sábado, 31 de dezembro de 2022

Os governos Lula (2003-2010)

O Governo Lula, iniciado em 2003, corresponde ao período da história política brasileira que se inicia com a posse como presidente de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1 de Janeiro de 2003, na sua quinta tentativa para chegar ao cargo presidencial, após derrotar o candidato do PSDB e ex-ministro da Saúde José Serra. Em outubro de 2006 Lula se reelegeu para a presidência, derrotando o candidato do PSDB Geraldo Alckmin, sendo eleito em segundo turno com mais de 60% dos votos válidos. Concluindo seu segundo mandato em 2010.

A posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro de 2003, contou com expressiva participação popular. Na foto, o presidente eleito (à esquerda) e o seu vice, José Alencar (à direita, acenam para o público.

Eleições e o Governo Lula

Luiz Inácio Lula da Silva foi candidato em:
· 1989, sendo derrotado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello;
· 1994, sendo derrotado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso;
· 1998, foi novamente derrotado pelo ex-presidente FHC;
· 2002 , ganhou as eleições do candidato José Serra, apoiado pelo governo FHC;
· 2006, conseguiu se reeleger no segundo turno nas eleições de 2006, derrotando o candidato Geraldo Alckmin (coligação PSDB/PFL). Quebrando o seu próprio recorde de votação para presidente do Brasil, Lula obteve mais de 58 milhões de votos.
Pesquisas da época apontam que a vitória de Lula se deu devido a grande popularidade do então presidente da república entre as classes menos abastadas da população.
O presidente Luís Inácio Lula da Silva tomou posse no dia 1º de Janeiro de 2003, eleito por uma bancada minoritária formada pelo PT, PSB, PC do B e PL, tendo como vice José Alencar Gomes da Silva do PL.
Em 1989, quando Lula candidatou-se pela primeira vez à presidência, um líder empresarial afirmou que, caso se confirma-se a sua vitória, o país mergulharia no caos e milhares de empresários sairiam do país.
O governo dos Estados Unidos envolvido no golpe que derrubou João Goulart em 1964 e em inúmeros outros golpes de governos nacionalistas e esquerdistas na América Latina. Em 2009, o presidente Barack Obama num de seus primeiros contatos com Lula, exclamou: “Esse é o cara!”. A afirmação tinha um significado positivo. Logo, Obama completou: “É o político mais popular do planeta!”.
Ainda mais surpreendente foram as defesas enfáticas do ex-ministro Delfin Neto, integrante do primeiro escalão da Ditadura Militar, ao presidente Lula, Delfim repetiu diversas vezes que lula é “o maior Estadista do país”.
O Brasil teria mudado tanto a ponto de aceitar um governo de esquerda sem riscos de instabilidade política? A democracia brasileira estaria completamente consolidada a ponto de não ser abalada por uma alternância de poder tão drástica? O mundo estaria tão diferente que um presidente estadunidense pode demonstrar tamanho entusiasmo por um líder esquerdista que já foi conhecido como “o sapo barbudo”.
É importante tentar avaliar o governo Lula para além das paixões políticas e dos interesses eleitorais. O Partido dos Trabalhadores que chegou ao governo federal em 2002 não manteve as mesmas propostas políticas do início dos anos 1980. Reforma agrária radical, rompimento com o FMI (Fundo Monetário Internacional), luta contra o imperialismo e não pagamento da dívida externa são bandeiras que foram sendo deixadas de lado nesses últimos 30 anos.
Por outro lado, deve-se notar que o Brasil experimentou quatro governos seguidos (cinco, se considerarmos o governo de Itamar Franco de (1992-1994) com uma política econômica semelhante. Ao contrário do que se poderia supor, o governo Lula deu continuidade ao programa econômico iniciado por FHC (e Itamar).
Interessante notar que, com o PT, completa-se o ciclo de incorporação de setores da elite à burocracia do Estado brasileiro. O governo Sarney (1985-1990) permitira a incorporação das elites ligadas ao PMDB, que representavam, fundamentalmente, os setores que haviam realizado a oposição consentida durante a Ditadura numa equilibrada e moderada composição com antigos representantes do regime militar. Com Itamar e Fernando Henrique Cardoso, os antigos setores oposicionistas passaram a exercer a hegemonia política. Em ambos os casos, integrantes das elites mais diretamente vinculados às camadas dominantes do país.
Os governos Lula representaram a incorporação das elites sindicais e de representantes dos setores organizados da sociedade. Além disso, um número expressivo de antigos opositores do regime militar, que se dedicaram à luta armada, passou a ocupar cargos no primeiro escalão do governo federal: José Dirceu (Aliança Libertadora Nacional), Franklin Martins (Movimento Revolucionário 8 de outubro) Dilma Rousseff (Vanguarda Popular Revolucionária), Paulo Vanuchi ( Aliança Libertadora Nacional), sem contar com o ex-presidente do PT, José Genoíno (participante da guerrilha do Araguaia pelo PC do B). Uma parte da geração de 1968 chegou ao poder no Brasil.
Nas áreas de política fiscal e monetária, o governo também se mostrou um tanto conservador. O governo concede ao Banco Central (BC) autonomia política que busca manter um controle na taxa de inflação (meta definida pelo governo).
Seu governo também foi marcado pela minimização dos riscos, por exemplo: O Risco Brasil atingiu o seu menor índice em toda história brasileira, além disso, o controle das metas de inflação de longo prazo impôs ao Brasil uma limitação forte em seu crescimento econômico, chegando a certa recessão semestral, um crescimento abaixo do esperado.

Política econômica - O retorno ao nacional-estatismo

Na gestão de Lula, Henrique Meirelles, deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás em 2002, foi escolhido para a direção do Banco Central do Brasil e o médico sanitarista e ex-prefeito de Ribeirão Preto Antônio Palocci, foi nomeado Ministro da Fazenda. 
Na presidência da República, Lula manteve a política econômica de seu antecessor. Como os índices apontavam para um possível retorno da inflação, ele optou por manter a estabilidade da moeda por meio do equilíbrio fiscal e do controle dos gastos públicos. Tendo à frente do Ministério da Fazenda o médico sanitarista Antonio Palocci, o governo optou por combater a inflação, estimular as exportações e atingir a meta de superávit primário fixada pelo (FMI). O Governo Lula caracterizou-se pela baixa inflação, taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em quatro anos (2003/2006) de 3,2% em média, redução do desemprego e constantes recordes da balança comercial.

Partido e organizações de esquerda ficaram muito decepcionados com essa medida, pois esperavam iniciativas de caráter socializante e não a continuidade da política econômica do governo FHC. Nesse contexto, vários grupos de esquerda, alguns pertencentes ao próprio PT, acusaram o governo de adotar o neoliberalismo e de aliar-se a partidos conservadores, como o PL, e, por causa disso, romperam com ele. Uma dessas lideranças, a senadora Heloísa Helena, candidatou-se à presidência da República, em 2006, pelo Partido Socialista e Liberdade (PSOL).

Em termos econômicos, os números se mostraram bastante favoráveis, o que elevou a credibilidade do país no mercado financeiro internacional.

Apesar das semelhanças na política econômica dos dois governos, o governo Lula mostrou que tinha um projeto político diferente do de seu antecessor. As privatizações foram suspensas, o papel do Estado foi reforçado e a pesquisa científica, por exemplo, recebeu apoio e incentivos financeiros – Lula retornou o projeto nacional-estatista.

Outra diferença entre os dois governos foi na política externa. Enquanto no governo de Fernando Henrique o país se manteve alinhado com os EUA, o governo Lula apresentou uma política com mais ênfase no cenário mundial.

Reforçou o Mercosul também foi outra iniciativa nesse sentido. Além disso, o Brasil deixou de depender basicamente dos EUA, ao aumentar suas relações comerciais e diplomáticas com a União Europeia e com vários países africanos, asiáticos e sul-americanos. Incentivadas pelo governo e por uma conjuntura internacional favorável, as exportações brasileiras cresceram, ocasionando sucessivos saldos positivos na balança comercial.

Alegando a necessidade de atrair a confiança dos investidores externos e buscar o desenvolvimento sustentável, o governo lula, na sua fase inicial, adotou uma política econômica ortodoxa. Ou seja, renovou os acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), assumindo o compromisso de atingir um superávit primário fixado por aquele órgão: baixou a taxa de juros básicos; interveio de modo que, nos três primeiros meses, o dólar baixasse. No entanto, para conseguir o superávit primário, o governo reduziu drasticamente os investimentos públicos, o que contribuiu para que o PIB crescesse, em 2003, apenas 0,5%.
A economia brasileira registrou indicadores positivos em 2004. O produto interno bruto (PIB) cresceu 5,2% em relação ao ano anterior – o melhor desempenho registrado desde 1994. Puxado pelo crescimento da indústria, dos serviços e da agropecuária; as exportações dispararam; a balança comercial registrou saldo anual de US$ 34,407 bilhões; o superávit primário superou os 4,25 fixados pelo FMI; a inflação caiu; o risco país também registrou queda expressiva: nos dois primeiros anos do mandato presidencial caiu de 2.400 para menos de 400 pontos. Enquanto isso, também diminuía o desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre).
Os dados positivos da economia, relativos a 2004, deram argumentos a Lula para rebater as críticas de estar dando continuidade a políticas conservadoras no plano fiscal e monetário, e de estar deixando em segundo plano as políticas sociais, que sempre foram o carro-chefe da propaganda do partido.
No entanto, nos primeiros meses de 2005 a taxa de juros básicos voltou a subir, o que motivou muitas críticas ao governo. Os juros elevados, segundo analistas, inibem novos investimentos das empresas e, consequentemente, restringem a oferta de emprego, além de reduzir a capacidade de consumo da população.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra as mãos sujas de petróleo cru depois de acionar uma das válvulas de controle dos poços do navio plataforma P-50 da Petrobras, Bacia de Campos, litoral do estado do Rio de Janeiro. Foto de abril de 2006.

Na sua primeira gestão promoveu o incentivo às exportações, à diversificação dos investimentos feitos pelo BNDES, estimulou o microcrédito e ampliou os investimentos na agricultura familiar através do PRONAF (Programa Nacional da Agricultura Familiar). São exemplos da recuperação econômica do país sob a gestão do presidente Lula o recorde na produção da indústria automobilística, em 2005; e o maior crescimento real do salário mínimo, resultando na recuperação do poder de compra do brasileiro. O salário mínimo passou, em cinco anos, de 200 para 380 reais, aumento maior que tanto o do primeiro quanto o do segundo governos de Fernando Henrique Cardoso, que variou de 80 para 200 reais em 8 anos.
Enquanto a renda média do trabalhador brasileiro, ao longo de todo o primeiro mandato de Lula e no início do segundo, não havia recuperado o valor de dezembro de 2002, o nível de desemprego registra a maior queda em 13 anos, chegando ao índice de 9,9% em fevereiro de 2007.
Argumentam ainda que os números positivos, apesar de modestos, são consequência da bonança financeira internacional, que pode mudar a qualquer momento, e que o país não dispõe de um plano de desenvolvimento claro.
Outra diferença entre a política econômica do governo Lula e a do governo anterior é o fim do ciclo de privatizações que levou o Estado a, por exemplo, vender a companhia Vale do Rio Doce. Houve a recriação de alguns órgão extintos no governo anterior, como a SUDENE, e a criação de novas empresas estatais de menor porte. Porém, após 5 anos de mandato, o governo Lula passa também a apoiar uma política de privatizações, com os leilões de concessão de 7 lotes de rodovias federais, ganhos na maioria por empresas estrangeiras.

Política social

No início do seu mandato lula declarou que a prioridade de seu governo era o combate à fome. Segundo seus assessores, a fome no Brasil não existia por falta de alimentos, mas por falta de meios para adquiri-los de forma permanente, e em quantidade e qualidade adequadas. Como a renda estava mal distribuída no país, uma parcela da população não conseguia o mínimo necessário à sobrevivência. Dados oficiais informavam que, em 2001, havia cerca de 46 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. Para fazer frente a essa situação, o governo Lula lançou o programa Fome Zero, que combinava politicas estruturais, voltadas para as causas da fome e da pobreza – como a geração de empregos e o acesso à saúde e à educação -, com políticas específicas, como a educação alimentar e o programa Bolsa Família.

Legalizado em 2004, o Bolsa Família é o resultado da unificação de quatro outros programas criados no governo FHC: Cartão Alimentação, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio Gás. Em 2012, o Bolsa Família atendeu 13 milhões e 840 mil famílias. As condições para receber o benefício são: ter renda familiar de até R$ 140,00 mensais por pessoa, manter a carteirinha de vacinação em dia, e crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos na escola e ter frequência mensal mínima de 85% da carga horária. E as gestantes têm de realizar o pré-natal e acompanhar a sua saúde e a do seu bebê.

A polêmica em torno do Bolsa Família, no entanto, é grande e divide tanto os especialistas quanto os cidadãos comuns. Os defensores argumentam que:

- é o maior programa de transferência de renda posto em prática no Brasil;

- ajudou a dinamizar a economia dos municípios, possibilitando o aumento das vendas em mercearias, lojas e supermercados;

- contribuiu para diminuir o número de pessoas que viviam em situação de pobreza extrema, e, consequentemente, no avanço dos direitos sociais por milhões de brasileiros.

Os críticos do Bolsa Família argumentam que o programa:

- é uma estratégia para conseguir votos;

- incentiva o ócio;

Não tem por obrigação manter as crianças na escola e vacinadas, pois, isto é, da competência da família;

- por não ser fiscalizado, beneficia, também, aqueles que não precisam dele para as suas necessidades básicas.


Apesar dos planos e medidas econômicas adotadas no período democrático não conseguiram sanar as carências econômicas da sociedade brasileira. Na foto, favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.

Tais programas permitiram a ascensão social de setores subalternos, uma diminuição da pobreza no país e uma ampliação no poder de compra das camadas médias. Tais medidas, apesar de caráter assistencialista, dinamizam o mercado interno.
Um relatório do IBGE, do fim de novembro de 2005, afirmara que o governo do presidente Lula estaria fazendo do Brasil um país menos desigual. Com base no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a FGV divulgou estudo mostrando que a taxa de miséria de 2004 teria caído em 8% se comparada a 2003, ano em que Lula tomou posse. Ainda segundo a PNAD, oito milhões de pessoas teriam saído da pobreza (classes D e E) ao longo do governo Lula.

No campo da educação, o governo Lula avançou, apresentando fortes níveis de escolarização em todas as faixas etárias. A parcela da população que não frequentava a escola foi reduzida de 29% para 18% em apenas 36 meses, considerando o grupo de 5 a 17 anos de idade. No nível básico, o porcentual de crianças fora da escola chegou, em 2005, a apenas 2,8%.

Com a criação do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), o governo Lula objetivou atender 47 milhões de estudantes brasileiros, com investimentos anuais de até R$ 4,3 bilhões.

Na área do ensino superior, o PROUNI (Programa Universidade Para Todos), destacou-se como o maior programa de bolsas de estudo da história da educação brasileira, possibilitando o acesso de milhares de jovens à educação e estimulando o processo de inclusão social. Em 2005, o PROUNI ofereceu 112 mil bolsas de estudo em 1.412 instituições em todo o país. O governo também investiu na criação de 9 novas universidades públicas federais, interiorizando o acesso à educação pública gratuita. Contudo, o programa foi criticado por professores e estudiosos de instituições de ensino federais, das quais algumas se encontram em processo de sucateamento por falta de repasse de recursos federais. Alegam também ser uma distribuição de recursos públicos à instituições de ensino privado de baixa qualidade.
Com relação à mortalidade infantil, o Brasil também avançou sob o governo Lula. A taxa de mortalidade infantil caiu para 26 mortes para grupo de mil habitantes, ante 29,6 do governo anterior.
O combate à escravidão e ao trabalho degradante foi outro ponto que teve destaque no governo do presidente Lula. O atual governo brasileiro libertou mais trabalhadores em três anos que o governo anterior em seus oito anos. Nas ações dos ficais do trabalho, cerca de 12.400 trabalhadores em regime de escravidão ou trabalho degradante foram libertados desde 2003.
Houve críticas da oposição que o presidente Lula abusou na formulação de políticas assistencialistas a fim de manter o grande apoio da parcela mais pobre da população à seu governo.

Crises

Além disso, seu governo foi marcado por inúmeras crises, como corrupção em empresas estatais, como o escândalo dos Correios e também outros escândalos que culminou a queda de vários de seus ministros, como: José Dirceu, Antônio Palocci, Benedita da Silva, Luiz Gushiken e outras pessoas que ocupavam cargos de primeiro escalão no governo, como o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Matoso.

A partir de 2004, o governo Lula foi enfrentando diversas crises políticas e escândalos, que atingiram seu apogeu em julho de 2005 depois que fontes do próprio governo denunciaram um esquema de corrupção envolvendo a compra de votos de deputados no congresso e financiamento de campanhas por "Caixa 2", que permeava vários níveis do executivo federal e atingiu inicialmente o PT, se estendendo depois a quase todos os partidos da base aliada, apesar da resistência da oposição em concentrar todo o foco da investigação apenas no PT. Várias outras denúncias de escândalos foram sendo descobertas, como os casos da quebra ilegal de sigilo de um simples caseiro por órgãos do estado, que levou a demissão do ministro Antônio Palocci, denúncias de corrupção em vários níveis do governo, além da desastrada tentativa de compra de um dossiê por parte de agentes da campanha de reeleição do presidente Lula.

A crise no controle do tráfego aéreo foi uma questão que surgiu no governo Lula, apesar de que a falta de investimentos no setor já vinha sendo apontada desde 2001. Após o acidente do voo Gol 1907, houve um maior rigor no cumprimento das normas de segurança aérea, que gerou grandes atrasos nas decolagens em todos os aeroportos brasileiros. Por várias vezes e ao longo de vários meses, o tráfego aéreo brasileiro praticamente parou por deficiência no efetivo pessoal de controladores de voo e problemas nos equipamentos.

Denúncias de corrupção

O primeiro mandato de Lula foi marcado por inúmeras denúncias de corrupção. O caso mais grave surgiu em maio de 2005 e ficou conhecido como o escândalo do mensalão. Começou com uma denúncia do então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) de que existia um esquema de arrecadação de recursos para pagar mensalmente (daí “mensalão”) um certo valor a deputados para que votassem a favor do governo no Congresso Nacional.

Manifestação contra a corrupção no governo Lula, São Paulo, 2005.

Foram instaladas comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) para investigar o caso. Também a Polícia Federal, o Ministério Público e a procuradoria Geral da República passaram a fazer investigações. Foram colhidas inúmeras evidências e provas de que o esquema de pagamentos de parlamentares em troca de apoio ao governo efetivamente existia. Mas não foi esclarecido de onde vinham os recursos utilizados no esquema. O publicitário mineiro Marcos Valério foi apontado como o intermediário: recebia o dinheiro e o repassava aos parlamentares. Como resultado das investigações, o próprio deputado Roberto Jefferson, que denunciou o esquema, perdeu seu mandato e teve os direitos políticos cassados por ter recebido dinheiro. Também foi cassado outro político importante: José Dirceu, do PT, na época da Casa Civil do governo, acusado de ser o mentor do esquema. A maioria dos outros acusados, entretanto, escapou da punição, pois, apesar de serem denunciados no Conselho de Ética da Câmara, foram absolvidos pelo plenário.
Um escândalo atingiu também o ministro da Fazenda Antônio Palocci. Ele foi acusado de mandar quebrar o sigilo bancário de um caseiro do sitio. Pressionado a renunciar. Palocci deixou o Ministério, sendo substituído pelo presidente do BNDES, Guido Mantega.
Ainda no final do primeiro mandato de Lula houve o escândalo dos “sanguessugas”. Foram acusados dezenas de políticos e donos de empresas que realizavam negócios com prefeituras. Eles se aproveitavam de verbas do orçamento federal que eram liberadas para prefeituras e negociavam com prefeitos a compra de ambulâncias a preços superfaturados, recebendo uma boa diferença. Muitos foram indiciados, mas poucos punidos.

Segundo mandato de Lula

Os escândalos que surgiram durante o primeiro mandato não impediram que Lula fosse reeleito em 2006. Lula venceu Geraldo Alckmin, do PSDB, no segundo turno, com mais de 60% dos votos válidos, reelegendo-se presidente da República. A segunda gestão de Lula apresentou avanços no aspecto socioeconômico, que positivaram seus últimos quatro anos de governo.

Entre esses avanços cabem citar:

- relativa estabilidade econômica e controle da inflação ao longo de seus oito anos de governo;

- incremento das exportações brasileiras e recordes de saldos positivos na balança comercial;

- queda dos níveis de desemprego.

- antecipação do pagamento da dívida brasileira com o FMI;

- enfrentamento da questão da infraestrutura e da modernização do país. Para isso, o governo lançou, em 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos em saneamento básico e infraestrutura (portos, rodovias, ferrovias, entre outros);

Aumento dos níveis de escolarização e a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas de estudo a jovens carentes, permitindo que eles cursem a universidade;

- inclusão social de uma parcela considerável da população. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, entre 2003 e 2010, cerca 20,5 milhões de brasileiros deixaram a pobreza. Um fenômeno novo nesse período foi o crescimento da classe C, com renda familiar total entre R$1,126,00 e 4,854,00.

Já no campo da reforma agrária o governo Lula mão conseguiu avanços proporcionais aos obtidos em outras esferas. Em 2009, um estudo divulgado pelo IBGE informava que a desigualdade na distribuição de terras no Brasil tinha se mantido inalterada nos últimos 20 anos, com quase metade das propriedades rurais em mãos de grandes fazendeiros.

Por possuir características como território extenso, uma das nações mais populosas do planeta, recursos abundantes e uma economia que vinha apresentando taxas de crescimento considerável, o Brasil foi tido como um país emergente, e, em 2008, foi convidado a ingressar no G-20.

No final de 2008, uma crise econômica grave, iniciada nos Estados Unidos, gerou pânico no mundo todo e castigou com a recessão e o desemprego vários países da União Europeia. Essa crise refletiu-se também no Brasil, como indica o PIB negativo (-0,3) de 2009. Mas, no ano seguinte, a economia brasileira deu provas de seu dinamismo e o PIB voltou a crescer, chegando a 7,5%.


O presidente lula no dia da posse de seu segundo mandato, 1º de janeiro de 2007, Brasília, DF.

Nos dois primeiros anos de seu segundo mandato, Lula pôde comemorar alguns êxitos de sua gestão. Em 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 5,4%. Nesse mesmo ano, anunciou-se uma queda de 27,7% da miséria no Brasil e o crescimento da renda dos pobres em 53%. Esses números indicam que, entre 2006 e 2007, 20 milhões de pobres saíram das classes D e E e ingressaram na chamada “classe C”, que corresponde a 46% da população brasileira (o grupo de maior renda é a classe A, que é seguida pela classe B e assim sucessivamente; os mais pobres estão nas classes D e E).

Tudo isso contribuiu para melhorar o desempenho do Brasil na classificação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Esse índice, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), mede a qualidade de vida em todos os países. Em seu cálculo, são levados em conta a renda per capita, a expectativa de vida e as taxas de matrículas nos ensinos fundamental, médio e superior.

No Relatório de Desenvolvimento Humano de 2007, o IDH do Brasil chegou a 0,800 (o IDH vai de 0,0 a 1,0. Quanto melhores são as condições de vida de um país, mais próximo ele está do 1,0). Esse resultado colocou o Brasil no grupo de países de mais alto IDH.
Por fim, pouco antes da crise econômica de 2008, o governo brasileiro anunciava possuir reservas suficientes para saldar a dívida externa que estrangulou o país durante quase dois séculos. Fato criticado por economistas por se tratar de dívida com juros baixos, mas que resultaram em melhor prestígio internacional e maior atenção do mercado financeiro para investir no Brasil. Ao final da crise, pela primeira vez na história, o Brasil contribuiria com recursos para o FMI (Fundo Monetário Internacional, no sentido de contornar os problemas econômicos mundiais. O Brasil passava de devedor à condição de credor.

Críticos apontavam, que a condução da política de juros - os maiores do mundo - pelo governo era desastrosa. O dinheiro que deveria ser investido em obras públicas de grande impacto econômico é totalmente drenado ao setor financeiro.

A política externa

No plano internacional, Lula e seu governo se destacou pela liderança que exerceu no grupo de países emergentes frente aos mais ricos. Uma das reivindicações desse grupo de países é a queda das barreiras alfandegárias e dos subsídios agrícolas, que entrou em discussão na Organização Mundial de Comércio.

O governo Lula consolidou sua liderança na América do sul, obteve vitórias judiciais na Organização Mundial do Comércio (OMC) em ações abertas contra países ricos que adotaram medidas protecionistas e estreitou relações comerciais com países emergentes, como a China e a Índia, e com outros países africanos e árabes. Nessa esfera, merece destaque também a liderança brasileira na Missão das Nações Unidas para estabilização do Haiti.

Durante a primeira década do século XXI, o Brasil se consolidou como um país influente no cenário internacional, sendo considerado por muitos especialistas a maior potência econômica da América Latina. Nessa fotografia, tirada em 2009, o presidente Lula discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque

Ainda no plano externo, o governo Lula defendeu a crescente integração da América do Sul por meio do Mercosul e pleiteou para o Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, órgão decisivo para o esforço da manutenção da paz mundial. Hoje, apenas Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China tem assento permanente e poder de veto no Conselho de Segurança.

Na política externa procurou igualmente dar ênfase a temas sociais, em particular à luta contra a fome e a pobreza no âmbito global. Além disso, tem buscado intensificar as discussões acerca do financiamento ao desenvolvimento, estimulando o surgimento de mecanismos financeiros inovadores.

O bom comportamento da economia brasileira durante a crise financeira internacional, a política de transferência de renda e a projeção do brasil no exterior elevaram a popularidade de lula que chegou a ter, em 2010, a aprovação de cerca de 80% dos eleitores.

A participação ativa de Lula na campanha da economista Dilma Rousseff ajudou-a a vencer as eleições presidenciais daquele ano: Dilma, do PT, ficou com 56,05% dos votos válidos, enquanto José Serra, do PSDB, obteve 43,95 dos votos. Pela primeira vez na história, uma mulher assumiu a presidência do Brasil.

Fonte: Alfredo Boulos Júnior - História & Cidadania; FTD

Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira, Georgina dos Santos – História volume único; Editora Saraiva.

Flávio Campos, Regina Claro – Escrita da História 3; edições escala educacional s/a.


sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O Governo Dilma Rousseff

O Governo Dilma Rousseff é o período da história política brasileira que se inicia com a sua posse no cargo de presidente, em 1 de janeiro de 2011, após ter derrotado o candidato do PSDB, José Serra, nas eleições de 2010; passa por sua reeleição em 2014, que lhe garantiu o direito a um segundo mandato presidencial em 1 de janeiro de 2015, e termina com seu impeachment em 31 de agosto de 2016.
Dilma Rousseff, desde jovem participou de movimentos de esquerda, desencadeados com a oposição ao golpe militar de 1964. Da militância estudantil passou, em 1967, para o POLOP (Política Operária). Depois, ingressou na COLINA (Comando de Libertação Nacional), grupo que, em 1969, viria a se fundir ao Vanguarda Popular Revolucionária para dar origem à VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares). Presa em janeiro de 1970, foi torturada durante 22 dias. Condenada a seis anos de prisão, acabou libertada do presídio Tiradentes no final de 1972 depois de ter a pena reduzida.
Antes de chegar ao governo federal, Dilma fez carreira política no Rio Grande do Sul, para onde havia se mudado com o marido gaúcho e onde ajudou a fundar o PDT (Partido Democrático Trabalhista). Com a eleição de Lula, em 2002, foi escolhida pelo presidente da República para conduzir o Ministério das Minas e Energia, no ano seguinte. À frente do ministério, elaborou um novo modelo para o setor elétrico. Em 2005, com o estouro do escândalo do mensalão e com a queda de José Dirceu do cargo de ministro-chefe da Casa Civil, Dilma foi nomeada por Lula para substituí-lo. A sua personalidade forte, de boa atuação gerencial, e o fato de ser vista como uma pessoa objetiva, foram alguns dos aspectos que impressionaram o então presidente da República. 
Em 2010 foi escolhida como candidata do Partido dos Trabalhadores para a presidência. Seu companheiro de chapa como candidato a vice-presidente foi Michel Temer, do PMDB-SP. No pleito do dia 3 de outubro, teve 46,91 % dos votos válidos, o que a levou ao segundo turno das eleições presidenciais do dia 31 de outubro. Na segunda etapa das eleições presidenciais Rousseff confirmou sua vitória com 56,05 % dos votos válidos, tornando-se a primeira mulher a ocupar a presidência do país. Dilma Rousseff não foi só a primeira mulher eleita presidente do Brasil. Foi também a primeira a ser reeleita e a primeira afastada por impeachment pelo Congresso Nacional, tudo em apenas seis anos, prazo equivalente e um mandato e meio.
Dilma Rousseff venceu as eleições prometendo dar continuidade aos programas do governo Lula, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o PAC.
Quando ela assumiu a presidência da República, a conjuntura mundial era desfavorável: externamente, a crise econômica que atingira os Estados Unidos e a União Europeia e levava enormemente o desemprego, sobretudo entre jovens, em países como Espanha e Itália; internamente, problemas de infraestrutura impediam a economia brasileira de continuar crescendo de modo sustentável.
Para fazer frente à crise externa e vencer os obstáculos à recuperação da economia brasileira, o governo Dilma adotou uma série de importantes medidas na primeira metade de seu governo:
- intensificou os investimentos em infraestrutura por meio do Programa de Aceleração do Crescimento que, em 2011, entrou na sua segunda etapa, tornando-se conhecido como PAC-2;
- ampliou e diversificou seus parceiros comerciais. Enquanto diminuíam as exportações para os EUA e a União Europeia, crescia as destinadas a China e ao Mercosul;
- iniciou um programa de concessões em aeroportos, rodovias, ferrovias e portos, em meados de 2012, com o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços e os “custos de produção e circulação”;
- promoveu constantes quedas da taxa de juros Selic, que, em março de 2013, atingiu seu mínimo histórico (7,25%).
No inicio de 2013, o governo tomou duas outras importantes medidas:
- aprovou um programa de redução da tarifa de energia elétrica com vistas a aumentar a competitividade das empresas e a renda das famílias;
- diminuiu ou eliminou impostos federais sobre produtos que compõem a cesta básica.
Apesar do esforço do governo Dilma, o crescimento do PIB no seu primeiro biênio foi bastante modesto. No entanto, a taxa de desemprego se manteve estável, os salários reais continuaram aumentando e a renda per capita cresceu em relação ao período do governo anterior.
Entre as primeiras ações de seu primeiro mandato, criou o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), uma das mais importantes iniciativas de formação profissional do Brasil. Mais de 8 milhões de jovens e trabalhadores foram matriculados em cursos técnicos e de qualificação profissional em parceria com o Sistema S – SENAI, SENAC, SENAR e SENAT – nos setores industrial, de comércio, agricultura e transporte. Na educação, o Ciência sem Fronteiras ofereceu bolsas em universidades internacionais a estudantes de engenharia, exatas e biomédicas. Na saúde, apesar das controvérsias lançou o programa mais médicos, criado para suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil. O programa pretendia levar 15 mil médicos para as áreas onde faltavam profissionais. Como parte do pacto de melhoria do SUS. Apesar da crítica das entidades médicas, o programa Mais Médicos teve apoio da maior parte da população.
Apesar dos escândalos e dos problemas econômicos que o país enfrentava, Dilma foi reeleita. Foi a segunda eleição eleição presidencial mais disputada na história brasileira.( A eleição mais disputada foi a última de 2022 que culminou com a eleição do Presidente Lula). No segundo turno, a presidente obteve 51,64% dos votos e Aécio, 48,36%: uma diferença de apenas 3,4 milhões de votos. Seu segundo mandato foi marcado por uma grave crise econômica e política no país, com o PIB per capita encolhendo mais de 9% entre 2014 e 2016.
Em 2014, depois de quatro anos de Governo Dilma, pela quinta vez consecutiva. A carga tributária do Brasil ultrapassa 35% do PIB. Para o presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), o estudo reforça e mostra a necessidade de cobrar dos governos melhor aplicação dos recursos pagos pelos contribuintes: "Os brasileiros foram às ruas recentemente em protestos em que as faixas também mostravam a insatisfação com a elevada carga tributária e o pouco retorno em qualidade de vida".
Joaquim Levy, indicado para o cargo de ministro da Fazenda, afirmou na cerimônia de apresentação em 27 de novembro de 2014, que teria como objetivo imediato estabelecer uma meta de superávit primário para os três primeiros anos de sua gestão, que seria 1,2% do PIB em 2015 e de pelo menos 2% em 2016 e 2017. Não descartou a possibilidade de cortes no orçamento e pediu o apoio da iniciativa privada para que a economia volte a crescer. O Brasil, que foi o país que mais perdeu posições no ranking mundial de competitividade de 2010 a 2014 (caiu do 38º lugar para o 54º entre as sessenta economias analisadas.
Em março de 2015, novos protestos contra o governo Dilma Rousseff ocorreram em diversas regiões do Brasil, tendo como principais objetivos protestar contra o governo e defender a Operação Lava Jato.
No dia 2 de dezembro de 2015 o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acolheu um dos sete pedidos de impeachment contra Dilma, que havia sido protocolado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, e entregue a Cunha pouco mais de dois meses antes. No requerimento original foram incluídas denúncias de decretos assinados pela presidente em 2015, para liberar R$ 2,5 bilhões, sem o aval do Congresso, nem previsão no orçamento. Essa operação é conhecida como pedalada fiscal, e caracterizaria improbidade administrativa.
De acordo com as pesquisas, 66% dos brasileiros apoiam abertura de processo para afastar petista do cargo.
No dia 17 de abril de 2016, domingo, a Câmara dos Deputados, com 367 votos favoráveis, 137 contrários, além de 7 abstenções e 2 ausentes, autorizou o Senado Federal a instaurar processo de impeachment contra Dilma.
Em 6 de maio de 2016, a comissão especial do impeachment do Senado aprovou, por quinze votos a favor e cinco contra o relatório do senador Antonio Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. Em 11 de maio, Teori Zavascki negou o pedido do governo para anular o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Com a decisão, o Senado mantém a votação que poderá decidir pelo afastamento da presidente do Palácio do Planalto. No dia 12 de maio de 2016, com 55 votos favoráveis, 22 contrários e 2 ausentes, o Senado Federal autorizou a abertura do processo de impeachment, e determinou o seu afastamento da Presidência da República pelo período de até 180 dias. Em 31 de agosto, o Senado Federal por 61 votos a 20, cassou o mandato de Dilma como presidente, mas, manteve o direito dela de ocupar cargos públicos.
Em votação histórica e muito criticada, o Congresso Nacional aprovou o impeachment que afastou Dilma. Pouco depois, as “pedaladas fiscais” que serviram para acusá-la foram liberadas por lei aprovada no Senado, passando a ser praticadas pelo impopular governo de Michel Temer, que assumiu a Presidência com a destituição de Dilma e, em um ano, alcançou 94% de rejeição em pesquisas.

Fonte: Alfredo Boulos Júnior - História & Cidadania; FTD
365 dias que mudaram o Brasil - Valentina Nunes ; Planeta
Barsa Planeta Internacional 

O sertão do padre Cícero

Não se pode deixar de considerar o sertão como espaço sagrado. Palco de movimentos messiânicos como Canudos, nessa terra árida foram e são frequentes os peregrinos, os beatos e os romeiros. O padre Cícero, chamado também de Padim Ciço, representa esse universo da crença popular, sendo uma das figuras religiosas mais cultuadas no interior nordestino até os dias atuais.

Cícero Romão Batista nasceu no município de Crato, no Ceará, em 1844. Ordenou-se padre em 1870 e, dois anos depois, mudou-se para Juazeiro do Norte, onde permaneceu pelo resto da vida. Lá restaurou a capela de Nossa senhora das dores e passou a desenvolver um trabalho pastoral. Pregava em missões, participava de novenas e organizava festas religiosas e procissões. Sua popularidade foi aumentando ano após ano, sendo considerado um religioso despretensioso e dedicado ao povo.

Em 1889, durante uma missa, a lavadeira Maria de Araújo recebeu o sacramento e foi ao chão. A hóstia em sua boca parecia estar envolvida por um líquido cor de sangue. Esse acontecimento ficou conhecido como o milagre de Juazeiro. Isso ainda teria ocorrido outras vezes, e ficou provado, por um grupo de médicos, que ela não mordia a língua nem utilizava qualquer artifício. O fenômeno só acontecia quando o padre Cícero celebrava a missa. A comunidade local interpretou o episódio como uma alusão ao derramamento de sangue de Jesus Cristo para a salvação dos seres humanos, e multidões começaram a frequentar o vilarejo para ver o fenômeno.

Com o constante crescimento das romarias a Juazeiro do Norte, o bispado cearense interveio e cobrou explicações do padre Cícero, pois a Igreja Católica passava por um processo de romanização, ou seja, de negação das práticas locais e afirmação das orientações do Vaticano para uniformizar as condutas. Em 1982, autoridades eclesiásticas consideraram que o ocorrido em Juazeiro não se tratava de um milagre, e ordenaram que se apresentasse uma nova interpretação. No entanto, as romarias não cessaram, ampliando a crença popular no milagre. Nesse mesmo ano, o padre Cícero foi suspenso, proibido de pregar a religião católica. Em 1896, persistindo as romarias e as missas, a Igreja Católica ordenou que ele se retirasse de Juazeiro. O padre foi para Salgueiro (PE) e, em 1898, viajou para Roma a fim de se explicar ao Santo Ofício. Lá foi julgado e o milagre, mais uma vez, condenado. No entanto, não foi expulso da Igreja. Novamente no Brasil, não conseguiu que o bispado aceitasse seu retorno a Juazeiro. Voltou para a cidade, entretanto não reatou com a Igreja.

Nos muitos anos que esteve sob o comando da Igreja em Juazeiro, padre Cícero recebeu inúmeras doações de fiéis, que fizeram dele um homem de respeitável patrimônio. Tinha muitas terras, gado e comercializava vários produtos, entre eles borracha, cana de açúcar e algodão.

Sem o apoio da Igreja, aliou-se aos coronéis locais. Os muitos romeiros que passaram a frequentar a região eram encaminhados por ele para servirem como trabalhadores nas fazendas locais, resolvendo o grave problema de mão de obra enfrentado pelos proprietários. Em 1911, Juazeiro foi emancipada do Município do Crato, e padre Cícero foi indicado para o cargo de prefeito pelo governador Nogueira Accioly, líder oligarca local. No mesmo ano, Padre Cícero assinou o chamado “Pacto dos Coronéis”, no qual dezessete chefes políticos da região se comprometiam a sustentar a oligarquia Accioly no governo estadual. Transformando em importante líder político da região do Cariri, intermediou negociação para que cessassem as disputas armadas entre os vários coronéis locais. Em 1912, foi eleito vice-presidente do Ceará e ampliou sua influencia política sobre o Nordeste. Em 1914, liderou a chamada Sedição de Juazeiro, que depôs o governador. Depois voltou a ser prefeito do Juazeiro, deixando o cargo somente em 1927.

Nos anos 1930, perdeu espaço político após a ascensão de Getúlio Vargas. Tentou ainda recuperar o direito ao sacerdócio, mas não obteve sucesso. Padre Cícero faleceu em 1934, aos 90 anos, causando grande comoção popular. As romarias continuaram e se intensificaram nos anos seguintes, e ele foi transformado em mito popular relacionado ao milagre original. Juazeiro do Norte se transformou em uma cidade-santuário, e até hoje milhares de romeiros visitam a grande imagem do padre Cícero.

Em 2002, cerca de 500 mil pessoas participaram da romaria que se iniciou em 1º de setembro e se estendeu até o dia 15 do mesmo mês. Fiéis das mais diferentes regiões costumam ir até juazeiro do Norte para pedir pelas chuvas no sertão e pela cura de doenças. Nesse mesmo ano, uma comissão da Igreja deu início a um processo para reabilitar o padre Cícero, o que abriria caminho para, posteriormente, tentar beatificá-lo e canoniza-lo. Em 2006, o Vaticano recebeu um dossiê de nove volumes sobre a vida do padre Cícero.

Fonte: Roberto Catelli Junior – História : texto e contexto ; Editora Scipione.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O Integralismo

Movimento político e ideológico de inspiração fascista ocorrido no Brasil na década de 30, condensando as forças de direita no país sob inspiração da ideologia fascista então vigente em países como a Itália de Benito Mussolini. Ao movimento do Integralismo, além de alguns setores da oligarquia brasileira, uniram-se também membros da classe média, da Igreja e ainda militares. O Integralismo passou a possuir organização formal no Brasil a partir da fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada pelos escritores Plínio Salgado e Gustavo Barroso.
Busca um Estado autoritário e nacionalista; uma sociedade baseada em hierarquia, ordem e disciplina social; e o reconhecimento da suprema autoridade política e jurídica do chefe da nação sobre indivíduos, classes e instituições. Alguns de seus ideólogos, como Gustavo Barroso, dão ao integralismo um fundo racista, defendendo a superioridade da população branca brasileira sobre negros, mestiços e, especialmente, judeus.
Já nos anos 20 o pensamento nacionalista brasileiro desenvolvia uma vertente conservadora. Entre seus entusiastas estão intelectuais de variadas formações e tendências, como o sociólogo Oliveira Viana, o jornalista, professor e político Plínio Salgado e o pensador católico Jackson de Figueiredo. Mesmo sem atuar como grupo, eles têm em comum posições políticas nacionalistas, anti-imperialistas e anticomunistas, criticam a democracia liberal e defendem os regimes fascistas, que começam a despontar na Europa.
O Integralismo possuía como ideias básicas em sua ideologia a afirmação do privilégio do Estado autoritário e nacionalista na ação política, tendo o governante do Estado como líder supremo sobre todas as instituições e classes sociais. O movimento integralista condenava a ação comunista e todas as posições ideológicas liberais, rotulando-as "anarquia liberal".
A fundação da Ação Integralista Brasileira passa a tomar parte fundamental na articulação dos setores da direita radical no Brasil. A AIB possuía uma organização interna também inspirada nos moldes fascistas e ainda nazistas, caracterizados por aspectos como a hierarquização militar interna à organização, além de vestimentas similares às militares, ostentando o símbolo do sigma (a letra grega: (), em analogia ao uso da cruz suástica pelos nazistas. Ainda a organização de direita procurava sustentar lemas como "Deus, pátria e família" e seu grito de saudação, "Anauê" (ou "ave", "salve"), era a versão tupiniquim da saudação do povo da Alemanha nazista aos seus líderes.
A história da AIB conta com vários conflitos entre os integralistas e os movimentos democráticos que ocorriam no Brasil. Na época da Intentona Comunista, ocorrida no ano de 1935, a Ação Integralista apoia oficialmente o governo na repressão do movimento que pretendia instalar o regime comunista no Brasil. No entanto, a organização começou a desarticular-se a partir do golpe que instalaria o Estado Novo no Brasil, sob o comando de Getúlio Vargas. Plínio Salgado havia se candidatado à presidência da República, porém o movimento partidário integralista é dissolvido com o advento do Estado Novo, assim como todos os demais partidos são suprimidos do cenário político brasileiro. 
Desiludidos com Getúlio Vargas, os integralistas promovem o assalto ao palácio presidencial no Rio de Janeiro e pensam contar com a proteção do Exército para tomar o poder. Mas o presidente obtém o apoio da cúpula militar, e o golpe fracassa. Não tardam as perseguições aos integralistas da AIB, Os integralistas são perseguidos e seus líderes, presos. Plínio Salgado é exilado em Portugal, e o movimento desarticula-se.



O CORONELISMO

Expressão usada para definir a estrutura de poder dos grandes proprietários e das oligarquias agrárias entre o fim do Império e o começo da República. O título ou a patente de "coronel" dos grandes proprietários rurais vem de sua participação na Guarda Nacional, criada em 1831. Durante o Império são eles que, com tropas particulares, asseguram a ordem interna.
Com a República, a Guarda Nacional é extinta, mas os coronéis mantêm o poder em suas terras e em áreas de influência. A partir da instituição do regime representativo e da ampliação do direito de voto, ganham importância os partidos políticos e as eleições.
O coronelismo é a manifestação do poder privado – dos senhores de terra – que coexiste com um regime político de extensa base representativa. Refere-se basicamente a estrutura agrária que fornecia as bases de sustentação do poder privado no interior do Brasil, um país essencialmente agrícola. A maioria da população - colonos, meeiros e posseiros - não tinham terras, dependendo em tudo do coronel: para plantar uma roça, para tratamento médico e até mesmo para aprender ler e escrever o nome.
O coronel tinha com a população de uma área um compromisso total, de vida e morte:
- um compromisso econômico: a sobrevivência da população dependia da boa vontade do coronel que mandava em tudo;
- um compromisso social: o coronel era chefe da "grande família", formada por toda a população que dele dependia. Era protetor, juiz, compadre, padrinho, organizador de festas, conselheiro, etc.;
um compromisso político: o coronel era "dono" da área, controlava o voto dos seus "protegidos", que votava em quem ele mandava. Por isso, esses votos se chamavam "voto de cabresto" ou "voto de curral".
Médicos, advogados, professores, tabeliões, padres, todos eram controlados pelo coronel, com quem trocavam favores.
Definido como um compromisso, uma troca de proveitos entre o Poder Público, progressivamente fortalecido, e a decadente influencia social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras. A força dos coronéis provinha dos serviços que prestavam ao chefe do Executivo, para preparar seu sucessor nas eleições, e aos membros do Legislativo, fornecendo-lhes votos e assim ensejando sua permanecia em novos pleitos, o que tornava fictícia a representação popular, em virtude do voto "manipulado".
Certas atribuições, tais como eleger o governador e o prefeito, criar certos impostos, foram retiradas do poder central e transferidas para os estados e municípios. Essa descentralização, introduzida pela República, fortaleceu o poder local. O coronel tinha de mandar e ser obedecido, era a pratica do "mandonismo local".
Esse poder decorria de sua condição de grande proprietário, e era proporcional à quantidade de terras que possuía. Quanto mais terra, maior era o número de pessoas que dependia do coronel. Os coronéis além de manipular os votos através do voto de cabresto, utilizavam muitas fraudes para ganhar as eleições. Exemplos: documentos eram falsificados para que menores analfabetos pudessem votar; pessoas que já tinham morrido eram escritas como eleitores; urnas eram violadas e votos adulterados; muitas artimanhas eram feitas na contagem de votos.
Mas são os coronéis, articulados nas oligarquias regionais, que garantem a eleição de candidatos dos governos federal e estadual durante a República Velha. Eles fazem a propaganda dos candidatos oficiais, controlam o voto não-secreto dos eleitores e a apuração, chegando quase sempre ao resultado esperado.
"Coronel caudilho" nas coxilhas do Sul, "coronel de barranco" nos rios amazônicos do Norte, "coronel donatário" nos sertões do Nordeste ou "coronel empresário" na cafeicultura do Sudeste: os nomes variam, mas a estrutura de poder é a mesma. Os latifundiários e as oligarquias rurais trocam favores por voto: de botina e enxada a emprego público.
Essa prática se apoia nas velhas relações paternalistas originárias da sociedade colonial e só começa a mudar a partir dos anos 30 e 40, com a urbanização e a industrialização. No interior do país, os laços de fidelidade, lealdade e dependência econômica com os senhores de terras ainda condicionam parte do comportamento político da população local.


O CANGAÇO

O cangaço refere-se aos grupos de pessoas armadas que, com roupas e chapéus de couro, faziam assaltos, matavam opositores, enfim, viviam sob suas próprias regras. esses homens e mulheres, os cangaceiros, estiveram muito presentes no serão nordestino.
O ciclo do cangaço ou do banditismo social durou, no Brasil, setenta anos: 1870 a 1940. Foi típico do Nordeste. Geralmente o bandido social é membro de uma sociedade rural e, por várias razões, encarado como proscrito ou criminoso pelo Estado e pelos grandes proprietários. Apesar disso, continua a fazer parte da sociedade camponesa de que é originário e é considerado como herói por sua gente, seja ele um "justiceiro", um "vingador" ou alguém que rouba aos ricos.
A expressão cangaço está relacionada à palavra canga ou cangalho: uma junta de madeira que une os bois para o trabalho. Assim como os bois carregam as cangas para otimizar o labor, os homens que levam os rifles nas costas são chamados de cangaceiros.
O cangaço advém do século XVIII, tempo em que o sertão ainda não havia sido desbravado. Já naquela época, o cangaceiro Jesuíno Brilhante (vulgo Cabeleira) ataca o Recife, e é preso e enforcado em 1786. De Ribeira do Navio, estado de Pernambuco, surgem também os cangaceiros Cassemiro Honório e Márcula. O cangaço passa a se tornar, então, uma profissão lucrativa, surgindo vários grupos que roubam e matam nas caatingas. São eles: Zé Pereira, os irmãos Porcino, Sebastião Pereira e Antônio Quelé. No começo da história, contudo, eles representam grupos de homens armados a serviço de coronéis.
Em 1897, surge o primeiro cangaceiro importante: Antônio Silvino. Com fama de bandido cavalheiresco, que respeita e ajuda muitos, ele atua, durante 17 anos, nos sertões de Alagoas, Pernambuco e Paraíba.  Um outro cangaceiro famoso é Sebastião Pereira (chamado de Sinhô Pereira), que forma o seu bando em 1916. No começo do século XX, frente ao poder dos coronéis e à ausência de justiça e do cumprimento da lei, tais indivíduos entram no cangaço com o propósito de vingar a honra de suas famílias.
Para combater esse novo fenômeno social, o Poder Público cria as "volantes". Nestas forças policiais, os seus integrantes se disfarçavam de cangaceiros, tentando descobrir os seus esconderijos. Logo, ficava bem difícil saber ao certo quem era quem. Do ponto de vista dos cangaceiros, eles eram, simplesmente, os "macacos". E tais "macacos" atuavam com mais ferocidade do que os próprios cangaceiros, criando um clima de grande violência em todo o sertão nordestino.
Por outro lado, a polícia chama de coiteiros todas as pessoas que, de alguma forma, ajudam os cangaceiros. Os residentes no interior do sertão - moradores, vaqueiros e criadores, por exemplo - se inserem, também, dentro dessa categoria.
Sob ordens superiores, as volantes passam a atuar como verdadeiros "esquadrões da morte", surrando, torturando, sangrando e/ou matando coiteiros e bandidos. Se os cangaceiros, portanto, ao empregar a violência, agem completamente fora da lei, as volantes o fazem com o apoio total da lei.
O sertão nordestino foi sendo conquistado aos índios através da expansão das fazendas de gado. O gado possuíam marcas de ferro para serem identificados e muitas vezes invadiam outra fazendas ou eram roubados por bandos de assaltantes. Um outro fato era a questão da herança. Com a morte do proprietário, o filho mais velho era o único herdeiro, enquanto os outros ficavam em total miséria. Os grandes proprietários procuravam conquistar o direito de figurar como autoridades governamentais em suas áreas, o que também gerava divisões entre eles; todos queriam ser coronéis. O aumento da produção algodoeira no Nordeste, final do século XIX, modificou a economia do sertão. A situação do Nordeste vai se agravando com a seca que assola toda região provocando desemprego seguido de fome e miséria, com isso muitos nordestinos se organizam em bandos para assaltar e conseguir alimentos, surgem também grupos para combater desmandos ou injustiças de algum coronel ou ainda para resistir ao alistamento militar.
Os grupos e subgrupos formados pelos cangaceiros existiam em grande quantidade. Era habitual que depois de participar de um agrupamento durante algum tempo o indivíduo se sentisse apto a ter seu próprio bando. No momento em que achava que estava preparado para ter sua própria organização ele se dirigia a seu líder e expunha seus planos. Geralmente não havia nenhum problema. O mais comum era encontrar respaldo em seu chefe que, por sua vez, sabia que, no futuro, se necessário, poderia contar com a ajuda desse seu ex-subalterno.
Dessa forma os grupos iam se subdividindo ou se reagrupando, num contínuo e alternado processo de divisão e crescimento. Assim surgiam os numerosos líderes de bandos, tantos que a maioria teve seus nomes esquecidos pela história.
Diante deste quadro, podemos destacar o aparecimento e a formação dos bandos autônomos de cangaceiros, independentes dos proprietários rurais. É bom lembrar que muitos coronéis tinham verdadeiros interesses na manutenção e contato com os bandos, por precisarem dos seus serviços. Estes coronéis foram chamados de coiteiros, pois encondiam e protegiam os cangaceiros, fornecendo-lhes muitas vezes alimentos e munição. Dentre os bandos mais famosos, conhecidos pelos nomes dos seus líderes, podemos destacar: João Calangro, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Lampião, o "Rei do Cangaço" .

Antônio Silvino

Foi um dos primeiros que formaram um desses grupos de cangaceiros independentes. Nascido em 1875, em Pernambuco, era descendente de uma família tradicional da região. Em 1896, decidido a vingar a morte do pai, juntou-se a um bando já formado, do qual depois se tornou líder. Após liquidarem vários de seus inimigos, os bandoleiros prosseguiram lutando contra a polícia, promovendo assaltos e armando tocaias para autoridades e instituições governamentais.
Silvino considerava as autoridades do governo, em todos os níveis, seu maior inimigo. Andava pelo sertão com um grupo pequeno, quase nunca superior a seis homens fortemente armado. Em 1912, tentou abandonar a vida de cangaceiro e pediu ao governo do Estado que perdoasse seus crimes. Como a resposta foi negativa, voltou a atuar como bandido. Cobrava impostos de comerciantes e negociantes, assaltava trens e não reconhecia nenhum tipo de autoridade legal. Em 1918, acabou sendo capturado no município de Taquaritinga (PE) pelas forças policiais lideradas por José Alvino, ex-comerciante que entrara para a polícia depois de ter sido assaltado por Antonio Silvino e que havia prometido capturar o cangaceiro. Silvino ficou preso por mais de vinte anos; libertado, foi morar com a esposa no Rio de Janeiro. Uma vez lá, solicitou emprego ao presidente Getúlio Vargas. Chegou mesmo a ser recebido pelo presidente, que lhe concedeu o emprego. Morreu em 1944.

LAMPIÃO

Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, nasceu na fazenda de seus pais, no Vale do Pajeú, Pernambuco, em 1897. Era filho de um modesto fazendeiro que foi morar no estado pernambucano após matar inimigos no Ceará, sua terra natal. Depois de novos conflitos entre famílias, foi viver em Alagoas. Na cidade de Água Branca, seus filhos, incluindo Virgulino, começaram a participar de um grupo de cangaceiros. A polícia alagoana passou a perseguir os Ferreira da Silva, após um ataque a vila. O pai de Lampião acabou sendo assassinado pela polícia. Em seguida morreu a mãe, e os irmãos regressaram para Pernambuco. Em 1918, Lampião ingressou no bando formado por Sinhô Pereira, descendente de família rica e influente de Pernambuco. Ganhou então o apelido por ser muito rápido no gatilho e porque sua arma saía um constante clarão dos disparos, como um lampião. Em 1922, Sinhô Pereira abandonou a região e Lampião se tornou o chefe do bando.
As lutas de famílias propiciaram o banditismo, em que coiteiros, por hostilidade aos inimigos de Lampião, ou temor de represálias que não tinham limites, cooperavam para o insucesso da perseguição policial. Com Lampião, vigorou a lei do extermínio, indo do estupro ao incêndio, do saque ao assassinato frio. Na época da Coluna de Prestes, Lampião foi convidado a colaborar com o governo por intermédio do Padre Cícero, que lhe ofereceu a patente de capitão. Aproveitou-se do momento para armar melhor todo o seu bando. Fazia dos sertões de Sergipe e da Bahia seu quartel-general, de onde irradiava sua influência para os outros Estados do Nordeste, como Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Chegou a investir contra a cidade de Mossoró, que só se salvou pela ação de seus moradores. Cercou e dominou várias cidades e povoados da região, saqueando o comércio, devastando fazendas, sacrificando vidas. Em 1929, Lampião conheceu Maria Bonita, que abandonou o marido para acompanhá-lo. Foi a primeira mulher a ser admitida no grupo de cangaceiros. Depois disso, vários cangaceiros tiveram companheiras vivendo com o grupo. Maria Bonita e as outras mulheres lutavam com o bando, assumindo o papel de cangaceiras. Vários cangaceiros tiveram seus nomes gravados pela história, mas nenhum deles destacou-se tanto quanto Lampião.
Lampião, ao contrário do que muita gente pensa, não foi o primeiro cangaceiro, mas foi, praticamente, o último. Sem dúvida nenhuma foi o mais importante e o mais famoso de todos. Seu nome e seus feitos chegaram a todos os recantos de nosso país e até ao exterior, sendo objeto de reportagens da imprensa internacional.
Até o advento de Lampião, como passou a ser conhecido a partir de certo momento de sua vida, o cangaço era apenas um fenômeno regional, limitado ao nordeste do Brasil. O restante do país não se incomodava com o que não lhe dizia respeito. Mas a presença de Lampião, sua ousadia e seu destemor, fizeram do cangaceiro uma figura de destaque nos noticiários diários do país inteiro, exigindo atenção cada vez maior por parte das autoridades, que se sentiram publicamente desafiadas a liquidá-lo. Passou a ser uma questão de honra acabar com Lampião e, por via de consequência, com o cangaço.
Nos anos 1930, Lampião e Maria Bonita instalaram-se em uma fazenda em angico, no Sergipe. De lá ele comandava as várias células do grupo e participava de algumas incursões.
Em Angico, Lampião foi traído por um vaqueiro que denunciou quem sabia seu paradeiro. Pedro de Cândida, coiteiro de Lampião, foi preso em 1938 e pressionado a revelar o esconderijo e a acompanhar a polícia até o local. Lá chegando, os policiais surpreenderam parte do grupo de Lampião
Combateram pouco tempo e, entre os mortos, o mais temido personagem que já cruzou os sertões do Nordeste: Lampião. Foram necessários oito anos de perseguições e confrontos pela caatinga até que Lampião e seu bando fossem mortos. No momento da sua morte, levava consigo 5 quilos de ouro e uma quantia em dinheiro equivalente a 600 mil reais. Estava decretado o fim do cangaço.
Os cadáveres foram mutilados. As cabeças de Lampião, Maria Bonita, Luís Pedro e outros ficaram, quase 30 anos, exportas ao público, em Salvador, no Museu Nina Rodrigues. As façanhas de Lampião geraram todo um ciclo na literatura de cordel do Nordeste. Por sua inteligência e destreza, Lampião até hoje é considerado o Rei do Cangaço.
A morte dos cangaceiros insere-se no contexto da implementação da ditadura do Estado Novo, quando uma nova ordem jurídica e um maior controle do Estado sobre a vida local foram estabelecidas. Isso favoreceu a redução da corrupção nos órgãos do governo e limitou a ação dos coronéis.
Vários subgrupos ligados a Lampião que escaparam da chacina se entregaram a polícia. Contudo um deles, chefiado por Corisco, continuou em ação. Depois da morte de Lampião, passou a perseguir seus supostos delatores e matadores. Vários foram assassinados até que, em 1940, o próprio Corisco foi morto em perseguição.




domingo, 25 de dezembro de 2022

O Golpe no Uruguai

Também o Uruguai ficou sob regime ditatorial, entre 1973 e 1985. No Uruguai, a ditadura civil-militar foi precedida por um cenário de intensa polarização política. De um lado, governos civis autoritários e, de outro, o grupo guerrilheiro de esquerda Tupamaros. O grupo Tupamaros surgiu no início dos anos 1960, impulsionado pela crise econômica pela qual o país passava e pela crescente insatisfação popular. Em 1965, para reprimir as ações dos guerrilheiros, a polícia e o serviço secreto uruguaio passaram a ser treinados por membros da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA). Entre 1968 e 1972, governos civis autoritários decretaram estado de sítio no país, suspenderam vários direitos dos cidadãos e intensificaram o combate aos Tupamaros.

Em 7 de junho de 1973, o presidente uruguaio Juan María Bordaberry, com apoio dos militares, deu um golpe de estado no país. Em cadeia de rádio e televisão foi divulgado o decreto presidencial, dissolvendo o Congresso e substituindo-o por um Conselho de Estado, formado por dez militares e dez civis. Bordaberry, eleito democraticamente, dera plenos poderes para que os militares combatessem os guerrilheiros tupamaros logo que assumiu, no início de março do mesmo ano. 

Os militares que foram encarregados de combater a guerrilha urbana dos Tupamaros intervieram, pela primeira vez, na vida política do país, desmantelaram a guerrilha e apoderou-se do poder. Então, em 1973, os militares impuseram uma ditadura que perdurou até 1985. Nesse período, os direitos civis foram frequentemente desrespeitados, os partidos políticos foram proibidos, os sindicatos, considerados ilegais e foram implantadas a censura e a perseguição de opositores.

Decididos a seguir o modelo militar brasileiro, mantiveram como presidente primeiro Bordaberry e, depois Aparício Méndez, os dois civis, formalmente como chefes de Estado. Torturas, assassinatos, sequestros de oposicionistas na Argentina e no Brasil e censura foram tônica política do período.

Na área econômica, o Plano Nacional de Desenvolvimento de 1973-1977, formulado em 1972, foi posto em prática. A economia do Uruguai cresceu, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou e o comércio exterior foi reestruturado. A política econômica se orientava pelas exportações não tradicionais e pela entrada, no país, de investimentos estrangeiros.

No entanto, nem a repressão, o arrocho salarial, a abertura ao capital estrangeiro conseguiram superar a crise. A economia continuou a declinar. Contudo, os benefícios da política econômica beneficiavam os grupos da elite, que passaram a concentrar cada vez mais a riqueza em suas mãos. O valor dos salários dos trabalhadores caiu muito e a má distribuição de renda provocou a exclusão econômica e social dos trabalhadores e das camadas mais pobres da sociedade, ao mesmo tempo que garantia o enriquecimento de empresários e de membros da elite.

Calcula-se que, entre 1972 e 1976, cerca de 1 milhão de uruguaios emigraram para Argentina, Estados Unidos e Austrália. Durante o regime militar uruguaio, houve indícios de que as polícias políticas e os serviços de informação militares deste país atuaram em com os serviços semelhantes da Argentina, Brasil, Bolívia e Chile nos sequestros e assassinatos de presos políticos.
Os tupamaros eram um grupo de guerrilheiros de esquerda que lutavam para transformar o Uruguai num país socialista. A repressão foi tão brutal quanto a da Argentina e do Chile, deixando um grande número de militantes mortos e desaparecidos, além de provocar o exílio de grande número de oponentes do regime.

O Movimento de Liberação Nacional Tupamaros foi um movimento político de esquerda uruguaio que atuou como guerrilha urbana durante os anos 1960 e início dos anos 1970. Desde 1989, os Tupamaros se integraram à coalizão política Frente Ampla, da qual faziam parte muitos representantes do Movimento de Participação Popular. Fotografia de 1985, por ocasião da libertação dos presos políticos.



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Movimentar máquinas, cargas e pessoas por longas distâncias demanda muita energia. No Brasil, usam-se combustíveis derivados de fontes não r...