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Cultura no Regime Militar

Usar a arte como instrumento de agitação política – caminho apontado pelo Centro Popular de Cultura da UNE no início dos anos 60 – acaba tendo vários seguidores. Os festivais de música do final dessa década revelam compositores e intérpretes das chamadas canções de protesto, como Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda e Elis Regina. O cinema traz para as telas a miséria de um povo sem direitos mínimos, como nos trabalhos de Cacá Diegues e Glauber Rocha. No teatro, grupos como o Oficina e o Arena procuram dar ênfase aos autores nacionais e denunciar a situação do país. Com o AI-5, as manifestações artísticas são reprimidas e seus protagonistas, na grande maioria, empurrados para o exílio. Na primeira metade dos anos 70 são poucas as manifestações culturais expressivas, inclusive na imprensa, submetida à censura prévia.

Ebulição cultural

A década de 1960 foi culturalmente intensa em todo o mundo ocidental. O ano de 1968, um dos mais agitados, é lembrado até hoje pelos confrontos entre a polícia e os movimentos estudantis e sociais e pela ebulição cultural em países da Europa e nos Estados Unidos.

No Brasil não foi diferente! Foram produzidas obras artísticas marcantes na música, nas artes visuais, no teatro e no cinema. Embora a censura se tornasse cada vez mais dura naquela década, inclusive, com a prática de confisco de materiais considerados “subversivos”, artistas e intelectuais conquistaram espaços para expressar críticas ao regime e denunciar a censura.

Nos festivais da canção, concursos musicais muito populares transmitidos ao vivo por emissoras de televisão, tornaram-se conhecidas as canções de protesto contra o autoritarismo do regime e a favor da exaltação da vida e da dignidade das pessoas pobres do interior do país. Entre essas canções estavam “Arrastão” (1965), de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, e “Procissão” (1966), de Gilberto Gil. A primeira trata da alegria de pescadores diante de uma grande quantidade de peixes, e a segunda reconhece e lamenta a vida dura no Sertão nordestino.

As canções de protesto eram o principal alvo dos censores, mas eles também proibiam a exibição de filmes e novelas que manifestassem críticas aogoverno ou considerados imorais para a época, impediam que os grandes jornais veiculassem artigos de opinião e proibiam a publicação de livros considerados subversivos. Compositores e intérpretes, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Geraldo Vandré e João do Vale, tiveram muito destaque naqueles anos, com canções contra a repressão e a violência da ditadura.

O Tropicalismo

No final da década de 1960, o fenômeno cultural chamado Tropicalismo reuniu diferentes manifestações artísticas. Os tropicalistas queriam revolucionar a linguagem musical, plástica e teatral, além de criticar comportamentos e costumes da época. Eles combatiam a ditadura e mesclavam o popular, o erudito, o regional nordestino e o pop nas diversas formas de expressão.

No teatro, Zé Celso Martinez Corrêa, a frente do Teatro Oficina, incitava o público a se posicionar sobre o regime. Ao montar a peça “Roda viva”, em 1968, com texto e música de Chico Buarque, o grupo foi atacado em São Paulo por membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Outros gêneros musicais

Nesse período, além das músicas de protesto e das inovações do Tropicalismo, outros gêneros musicais fizeram parte do cotidiano cultural do país. Havia a Jovem Guarda, movimento musical voltado ao entretenimento e ao mercado que, com canções leves e dançantes – algumas delas adaptações de sucessos internacionais –, se tornou bastante popular entre a juventude. Os principais expoentes eram Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos.

Outro gênero musical foi o brega ou cafona, que, muito popular de Norte a Sul do país, cujos artistas eram oriundos dos estratos populares da sociedade brasileira. Depreciados pela crítica especializada, eram adorados pelas classes populares por suas músicas românticas que retratavam o cotidiano (relacionamentos, trabalho etc.) dessa população. Além disso, algumas das canções, ao abordar temas como trabalho infantil ou sexualidade, foram percebidas como denúncias das desigualdades e da segregação social existente no cotidiano do país e, por isso, alguns desses artistas foram censurados pela ditadura. Alguns representantes do gênero são Paulo Sergio, Odair José, Nelson Ned e Waldick Soriano.

No Brasil dessa época também se difundiram gêneros da black music estadunidense, como o soul e o funk, muito diferente do funk atual. Nos chamados bailes black, a juventude negra, pobre e periférica, sobretudo do Rio de Janeiro e de São Paulo, encontrou espaços de entretenimento que também eram locais para manifestações contra o racismo, valorização estética, artística e cultural da população negra, assim como denúncias contra o Regime Militar. A expressividade dos bailes e da afirmação e as manifestações pró-orgulho negro geraram grande incômodo entre os militares, que passaram a espionar, investigar e reprimir os eventos.

Por fim, houve sambas-enredo e, sobretudo, canções sertanejas que exaltaram a Ditadura Civil-Militar, seus valores e realizações. Em suas letras destacavam-se o nacionalismo ufanista e a apologia do desenvolvimentismo proporcionados pelo governo militar.

Tropicalismo e iê-iê-iê

Em 1968, ano de efervescência do movimento estudantil, surge o tropicalismo: uma reelaboração dos elementos da cultura e realidade social brasileira à luz da contracultura e do rock'n'roll. Surgem figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato e José Capinam. A revolução musical provocada pelos Beatles e outros grandes grupos de rock internacional também tem sua expressão no Brasil: o iê-iê-iê e a jovem guarda são popularizados pela televisão e afirmam-se junto a uma grande parcela da juventude urbana.

Imprensa alternativa

Durante a ditadura aparecem no Brasil cerca de 150 periódicos regionais e nacionais de oposição ao Regime Militar. Denunciam a tortura, as violações dos direitos humanos, a falta de liberdade, o arrocho salarial e a degradação das condições de vida dos trabalhadores. O marco inicial da imprensa alternativa ocorre em 1969, com O Pasquim. Depois aparecem o Bondinho (1970), Polítika (1971), Opinião (1972), o Ex (1973), entre outros. A partir de 1974, a imprensa alternativa adquire o caráter de porta-voz de movimentos ou grupos da esquerda. Destacam-se os jornais Movimento (1974), Versus (1975), Brasil Mulher (1975), Em Tempo (1977), e Resistência (1978).

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