O Antigo Regime – ordem social que garantia os privilégios do clero e da nobreza – foi sendo abalado e destruído lentamente por uma série de fatores, como as revoluções burguesas na Inglaterra, o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Independência dos Estados Unidos da América.
Mas o fator que aboliu de vez o Antigo Regime foi a Revolução Francesa (1789-1799), uma profunda transformação sócio-política ocorrida no final do século XVIII que continua repercutindo ainda hoje em todo o Ocidente.
O principal lema da Revolução Francesa era “liberdade, igualdade e fraternidade”. Por sua enorme influência, a Revolução Francesa tem sido usada como marco do fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea. Embora não tenha sido a primeira revolução burguesa ocorrida na Europa, foi, com certeza, a mais importante.
1. Situação social, política e econômica da França pré-revolucionária
a) Sociedade
A França pré-revolucionária era um país essencialmente agrícola. O clero e a nobreza possuíam enormes privilégios e o rei governava de modo absolutista, prestando contas de seus atos somente a Deus.
O primeiro estado era formado por cerca de 120 mil pessoas, todas do clero da Igreja Católica – cardeais, bispos, abades, sacerdotes e monges. O Primeiro Estado estava dividido em alto e baixo clero.
O alto clero – cardeal, bispos, arcebispos e abades – era constituído por indivíduos de famílias nobres. Acumulava riquezas por meio de suas numerosas propriedades e da cobrança do dízimo, um imposto que recaía sobre as colheitas de todas as propriedades rurais do reino.
O baixo clero – padres, frades e monges – era formado por indivíduos vindos de famílias pobres. Recebia apenas uma porcentagem mínima das rendas da Igreja, sendo obrigado a levar uma vida bastante modesta.
A Igreja desfrutava de muitos privilégios, possuía 20% das terras e recebia o dízimo dos fiéis. Além disso, os membros do clero não pagavam impostos, eram isentos do serviço militar e tinham direito a julgamento em tribunal próprio.
O segundo estado abarcava cerca de 400 mil pessoas. Parte era composta pelos representantes da chamada nobreza de sangue, ou seja, os grandes proprietários de terras que detinham títulos de nobreza, herdados de seus antepassados:
duques, marqueses, condes, viscondes e barões.
O Segundo Estado também apresentava uma divisão interna. Dividia-se em nobreza cortesã, nobreza provincial e nobreza de toga. A nobreza cortesã vivia nas proximidades do Palácio de Versalhes entre caçadas, festas e torneios de esgrima, e era sustentada pelas pensões e privilégios que recebia do rei.
A nobreza de toga era formada por ricos burgueses que compravam títulos de nobreza. Ocupava altos cargos administrativos e políticos, que também tinham sido comprados.
O Terceiro Estado era composto por grupos sociais bastante distintos: camponeses, trabalhadores urbanos, pequena, média e alta burguesia. Os camponeses constituíam a maioria da população francesa. Quase todos eram livres, mas havia também os servos, que estavam presos à terra e às antigas obrigações feudais, como a corveia (prestação de serviços gratuitos ao senhor) e a banalidade (pagamento pelo uso de moinhos e fornos do senhor). Todos os camponeses deviam uma série de obrigações e impostos ao rei e à Igreja. Geralmente moravam e se alimentavam muito mal. Tinham, portanto, motivos de sobra para se rebelarem contra o Antigo Regime.
Os trabalhadores urbanos também estavam submetidos a péssimas condições de vida e trabalho. Eram operários, artesãos ou empregados domésticos. Havia também um grande número de desempregados.
Essa parte mais pobre da população urbana da França do século XVIII era conhecida como sans-culotte. Os culotes eram calções masculinos justos que iam da cintura até os joelhos, usados pelos nobres. Os trabalhadores, ao contrário, vestiam calças compridas, largas, feitas de pano grosseiro. Daí a expressão sans-culotte, ou seja, sem culote. Os sans-culotte tiveram papel fundamental na revolução, na qual formaram a ala mais radical.
A pequena burguesia era representada por pequenos comerciantes e artesãos independentes; a média burguesia, por profissionais liberais (médicos, professores, advogados) e donos de lojas; a alta burguesia, por banqueiros e grandes empresários.
O clero e a nobreza concentravam terras, poder político e privilégios, dos quais o mais importante era o de não pagar impostos.
A crítica por meio de charges foi comum na França do século XVIII, época em que o país experimentou profundas mudanças políticas e sociais, que culminaram na chamada Revolução Francesa (1789-1799).
O Terceiro Estado, por sua vez, pagava todos os impostos e sustentava o rei, o clero e a nobreza. Isso explica por que, apesar de sua formação heterogênea, o Terceiro Estado uniu-se para lutar contra os privilégios do clero e da nobreza.
b) Economia
A principal atividade econômica na França daquela época ainda era a agricultura: cerca de 80% da população vivia e trabalhava no meio rural. Apesar disso, e de novas técnicas agrícolas implementadas durante a segunda metade do século XVIII, boa parte da população passava fome. Isso acontecia porque os pesados impostos empobreciam o povo.
Essa difícil situação agravava-se ainda mais quando ocorriam secas prolongadas ou inundações. Como na década de 1780 tais fenômenos foram frequentes, ocorreram várias crises de abastecimento. Por causa disso, o preço dos alimentos disparou, levando a maioria da população ao desespero.
A atividade comercial também enfrentava dificuldades. Uma delas era a existência dos direitos de passagem, impostos que os nobres cobravam sobre a circulação de mercadorias em suas terras.
A indústria, por sua vez, vinha sendo prejudicada pelas regulamentações mercantilistas impostas pelo governo, pela pobreza da população e pelo tratado que a França assinou com a Inglaterra em 1786. Por esse acordo, os tecidos ingleses ganharam o direito de entrar na França sem ter de pagar impostos, passando a concorrer diretamente com as manufaturas francesas e causando a falência de muitas delas.
c) A vida política
A crise econômica tornou-se mais aguda no reinado de Luís XVI. Apesar disso, o rei continuou a ter gastos fabulosos, tanto para manter o luxo de sua corte, quanto para custear a participação da França em conflitos como, por exemplo, a guerra de independência dos Estados Unidos.
Gastando mais do que arrecadava, impondo o mais rigoroso absolutismo e governando de acordo com a teoria do direito divino dos reis, Luís XVI desagradava enormemente os membros do Terceiro Estado.
As críticas mais duras eram feitas por integrantes da burguesia que, com base nas ideias iluministas, passaram a exigir o fim do absolutismo, dos privilégios do clero e da nobreza e da interferência do Estado na economia. Em nome da modernização da França, a burguesia desfraldou, então, a bandeira do liberalismo econômico e da igualdade de todos perante a lei.
2. Processo revolucionário
O longo processo revolucionário francês (1789-1799) foi complexo e contraditório. Para melhor entendê-lo, os historiadores costumam dividi-lo em diferentes fases. Não havendo um consenso entre os historiadores sobre essa divisão, adotaremos aqui a seguinte:
· Revolta Aristocrática;
· Assembleia Nacional Constituinte;
· Monarquia Constitucional;
· Convenção Nacional;
· Governo do Diretório.
Revolta Aristocrática
O tiro saiu pela culatra
Para solucionar a grave crise econômica da França, o rei Luís XVI viu-se obrigado a criar novos tributos para o terceiro estado, ou a acabar com a isenção tributária do primeiro e segundo estados.
Sentindo seus privilégios tradicionais ameaçados, a nobreza e o clero se revoltaram, em 1787, e pressionaram o rei para que convocasse a Assembleia dos Estados Gerais.
Assembleia dos Estados Gerais
Os Estados Gerais eram uma assembleia formada pelos representantes dos três estados ou ordens em que também se dividia a sociedade francesa.
O objetivo era obrigar o terceiro estado a assumir os tributos. Contavam para isso com o próprio sistema tradicional de votação da Assembleia. A votação era feita por grupo, ou seja, cada “ordem social” tinha direito a apenas um voto, independentemente do número de representantes. Assim, clero e nobreza, unidos, teriam sempre dois votos contra apenas um voto do terceiro estado.
Em maio de 1789 os Estados Gerais se reuniram no Palácio de Versalhes. Ao tomar conhecimento de que a votação dos projetos seria feita como de costume – ou seja, cada ordem teria direito a um voto –, os deputados burgueses protestaram: afinal isso garantiria a vitória do Primeiro e do Segundo Estado, que, unidos, defenderiam privilégios e interesses comuns.
Terminada a sessão, os membros do Terceiro Estado propuseram aos deputados dos outros dois que todos se reunissem em assembleia, na qual cada indivíduo teria direito a um voto. Como a proposta foi recusada, os deputados do Terceiro Estado, com apoio de alguns membros do baixo clero e da nobreza, declararam-se em Assembleia Nacional e juraram permanecer reunidos até que ficasse pronta a constituição.
Estava iniciada a revolução.
Assembleia Constituinte: a revolução nas ruas
Em 9 de julho de 1789, reuniu-se a Assembleia Nacional Constituinte, encarregada de elaborar uma Constituição para a França.
Preocupado com seu futuro político, o rei Luís XVI tentou organizar tropas para reprimir as manifestações burguesas e populares, mas não obteve sucesso.
No dia 14 de julho de 1789, a massa urbana de Paris tomou a Bastilha, na prisão política que simbolizava o autoritarismo e as arbitrariedades cometidas pelo governo. A destruição da Bastilha foi um marco da explosão popular.
Depois dela, a agitação espalhou-se por toda a França.
No meio rural, os camponeses sublevaram-se e ocuparam castelos e outras propriedades senhoriais, assassinando nobres, invadindo cartórios e destruindo títulos de propriedade.
Temerosa de que a revolução camponesa se espalhasse e atingisse suas propriedades, a burguesia propôs o fim dos direitos feudais, que foram extintos em agosto de 1789.
Alguns dias depois, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse documento assegurava ao cidadão o direito de se rebelar contra os abusos do governo, o direito à liberdade, à igualdade perante a lei e à defesa da propriedade.
Entretanto, apesar dos avanços políticos, a situação financeira do país continuava crítica. A fim de contornar esse problema, no final de 1789, a Assembleia autorizou o Estado a confiscar os bens do clero francês e a colocá-los à venda. Em meados do ano seguinte, foi aprovada a Constituição Geral do Clero. Por esse documento, ficava estabelecido que os bispos e os párocos passariam a ser eleitos pelos mesmos eleitores que elegiam os deputados.
Monarquia Constitucional: o domínio da burguesia
Em 14 de setembro de 1791, foi finalmente aprovada a primeira Constituição francesa, pela qual a França adotava como forma de governo a monarquia constitucional. Tendo por base as idéias de Montesquieu, estabeleceram-se três poderes: Poder Executivo, exercido pelo rei; o Poder Legislativo, exercido por uma assembleia formada por deputados eleitos; e o Poder Judiciário, exercido por um conjunto de juízes, também eleitos.
O texto constitucional limitava os poderes do rei, assegurava o fim dos privilégios do clero e da nobreza e estabelecia o voto censitário. Ou seja, somente aquele que possuísse uma certa riqueza poderia votar ou ser votado. A instabilidade na França era quase total. A massa pobre, embora tivesse participado do processo revolucionário, continuava profundamente descontente. A mudança do regime político (de monarquia absolutista para monarquia constitucional), legitimada pela Constituição de 1791, não alterara sua miserável condição de vida. Suas reivindicações não tinham sido totalmente atendidas e a constituição não lhes dera sequer o direito de votar, pois estabelecia o voto censitário, ou seja, só podiam votar aqueles que tivessem uma renda anual predeterminada.
Além de não satisfazer as camadas populares, o novo regime desagradou também ao rei. Inconformado com a nova situação, Luís XVI passou a fazer contatos e alianças dentro e fora do país a fim de obter apoio militar para seu projeto de restabelecer o Antigo Regime.
No exterior, Luís XVI conseguiu, inicialmente, dois poderosos aliados: os monarcas da Áustria e da Prússia que, contando com a ajuda dos emigrados franceses, declararam-se dispostos a intervir militarmente nos assuntos internos da França.
Reagindo à ameaça externa, a França declarou guerra à Áustria. As forças austro-prussianas responderam invadindo a França e, logo nos primeiros combates, impuseram várias derrotas aos franceses. A derrota da França para os exércitos coligados da Áustria e da Prússia, que pretendiam aniquilar o movimento revolucionário francês, gerou novas manifestações populares. A população de Paris – notadamente os sans-culottes, integrantes do setor urbano mais pobre do Terceiro Estado – invadiu o Palácio das Tulherias em agosto de 1792 e prendeu o rei, que, no ano anterior, tentara fugir da França.
Convenção Nacional: girondinos, jacobinos e planície
No período da nova Assembleia – chamada Convenção Nacional – três facções partidárias disputavam a liderança:
· girondinos – representantes da alta burguesia, como banqueiros e grandes propriedades; sentava-se à direita na Assembleia;
· planície ou pântano – oportunistas e corruptos, os membros desse partido também eram da alta burguesia; sentavam-se no centro da Assembleia;
· jacobinos ou montanheses – representantes da média e da pequena burguesia e também das classes populares, formavam o Partido da Montanha; sentavam-se à esquerda na Assembleia.
Da posição em que girondinos e jacobinos se sentavam na Assembleia derivaram as expressões direita e esquerda, quando relacionadas a posições políticas conservadoras (direita) e posições políticas defensoras de reformas sociais (esquerda).
Os jacobinos, apoiados nos sans-culottes, conseguiram a condenação do rei por traição aos ideais revolucionários. Em janeiro de 1793, Luís XVI foi guilhotinado.
Com o crescimento de seu prestígio junto às camadas populares, o partido jacobino acabou com a liderança política dos girondinos e assumiu o governo do país.
A execução do rei e, meses depois, da de sua esposa, Maria Antonieta, provocaram fortes reações externas e internas. A Inglaterra, juntamente com outras grandes potências europeias, formou a primeira coligação militar contra a França revolucionária. Internamente ocorreram revoltas monarquistas, sobretudo na região de Vendéia.
Para fazer frente aos perigos externos e internos, os jacobinos criaram três órgãos especiais, cujo objetivo era garantir a continuidade da Revolução. Eram eles:
· o Comitê de Segurança Nacional, encarregado de descobrir e prender as pessoas suspeitas de traição;
· o Tribunal Revolucionário, encarregados de julgar os suspeitos que, geralmente eram condenados à morte.
· o Comitê de Salvação Pública, que decidia sobre política externa e interna e controlava o exército. Desempenhou um papel fundamental nesse período.
Liderados por Robespierre, o Comitê de Salvação Pública pôs em prática uma série de medidas populares, tais como:
- abolição da escravidão nas colônias;
- tabelamento do preço dos gêneros de primeira necessidade;
- distribuição das propriedades dos nobres emigrados entre milhares de camponeses;
- introdução do ensino primário gratuito e obrigatório;
- leis de assistência aos indigentes, desvalidos e velhos;
- aumento dos impostos sobre as grandes fortunas;
- voto universal.
Em reação à queda e à morte de vários girondinos, uma jovem girondina assassinou Marat, líder dos sans-culottes. Após a morte de Marat, os jacobinos iniciaram um período de perseguições e assassinatos, conhecido como Período do Terror (1793-1794), liderado pelo jacobino Robespierre.
O Período do Terror caracterizou-se pela extrema violência, embora tenha sido uma fase de importantes reformas sociais: abolição da prisão por dívidas; educação pública gratuita; aumento dos salários. O radicalismo de Robespierre levou-o a condenar à morte vários membros da própria Convenção e líderes populares que discordavam de algumas de suas posições.
Perdendo o apoio da massa parisiense, devido à morte de alguns de seus líderes, Robespierre foi derrubado do poder pelos girondinos, preso e guilhotinado.
Governo do Diretório: a ascensão de Napoleão
Em 1795, os novos donos do poder dissolveram a convenção e votaram uma nova Constituição, que delegava o Poder Executivo a um Diretório composto por cinco membros.
Corruptos e ladrões em sua maioria e responsável pela instabilidade política, os membros do Diretório também se mostraram incapazes de solucionar os problemas nacionais e, por isso, acabaram perdendo a credibilidade popular.
No final do período, a França estava abalada por dificuldades econômicas, violências internas e guerras externas, pois enfrentara várias coligações militares europeias que pretendiam restabelecer o absolutismo na França e impedir a difusão dos ideais revolucionários franceses nos demais países da Europa.
Dentre os países que formaram coligações militares contra a Revolução Francesa, destacou-se a Inglaterra. Embora os ingleses já tivessem consolidado seu regime político liberal, tentavam barrar o avanço capitalista na França, temendo que esse país se tornasse seu concorrente nos mercados consumidores mundiais.
Em 1799 a alta burguesia francesa aliou-se ao general Napoleão Bonaparte e, juntos, derrubaram o Diretório.
Para a burguesia golpista de 1799, Napoleão era o homem que, através de um governo forte e de uma liderança política, podia promover o desenvolvimento da produção capitalista na França, recuperar a ordem e a estabilidade do país e proteger a riqueza da burguesia nacional, salvando-a dos perigos das manifestações populares e jacobinas.