacavam-se o nacionalismo ufanista e a apologia do desenvolvimentismo proporcionados pelo governo militar.

Tropicalismo e iê-iê-iê

Em 1968, ano de efervescência do movimento estudantil, surge o tropicalismo: uma reelaboração dos elementos da cultura e realidade social brasileira à luz da contracultura e do rock'n'roll. Surgem figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato e José Capinam. A revolução musical provocada pelos Beatles e outros grandes grupos de rock internacional também tem sua expressão no Brasil: o iê-iê-iê e a jovem guarda são popularizados pela televisão e afirmam-se junto a uma grande parcela da juventude urbana.

Imprensa alternativa

Durante a ditadura aparecem no Brasil cerca de 150 periódicos regionais e nacionais de oposição ao Regime Militar. Denunciam a tortura, as violações dos direitos humanos, a falta de liberdade, o arrocho salarial e a degradação das condições de vida dos trabalhadores. O marco inicial da imprensa alternativa ocorre em 1969, com O Pasquim. Depois aparecem o Bondinho (1970), Polítika (1971), Opinião (1972), o Ex (1973), entre outros. A partir de 1974, a imprensa alternativa adquire o caráter de porta-voz de movimentos ou grupos da esquerda. Destacam-se os jornais Movimento (1974), Versus (1975), Brasil Mulher (1975), Em Tempo (1977), e Resistência (1978).

Regime Militar – Economia e Sociedade

No início do Regime Militar a inflação chega a 80% ao ano, o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB) é de apenas 1,6% ao ano e a taxa de investimentos é quase nula. Diante desse quadro, o governo adota uma política recessiva e monetarista, consolidada no Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg), elaborado pelos ministros da Fazenda, Roberto de Oliveira Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões. Seus objetivos são sanear a economia e baixar a inflação para 10% ao ano, criar condições para que o PNB cresça 6% ao ano, equilibrar o balanço de pagamentos e diminuir as desigualdades regionais. Parte desses objetivos é alcançada. No entanto, em 1983, a inflação ultrapassa os 200% e a dívida externa supera os US$ 90 bilhões.

Recessão

Para sanear a economia, o governo impõe uma política recessiva: diminui o ritmo das obras públicas, corta subsídios, principalmente ao petróleo e aos produtos da cesta básica, dificulta o crédito interno. Em pouco tempo aumenta o números de falências e concordatas. Paralelamente, para estimular o crescimento do PNB, oferece amplos incentivos fiscais, de crédito e cambiais aos setores exportadores. Garante ao capital estrangeiro uma flexível lei de remessas de lucro, mão-de-obra barata e sindicatos sob controle. Extingue a estabilidade no emprego e, em seu lugar, estabelece o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). No final do governo Castello Branco a inflação baixa para 23% anuais. A capacidade ociosa da indústria é grande, o custo de vida está mais alto, há grande número de desempregados, acentuada concentração de renda e da propriedade.

Financiamento interno

Para financiar o déficit público, o governo lança no mercado as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs). Estimula a construção civil criando o Banco Nacional de Habitação (BNH) para operar com os recursos captados pelo FGTS. Estabelece também a correção monetária como estímulo à captação de poupança num momento de inflação alta. Ao fazer isso, cria um mecanismo que, na prática, indexa a economia e perpetua a inflação.

Retomada do crescimento

A economia volta a crescer no governo Castello Branco. Os setores mais dinâmicos são as indústrias da construção civil e de bens de consumo duráveis voltados para classes de alta renda, como automóveis e eletrodomésticos. Expandem-se também a pecuária e os produtos agrícolas de exportação. Os bens de consumo não-duráveis, como calçados, vestuário, têxteis e produtos alimentícios destinados à população de baixa renda têm crescimento reduzido ou até negativo.

Milagre econômico

Baseado no binômio segurança-desenvolvimento, o modelo de crescimento econômico instaurado pela ditadura conta com recursos do capital externo, do empresariado brasileiro e com a participação do próprio Estado como agente econômico. O PNB cresce, em média, 10% ao ano entre 1968 e 1973. Antônio Delfim Netto, ministro da Fazenda nos governos Costa e Silva e Garrastazu Medici e o principal artífice do "milagre", aposta nas exportações para obter parte das divisas necessárias às importações de máquinas, equipamentos e matérias-primas. O crescimento do mercado mundial, na época, favorece essa estratégia, mas é a política de incentivos governamentais aos exportadores que garante seu sucesso. Para estimular a indústria, Delfim Netto expande o sistema de crédito ao consumidor e garante à classe média o acesso aos bens de consumo duráveis.

O papel das estatais

Durante o Regime Militar, o Estado mantém seu papel de investidor na indústria pesada, como a siderúrgica e de bens de capital. As empresas estatais crescem com a ajuda do governo, obtêm grandes lucros, lideram empreendimentos que envolvem empresas privadas e criam condições para a expansão do setor de produção de bens duráveis.

Concentração de renda

Em 1979, apenas 4% da população economicamente ativa do Rio de Janeiro e São Paulo ganha acima de dez salários mínimos. A maioria, 40%, recebe até três salários mínimos. Além disso, o valor real do salário mínimo cai drasticamente. Em 1959, um trabalhador que ganhasse salário mínimo precisava trabalhar 65 horas para comprar os alimentos necessários à sua família. No final da década de 70 o número de horas necessárias passa para 153. No campo, a maior parte dos trabalhadores não recebe sequer o salário mínimo.

Crescimento da miséria

Os indicadores de qualidade de vida da população despencam. A mortalidade infantil no Estado de São Paulo, o mais rico do país, salta de 70 por mil nascidos vivos em 1964 para 91,7 por mil em 1971. No mesmo ano, registra-se a existência de 600 mil menores abandonados na Grande São Paulo. Em 1972, de 3.950 municípios do país, apenas 2.638 têm abastecimento de água. Três anos depois um relatório do Banco Mundial mostra que 70 milhões de brasileiros são desnutridos, o equivalente a 65,4% da população, na época de 107 milhões de pessoas. O Brasil tem o 9º PNB do mundo, mas em desnutrição perde apenas para Índia, Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas.

Fim do milagre

A partir de 1973 o crescimento econômico começa a declinar. No final da década de 70 a inflação chega a 94,7% ao ano. Em 1980 bate em 110% e, em 1983, em 200%. Nesse ano, a dívida externa ultrapassa os US$ 90 bilhões e 90% da receita das exportações é utilizada para o pagamento dos juros da dívida. O Brasil mergulha em nova recessão e sua principal conseqüência é o desemprego. Em agosto de 1981 há 900 mil desempregados nas regiões metropolitanas do país e a situação se agrava nos anos seguintes.

Sociedade no Regime Militar

Para neutralizar a oposição ao regime, o governo faz uso de vários instrumentos de coerção. A censura aos meios de comunicação e às manifestações artísticas, principalmente a partir de 1969, tolhem a produção cultural. As prisões, torturas, assassinatos, cassação de mandatos, banimento do país e aposentadorias forçadas espalham o medo. Os setores organizados da sociedade passam a viver sob um clima de terrorismo, principalmente após o fechamento do Congresso Nacional, em 1966. As manifestações públicas desaparecem por quase uma década. Em meados dos anos 70 os estudantes são os primeiros à voltar às ruas em defesa das liberdades democráticas. No final da década ressurge o movimento operário com greves por aumento salarial e um acelerado processo de organização.

Esquerda armada

Parcelas da esquerda brasileira procuram na luta armada um meio de enfrentar o Regime Militar e abrir caminho para a esperada revolução brasileira. Destacam-se: Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, ex-deputado federal e ex-membro do Partido Comunista Brasileiro, morto numa emboscada em São Paulo em 4 de novembro de 1969; Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), comandada pelo ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, morto por uma patrulha militar em Pintada, no interior da Bahia, em 17 de setembro de 1971; e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), uma dissidência do PCB, que organiza um movimento guerrilheiro no Araguaia, sul do Pará, no início da década de 70; e o MR-8, uma dissidência do PCB. As organizações armadas fazem assaltos a bancos, sequestros de diplomatas para trocá-los por presos políticos e alguns assassinatos de militares e colaboradores do regime.

Aparato repressivo

O Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em junho de 1964, é um dos órgãos centrais do aparato repressivo do Regime Militar. Cada polícia estadual conta com o seu Dops (Departamento de Ordem Política e Social). As Forças Armadas também têm seus órgãos especializados, como o Cenimar, da Marinha, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, é criada a Oban (Operação Bandeirantes) em 1º de junho de 1969. Reúne militares e civis e é financiada por alguns grandes empresários paulistas. A Oban, um dos principais instrumentos de repressão do governo militar, consegue desarticular os grupos oposicionistas através de prisões, torturas e assassinatos. Em maio de 1970 passa a chamar-se Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi.

Terrorismo de direita

O aparato repressivo conta também com grupos extra-oficiais e paramilitares formado por terroristas de direita. Esses grupos são responsáveis por seqüestros de personalidades públicas, artistas e militantes de esquerda, invasão de teatros e casas de show, atentados a bomba em jornais, bancas de revistas, e também por cartas-bomba. Os mais conhecidos são o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e a Aliança Anticomunista Brasileira (AAB).

Movimento operário

A greve dos metalúrgicos de Osasco, São Paulo, e de Contagem, Minas Gerais, ambas em 1968, são as últimas mobilizações operárias dos anos 60. Dez anos depois, em 12 de maio de 1978, a greve de 1.600 operários da Saab-Scania, na região industrial do ABC paulista, marca a volta do movimento operário à cena política. Em junho, o movimento espalha-se por São Paulo, Osasco e Campinas. Até 27 de julho registram-se 166 acordos entre empresas e sindicatos, beneficiando cerca de 280 mil trabalhadores. Nessas negociações, torna-se conhecido em todo o país o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luís Inácio da Silva, o Lula, que depois incorporaria o apelido a seu nome de registro.

Onda de greves

Os metalúrgicos de São Paulo e Guarulhos, cidade da Grande São Paulo, interrompem o trabalho em 29 de outubro de 1979. No dia seguinte morre o operário Santo Dias da Silva em confronto com a polícia, durante um piquete na frente da fábrica Sylvania, no bairro paulistano de Santo Amaro. As greves por melhorias salariais espalham-se por todos os Estados do país e envolvem várias categorias.

Intervenção nos sindicatos

Em 1° de abril de 1980, os metalúrgicos do ABC paulista e de mais 15 cidades do interior de São Paulo entram em greve por aumento salarial. Em 17 de abril o ministro do Trabalho, Murillo Macedo, determina a intervenção nos sindicatos de São Bernardo do Campo e Santo André. São presos 13 líderes sindicais no dia 19 de abril, e enquadrados na Lei de Segurança Nacional, entre eles Lula. A intervenção é respondida com o crescimento do movimento em apoio à greve. A organização de um fundo de greve mobiliza entidades estudantis, populares e comunidades de base da Igreja. A greve em Santo André prossegue até 5 de maio e, em São Bernardo, até o dia 11. Após vários julgamentos, os processos contra sindicalistas prescrevem em 11 de maio de 1982.

Trabalhadores rurais

Em 15 de maio de 1984 cerca de 5 mil cortadores de cana e colhedores de laranja do interior paulista entram em greve por melhores salários e condições de trabalho. No dia seguinte invadem as cidades de Guariba e Bebedouro. Um canavial é incendiado. O movimento é reprimido por 300 soldados. Morre uma pessoa e 40 ficam feridas. Parte das reivindicações dos bóias-frias é atendida pelo acordo de Jaboticabal, assinado em 17 de maio de 1984 e estendido depois a todos os municípios da área. Greves de trabalhadores rurais espalham-se por várias regiões do país, principalmente entre os canavieiros do Nordeste.

Surgimento da CUT

Com o crescimento das greves, há uma renovação nas direções sindicais. Várias diretorias pelegas são atropeladas por processos grevistas liderados pelas oposições. A organização intersindical é retomada e, entre 21 e 23 de agosto de 1981, é realizada a 1ª Conferência das Classes Trabalhadoras (Conclat), na Praia Grande (SP). Ali é formada a comissão pró-CUT (Central Única dos Trabalhadores), e a entidade é fundada em agosto de 1983. Pela primeira vez no país uma central sindical nacional consegue congregar trabalhadores do campo e da cidade e apresenta uma proposta de organização sindical independente. No entanto, a CUT não congrega todos os setores expressivos do movimento sindical. Ficam de fora as tendências lideradas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Anistia

O movimento pela anistia aos presos políticos, banidos e cassados em seus direitos políticos começa na segunda metade da década de 70. Reúne entidades do movimento estudantil e sindical, organizações populares, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e setores da Igreja. Obtém uma vitória parcial em 1979, com a decretação da anistia aos acusados de crimes políticos. No entanto, a anistia é "recíproca", ou seja, beneficia também os agentes dos órgãos de repressão envolvidos em denúncias de assassinatos e torturas.

Movimentos populares

A partir dos anos 70, a migração campo-cidade fica mais intensa e acelera o processo de inchaço dos grandes centros urbanos. No início dos anos 80, segundo dados do IBGE, 80 milhões de pessoas, ou 67% dos brasileiros, vivem na zona urbana, contra uma população rural de 39 milhões de pessoas. A região Sudeste, rica e industrializada, concentra 44% dos habitantes do país. Capitais do Nordeste, como Salvador e Recife, têm suas populações aumentadas em, respectivamente, 31% e 45%. Esse crescimento das populações urbanas, porém, não é acompanhado de um incremento dos serviços urbanos, como transporte e saneamento básico, além da rede pública de atendimento à saúde e educação. A solução desses problemas são algumas das reivindicações centrais dos movimentos sociais urbanos que surgem no final dos anos 70.

Reivindicações populares

Os movimentos sociais urbanos em geral surgem nos locais de moradia. Reivindicam direitos básicos de cidadania, como abastecimento de água e coleta de esgotos, iluminação, transporte, calçamento, atendimento médico e acesso à escola. Lutam também pela legalização de loteamentos clandestinos, cada vez mais comuns nos bairros de periferia. Em vários momentos, partem para a ação direta. Nos anos 80 há invasões de terrenos e de conjuntos habitacionais em construção em várias capitais e quebra-quebras de ônibus e trens urbanos.

O Regime Militar

1. A DITADURA CIVIL-MILITAR NO BRASIL (1964-1985)

Com a deposição do presidente João Goulart e a ascensão dos militares ao poder, o Brasil viveu uma época na qual as liberdades e os direitos políticos foram suspensos. A ditadura civil-militar brasileira vigorou de 1964 a 1985. Logo após o golpe de Estado, em 1964, os militares impuseram um regime ditatorial que se estendeu por mais de vinte anos.  
Durante os 21 anos desse regime, os cidadãos brasileiros foram impedidos de escolher seus representantes para os principais cargos do Poder Executivo. As eleições para presidente da República, governadores dos estados, prefeitos das capitais e de municípios considerados áreas de segurança nacional passaram a ser feitas de maneira indireta, e os escolhidos eram, em geral, civis que apoiavam o regime. Nesse período, o país teve cinco presidentes, todos eles generais indicados pelo Exército e eleitos também indiretamente, sem disputar o cargo com qualquer outro adversário.
Muitas pessoas que faziam oposição ao regime foram presas e torturadas, várias delas foram mortas e outras tiveram de se exilar para sobreviver. A imprensa e as manifestações culturais, como o teatro, o cinema, a música e a literatura, também foram cerceadas, sendo muitas vezes submetidas à censura prévia.
O plano político é marcado pelo autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela imposição de censura prévia aos meios de comunicação. Na economia, há uma rápida diversificação e modernização da indústria e serviços, sustentada por mecanismos de concentração de renda, endividamento externo e abertura ao capital estrangeiro. A inflação é institucionalizada através de mecanismos de correção monetária e passa a ser uma das formas de financiamento do Estado. Acentuam-se as desigualdades e injustiças sociais.
A partir do governo do general Humberto de Alencar Castello Branco, entre 1964 e 1967, houve, basicamente, duas estratégias: repressão sistemática e violenta aos que se opunham ao golpe e Atos Institucionais (AI), decretos com força de lei expedidos pelo Poder Executivo que, gradativamente, davam mais poder aos militares e limitavam as liberdades políticas e civis no Brasil.

Primeiros tempos (1964-1968)

Entre as primeiras medidas da ditadura esteve a organização de uma rede de informações voltadas ao controle, repressão e censura aos oposicionistas e à proibição de estes participarem da vida política.
Em 1965, os partidos políticos foram encerrados e instaurou-se o bipartidarismo. Assim, os políticos que apoiavam a ditadura – grande parte deles oriundos da antiga União Democrática Nacional (UDN) – uniram-se em torno da Aliança Nacional Renovadora (Arena); e os da oposição, em torno do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Ao adotar o bipartidarismo, visava-se dar um verniz democrático ao regime, uma vez que ele parecia acolher posições políticas divergentes no Legislativo.
O golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart e colocou os militares no poder foi um ato que violou a Constituição em vigor. Para legitimar o regime então instalado, o comando militar criou o regulamento que ficou conhecido como ato institucional.
Os atos institucionais (AIs) eram decretos que permitiam ao governo modificar leis, sem que tal decisão passasse pela aprovação do Congresso, como ocorre em uma democracia. Por meio desses atos, o governo procurava criar embasamento legal para suas decisões autoritárias.
Com base no argumento de que os atos institucionais tinham por objetivo combater a corrupção e a subversão, entre 1964 e 1969 foram decretados 17 atos institucionais, bem como 104 atos complementares, que garantiram ao regime amplos poderes para interferir nos poderes Legislativo e Judiciário e conduzir a política nacional.

Os primeiros Atos Institucionais

Nos primeiros anos do regime ditatorial, três importantes Atos Institucionais foram impostos:

• AI-1: Decretado por uma junta militar em 9 de abril de 1964, estabeleceu eleições indiretas para a escolha de um presidente temporário. Assim, Castello Branco foi eleito pelo Congresso Nacional e permaneceu no poder até 1967. O AI-1 permitiu a cassação de mandatos de vereadores, deputados e senadores e a suspensão de direitos políticos de muitos cidadãos.

• AI-2: Instituído por Castello Branco em 1965, determinou a extinção dos partidos políticos tradicionais, eleições indiretas para a Presidência da República e a instauração do bipartidarismo, ou seja, a imposição de apenas duas organizações partidárias: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido do governo; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o único partido de oposição autorizado.

• AI-3: Estabeleceu eleições indiretas para governadores e vice-governadores e a nomeação de prefeitos das capitais pelos respectivos governadores.

Os anos iniciais do governo militar foram de relativa tranquilidade no cenário político, visto que boa parte da população apoiou o golpe e se acreditava que esse governo seria provisório. Contudo, o vislumbre da permanência dos militares no poder e o aumento da repressão aos adversários levaram ao surgimento de movimentos que reagiram ao autoritarismo do governo. Diante disso, os militares passaram a perseguir diversos grupos opositores e políticos que se opuseram à implantação da ditadura, com medidas como cassação de mandatos.Entre eles estavam o ex-presidente João Goulart, o deputado federal Leonel Brizola e o economista Celso Furtado. 

A oposição se fortalece

Setores variados da população reagiram ao autoritarismo implantado. Entre os estudantes, por exemplo, era forte o descontentamento com o governo. Nos sindicatos, começaram a surgir líderes contrários ao autoritarismo e à política de arrocho salarial do governo.

Diversos filmes e peças de teatro faziam constantes críticas ao regime. Na música popular, as manifestações contrárias ao governo eram ainda mais fortes. Mesmo sujeitos à censura e ao controle, muitos artistas produziram canções que criticavam abertamente as ações do regime.

A consolidação do sistema repressivo

Em 1964, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), cuja função era reunir e analisar informações sobre adversários do regime. Havia agentes do SNI infiltrados em diversas instituições privadas e públicas, como escolas, redações de jornais, sindicatos e universidades. Muitos opositores, que corriam o risco de ser presos, torturados ou exilados, foram perseguidos por esse órgão, que os acusava de subversão.

Em 1967, o governo criou a Lei de Imprensa, que implantou a censura e limitou a liberdade de expressão e de informação nos meios de comunicação; e a Lei de Segurança Nacional, que permitia julgar e reprimir, com o apoio da Justiça Militar, qualquer manifestação particular ou coletiva, como comícios, reuniões ou assembleias de categorias profissionais ou estudantis, consideradas ameaças à ordem política e social.

Em março de 1967, entrou em vigor no Brasil uma Constituição que ampliou os poderes do presidente da República e incorporou as determinações dos Atos Institucionais, o que legitimou as ações do Regime Militar desde 1964. Essa Constituição institucionalizou a Ditadura Civil-Militar no país.

Ainda em 1967, o general Arthur da Costa e Silva sucedeu a Castello Branco na Presidência da República. Costa e Silva representava um grupo das Forças Armadas conhecido como “linha dura”, mais radical e hostil às lideranças civis que o grupo ligado ao ex-presidente Castello Branco, os chamados “castelistas”. Uma das diferenças entre os dois grupos estava na questão da perseguição e punição aos chamados “inimigos da Revolução”. Para os “castelistas”, as punições deveriam ser rápidas e pontuais. Já para os militares da “linha dura”, as punições deveriam ser abrangentes e durar o tempo que fosse necessário para “limpar” o país dos opositores do novo regime.

1968: luta democrática e repressão

O ano de 1968 foi marcado por amplas manifestações contra as práticas autoritárias dos militares. Nas ruas, as passeatas contra o regime, articuladas principalmente pelo movimento estudantil, começaram a reunir milhares de pessoas.

Os estudantes exigiam a volta da democracia e a melhoria na qualidade do ensino. As greves operárias também reapareceram, e milhares de trabalhadores cruzaram os braços para reivindicar reajuste salarial e liberdade política.

Um dos fatos marcantes da violência desse período foi a morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos, em março de 1968. Durante a repressão a uma reunião para organizar uma passeata, a polícia invadiu o restaurante estudantil Calabouço, onde Edson Luís estava, e o atingiu com um tiro no peito. Além dele, os disparos acertaram Benedito Frazão Dutra, que também morreu, e seis outros jovens, que ficaram feridos.

Em junho, como resposta à violência do regime contra os estudantes, ocorreu a “Passeata dos Cem Mil” no centro do Rio de Janeiro. Participaram dessa manifestação artistas, políticos, trabalhadores e estudantes. Meses depois, mais de seiscentos estudantes reunidos no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, São Paulo, foram surpreendidos e presos pela polícia.

Os anos de chumbo (1969-1978)

As manifestações contra a Ditadura Civil-Militar se multiplicavam, os militares aumentaram a repressão aos opositores. Em setembro de 1968, ainda no período do Governo Costa e Silva, o deputado federal Márcio Moreira Alves, do MDB, fez um discurso conclamando a população a não comparecer à parada militar de 7 de setembro, em repúdio à ditadura. Após seu discurso, os generais exigiram sua cassação, mas o Congresso não acatou a ordem. Em seguida, o presidente Costa e Silva decretou o AI-5, símbolo maior do autoritarismo militar. 

O decreto do AI-5 autorizava o presidente da República a fechar o Congresso Nacional, legislar sobre qualquer assunto e intervir em estados e municípios, demitir juízes e decretar estado de sítio. Permitia ainda que o presidente suspendesse os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos, cassasse mandatos de deputados e senadores e estabelecesse censura prévia às manifestações culturais e à imprensa.

O AI-5 também proibia o habeas corpus aos presos políticos e determinava que as decisões do governo, baseadas nesse ato institucional, não podiam ser discutidas na Justiça. Era, assim, um instrumento que impedia a manifestação dos que discordavam do governo e aumentava a perseguição contra eles.

Muitos oposicionistas tiveram de deixar o país e se exilar. Entre essas pessoas estavam artistas, professores, intelectuais, políticos, estudantes etc. Outros, principalmente os mais jovens, passaram a fazer parte de grupos clandestinos que combatiam a ditadura por meio da luta armada. Isso deu origem a diversas organizações guerrilheiras, chamadas de organizações terroristas pelos militares.

Em agosto de 1969, Costa e Silva foi afastado da Presidência por motivos de saúde e, após o breve governo de uma junta militar, o general Emílio Garrastazu Médici assumiu o cargo em dezembro. Em seu mandato, que terminou em 1974, Médici consolidou os chamados Anos de Chumbo da Ditadura Civil-Militar.

A resistência armada

Com o aumento da violência após a decretação do AI-5, o fechamento dos canais de participação política e o consequente enfraquecimento dos movimentos estudantil e operário, muitos ativistas recorreram à luta armada para combater o regime ditatorial e defender a implantação do socialismo.

Inspirados em experiências ocorridas em outros países, como a Revolução Cubana, os guerrilheiros urbanos brasileiros, dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em sua maioria, uniram-se em organizações como a Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderada pelo ex-deputado Carlos Marighella; a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), liderada pelo ex-capitão Carlos Lamarca; e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

Eles sequestravam diplomatas, roubavam carros, assaltavam bancos para financiar a guerrilha e produziam documentos falsos para viabilizar a fuga dos militantes perseguidos pelo regime.

A Guerrilha do Araguaia foi uma guerrilha rural organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e foi assim chamada porque se formou em uma região ao longo do Rio Araguaia, na divisa dos estados do Pará, Goiás (na região que hoje pertence a Tocantins) e Maranhão. Em pontos isolados, cerca de sessenta guerrilheiros procuraram desenvolver focos revolucionários, e para isso buscaram obter apoio da população camponesa. Eles estocavam armas e munições, além de abrigar pessoas perseguidas pela ditadura. Para combater esse movimento, o governo militar enviou para a região uma grande tropa de soldados, que assassinaram 59 militantes, além de um número ainda desconhecido de moradores que supostamente apoiavam a guerrilha.

O aumento da repressão

Em resposta às ações de guerrilha, o governo endureceu a repressão. Para isso, criou órgãos encarregados de desmantelar os grupos de esquerda, armados ou não, e prender seus integrantes.
Nesse momento, a Ditadura Civil-Militar unificou as ações de diversos órgãos repressivos. A Operação Bandeirantes (Oban), centro de informações e investigações estabelecida em São Paulo desde 1969 e apoiada financeiramente por empresários brasileiros e estrangeiros, integrava as Forças Armadas, a polícia militar, a polícia federal e a polícia civil. Seu principal objetivo era centralizar e coordenar as atividades de combate ao que os militares chamavam de “subversão” e “terrorismo”.
A estrutura da Oban serviu de modelo para a criação do Departamento de Operações de Informações (DOI) e do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) em diversas capitais do país. As atividades principais do DOI-Codi eram a prisão e o interrogatório de militantes da esquerda, ligados ou não à resistência armada. Esses órgãos se transformaram nos principais centros de tortura do Regime Militar.
Assim, os grupos guerrilheiros, após uma fase inicial de organização da resistência, foram duramente reprimidos pela ditadura. Muitos militantes morreram em sessões de tortura, outros em confrontos com a polícia, outros ainda foram dados como desaparecidos. Seus familiares também eram vítimas do regime, que os torturava em troca de informações que muitas vezes não tinham. Organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que 210 militantes presos nessa época nunca mais foram vistos; entre eles, 191 foram oficialmente declarados mortos.
Toda essa violência acabou por desmantelar não só os grupos de luta armada, mas também as organizações de esquerda que haviam optado por não pegar em armas naquele momento. No começo dos anos 1970, nenhum desses grupos
estava em condições de prosseguir em seu combate à ditadura.
Segundo os militares, as ações dos grupos guerrilheiros também provocaram diversas mortes. De acordo com dados das Forças Armadas, os confrontos com os militantes acarretaram a morte de 126 agentes do governo, entre militares e civis.

O “Brasil potência”, censura e repressão

Com a censura aos meios de comunicação, o governo militar impedia que jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão publicassem notícias contrárias a seus interesses. Ao mesmo tempo, fazia uso intenso da propaganda para divulgar sua ideologia e exaltar o regime e suas realizações.

Dessa forma, a ditadura procurava isolar os opositores do regime, denunciando-os como inimigos do Brasil. Um dos slogans mais repetidos nessa época era: “Brasil, ame-o ou deixe-o.”, como se amar o país fosse apoiar o governo.

O governo militar procurava acobertar a repressão e a violência do período com a divulgação, em todos os canais de comunicação, das altas taxas de crescimento econômico do país. Essa propaganda transmitia a ideia de que o Brasil tinha encontrado um caminho de desenvolvimento e progresso.

As conquistas esportivas, sobretudo no futebol, também serviram como propaganda política pelo Regime Militar. A conquista do tricampeonato pela Seleção Brasileira de Futebol na Copa de 1970 provocou no país uma forte onda ufanista. A canção “Pra frente Brasil”, de Miguel Gustavo, fez muito sucesso.

O presidente de então, Emílio Garrastazu Médici, recebeu em festa os atletas em Brasília, com o objetivo de vincular a conquista dos jogadores ao governo.

O “milagre econômico”

Entre 1968 e 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu, em média, 11,2%, taxa bem maior que a de 4,2%, entre os anos de 1964 e 1967.

Isso foi possível em razão dos seguintes fatores:

• Entrada de capital estrangeiro com a instalação crescente de empresas transnacionais.

• Baixa tarifa de importação de equipamentos para produção de produtos intermediários.

• Expansão do crédito à agricultura, o que possibilitou a mecanização da agricultura e o aumento da produção industrial de tratores e caminhões.

• Incentivo às exportações, com isenções de impostos e crédito facilitado.

• Investimento na construção de rodovias, como a Transamazônica, grandes obras de infraestrutura, como a Rio-Niterói, portos e moradia popular, o que aumentou a produção de cimento e diversos materiais de construção.

Grande parte da propaganda do governo alardeava o crescimento econômico e a realização de obras, como a rodovia Transamazônica, que atravessava parte da região Norte, e a ponte Rio-Niterói, que foi construída na época e é usada ainda hoje. Era a época do “Brasil grande”. Esse clima de exaltação da ditadura foi favorecido pela vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1970 e pela comemoração do Sesquicentenário (150 anos) da Independência do Brasil.

O rápido crescimento econômico do país entre 1967 e 1973 foi chamado por entusiastas do regime de milagre econômico. Os índices resultavam da ampliação de investimentos internacionais no país, da intervenção do Estado em setores importantes da economia e da redução de salários. No entanto, a realidade não era tão positiva como o governo queria fazer parecer, já que o “milagre econômico” foi combinado a uma forte concentração de renda (aumento da desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres).

Entretanto, a maioria dos brasileiros não foi beneficiada por esse “milagre econômico”. O crédito rural, por exemplo, foi concedido aos grandes proprietários de terras, e o arrocho salarial impedia o aumento real dos salários e prejudicou as camadas mais pobres da população. A concentração de renda aumentou na mesma medida em que reforçou as disparidades regionais e a desigualdade social.

No campo, o aumento da concentração de terras resultou na migração de muitos trabalhadores rurais sem-terra para as cidades. Entretanto, não havia habitações para todos nos centros urbanos e, consequentemente, milhares de trabalhadores passaram a morar em casas improvisadas e precárias nas periferias e em favelas.

Além disso, a industrialização e os grandes investimentos em infraestrutura foram feitos graças a empréstimos externos junto a bancos e instituições internacionais. Com isso, quando o cenário externo mudou, a expansão econômica sofreu forte redução.

Em 1973, a inflação voltou a crescer, e a dívida externa, que em 1966 era de 4,5 bilhões de dólares, tinha aumentado para 12,6 bilhões de dólares, ou seja, o “milagre” não durou muito. A riqueza construída permaneceu concentrada nas mãos de poucos. Nesse ano ocorreu uma grave crise econômica mundial em razão do aumento do preço do petróleo, que atingiu os países dependentes de empréstimos externos, como o Brasil.

A inflação e a mobilização popular

No final de 1973, os preços internacionais do petróleo dispararam por iniciativa dos grandes países produtores. Isso afetou a economia mundial. No Brasil, como os salários continuavam controlados, o aumento dos preços das mercadorias reduziu significativamente o poder de compra da população. O país entrou em uma recessão. Era o fim do “milagre econômico”.

Esse cenário, no entanto, não impedia que os órgãos de segurança do governo continuassem a reprimir violentamente os grupos de oposição. Em outubro de 1975, o jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog foi assassinado em um quartel do Exército, na cidade de São Paulo. Em janeiro do ano seguinte, outro assassinato sob tortura ocorreu também em São Paulo. Dessa vez, a vítima foi o operário Manuel Fiel Filho, acusado de ser comunista. 

Apesar da repressão e dos desaparecimentos de grupos de oposição ao governo, nos anos de 1976 e 1977, estudantes universitários retomaram a mobilização estudantil contra o regime. Nos anos seguintes, entre 1978 e 1979, ocorreram importantes greves operárias por todo o Brasil, e as de maior repercussão foram organizadas na região do ABC paulista. Diante da pressão, o governo foi obrigado a fazer reformas e concessões que favoreceram o processo de redemocratização do país.

Desde 1975 já vinha ganhando força no Brasil um movimento reivindicando a anistia dos presos e exilados políticos brasileiros. As articulações em torno dessa ideia surgiram em 1975, com a formação do Movimento Feminino pela Anistia (MFA), liderado pela advogada e ativista Therezinha Zerbini. Aos poucos, a campanha espalhou-se pelo país.

A pressão popular deu resultado e, em 1979, o Congresso aprovou uma lei que anistiou tanto os presos políticos quanto as pessoas cassadas e perseguidas pela ditadura. Cerca de dez mil exilados retornaram ao Brasil ao mesmo tempo que presos políticos foram postos em liberdade.

Em contrapartida, a lei da Anistia perdoou também os agentes da ditadura envolvidos em assassinatos e torturas de presos políticos.

As Diretas Já

Ainda em 1979, o Congresso Nacional aprovou o fim do bipartidarismo e cinco novos partidos se formaram logo em seguida. Alguns setores da ditadura eram contrários ao processo de redemocratização; por isso, decidiram utilizar estratégias terroristas para enfraquecer a oposição, promovendo atentados. Apesar disso, a luta pela redemocratização do país não se deteve, e surgiu o movimento Diretas Já.

Esse movimento suprapartidário teve início em 1983, período em que partidos de oposição organizaram uma campanha por eleições diretas para presidente. Ganhou força em 1984, quando foram realizados comícios dos quais participaram milhões de pessoas, em todo o Brasil, em defesa da redemocratização.

Nesse contexto, a oposição apresentou no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional destinada a restabelecer as eleições diretas para presidente. No entanto, tal iniciativa foi derrotada em abril de 1984. Dessa forma, a escolha do presidente continuaria a ser feita pelo Colégio Eleitoral, órgão formado por deputados e senadores. A eleição indireta para presidente estava marcada para janeiro de 1985. Com a derrota das Diretas Já, a oposição escolheu o político mineiro Tancredo Neves, do PMDB, como seu candidato.

Para vice na chapa oposicionista, foi escolhido José Sarney, que havia sido presidente da Arena, partido que apoiara a ditadura, mas que então se alinhava com a oposição. O candidato do PDS, partido do governo, era Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo.

Mudanças sociais ao longo do governo militar

Ao longo dos 21 anos em que vigorou a Ditadura Civil-Militar, a sociedade brasileira passou por importantes transformações. Uma delas foi a vertiginosa urbanização. A mecanização da agricultura reduziu os postos de trabalho no campo, enquanto a industrialização e o crescimento do setor de serviços aumentaram o número de vagas nos centros urbanos, com grande deslocamento populacional do campo para as maiores cidades do país, sobretudo aquelas do Sudeste, região mais rica e mais industrializada do país.

A transformação do país em uma sociedade predominantemente urbana foi acompanhada de alguns problemas, como:

• aumento das disparidades regionais: o crescimento econômico concentrou-se no Centro-Sul em detrimento do Norte e do Nordeste;

• crescimento desordenado das metrópoles: as cidades não foram preparadas (infraestrutura, moradia, hospitais e escolas) para o elevado aumento populacional, o que resultou no aparecimento de assentamentos precários e de favelas.

O resultado dessas transformações pode ser visto no censo de 1970, que retratou a sociedade brasileira como majoritariamente urbana.

A repressão à população indígena

Desde o início do século XX, os governos brasileiros adotaram políticas agressivas contra as populações indígenas, buscando intervir em seus modos de vida para utilizar suas terras. Essa política foi intensificada pela ditadura civil-militar brasileira.

O modelo de crescimento econômico da Ditadura Civil-Militar incentivou investimentos nas regiões Amazônica e Centro-Oeste e causou forte impacto em sua estrutura fundiária, natural e social.

O desmatamento das florestas e do Cerrado criou condições para a criação de gado, as atividades de mineração, a construção de grandes hidrelétricas e indústrias siderúrgicas, o aumento das plantações de soja e de outros produtos agrícolas. Essas atividades, entretanto, causaram perda de terras naturais, deslocamentos populacionais forçados e mudanças radicais no modo de vida das comunidades indígenas e quilombolas da região. Afinal, como continuar vivendo da caça, da pesca e da agricultura de subsistência em terras inférteis, desmatadas, sem rios ou animais?

Em 1967, foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo de garantir a “pacificação” de grupos indígenas que ameaçavam o avanço das atividades econômicas na Amazônia.

Além disso, o órgão deveria organizar aldeamentos retirando os grupos indígenas de suas terras a fim de dar lugar ao avanço das fronteiras agrícolas, transformando esses indígenas em mão de obra acessível.

O resultado dessa política foi desastroso. Muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras e outras dizimadas após o contato com as expedições governamentais. Um exemplo desse impacto foi o caso da população araweté, que vivia nas margens do Rio Xingu. Em 1976, cerca de 200 pessoas formavam esse grupo. Com as obras da Transamazônica e a ocupação da região, 73 indígenas morreram por causa de doenças e da fome.

A resistência quilombola e indígena

Como forma de resistência, diversos povos indígenas se organizaram e exigiram o direito de permanecer em suas terras, contestando o modelo desenvolvimentista da ditadura em curso. Esse ato sensibilizou políticos e outros membros da sociedade brasileira, que passaram a se preocupar com a situação indígena e iniciaram investigações sobre as arbitrariedades cometidas na região amazônica. Todo esse movimento possibilitou a criação de leis que reconheceram os direitos indígenas de permanecer em suas terras, especialmente após a redemocratização do país.

Em 1974, realizou-se, em Diamantino (MT), uma grande assembleia de povos indígenas para discutir suas lutas e demandas. Depois desse primeiro encontro, muitos outros ocorreram e essa mobilização resultou na criação da União das Nações Indígenas (UNI), em 1980. Essa organização indígena é considerada a primeira a ter caráter nacional e cumpriu papel fundamental, ao final da ditadura, no processo de elaboração de uma nova Constituição em 1988.

Durante a Ditadura Civil-Militar, muitas etnias indígenas foram vítimas de graves violações de direitos humanos. Mais de 8 mil indígenas foram mortos entre 1964 e 1985 em massacres, invasões de terras, remoções forçadas, contágio por doenças, prisões e torturas.

2. Os governos militares (1964-1985)

Com a deposição de João Goulart, o presidente da Câmara Federal, Ranieri Mazzilli, assume formalmente a Presidência e permanece no cargo até 15 de abril de 1964. Na prática, porém, o poder é exercido pelos ministros militares de seu governo: brigadeiro Correia de Melo, da Aeronáutica, almirante Augusto Rademaker, da Marinha, e general Arthur da Costa e Silva, da Guerra. Nesse período é instituído o Ato Institucional no 1 (AI-1).
AI-1 – Os atos institucionais são mecanismos adotados pelos militares para legalizar ações políticas não previstas e mesmo contrárias à Constituição. De 1964 a 1978 são decretados 16 atos institucionais e complementares que transformam a Constituição de 1946 em uma colcha de retalhos. O AI-1, de 9 de abril de 1964, transfere o poder político aos militares, suspende por dez anos os direitos políticos de centenas de pessoas, entre elas os ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros, governadores, parlamentares, líderes sindicais e estudantis, intelectuais e funcionários públicos. As cassações de mandatos alteram a composição do Congresso e intimidam os parlamentares.

Governo Castello Branco

Em 11 de abril de 1964, o Congresso elege para presidente o chefe do Estado-maior do Exército, marechal Humberto de Alencar Castello Branco. 
Posse de Castelo Branco
Empossado em 15 de abril de 1964, governa até 15 de março de 1967. Usa atos institucionais e emendas constitucionais como instrumentos de repressão: fecha associações civis, proíbe greves, intervém em sindicatos, cassa mandatos de políticos, entre eles o do ex-presidente Kubitschek, em 8 de junho de 1964. No dia 13 de junho cria o Serviço Nacional de Informações (SNI). Em 27 de outubro o Congresso aprova a Lei Suplicy, que extingue a UNE e as uniões estaduais de estudantes. O novo governo assina com os EUA o acordo MEC-Usaid, com o objetivo de reestruturar a educação pública no país. Em 18 de outubro de 1965 manda invadir e fechar a Universidade de Brasília pela polícia militar.

A linha dura

As ações repressivas do governo são estimuladas por grande parte dos oficiais do Exército, principalmente pelos coronéis. A chamada "linha dura" defende a pureza dos princípios "revolucionários" e a exclusão de todo e qualquer vestígio do regime deposto. Usando de pressões, conseguem que o Congresso aprove várias medidas repressivas. A emenda das inelegibilidades, por exemplo, aprovada em 1965 antes das eleições para governadores, transforma em inelegíveis alguns candidatos que desagradam aos militares. Uma das maiores vitórias da linha dura é a permissão dada à Justiça Militar para julgar civis pelos chamados "crimes políticos".
AI-2 – Em 27 de outubro de 1965 Castello Branco edita o AI-2: dissolve os partidos políticos e confere ao Executivo poderes para cassar mandatos e decretar o estado de sítio sem prévia autorização do Congresso. Estabelece também a eleição indireta para a Presidência da República, transformando o Congresso em Colégio Eleitoral.

Bipartidarismo

O ato complementar no 4, de 24 de novembro de 1965, institui o sistema bipartidário no país. É criada a Aliança Renovadora Naciona (Arena), de apoio ao governo, reunindo integrantes da antiga UDN e do PSD. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) reúne oposicionistas de diversos matizes, entre os que sobraram dos processos de repressão pós-golpe. Como único espaço consentido de oposição, aos poucos, adquire o caráter de uma grande frente política.

AI-3 e AI-4

Prevendo a derrota nas eleições para os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o governo baixa o AI-3, em 5 de fevereiro de 1966: as eleições para governadores passam a ser indiretas. Em novembro de 1966 Castello Branco fecha o Congresso e inicia uma nova onda de cassações de parlamentares. O AI-4, de 7 de dezembro de 1966, atribui poderes constituintes ao Congresso para que aprove o projeto constitucional elaborado pelo ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva.

Constituição de 1967

A sexta Constituição do país e a quinta da República traduz a ordem estabelecida pelo Regime Militar e institucionaliza a ditadura. Incorpora as decisões instituídas pelos atos institucionais, aumenta o poder do Executivo, que passa a ter a iniciativa de projetos de emenda constitucional, reduz os poderes e prerrogativas do Congresso, institui uma nova lei de imprensa e a Lei de Segurança Nacional. A nova Carta é votada em 24 de janeiro de 1967 e entra em vigor no dia 15 de março.

Governo Costa e Silva

O marechal Arthur da Costa e Silva assume em 15 de março de 1967 e governa até 31 de agosto de 1969, quando é afastado do poder por motivo de saúde. 
General Costa e Silva
Logo nos primeiros meses de governo enfrenta uma onda de protestos que se espalha por todo o país. O autoritarismo e a repressão recrudescem na mesma proporção em que a oposição se radicaliza. Costa e Silva cria a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).

Movimentos de oposição

Em meados de 1967 é formada a Frente Ampla, movimento de oposição extraparlamentar que reúne líderes do período pré-64, como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Crescem também as manifestações de rua nas principais cidades do país, em geral organizadas por estudantes. Em 1968 o estudante secundarista Edson Luís morre no Rio de Janeiro em um confronto entre policiais e estudantes. Em resposta, o movimento estudantil, setores da igreja e da sociedade civil promovem a passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, a maior mobilização do período contra o Regime Militar. Na Câmara Federal, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, exorta o povo a não comparecer às festividades do Dia da Independência. Os militares exigem sua punição. A Câmara não aceita a exigência. O governo fecha o Congresso e decreta o Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968.

Áreas de segurança

Em 17 de abril de 1968, 68 municípios, inclusive todas as capitais, são transformados em áreas de segurança nacional e seus prefeitos passam a ser nomeados pelo presidente da República.
AI-5 – Mais abrangente e autoritário que todos os outros atos institucionais, o AI-5, na prática, revoga os dispositivos da Constituição de 1967. Reforça os poderes discricionários do regime e concede ao Executivo o direito de determinar medidas repressivas específicas, como decretar o recesso do Congresso, das assembléias legislativas estaduais e das câmaras municipais. O governo pode censurar os meios de comunicação, eliminar garantias de estabilidade do Poder Judiciário e suspender a aplicação do habeas-corpus em caso de crimes políticos. O ato ainda cassa mandatos, suspende direitos políticos e cerceia direitos individuais. Em seguida ao AI-5, o governo Costa e Silva decreta outros 12 atos institucionais e complementares, que passam a constituir o núcleo da legislação do regime. O AI-5 é revogado pela emenda no 11, que entra em vigor em 1º de janeiro de 1979.

Junta militar

A Junta Militar é integrada pelos ministros da Marinha, Augusto Rademaker, do Exército, Lyra Tavares, e da Aeronáutica, Márcio de Sousa e Melo. Governa por dois meses – de 31 de agosto de 1969 até 30 de outubro de 1969. Em 9 de setembro de 1969, decreta, entre outras medidas, o AI-14, que institui a prisão perpétua e a pena de morte em casos de "guerra revolucionária e subversiva"; reforma a Constituição de 1967 e impõe nova lei de segurança nacional. Decreta também a reabertura do Congresso, após dez meses de recesso. Em 25 de outubro de 1969, os parlamentares elegem o general Emílio Garrastazu Medici para a Presidência.

Reforma constitucional

A reforma é elaborada pelo jurista Carlos Medeiros Silva com base em estudos feitos pelo professor de Direito Penal, Pedro Aleixo, e nas normas decretadas pela Junta Militar. Incorpora o AI-5 e os atos institucionais posteriores à Constituição, permite ao presidente decretar estado de sítio e de emergência.

Decurso de prazo

A emenda constitucional no1, de 17 de outubro de 1969, cria a figura do decurso de prazo, artifício usado pelos governos militares para seus decretos-lei junto ao Congresso. Pela emenda, os decretos do governo não votados num prazo de 45 dias entram automaticamente em vigor. Assim, mesmo que os parlamentares governistas sejam minoria no Congresso, basta-lhes não comparecer ao plenário para impedir a formação do quórum necessário às votações.

GOVERNO MEDICI

Emílio Garrastazu Médici assume a Presidência em 30 de outubro de 1969 e governa até 15 de março de 1974. Seu governo fica conhecido como "os anos negros da ditadura". 
General Médici em carro aberto
O movimento estudantil, sindical e as oposições estão contidos e silenciados pela repressão policial. O fechamento dos canais de participação política leva uma parcela da esquerda a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. O governo responde com mais repressão. Lança também uma ampla campanha publicitária com o slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o". O endurecimento político é respaldado pelo chamado "milagre econômico": crescimento do PIB, diversificação das atividades produtivas, concentração de renda e o surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo.

Governo Geisel

O general Ernesto Geisel assume a Presidência em 15 de março de 1974 e governa até 15 de março de 1979. Enfrenta dificuldades econômicas que anunciam o fim do "milagre econômico" e ameaçam o Regime Militar. 
No final de 1973 a dívida externa contraída para financiar as obras faraônicas do governo atinge US$ 9,5 bilhões. A inflação chega a 34,5% em 1974 e acentua a corrosão dos salários. A crise internacional do petróleo desencadeada em 1973 afeta o desenvolvimento industrial e aumenta o desemprego. Diante desse quadro, Geisel propõe um projeto de abertura política "lenta, gradual e segura". Mas ainda cassa mandatos e direitos políticos. Devido ao expressivo crescimento das oposições nas eleições parlamentares de 1974, promulga a Lei Falcão, que impede o debate político nos meios de comunicação, em 24 de junho de 1976.

Abertura política

O plano para a abertura é atribuído ao ministro-chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva. Apesar de ser definida como "lenta, gradual e segura", repercute negativamente entre os militares de linha dura. Em 20 de janeiro de 1976, o general da linha dura Ednardo d'Ávila Mello é afastado do comando do 2º Exército e substituído pelo general Dilermando Gomes Monteiro. A medida é tomada em conseqüência da morte do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, e do operário Manuel Fiel Filho, em 17 de janeiro de 1976, no interior do DOI-Codi, órgão vinculado ao 2º Exército. Em 12 de outubro de 1977 Geisel exonera o ministro do Exército, general Sylvio Frota, também da linha dura, por sua oposição à liberalização do regime. Desmancha, assim, as articulações do ex-ministro para sucedê-lo na Presidência.

Pacote de Abril

Prevendo nova vitória da oposição nas eleições de 1978, Geisel fecha o Congresso por duas semanas e decreta em abril de 1977 o chamado Pacote de Abril, que altera as regras eleitorais: as bancadas estaduais na Câmara não podem ter mais do que 55 deputados ou menos que seis. Com isso, os Estados do Norte e Nordeste, menos populosos, mas controlados pela Arena, garantem uma boa representação governista no Congresso, contrabalançando as bancadas do Sul e Sudeste, onde a oposição é mais expressiva. O pacote mantém as eleições indiretas para governadores e cria a figura do senador biônico: um em cada três senadores passa a ser eleito indiretamente pelas assembléias legislativas de seus Estados. A emenda também aumenta o mandato do presidente de quatro para seis anos.

Eleições de 1978

Em 15 de outubro de 1978 o MDB apresenta um candidato ao colégio eleitoral, o general Euler Bentes. Recebe 266 votos, contra os 355 votos do candidato do governo, general João Batista Figueiredo. Nas eleições legislativas de 15 de novembro a Arena obtém em todo o país 13,1 milhões de votos para o Senado e 15 milhões para a Câmara e o MDB, 17,4 milhões de votos para o Senado e 14,8 milhões para a Câmara.

Governo Figueiredo

João Baptista Figueiredo assume a Presidência em 15 de março de 1979 e governa até 15 de março de 1985. O crescimento das oposições nas eleições de 1978 acelera o processo de abertura política. Em 28 de agosto de 1979 é aprovada a lei da anistia. No mesmo ano, em 22 de novembro, é aprovada a Lei Orgânica dos Partidos, que extingue a Arena e o MDB e restabelece o pluripartidarismo no país. Cresce também a mobilização popular por eleições diretas para os cargos executivos. Em 13 de novembro de 1980 é aprovada uma emenda constitucional que restabelece as eleições diretas para governadores e acaba com os senadores biônicos, respeitando os mandatos em curso.

Pluripartidarismo

Com o fim do bipartidarismo, os aliados do regime aglutinam-se no Partido Democrático Social (PDS). O MDB transforma-se no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), mas a frente de oposições fragmenta-se. Parte delas abandona a legenda e cria novos partidos. Ressurgem algumas das antigas siglas, como o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que reúne setores do antigo trabalhismo liderados por Ivete Vargas. Em janeiro de 1979 é criado o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado pelo líder metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, reunindo grande parcela do movimento sindical rural e urbano, intelectuais, militantes das comunidades eclesiais de base, setores da esquerda antes abrigada no MDB e também grupos que saem da clandestinidade. O PT é legalizado em 1980 e, nesse mesmo ano, Leonel Brizola funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT), reunindo outra parcela do antigo trabalhismo.

Eleições de 1982

Apesar do crescimento das oposições, o Regime Militar mantém o controle sobre o processo de transição para a democracia. Em 4 de setembro de 1980 uma emenda constitucional prorroga os mandatos dos vereadores e prefeitos e adia por dois anos as eleições para Câmara Federal e Senado, governos estaduais, prefeituras, assembléias estaduais e câmaras de vereadores. Um ano antes das eleições, marcadas para 15 de novembro de 1982, o governo proíbe as coligações partidárias e estabelece a vinculação de voto – o eleitor só poderia votar em candidatos de um mesmo partido. Nas eleições para governadores, as oposições somadas obtêm 25 milhões de votos. O PMDB elege nove governadores e o PDT, um. O PDS obtém 18 milhões de voto mas elege 12 governadores. As oposições crescem nos grandes centros urbanos e ganham espaço nas pequenas e médias cidades.

Diretas-já

Embora a oposição ganhe em número de votos, o Regime Militar mantém o controle do processo político e articula a sucessão do general Figueiredo por meio de eleições indiretas, marcadas para novembro de 1984. No final de 1983, as oposições lançam a campanha por eleições diretas para presidente da República. A primeira manifestação, em 27 de novembro, é organizada pelo PT e reúne cerca de 10 mil pessoas em São Paulo. O movimento cresce rapidamente e aglutina todos os setores oposicionistas. Nas principais cidades do país multidões vão às ruas para pressionar o Congresso a aprovar a emenda Dante de Oliveira, que restabelece as eleições diretas para presidente. As maiores manifestações ocorrem em São Paulo, na praça da Sé, dia 12 de fevereiro de 1984, com 200 mil pessoas; no Rio de Janeiro, a primeira no dia 21 de março, com 300 mil pessoas e, a segunda, dia 10 de abril com 1 milhão; Goiânia, no dia 12 de abril, com 300 mil pessoas; em Porto Alegre, dia 13 de abril, com 150 mil; novamente em São Paulo, no vale do Anhangabaú, com 1,7 milhão; e em Vitória, em 18 de abril, com 80 mil manifestantes.

Emenda Dante de Oliveira

A emenda constitucional apresentada pelo deputado federal Dante de Oliveira vai a plenário no dia 25 de abril: 298 deputados votam a favor, 65 contra, três se abstêm e 113 parlamentares não comparecem ao plenário. Seriam necessários mais 22 votos, que somariam dois terços do total, para a aprovação da emenda.

Eleição de Tancredo Neves

O governador de Minas, Tancredo Neves, apresenta-se como candidato da oposição para disputar a Presidência no Colégio Eleitoral. O PDS lança Paulo Maluf, líder de uma facção do partido. Uma dissidência do PDS, a Frente Liberal, une-se ao PMDB e forma a Aliança Democrática. O senador José Sarney, rompido com o PDS e filiado ao PMDB, é indicado para vice na chapa de Tancredo. O PT recusa-se a comparecer ao Colégio Eleitoral sob o argumento de não compactuar com a farsa das eleições indiretas. Tancredo Neves é eleito em 15 de janeiro de 1985 com 480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf e 26 abstenções. É o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura. Os militares retornam às casernas.

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