terça-feira, 26 de setembro de 2023

A PRODUÇÃO AÇUCAREIRA NA COLÔNIA

Antes mesmo da colonização, é possível, de alguma forma, ter havido plantação de cana-de-açúcar no Brasil. É certo que na América espanhola houve. Mas o que diferencia a produção açucareira decorrente da colonização dessas plantações anteriores é o caráter sistemático e planejado de uma produção em larga escala, voltada para o mercado internacional.

Açúcar e colonização

Durante a expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza, foi instalado o primeiro engenho de cana-de-açúcar do Brasil na vila de São Vicente (1532). Depois disso, muitos outros engenhos foram construídos no litoral brasileiro. A produção açucareira superou a extração de pau-brasil, que continuou a ser explorado intensamente até o século XVII.

Conheça alguns motivos que contribuíram para o desenvolvimento da produção de açúcar no Nordeste:

• condições naturais favoráveis ao cultivo de cana, como clima quente, quantidade adequada de chuvas e solo de massapê;

• experiência portuguesa bem-sucedida com o cultivo de cana na Ilha da Madeira e no Arquipélago dos Açores;

• perspectiva de obter lucros com a produção de açúcar, que era considerado um artigo de luxo no mercado europeu.

O primeiro engenho construído no Brasil foi na capitania de São Vicente, sob a ordem de Martim Afonso de Souza. Mas onde o açúcar progrediu, verdadeiramente, foi no Nordeste. O solo fértil, o massapé, aliado à uma boa hidrografia e o clima quente e úmido, criavam condições excepcionais para o plantio da cana. Além disso, a proximidade com a Metrópole e a Europa facilitava a comunicação e o comércio. Em Pernambuco, os primeiros engenhos funcionaram a partir de 1535. Em 1570 já eram 30. Também na Bahia, com a instalação do Governo Geral, a produção prosperou. Se em 1570 eram 18 os engenhos, esse número pulou para 40 em 1584. No final do século XVI, o Brasil exportava 350 mil.
Os portugueses dominavam a produção de açúcar no Brasil e os holandeses controlavam a distribuição comercial (transporte, refino e venda na Europa). Distribuir o açúcar dava mais lucro, portanto o negócio era mais vantajoso para os holandeses.

A Grande Propriedade


Durante o período colonial, a maioria das pessoas vivia no campo e trabalhava em propriedades rurais dedicadas à agricultura e à pecuária. Entre essas propriedades, destacavam-se os engenhos, que eram importantes núcleos econômicos, sociais, administrativos e culturais.
Mas, afinal, o que era um engenho? Bem, inicialmente a palavra denominava apenas as instalações onde a cana era transformada em açúcar. Com o tempo, passou a denominar toda a propriedade, incluindo as lavouras. 
Os engenhos eram grandes propriedades de terra onde se plantava cana e se produziam açúcar e aguardente. Vários engenhos também tinham áreas para a plantação de alimentos, a criação de animais e a extração de madeira e de outros recursos naturais.
Tudo isso dava lucro, poder e prestígio a seus donos, que eram chamados de senhores de engenho. A autoridade desses senhores geralmente ia além de suas propriedades, estendendo-se às vilas e aos povoados vizinhos. De modo geral, a mulher do senhor de engenho cuidava da educação dos filhos e das tarefas domésticas.
Essa propriedade açucareira formava uma estrutura complexa, envolvendo terras, construções, técnicas, escravidão e trabalho livre. A sua forma clássica é a grande plantação, baseada no trabalho escravo. Dentre as suas edificações, destacam-se:
Casa Grande: Era a residência do proprietário, servindo também como fortaleza, alojamento e administração. Feitas em geral de adobe e taipa, possuíam mobiliário muito simples. Podiam ser construções térreas ou assobradadas, mas eram sempre imponentes.
Casa de Engenho: Era onde se fazia o processamento na cana-de-açúcar para a produção do açúcar. Em geram, constituía-se em várias edificações interligadas. Havia a moenda, as fornalhas e a casa de purgar, onde o açúcar era branqueado.
Senzala: Era onde habitava os escravos em suas poucas horas de descanso. Em instalações insalubres, sem higiene, os escravos eram alojados às dezenas. Os escravos dormiam sobre estrados com esteiras, às vezes com um travesseiro de palha. Importante é perceber que a senzala era construída junto à casa do senhor, mesmo que isso representasse certos inconvenientes, como o odor, provocado pelas condições precárias do local e de vida dos escravos, e o próprio medo.
Capela: Podia ou não fazer parte da casa-grande, era o local onde até a vizinhança se reunia aos domingos e dias santos, ou em cerimônias de casamentos, batizados ou funerais.
Casa de purgar: local onde o melaço era resfriado, condensado (endurecido) e branqueado;
Galpões: armazéns onde os blocos de açúcar eram quebrados e moídos.

O Canavial

O plantio de cana começava junto com as chuvas. E o solo era preparado à base das queimadas e da coivara. A cana cultivada no Brasil era a “crioula”, que foi a única cultivada aqui até o século XIX. Era colhida após 12 a 18 meses. Devido às condições naturais no Nordeste, chegava-se a fazer mais de uma colheita por ano, sempre obedecendo as fases da lua. A área de plantação ficava longe do “centro” da propriedade. A cana colhida era transportada de carro de boi ou de barco para ser moída.

Os Tipos de Engenho

Os engenhos podiam ser diferenciados pelo tipo de moenda, ou melhor, pelo tipo de força empregada para movê-las.
Engenhos Reais: Movidos a água, eram os maiores e mais produtivos, por isso eram chamados “reis” dos engenhos. Eram também os que exigiam grandes investimentos, sendo caríssima a sua montagem.
Engenhos Trapiches: Eram movidos por forma animal, bois ou cavalos. Havia ainda engenhos menores, denominados engenhocas, destinados à produção de aguardente e rapadura. A forma de moagem evoluiu com o tempo, mas não muito.
Chegou a se utilizar três tambores, onde a cana era passada para a obtenção do caldo. As rodas, os aros, as engrenagens, como os cilindros dentados, tudo exigia mão-de-obra especializada, e até instrumentos vindos da Europa, como algumas ferragens. 
Para o funcionamento da casa-de-engenho utilizava-se muita lenha para alimentar as fornalhas. Isso resultou numa devastação da floresta local. É que no Brasil não se conseguiu utilizar o bagaço da cana como combustível, tal qual ocorria nas Antilhas.

A Fabricação do Açúcar

Após chegar à moenda, a cana era limpa para a extração do caldo. Daí o caldo era levado à um reservatório, o parol, de onde seguia para o cozimento nas casa das fornalhas. Clarificado em enormes vasilhames de cobre (tachos e caldeiras), esse caldo, já livre de impurezas, transformava-se em melaço, despejados em espécies de vasos e levados para a casa de purgar, onde era drenado e depois branqueado. Após a secagem, desenformava-se e a parte branca era separada da escura (mascava). Esse processo gerava diferentes açúcares que tinham preços diferenciados pela qualidade.

Os Trabalhadores na Fabricação do Açúcar

“E verdadeiramente quem via na escuridade da noite aquelas fornalhas tremendas perpetuamente ardentes (...) o ruído das rodas, das cadeias, da gente toda de cor da mesma noite, trabalhando vivamente, e gemendo tudo ao mesmo tempo, sem momento de tréguas, nem descanso; quem vir enfim toda a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela Babilônia, não poderá duvidar, ainda que tenha visto Etnas e Vesúvios, que é uma semelhança do inferno.” (Padre Antônio Vieira).
As observações acima dão uma ideia do quão penoso era o trabalho escravo no fabrico do açúcar. A jornada de trabalho era extenuante, podia chegar a vinte horas diárias na safra. As quatro horas seguintes eram para a limpeza do equipamento A produção era dividida em tarefas e supervisionados por artesãos especializados. Os trabalhadores eram divididos em dois turnos, destinados à execução das tarefas de moer, cozer, purgar e embalar. Os escravos que trabalhavam na moenda, nas fornalhas e nas caldeiras eram os que mais sofriam. Às vezes, mãos ou braços eram perdidos nas moendas. Pessoas que presenciaram essas atividades relatam que sempre havia por perto um pé-de-cabra e um facão ou machadinha, para amputar o membro em caso de acidente. As fornalhas e caldeiras geravam uma temperatura tão alta, que os escravos mais fortes eram escolhidos para esse tipo de serviço. As queimaduras eram comuns e, como o jesuíta descreveu acima, era a visão do próprio inferno.
Importantíssimo nesse processo foram os trabalhadores livres. Em geral, era um técnico especializado em procedimentos desconhecidos dos negros. Dentre eles, destacavam-se o feitor-mor (espécie de gerente do engenho) e o mestre-de-açúcar (o mais especializado de todos; de seus conhecimentos resultava a qualidade do açúcar). Havia ainda caldereiros, levadeiros (responsáveis pela água que movia a moenda), purgador, barqueiro, carpinteiros e outros. Também trabalhadores não ligados ao trabalho produtivo, como o caixeiro, o cobrador de rendas e o escrivão, por exemplo.
Com o tempo e a maior intimidade com o processo de produção, várias dessas tarefas passaram a ser feitas por escravos. Há registros de escravos trabalhando até de mestres-de-açúcar. Muitos engenhos contavam com trabalhadores índios não escravos. Eles exerciam funções que iam de mariscadores até cortadores de lenha. Mas era o trabalho de “capitães do mato”, responsável pela busca de escravos fugitivos, que acabava criando uma situação de antagonismo com os negros, que, nesse caso, identificavam esses índios como inimigos.

Formas de trabalho

No Brasil colonial, havia trabalhadores livres e escravizados. Os livres podiam trabalhar como barqueiros, vaqueiros, pescadores, padres, funcionários do rei, médicos, advogados, engenheiros etc. Os escravizados, por sua vez, eram obrigados a realizar tarefas exaustivas e não remuneradas.
Nos engenhos, por exemplo, podiam ser livres os feitores, os mestres de açúcar e os purgadores. Já os escravizados, que eram a maioria, trabalhavam nos canaviais, nas moendas, nas fornalhas etc.
No início da colonização, durante o século XVI, a maioria dos escravizados que trabalhavam nos engenhos era indígena. Mas, no século seguinte, os africanos escravizados tornaram-se mais numerosos. Isso se explica por alguns motivos:
• a diminuição da população indígena, por causa das epidemias e das guerras de extermínio;
• a decisão da Coroa portuguesa de ampliar o comércio de africanos escravizados, pois esse negócio era muito lucrativo para os traficantes de escravizados e para a Coroa, que cobrava tributos sobre a atividade;
• a determinação da Coroa portuguesa, a partir de 1570, de que somente os indígenas capturados em guerra justa seriam escravizados.

Trabalho escravo africano

A partir do século XVII, a principal mão de obra utilizada na produção de açúcar era de africanos escravizados. Nessa época, o comércio de africanos escravizados chegou a dar tanto lucro para a Coroa portuguesa quanto o próprio açúcar.
Nos engenhos, os escravizados eram obrigados a trabalhar cerca de 12 a 14 horas por dia. Eles acordavam com um toque de sino, lavavam-se e rezavam rapidamente. Depois, recebiam as ordens do dia.
Sempre havia muito trabalho a fazer: limpar o terreno, coletar lenha, pescar, plantar, colher, transportar, cuidar dos canaviais e de tudo o que havia na propriedade, como estradas, construções e animais.
Cada escravizado tinha que cultivar uma área determinada. No tempo da colheita, tinham de cortar certa quantidade de cana-de-açúcar e amarrar tudo em feixes. Os homens trabalhavam, sobretudo, nas tarefas ligadas à cana-de-açúcar.
As mulheres, em geral, cuidavam do roçado de subsistência, dos animais, dos afazeres da casa-grande e cumpriam, até mesmo, o papel de amas de leite.

SOCIEDADE E MENTALIDADES

Mas sem deixar de lado as suas vinculações com índios e negros. Mesmo porque a escassez de mulheres brancas por aqui, nos primeiros tempos de colonização, levou uma boa quantidade de colonos a juntar-se a índias, e não eram incomuns relações entre brancos e escravas.
Os estudos sobre a chegada e fixação dos portugueses no Brasil são vários; as abordagens e os objetos de análise são múltiplos e as conclusões são diversas. Mas, no geral, pode-se dizer que num ponto os eles concordam, os portugueses tiveram que adaptar hábitos e costumes a uma nova realidade: a vida na colônia. Ora, como toda sociedade, a que vai se formar no Brasil é cheia de contradições e diversidades. Ela foi moldada com forte influência dos valores, religião e moralidade portuguesa. Mas, ao mesmo tempo, houve uma frouxidão desses valores, pela própria sensação de liberdade aqui existente. Além disso, grande parte dos colonos vinha para cá sozinhos, pois viam a Colônia como um local para se ganhar dinheiro e depois retornar ao seu país de origem, daí que não pensavam em reproduzir aqui uma unidade familiar.
A já citada falta de mulheres brancas muito contribui para essa situação, pois as uniões acabam acontecendo com as índias, que não tinham a mesma moral sexual dos europeus. No século XVI, alguns religiosos, como o jesuíta Manoel da Nóbrega, chegaram a pedir que a Coroa enviasse mulheres brancas para cá, “mesmo as de mau proceder”.

Religião católica no Brasil colonial

Igreja Católica e vida colonial

A Igreja Católica teve um papel muito importante na colonização do Brasil. Na época, o catolicismo era a religião oficial do Reino de Portugal. Isso significava que as pessoas submetidas à vontade do rei, isto é, os súditos desse reino, deveriam, obrigatoriamente, ser católicos. Do contrário, poderiam sofrer perseguições.

Além disso, havia um acordo entre a Igreja Católica e o Reino de Portugal. Esse acordo, chamado padroado, determinava os deveres e os direitos da Coroa em relação à Igreja. Assim, a Igreja atua como corresponsável, junto ao Estado, da tarefa de organizar a colonização do Brasil, promovendo o “controle das almas” na vida diária – a vinculação do indivíduo à Igreja através dos sacramentos – do nascimento à morte (do batismo à extrema-unção). Mas essa relação não se deu sem conflitos:

“Não existia na época, como existe hoje, o conceito de cidadania, de pessoa com direitos e deveres com relação ao Estado, independentemente da religião. A religião do Estado era a católica e os súditos, isto é, os membros da sociedade, deviam ser católicos.” (FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo, Edusp, 2002)

Na Espanha e na América espanhola também havia um acordo semelhante, que era chamado, em espanhol, patronato.

Estrutura da Igreja Católica

Os sacerdotes da Igreja Católica dividiam-se em clero secular (sacerdotes que viviam fora dos mosteiros e conventos) e clero regular (sacerdotes que pertenciam às ordens religiosas).

Os franciscanos, os beneditinos, os carmelitas e os jesuítas pertenciam a ordens religiosas que vieram da Europa para as Américas portuguesa (Brasil) e espanhola com a tarefa de evangelizar e educar indígenas e colonos dentro da doutrina católica.

Ao longo do tempo, essas ordens espalharam-se pelo território, e escolas religiosas foram fundadas nas principais vilas e cidades. As ordens também acumularam grande patrimônio econômico, formado por engenhos, fazendas de gado, imóveis urbanos etc.

Muitos indígenas foram dizimados no litoral e, por isso, os movimentos missionários avançaram para o interior da colônia a fim de catequizar novos nativos. Em relação aos negros escravizados que trabalhavam nos engenhos, praticamente nenhuma autoridade católica lutou contra sua escravização.

A Igreja Católica participa de todo o projeto de expansão ultramarina português por intermédio da Ordem de Cristo e está presente no Brasil desde o descobrimento. Os primeiros religiosos da Companhia de Jesus chegam com Tomé de Souza, na instalação do Governo Geral. Os jesuítas cuidam do registro de nascimentos, casamentos e mortes; estudam as culturas locais e se opõem à escravidão indígena.

A primeira atitude dos portugueses ao chegarem à América foi tomar posse da nova terra. Fizeram isso erguendo uma enorme cruz de madeira. Símbolo do cristianismo, a cruz era também o símbolo da posse e da conquista. O próprio rei dizia que pretendia fazer com que os povos dessas terras se convertessem a fé católica.
O trabalho dos padres foi muito importante para a dominação dos índios e para a ocupação da terra pelos portugueses. Os padres ensinavam aos índios que a religião católica é a única verdadeira, que eles deviam seguir os seus ensinamentos, que eles deveriam seguir os costumes europeus. Assim os padres defendiam a superioridade dos europeus e a submissão dos índios. Isso só facilitava o trabalho de conquista dos colonizadores.
A atividade dos padres e dos irmãos religiosos marcou sua presença de modo especial em dois campos: na educação, pois os padres e irmãos religiosos foram os únicos professores da época; e, nas missões religiosas, procuravam converter os índios à fé católica.

Os primeiros jesuítas

Os primeiros jesuítas chegaram à América portuguesa em 1549, com o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa. A Companhia de Jesus, ordem religiosa à qual pertenciam, fora fundada em 1534 na Europa pelo padre espanhol Inácio de Loyola. Seu objetivo era fortalecer a Igreja e combater a Reforma Protestante. Além disso, procurava difundir o catolicismo nas terras conquistadas pelos europeus, sobretudo portugueses e espanhóis. Na América os jesuítas penetraram pelo interior do território a fim de catequizar os índios.
Os seis jesuítas que chegaram com Tomé de Sousa eram liderados pelo padre Manoel da Nóbrega. Com o segundo governador-geral, Duarte da Costa vieram mais jesuítas, entre eles José de Anchieta. Ao lado de Manoel da Nóbrega, Anchieta fundou o colégio de São Paulo de Piratininga. Ao redor desse colégio desenvolveu-se a povoação que deu origem à atual cidade de São Paulo.
Além dos jesuítas, outras ordens de missionários religiosos vieram para a América com o mesmo objetivo, as principais foram as dos carmelitas, beneditinos e franciscanos. Mas foram os padres jesuítas que tiveram papel fundamental na catequização dos índios.

A presença da Igreja Católica

Em vários momentos, ocorreram conflitos entre sacerdotes católicos, colonos e autoridades da Coroa. Existiam conflitos sobre a forma de administrar o trabalho dos indígenas e de controlar suas terras. No entanto, de modo geral, a Igreja Católica e o Estado português atuavam em sintonia.
Havia uma divisão das tarefas entre o Estado e a Igreja. Cabia ao Estado administrar a colônia e decidir, por exemplo, as formas de ocupação, povoamento, produção econômica etc. Os sacerdotes da Igreja tinham a tarefa de ensinar a obediência a Deus e ao rei. As atividades religiosas faziam parte do cotidiano da população. Nas igrejas ocorriam cerimônias que marcavam a vida das pessoas desde o nascimento até a morte, como batismo, casamento e missas rezadas pelos falecidos.
Além disso, a Igreja Católica organizava os momentos festivos da comunidade, como quermesses, procissões e celebrações de Páscoa, Corpus Christi, Natal etc. Durante as missas, o sermão do padre servia também para divulgar informações sobre a vida na comunidade. Por tudo isso, a paróquia tornou-se quase uma unidade administrativa do governo local, sendo responsável pela emissão de uma série de registros públicos, como certidões de nascimento, casamento e óbito.

Inquisição colonial

A Inquisição católica funcionou de formas diferentes na América espanhola e na América portuguesa. Os espanhóis criaram tribunais da Inquisição na América, sendo o primeiro deles estabelecido em Lima, no Peru, em 1570. Posteriormente, outros dois tribunais foram instalados: no México (1571) e em Nova Granada (1610).
Já os portugueses não criaram tribunais da Inquisição no Brasil. Eles enviaram representantes da Inquisição portuguesa
para a América. A atuação desses representantes era chamada de visitação. As últimas visitações ocorreram em Pernambuco e na Bahia (1591 e 1618), no sul da colônia (1605 e 1627) e no Grão-Pará (1769).
Em diversas regiões do Brasil, a Inquisição portuguesa montou uma rede de denunciantes, que, com a ajuda de sacerdotes, enviava os suspeitos para responderem a processos no Tribunal do Santo Ofício de Lisboa. As penas variavam conforme a gravidade da acusação. Os acusados podiam ser punidos com doutrinação (missas, peregrinações), perda dos bens, degredo ou morte.
Os principais alvos das Inquisições espanhola e portuguesa foram os judeus, cristãos-novos, protestantes e indígenas que insistiam em manter suas crenças originais. Além disso, foram perseguidos homossexuais e pessoas acusadas de heresia, isto é, de praticar atos que ofendiam a doutrina católica.

O Primeiro bispado

Em 1552, por insistência do jesuíta Manoel da Nóbrega, dom João III autoriza a criação do primeiro bispado em Salvador. Dom Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo, chega em junho daquele ano. Institui o sistema de padroado, pelo qual o rei age como perpétuo administrador da Ordem e Cavalaria do Mestrado de Nosso Senhor Jesus Cristo. Carmelitas fundam seu primeiro convento em Pernambuco, em 1584; franciscanos chegam em 1587. A partir de 1594 capuchinhos franceses instalam-se no Maranhão e monges beneditinos, no Rio, Bahia e Pernambuco. A ação missionária é regulamentada em 1696 pelo Regimento das Missões.

As missões religiosas

Para converter os povos indígenas à religião católica, os padres organizaram por todo o território colonial os aldeamentos, denominados missões, aldeias ou reduções. Como vimos, as missões foram importantes para a expansão da colonização portuguesa na América.
Os primeiros aldeamentos foram organizados na zona litorânea. Os índios eram conduzidos do interior para o litoral pelos padres com a ajuda de soldados. Quando resistiam, eram submetidos à força.
Em contato com as doenças trazidas pelos portugueses e devido ao regime de trabalho imposto pelos colonizadores, muitos índios morreram.
Diante desse problema, os padres resolveram mudar sua maneira de agir. Afastaram os aldeamentos dos núcleos de colonização e procuraram atrair os índios com métodos menos violentos. Assim organizados, os aldeamentos atingiram os objetivos que os padres haviam estabelecidos.
A catequização provocou profundas transformações nos grupos indígenas contatados pelos religiosos. Os índios eram obrigados a abandonar seus costumes e crenças para seguir os missionários. A nudez, por exemplo, considerada “selvagem” para os europeus, foi proibida. Além disso, tiveram de submeter-se a novas formas de trabalho impostas pelos jesuítas.

A presença dos padres nos engenhos

Nos engenhos, a capela geralmente ficava ao lado da casa-grande. O padre capelão era uma presença constante. Nos domingos e dias santos, os moradores da casa-grande reuniam-se na capela para acompanhar a missa e ouvir o sermão do padre. Nessas ocasiões, o padre procurava aconselhar os fiéis, instruindo-os na fé católica. A obediência e a submissão à autoridade faziam parte da catequese e da pregação religiosa.
A autoridade era o senhor de engenho. Como autoridade, abençoado pelo padre, em nome da igreja e de Deus, o senhor de engenho devia ser obedecido e respeitado. A desobediência era considerada pecado.
Na capela eram realizados os batizados, os casamentos e os funerais. Quando morriam, os familiares do senhor de engenho eram enterrados na própria capela. Por outro lado, as festas e cerimônias religiosas eram oportunidades de encontro social entre os senhores de engenho da mesma região e suas famílias.
Invariavelmente, os escravos recebiam os ensinamentos católicos. Eram batizados e obrigados a seguir os rituais católicos. Entretanto, na maioria das vezes, não podiam assistir à missa na capela da casa grande.

O ensino formal na colônia

Durante a maior parte do período colonial, os jesuítas foram os principais responsáveis pela educação formal na colônia. Por meio do ensino procuravam atingir grande parte da população: os índios, os trabalhadores livres e os senhores de engenho. Durante o período colonial e o império, e até 1888, quando foi abolida a escravidão, os escravos eram excluídos do sistema oficial de educação.
Os jesuítas logo perceberam que para ensinar a fé católica aos nativos era importante que eles aprendessem a cultura europeia. Por isso, construíram escolas de alfabetização nos aldeamentos. Ao mesmo tempo que ensinavam a ler, escrever e contar, pregavam o catolicismo.
Nos colégios organizados pelos jesuítas era ensinado o latim, língua em que se rezava a missa e se faziam as orações. Os primeiros colégios começaram a funcionar em 1550, na Bahia e em São Vicente.
Em meados do século XVIII, existiam dezoito colégios localizados nas principais vilas e cidades coloniais.

A expulsão dos jesuítas

Entre 1750 e 1777, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, na prática ministro do rei de Portugal D. José I. Durante esse período, pombal fez mudanças administrativas significativas no governo português e procurou aumentar o controle sobre a colônia americana. Uma de suas medidas foi expulsar os jesuítas dos territórios portugueses.
Segundo Pombal, os jesuítas tinham se tornado muito poderosos e sua presença interferia na política da colônia. Acusou-os ainda de enriquecerem à custa das riquezas coloniais e de provocarem revoltas contra o rei de Portugal.
Assim, em 1759 o ministro expulsou os jesuítas de Portugal e de suas colônias. Ordenou que as missões fossem transformadas em vilas, dirigidas por leigos. Cerca de quinhentos jesuítas foram obrigados a deixar a colônia americana. Com a expulsão, todo o sistema de ensino que os jesuítas haviam organizado passou para o controle da administração colonial.

Religiosidades coloniais

Sabemos que a Igreja Católica tinha uma presença marcante em vários aspectos da vida social no Brasil Colônia. No entanto, parte da população também praticava religiões diferentes do catolicismo oficial. Com isso, surgiram religiosidades populares que misturavam crenças católicas com crenças de origem indígena e africana.

Religiões africanas

A religião é um aspecto fundamental das culturas africanas que não foi apagado pela violência da escravidão. Após viagens longas e cruéis, escravizados de diferentes povos conviveram entre si e recriaram seus modos de vida. Aqui, mesclaram suas crenças e criaram religiões afro-brasileiras como o tambor de mina maranhense, o xangô pernambucano, o candomblé baiano e o batuque gaúcho.
O candomblé, por exemplo, possui um conjunto de divindades chamadas orixás. Entre os orixás, destacam-se Ogum (ligado à metalurgia e à agricultura), Oxum (ligada à água doce e à beleza) e Iemanjá (ligada à maternidade e à água). Para essa religião, os orixás têm comportamentos semelhantes aos dos seres humanos, podendo oscilar entre a bondade e a raiva.

Religiões afro-brasileiras no passado e no futuro

No Brasil Colônia, as religiões afro-brasileiras foram perseguidas pelo Estado e pela Igreja Católica, que consideravam suas cerimônias manifestações de pecado, idolatria e feitiçaria. Apesar de reprimidas, essas religiões conseguiram preservar suas tradições.
Atualmente, as religiões afro-brasileiras reúnem milhares de seguidores de diferentes grupos sociais. Além disso, seus ritos e divindades inspiraram escritores, como Jorge Amado; pintores, como Djanira; e escultores, como Mestre Didi.

Religiões indígenas

Na época colonial, os indígenas que conseguiram evitar o contato com os portugueses mantiveram suas religiões. Já os que conviveram com os colonos criaram novas expressões religiosas. As mais comuns foram as santidades.
Santidade foi o nome dado pelos jesuítas a uma cerimônia tradicional dos Tupi que combinava aspectos da crença indígena – por exemplo, no paraíso terrestre – com elementos do catolicismo – como a celebração de santos e de Maria, rezas utilizando o terço católico, nomes da hierarquia católica (“papa”, “bispo”, “missionário”) etc.
Na celebração dos cultos da santidade, um caraíba (sacerdote Tupi) conduzia o transe dos indígenas e os instruía a fazer a guerra contra seus inimigos ou a migrar para outras terras. O movimento de rebeldia mais conhecido ligado à santidade Tupi ocorreu em Jaguaripe, na Bahia, na década de 1580. Para os colonos portugueses, “santidade Tupi” virou sinônimo de “ajuntamento de indígenas rebeldes”.

CRISTIANISMO POPULAR:

· As Beatas: Mulheres pobres que se organizavam fora dos quadros institucionais, optando pela virgindade.
· Os Eremitas: Exemplo de religiosidade popular que ocorria em torno de santuários (ermidas) que os próprios ermitões construíam e que eram muito concorridos em festividades religiosas.
· Quilombos: Com a prática do catolicismo no interior dos quilombos, eles acabaram por contribuir para a difusão do cristianismo.

Arte e literatura na colônia

A produção intelectual e artística dos colonos, assim como os outros aspectos da vida colonial, era controlada pelo governo português. Os governantes da metrópole não tinham interesse no desenvolvimento de uma arte e uma literatura próprias na América; aliás, procuravam impedir que se desenvolvessem.
Nesse propósito, o governo português era favorecido pelo fato de haver pouca comunicação entre os diversos núcleos coloniais, devido à grande distância entre eles.
Essas circunstâncias, no entanto, não impediram que houvesse uma produção bastante significativa e diversificada nas áreas de literatura, teatro, música, arquitetura e escultura.

A literatura

Durante o século XVI, grande parte do que foi escrito na colônia tinha a finalidade de ensinar a religião católica ou descrever os aspectos do território americano.
Os jesuítas faziam as duas coisas: por meio de textos catequéticos, ensinavam a religião; por meio das cartas que enviavam à Europa, contavam como era a vida na América.
Havia também viajantes europeus que vinham para a América e, com o que observavam aqui, acabavam escrevendo obras sobre a colônia; muitos padres também escreveram sobre suas experiências no continente. Os viajantes e religiosos portugueses e de outras nacionalidades escreviam principalmente sobre aquilo que achavam diferente na América: os costumes dos povos nativos, os animais desconhecidos (como o papagaio) e a densa vegetação topical.
Um nome de destaque no século XVI foi o do padre jesuíta José de Anchieta. Ele veio para a colônia com o objetivo de catequizar os índios e transmitir-lhes a religião católica. Com esse propósito, escreveu poemas religiosos e peças teatrais sobre a vida dos santos.
Nos textos, para cativar seu público, incluía elementos da cultura indígena. José de Anchieta foi também o primeiro a elaborar uma gramática das línguas nativas, com o intuito de facilitar a comunicação entre os religiosos e os povos indígenas.
Dentre os viajantes, merece destaque a história do aventureiro Hans Staden. Nascido na atual Alemanha, ele viajou duas vezes para a América: em 1547, como artilheiro, a bordo de um navio português com destino a Pernambuco; e em 1548 numa esquadra espanhola que ia explorar a região do rio da Prata.
Na segunda oportunidade, o navio em que viajava acabou naufragando e Hans Staden foi parar no litoral de Bertioga (São Paulo). Acolhido pelos colonos, foi empregado para trabalhar numa das fortalezas da região. Mas, em combate com os tupinambás, foi aprisionado. Os tupinambás costumavam praticar rituais antropofágicos, ou seja, devoravam seus inimigos.
Hans Staden, porém escapou desse destino, fazendo-se passar por francês, aliado dos tupinambás contra os portugueses. Mas decisivo mesmo foi o fato de chorar sempre que era ameaçado de ser devorado. Com isso, os índios o consideravam indigno de ser devorado.
Em 1555, de volta à Europa, decidiu escrever um livro sobre suas aventuras. Em pouco tempo, a publicação tornou-se um grande sucesso – era o povo europeu interessado em conhecer o Novo Mundo.
No século XVII, além dos textos de religiosos e viajantes que continuaram a ser escritos, destacou-se o poeta Gregório de Matos, conhecido como Boca do Inferno, pois em seus poemas criticava severamente a sociedade do seu tempo: senhores de engenho e escravo, padres e leigos, governantes e governados, índios, africanos, europeus e mestiços. Gregório de Matos foi ainda autor de poemas com temas de amor e religião.
No século XVII viveu ainda o jesuíta padre Antônio Vieira. Vieira escreveu e proferiu sermões famosos, tanto na América quanto na Europa.
No século XVIII, a cultura do mundo colonial sofreria grandes modificações com o desenvolvimento de várias cidades e a ocupação de vastas áreas do interior do continente. A população colonial aumentaria, assim como a estrutura existente. Era a época da descoberta do ouro e do aumento da pecuária e do cultivo de outros produtos agrícolas.
Em meados do século XVIII começam a proliferar no Rio de Janeiro e na Bahia os grêmios literários e artísticos. Integrados por médicos, funcionários públicos, militares, magistrados e clérigos, impulsionam pesquisas e obras com temas nacionais.

Arquitetura e escultura

As primeiras construções feitas pelos portugueses na América, em geral, utilizavam técnicas indígenas. Eram construídas com uma estrutura de madeira roliça e cobertas de palha ou sapé. O formato delas obedecia a padrões portugueses e não indígenas. Em geram eram quadradas ou retangulares e, ao contrário das habitações nativas tinham janelas.
No início de século XVI, poucas construções eram feitas de pedra e cal. Apenas com o desenvolvimento dos núcleos coloniais, essa técnica começou a ser mais utilizada. Muitas das fortalezas do litoral, por exemplo, eram construídas dessa forma. Outra técnica usada pelos colonos era a taipa de pilão, uma espécie de barro (saibro) misturado com cascalho. Entretanto, pouco resistente à água, a taipa de pilão tinha seu uso restrito a poucas regiões, como São Paulo. Ainda hoje é possível encontrar construções dos tempos coloniais que utilizavam essas técnicas.
Uma das principais características da arquitetura colonial foi a construção de igrejas. Até meados do século XVII, a maioria das igrejas, que pertenciam à Companhia de Jesus, eram pequenas e bem simples, feita de pedra e cal, em forma retangular. Poucas eram as igrejas mais amplas e mais ornamentadas. Dentre estas destacava-se a catedral de Salvador, na Bahia, cujo interior foi todo revestido de mármore trazido de Portugal.
À medida que as riquezas coloniais aumentavam, algumas construções religiosas ganharam novos formatos: passaram a ter fachadas mais imponentes e, muitas delas, como na Bahia e em Pernambuco, tiveram seu interior decorado com ouro.
Desses primeiros séculos de colonização, destaca-se também a construção das casas-grandes de engenhos. Feitas de alvenaria, abrigavam um grande número de pessoas. A elas estavam acopladas muitas vezes igreja e escola.
Durante os séculos XVI e XVII, a escultura esteve ligada à arquitetura religiosa. Os artistas, muitos dos quais eram padres, faziam imagens, a maioria em barro cozido, para colocar nas igrejas.
Na escultura, dois nomes se destacaram, os dos freis Agostinho da Piedade e Agostinho de Jesus. O primeiro chegou ainda jovem a Salvador, em 1620, vindo de Portugal. Em estilo renascentista e sempre utilizando barro cozido, produziu esculturas para igrejas de Salvador e Olinda.
Frei Agostinho de Jesus nasceu no Rio de Janeiro. Como religioso, passou por diversas regiões da colônia. Esteve em Salvador por volta de 1640, onde provavelmente aprendeu a arte da escultura com frei Agostinho da Piedade.

Cotidiano e sociedade no Brasil colonial

 Aspectos da sociedade

A sociedade que se constituiu na colônia portuguesa era extremamente hierarquizada. Num extremo estavam os senhores de terra e de escravos; no outro, os próprios escravos. Um pequeno grupo de trabalhadores livres e funcionários públicos constituíam uma camada intermediária, mas praticamente sem poder político.
Entretanto, entre as diversas regiões coloniais existiam muitas diferenças. No Nordeste, onde predominou a produção de açúcar, organizou-se a chamada sociedade açucareira, com a família patriarcal; na região das minas, que se desenvolveu a partir do século XVII, organizou-se uma sociedade mais urbana do que rural; no sul da colônia, por sua vez, a criação de gado e a prática da agricultura de subsistência possibilitaram uma sociedade mais flexível.
A população brasileira nos séculos XVI e XVII estava quase toda concentrada no litoral. Era rarefeita e marcadamente rural. Na Europa, até o fim do século XVIII a mobilidade social era restrita, pois predominava uma sociedade estamental: clero, nobreza e povo.
“No Brasil colonial, a despeito de existir apenas uma nobreza de fato, representada pelos senhores de engenho ou os ‘homens bons’ das câmaras municipais nas diferentes capitanias, foram frequentes as disputas entre os membros das três ordens em torno de harmonia ou poder, consequentes à estratificação. A pressão de comerciantes para participar das câmaras municipais constitui um exemplo, bem como a intervenção governamental para forçar certas irmandades a aceitar a ‘entrada de oficiais mecânicos’, isto é, ‘artífices’.
Poderíamos dizer que no Nordeste açucareiro havia o predomínio dos senhores de engenho e fazendeiros; no Maranhão, dos extrativistas; e, a partir do século XVIII, dos mineradores nas Geais e dos pecuaristas no Sul, sem esquecer da pobreza da região vicentina (São Vicente).
Esta é a visão simplificada, pois a sociedade colonial foi bem mais complexa. Grandes comerciantes do litoral, trabalhadores livres na região açucareira, vaqueiros no sertão, pequenos proprietários rurais na Capitania de São Vicente, tropeiros no Sul, artesãos nas Gerais, autoridades diversas, clérigos, mascate, negos libertos, brancos miseráveis, enfim, o país apresentava sobretudo uma sociedade com características diversas.
No Brasil a mobilidade social era maior do que em Portugal, pois na Europa a estratificação social vinha de tempos mais antigos. Para muitos a colônia era uma terra de oportunidades, atraindo aventureiros não só de solo português como de outras regiões europeias, variando no tempo e no espaço.
A possibilidade de ascensão social era pequena no Nordeste açucareiro, maior nas áreas pecuaristas, no litoral, e principalmente nas regiões mineradoras, já no século XVIII.
Até meados do século XVIII, para garantir a estratificação social predominou uma instituição portuguesa chamada morgadio, aplicada principalmente no Nordeste açucareiro. O morgadio tinha as seguintes características:
· Apenas o filho mais velho herdava as propriedades do pai – era o direito de primogenitura, cujo objetivo era impedir a divisibilidade dos bens;
· Os demais filhos iam estudar em Portugal, entravam para o clero ou acabavam conseguindo um emprego público;
· As mulheres recebiam dotes; em geral, grandes propriedades. Quando um potentado tinha várias filhas, era comum que algumas fossem enviadas a conventos. Lembre-se que nos grupos dominantes eram raros os casamentos por amor. O casamento era uma maneira de aumentar o patrimônio e selar uniões entre famílias; por isso, principalmente no Nordeste, as grandes famílias eram aparentadas.
Era comum também disputas e terríveis rixas entre famílias. Em São Vicente, ficou famosa a luta entre os Camargo e os Pires; no Nordeste, em pleno século XXI, ainda encontramos resquícios de tais práticas.
Os marginalizados constituíam a maior parte da sociedade: negros, índios, libertos, mestiços, brancos pobres, judeus e ciganos. Os dois últimos, ou tornavam-se cristãos, ou eram punidos pela Inquisição

A organização familiar variou bastante, senão vejamos:
- No Nordeste era típica a família patriarcal, congregando muitas pessoas numa extensa rede de parentesco;
- Em todo o Brasil existiram famílias nucleares (pai, mãe e filhos), mas pesquisas mostram a existência de mulheres que criavam seus filhos sozinhas.
Desde o início da colonização, houve uma miscigenação enorme. Apesar das críticas dos jesuítas, era comum homens brancos viveram amancebados com índias e negras. Ter filhos fora do casamento foi normal em todas as camadas sociais, o problema é que havia um enorme preconceito em relação aos chamados “filhos ilegítimos”, que eram privados dos direitos sucessórios e pejorativamente chamados de bastardos. A prática do concubinato era comum nas camadas mais pobres da população.
Sendo o poder econômico e político concentrado nas mãos de uma minoria, a justiça refletia esse tipo de sociedade. Os poderosos violavam as leis e impunham uma espécie de justiça privada em seus domínios, onde a ação do poder público quase sempre era ausente. Já aos pobres aplicava-se uma legislação penal severa. Nos processos criminais, o uso da tortura e as condenações à pena de morte eram comuns.
Apesar dos rigores da lei, a criminalidade era grande. Assassinatos por encomenda, assaltos, sequestros, emboscadas e crimes passionais faziam parte do cotidiano. Eram raras as festas populares que não terminassem em entreveros, com tiros, facadas e, é claro, algumas mortes.

Relações familiares nos engenhos de açúcar

A família dos senhores de engenho na colônia tinha uma organização patriarcal. O patriarca, geralmente era o homem mais velho da família e exercia um poder total sobre todos os outros habitantes da propriedade, desde seus parentes mais próximos até os escravos.
Nessa organização familiar, as mulheres praticamente não tinham poder. O único papel reservado a elas era o de esposa e mãe. Casavam-se muito cedo por volta de 17 anos de idade, em geral com pessoas escolhidas pelo pai. Tanto as casadas como as solteiras viviam no interior da casa-grande, saindo poucas vezes. Em geral não eram alfabetizadas: ninguém achava importante que as mulheres soubessem ler e escrever.
É importante destacar que a família patriarcal era o modelo considerado ideal pela elite colonial. Entretanto, existiam outras organizações familiares entre a população formada por escravos e pessoas livres. Por exemplo, muitas mulheres pobres eram chefes de família e responsável por seu sustento.

Casamento: um acerto entre famílias

Ao contrário do que acontece hoje, os casamentos não eram feitos por escolha individual; não eram os noivos que decidiam o casamento, depois de um período de namoro. A escolha era feita pelos pais e não levava em conta a afetividade, a atração de um pelo outro. Eram outros interesses que prevaleciam, principalmente os de parentesco, a fim de que as fortunas, por meio das heranças, ficassem entre poucas famílias. Por isso eram comuns os casamentos entre primos e entre tios e sobrinhas.
Depois do casamento o casal passava a morar na casa do pai da moça ou do pai do moço. O filho mais velho tinha autoridade sobre os mais novos, que o tratavam com respeito e podiam ser por eles castigados. Era uma espécie de preparação para substituir o pai, quando este morresse.

A vida nos engenhos

A sociedade formada em torno da produção do açúcar era essencialmente agrária, rural e vivia da exploração da terra.
Nessa sociedade havia dois grupos principais: o grupo da casa-grande, habitação do senhor de engenho, e o grupo da senzala, moradia dos escravos. Em meio a esses dois grupos viviam trabalhadores livres.

A casa-grande

A casa-grande era uma construção com grandes salas, numerosos quartos, acomodações confortáveis. Térrea ou assobradada, geralmente era construída num lugar central e um pouco elevado da propriedade, de onde se poderia ter uma visão das demais construções.
Ao lado da casa-grande, como extensão e apêndice dela, havia a capela, onde eram realizadas as cerimônias religiosas. Na capela reuniam-se os habitantes do engenho, nos domingos e dias santos, e também nos batizados, casamentos e funerais. Os membros da família do senhor de engenho eram sepultados na própria capela.

A senzala

Na maioria das senzalas havia pouca privacidade; geralmente os escravos viviam juntos. Em algumas senzalas havia lugares reservados para os casais. Mesmo em algumas fazendas, eram destinadas pequenas casas aos escravos casados, como uma forma de incentivo para terem filhos.
Ao contrário da casa-grande, cujos alimentos eram variados e de melhor qualidade, a alimentação dos escravos era insuficiente e pouco variada: farinha, feijão e, às vezes, algum pedaço de carne. As partes do porco que o senhor não comia, como o pé, rabo, orelha etc., eram misturadas ao feijão; foi desse costume que se originou a feijoada.

O poder do senhor de engenho

Se o escravo era as mãos e os pés do senhor de engenho, este, por sua vez, era uma espécie de juiz supremo não só da vida dos escravos, mais de todas as demais pessoas que viviam nos seus domínios: tanto do padre que rezava a missa aos domingos quanto da própria mulher, filhos e parentes.
A casa-grande residência do senhor de engenho do Nordeste, era, de fato, muito grande. Nos seus muitos cômodos podiam viver setenta, oitenta ou mais pessoas. Reinava sobre todos a autoridade absoluta do senhor de engenho, que decidia até sobre a morte de qualquer pessoa, sem ter que prestar contas à justiça ou à polícia. Fazia ele a sua própria justiça (...). Além da mulher e dos filhos do senhor de engenho, na casa-grande viviam os filhos que se casavam, outros parentes, escravos de confiança que cuidavam dos serviços domésticos, filhos do senhor de engenho com escravas e, ainda, agregados, que eram homens livres, que nada possuíam e prestavam algum serviço em troca da proteção e do sustento.
A grande dominação do senhor de engenho sobre tudo se explica pelo isolamento em que viviam e pela quase total ausência de autoridade de polícia e de justiça. As cidades eram poucas, muito pequenas e sua influência não se estendia aos engenhos. As poucas autoridades que viviam nessas cidades ficavam distantes dos engenhos, uns também muito distantes dos outros. Assim a dominação do senhor de engenho acabava se impondo (...)

Habitação

No século XVI a casa-grande mais parecia um forte. Construída com adobe ou tijolos, paredes brancas, telhados próprios para o desaguamento das grandes chuvas, muros lisos, janelas, varandas e uma decoração muito pobre, a casa-grande servia de moradia e de abrigo contra ataques de nativos.
A maioria das casas, porém, era extremamente pobre. As paredes eram feitas com adobe ou troncos de madeiras, e a cobertura compunha-se de palmas. Ficavam protegidas por paliçadas à moda indígena.
“nas terras férteis do litoral, ao pé do edifício maciço, a capela e as senzalas desdobraram os telhados chatos, enquadrando o terreiro. A pequena povoação negra cresceu sob a proteção daquela varanda: trocavam-se as influências, que transformaram a sociedade colonial, o seu espírito e as suas raças. Aí, era tudo mestiço...”

No século XVII, a preocupação hierárquica fez com que fossem criados solares de alas, portas nobres, escadarias e um pátio interno.
Foi no século XVIII que as habitações se tornaram mais sofisticadas. Aumentou a influência européia, especialmente a francesa. As casas-grandes tinham então janelas maiores, escadarias, salões, portas lavradas e exageros nas linhas dos telhados. Porém, quase todas as casas continuaram rústicas, os móveis escassos e a decoração praticamente nula.

Higiene

Os índios eram bastante asseados e tomavam vários banhos por dia. Os colonos imitavam os nativos.
“Era costume antigo em São Paulo saírem seus moradores no tempo do verão, nas horas em que o calor do sol mais se acende, a banhar-se nos rios Tietê, Tamanduateí, que com suas águas regam aquela cidade.”

Vestuário e alimentação

Os homens em geral usavam camisas e ceroulas. A maioria andava descalça. Já as mulheres vestiam uma saia, uma camisa e quando saíam cobriam o rosto com um véu. As roupas de luxo, por serem importadas, custavam exageradamente caro. Muitos se endividavam para externar um luxo que iam além das posses. As mulheres e os homens saíam para as festas com os chamados “trajes de igreja”, onde a seda, o veludo e as joias davam ares de requinte a uma aristocracia muitas vezes decadente e falida.
Escravos e pobres andavam maltrapilhos e seminus, escandalizando os viajantes estrangeiros que por aqui passavam.
Quanto à alimentação, os portugueses tiveram de se habituar à realidade da colônia, substituindo, por exemplo, o trigo pela mandioca.
Almoçava-se às oito da manha e jantava-se à uma da tarde; à noite rezava-se o terço, que durava mais de uma hora, ceiava-se, tomava-se um banho e ia-se dormir. Poucos tinham camas, pois a maioria preferia o costume indígena de dormir em redes.
“a superalimentação, os fortes pratos, os abusos africanos dos condimentos, a escassez ou ausência de legumes, a gula habitual, exacerbada pela arte das cozinheiras negras... colaboravam com a vida sedentária e preguiçosa do fazendeiro, por aquele ar de enfado, de precoce esgotamento, de gordura flácida, que se lhe tornou peculiar.”

No sertão, graças à influência indígena, comia-se menos, porém alimentos mais nutritivos. A vida ativa e a alimentação sóbria davam ao sertanejo saúde e longevidade.
Quanto aos escravos, em geral recebiam três refeições por dia. Feijão, farinha, carne-seca e água compunham o cardápio. Raramente consumiam verduras e frutas.

A medicina na Colônia

Durante todo o período colonial houve falta crônica de médicos (chamados na época de físicos) e de medicamentos. A cura das doenças ficava a cargo de benzedores e práticos.
A qualidade dos poucos médicos e cirurgiões deixava a desejar, pois poucos bons profissionais eram os que se aventuravam em terras inóspitas. Os medicamentos importados da Europa custavam caro e eram ineficientes.
Com os índios e africanos, os portugueses aprenderam a explorar a flora e a fauna em busca de ervas, raízes e substâncias que viessem a curar as diversas enfermidades que atingiam os colonizadores.
Podemos dizer que foram enormes as colaborações do Brasil, principalmente por meio de sua flora, à medicina portuguesa europeia.
“O Brasil, com sua natureza exótica e pouco conhecida, era um tesouro encoberto que poderia gerar muitas riquezas ao reino. Cabia então, à metrópole, conhecê-lo melhor. Data das últimas três décadas do século XVIII o grande incentivo do governo português ao campo das investigações científicas. O fomento dos estudos botânicos e os pedidos feitos pelo marquês de Pombal de exemplares da nossa flora marcaram o início da onda de valorização das ciências naturais no Brasil... Com as demais áreas a botânica e a medicina viram-se incentivadas. Foram inúmeras as solicitações de envio de ervas medicinais até então ignoradas ou pouco difundidas no reino.”
RIBEIRO, Márcia Moisés. Ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 63

O uso de benzimentos e de magias lícitas e ilícitas grassavam em larga escala, tendo enorme credibilidade da população. Veja os exemplos:
Para cicatrizar feridas:
“Abrazado Santo Amaro no fogo da caridade e da obediência mereceu andar a pé enxuto sobre as águas. Rogai por nós, aventurados Santo Amaro, para que sejamos dignos da promessa de Cristo.”
Para saber o sexo da criança antes do nascimento:
“Lancem um pouco de leite da mulher prenhe sobre um espelho de aço ao raio do sol, e se depois de uma hora virem que se une como uma pérola, indica ter concebido varão; se o leite ficar espalhados, concebeu fêmea.”

Escravidão no Brasil colonial

Ao longo de mais de trezentos anos, os escravos foram os responsáveis pela produção de boa parte das riquezas no Brasil.

Milhões de africanos foram tirados de suas terras para uma viagem na qual aproximadamente a metade morria de fome, doenças e maus-tratos, ou, já em terras americanas, de banzo, uma espécie de tristeza e melancolia provocada pelo afastamento da terra natal.
O transporte dos escravos da África até o Brasil era feito em navios negreiros, chamados de tumbeiros. Amontoados nos porões, mais de um terço deles morria devido às péssimas condições de higiene e alimentação, além dos maus-tratos. Os que chegavam eram vendidos como mercadoria e submetidos a um duro regime de trabalho, a separação dos familiares, à destruição dos seus costumes, etc.
Porões de navios negreiros
A escravidão em massa dos africanos significou o despovoamento de regiões inteiras da África; além disso, destruiu essa população, pois os negros trazidos da África morriam em grande quantidade na viagem ou, rapidamente, no trabalho escravo. Mas a história da escravidão no Brasil não é feita apenas de submissão. É também uma história de lutas pela liberdade.

Da África para a América

Por que os colonizadores utilizaram o trabalho escravo na colônia americana? Por que eles preferiram os escravos africanos aos indígenas?
Para essas perguntas existem muitas respostas possíveis. Em primeiro lugar, os moldes implantados pelos portugueses (grandes propriedades voltadas para a exportação), o cultivo da cana-de-açúcar era uma atividade que exigia um grande número de trabalhadores. Durante muito tempo, alguns historiadores defenderam a ideia de os índios não se adaptaram ao trabalho na lavoura de cana-de-açúcar.
Na verdade, o trabalho rotineiro e sedentário na agricultura era muito diferente daquele a que os índios estavam acostumados. Adaptar-se a ele era uma grande mudança cultural, à qual muitos índios de fato resistiram; assim como os africanos, também pouco habituados a ele.
Ao governo português interessava mais que os índios continuassem a se dedicar à coleta das riquezas naturais da terra, como o pau-brasil. Desde que os portugueses desembarcaram no Brasil, contaram com os nativos para localizar e coletar os produtos nativos americanos que tinham valor na Europa. Esses produtos foram mantidos como monopólio de governo português, trazendo grandes lucros ao longo de vários séculos.
Por causa disso, o governo português proibiu inúmeras vezes a escravidão dos povos indígenas pelos colonos. Certamente essa atitude colaborou com a pressão exercida pelos religiosos católicos, sobretudo os jesuítas, que viam nos povos indígenas uma possibilidade para ampliar o número de fiéis.
Os povos nativos da América eram vistos pela Igreja católica como pessoas “puras”, por não terem nenhuma outra crença religiosa contrária à fé cristã. Assim, eles deveriam ser catequizados e não escravizados. Ao contrário dos africanos, que muitas vezes eram associados aos muçulmanos: deveriam ser trazidos à América para purgarem seus pecados.
Apesar da proibição do governo, sempre houve lacunas na lei que permitiram aos colonos aprisionarem os nativos. Por exemplo, a lei permitia tornar escravo um índio hostil aos colonizadores. Assim, a escravidão indígena nunca deixou de existir na colônia, principalmente nos períodos em que o abastecimento de escravos africanos era precário.
Outra ideia corrente entre os historiadores foi a de que os africanos, apesar de custarem mais, tinham uma produtividade maior, o que compensava o alto custo investido neles.
Na verdade, o que era extremamente lucrativo na escolha da escravidão africana era o comércio de homens e mulheres africanos realizado pelos europeus. O tráfico de escravos foi, durante séculos, uma das atividades mais lucrativas do comércio internacional, com os entrepostos na África sendo duramente disputados pelas principais potências européias. Muitas guerras ocorreram pela disputa do controlo dos entrepostos.

O tráfico negreiro

Os comerciantes portugueses que já se dedicavam à venda de escravos foram os primeiros interessados em vendê-los para os senhores de engenho do Nordeste.
Durante todo o processo de expansão marítima do século XV, os navegantes e comerciantes portugueses, enquanto procuravam avançar mais para chegar às Índias, encontraram uma boa fonte de lucro: o tráfico de escravos. Em 1441, submeteram o primeiro grupo de africanos, nas costa do continente.
Para conseguir escravos, os portugueses utilizavam diversos métodos. Eles organizavam verdadeiras caçadas: entravam nas aldeias, perseguiam e prendiam seus habitantes. Às vezes, os próprios chefes das tribos vendiam membros de seu grupo em troca de tecidos, armas, jóias, tabaco, algodão, aguardente e outras mercadorias; outras vezes, vendiam prisioneiros de guerra. Nesse caso, os próprios traficantes se encarregavam de provocar guerras entre as tribos para depois comprar os prisioneiros.
Esses comerciantes obtinham lucros altíssimos. Na África, compravam escravos por preços baixos; vendiam-nos depois na América por preços altos. Muitas vezes, o açúcar, o tabaco, a aguardente e outros produtos comprados na colônia portuguesa eram usados como moda de troca pelos traficantes; com isso, ganhavam mais ainda.
Mercado de escravos
Quando chegavam à América portuguesa, os escravos eram colocados à venda em mercados. Ficavam à mostra, em exposição, e eram examinados minuciosamente pelos interessados. O escravo era tratado como se fosse uma mercadoria.

Origem dos escravos

A maioria dos africanos trazidos à colônia portuguesa como escravos pertencia a dois grandes grupos étnicos: os bantos, originários de Angola, Moçambique e Congo, e que se tornaram mais numerosos no centro-sul e no Nordeste; e os sudaneses, provenientes da Guiné, da Nigéria e da Costa do Ouro, e que foram levados principalmente para a região da Bahia.
Os bantos, por serem mais numerosos, acabaram influenciando muitos aspectos da vida colonial. Politeístas, cultuavam os espíritos bons e os espíritos maus, representados em estatuetas de madeira ou marfim. Entre os sudaneses, que se caracterizavam por sua elevada estatura, destacaram-se os maometanos, oriundos da Guiné. Destes, sobressaíram os “haussás” que se concentraram na Bahia.

O cotidiano do trabalho escravo

Os escravos começavam o trabalho ao raiar e só paravam ao escurecer. Quase não tinham descanso; em muitos engenhos, aos domingos, cultivavam pequenos roçados para seu próprio sustento. Seu principal alimento era a mandioca.
Nos engenhos de açúcar, as condições de trabalho eram extremamente duras, tanto nos canaviais quanto nas moendas e nas caldeiras. Essas condições extremamente difíceis e ainda a alimentação insuficiente e de péssima qualidade faziam com que o tempo de vida produtiva de um escravo não passava de dez anos. Depois de dez anos de trabalho pesado, o escravo estava enfraquecido, doente e, na maioria dos casos, morria.
Os escravos viviam e trabalhavam vigiados por capatazes e feitores. Quando fugiam, eram perseguidos pelos capitães-do-mato, que recebiam certa quantia por escravo capturado e devolvido ao senhor.
O castigo físico fazia parte do cotidiano da escravidão. Havia vários tipos de castigo. Os principais eram:
- tronco – os escravos eram presos pelas pernas em pequenas aberturas existentes entre duas vigas de madeira; ficavam horas e, às vezes dias imobilizados, o que provocava inchaço das pernas, formigamentos e fortes dores;
- bacalhau – espécie de chicote de couro cru, que rasgava a pele; muitas vezes os feitores passavam sal nos ferimentos, tornando a dor ainda maior;
- vira-mundo – instrumento de ferro que prendia mãos e pés;
- gargalheira – colar de ferro com várias hastes em forma de gancho.

Conflitos culturais

Chegando à propriedade, os eram forçados a abandonar grande parte de seus costumes e a adotar os hábitos impostos pelo seu dono. Entretanto, eles conseguiram manter muitas de suas tradições: danças, palavras de sua língua, religião, etc.
Em geral, o que acontecia era:
- em lugar dos alimentos com os quais estavam acostumados na África, os escravos se alimentavam com a corrida que o senhor lhes dava;
- em lugar de suas vestes tradicionais, os africanos eram obrigados a vestir grossos panos de algodão;
- em lugar de sua língua nativa, eram obrigados a aprender o linguajar local;
- em lugar dos antigos hábitos de trabalho, o escravo era controlado pelo feitor, que o castigava por qual quer falta;
- em lugar do padrão de moradia africana, a vida coletiva da senzala: uma habitação sem divisões, abafadas, quase sem janelas;
- em lugar de suas religiões africanas, a religião católica, com missas, batizados, casamentos e outros rituais impostos pelo padre-capelão do engenho.
Essa imposição de valores provocou também uma grande mistura entre os hábitos europeus e africanos. Ao longo dos séculos, foi sobre essa mescla que se construiu grande parte dos valores de nossa sociedade.
A exploração, a perda da liberdade e de parte da cultura levaram muitos africanos a resistir à escravidão: fugindo, lutando ou mesmo se matando.
Nos dias de festas dedicadas aos santos católicos, os africanos relembravam suas tradições nativas por meio da música e da dança. Dessa maneira, conseguiam manter parte de sua cultura. As cerimônias de enterros eram também momentos em que os escravos expressavam suas tradições.
O negro africano contribuiu para o desenvolvimento populacional e econômico do Brasil e tornou-se, pela mestiçagem, parte inseparável de seu povo. Os africanos espalharam-se por todo o território brasileiro, em engenhos de açúcar, fazendas de criação, arraiais de mineração, sítios extrativos, plantações de algodão, fazendas de café e áreas urbanas. Sua presença projetou-se em toda a formação humana e cultural do Brasil com técnicas de trabalho, música e danças, práticas religiosas, alimentação e vestimentas.
As marcas africanas em nossa cultura são inúmeras, desde instrumentos musicais, como atabaque, agogô, berimbau e cuíca, ritmos como samba, o batuque e o maracatu, até heranças culinárias, como acarajé, feijoada e caruru. Outra das fortes marcas dos africanos no Brasil são os ritos religiosos: o candomblé, umbanda, macumba.

Tipos de escravidão:

Os escravos que sobreviviam e chegavam ao Brasil, nessa época, eram destinados, a maioria, para o trabalho nas propriedades rurais ou para o trabalho nas minas, como ocorreu intensamente no século XVIII.
O escravo rural podia tanto trabalhar diretamente na plantação de açúcar, o chamado escravo do eito, como ser utilizado na residência do senhor, esse era o escravo doméstico. Havia escravos domésticos também nas vilas e cidades.
O escravo do eito era submetido a longas e repetidas tarefas. Chegavam a trabalhar mais de 15 horas por dia. E em épocas de safra, o descanso quase não existia. O não cumprimento das tarefas podia implicar em duros castigos. Calcula-se que a vida média de um escravo nessas condições penosas chegava, em média, a dez anos.
“Vida rude, monótona e regrada na qual o trabalho jamais parece deter-se e o lazer depende unicamente da boa vontade dos chefes e senhores ou das intempéries que inutilizam o canavial.”
Essa rotina é detalhada pelo artista Rugendas, que esteve no Brasil nos inícios do século XIX. Leia:

"Enviam-se os escravos para o trabalho logo ao nascer do sol. A frescura da manhã parece ser-lhes muito mais desagradável do que o grande calor do dia, e eles ficam entorpecidos até que o sol, erguendo-se, os queime com seus raios. Às oito horas concede-se-lhes meia hora para almoçar e descansar. Em algumas fazendas fazem os escravos almoçar antes de partirem para o trabalho, isto é, imediatamente depois do nascer do sol. Ao meio-dia eles têm duas horas para o jantar e o repouso e, em seguida, trabalham até as dezoito horas.
Entretanto, na maioria das fazendas, em vez de fazê-los trabalhar nos campos de cinco a sete horas, empregam-nos a juntar forragem para os cavalos ou procurar palmitos nas florestas vizinhas ou ainda lenhar; muitas vezes, eles voltam fortemente carregados e muito tarde. Também acontece, ao voltarem dos campos, fazê-las moer farinha de mandioca durante duas horas. Mas esse trabalho, na maioria das fazendas, só se faz duas vezes por semana, pois quase nunca se prepara mais do que o necessário ao consumo dos próprios escravos. Costumam estes, quando voltam de seu trabalho, apresentar-se ao senhor e desejar-lhe boa noite.”
Outra observação que ele faz é quanto à pratica de alguns senhores em conceder um pedaço de terra para alguns desses escravos. Estima-se que uma das mais fortes razões para isso seria diminuir a tensão causada pela própria escravidão. Veja o que ele diz:
“No domingo, ou dias de festas, tão numerosos que absorvem mais de cem dias no ano, os escravos são dispensados de trabalhar para seus senhores e podem descansar ou trabalhar para si próprios. Em cada fazenda existe um pedaço de terra que lhes é entregue, cuja extensão varia de acordo com o número de escravos, cada um dos quais cultiva como quer ou pode. Dessa maneira, não somente o escravo consegue, com o produto do seu trabalho, uma alimentação sadia e suficiente, mas ainda, muitas vezes, chega a vendê-la vantajosamente.”
Nas minas de ouro e diamantes o trabalho também era duríssimo. O trabalho curvado provocava dores e fazia com que alguns deles, ainda adolescentes, ficassem deformados para o resto da vida. Eles podiam ter a coluna curvada ou mesmo as pernas tortas. A labuta com os pés na água o dia inteiro também trazia sérios danos à saúde.
Os escravos domésticos trabalhavam no interior das residências. Eram cozinheiras, lavadeiras, copeiros, cocheiros, moleques de recado, além de amas-secas, amas-de-leite, mucamas e pajens. Eram escolhidos entre aqueles que os senhores consideravam de melhor aparência. Recebiam boas roupas, limpas e, por vezes, até luxuosas. O tratamento era diferenciado dos demais escravos. A proximidade fazia que chegassem até a ter certa intimidade com os familiares do proprietário e mesmo com este. Por vezes, criando vínculos de afeição.
Mas o trabalho doméstico também não era fácil. Ao contrário, era extremamente cansativo. Lavar a roupa, limpar e cozinhar eram tarefas que exigiam muito esforço. Não havia máquinas, modernos produtos de limpeza nem fogão a gás. Também não havia esgotos, água encanada nem energia elétrica. Cozinhar, por exemplo, exigia buscar e rachar lenha. A casa tinha de ser abastecida de água para a higiene pessoal, alimentação e para a limpeza.
Aí mesmo nas cidades, havia também os escravos de ganho, que executavam tarefas, muitas vezes, como vendedores ambulantes. Estes obtinham o ganho do seu dono, mas recebiam uma parte desse lucro para se manter. Além desses ambulantes, havia também barbeiros, pedreiros e até aqueles que praticavam a medicina popular, vendendo ervas, poções ou mesmo realizando procedimentos de cura.
Havia senhoras que enfeitavam suas escravas e as prostituíam. Há casos em que ex-escravas exploravam algumas cativas nessa atividade. Em geral, os escravos de ganho não moravam na mesma casa dos seus senhores.

Distinção entre escravos

Havia outra forma de distinção entre os escravos. Chamavam-se boçais os recém chegados da África, que ainda não dominavam o idioma. Já o ladino era o nascido na África, mas que já dominava o português e estava integrado na rotina de trabalho. Os escravos nascidos no Brasil eram chamados de crioulos.

Os escravos resistem: formas de luta contra a escravidão

Os africanos resistiram à escravidão de muitas maneiras. Uma delas foi a fuga. Muitas vezes, após a fuga, reuniam-se em comunidades chamadas quilombos.
Os escravos viviam nas senzalas, habitações de um único compartimento, na maior promiscuidade; eram responsáveis por todos os trabalhos nos canaviais, nas oficinas e na casa-grande. Qualquer reação contra o sistema de escravidão era reprimida violentamente. Os negros, entretanto, não permaneceram de braços cruzados diante dessa realidade opressiva.
Enquanto existiu escravidão, ocorreu também reação. O símbolo da resistência foi a formação dos quilombos, aldeamentos de negros fugitivos. Eles surgiram por toda parte onde imperou a escravidão: Alagoas, Sergipe, Bahia, Mato grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Nos quilombos, os africanos falavam sua própria língua, seguiam as leis de suas terras de origem, faziam suas festas, praticavam sua religião, etc.
Os habitantes dos quilombos eram chamados quilombolas. Eles cultivavam os alimentos de que precisavam. Tinham também pequenas oficinas onde faziam roupas, móveis e instrumentos de trabalho. A vida nos quilombos não era fácil, pois as comunidades estavam sempre sujeitas aos ataques das expedições enviadas pelos senhores e pelo governo. Por isso, a maior parte dos quilombos teve vida curta; alguns, entretanto, conseguiram resistir por décadas. Quando os quilombos eram destruídos, os quilombolas que não morriam lutando eram levados de volta aos donos e severamente castigados.
Dentre os quilombos mais conhecidos, destacam-se os da serra da Barrida, região situada entre os atuais estados de Alagoas e Pernambuco. Eram cerca dez quilombos, unidos sob o nome de Palmares, que resistiram durante quase todo o século XVII aos ataques do governo e dos senhores de escravos. Seus mocambos – pequenos casebres cobertos com folhas de palmeiras – chegaram a se estender por 27 mil km². Assim, Palmares constituía-se em constante chamamento, um estímulo, uma bandeira para os negros escravos das vizinhanças que o viam como um constante apelo à rebelião, à fuga para o mato, à luta pela liberdade.
A destruição de Palmares ocorreu em 1695, e coube à expedição chefiada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho.
Zumbi, grande chefe de Palmares, conseguiu fugir com algumas dezenas de homens, mas no dia 20 de novembro de 1695, foi aprisionado e decapitado. Sua cabeça foi colocada num poste em praça pública, para servir de exemplo aos que o consideravam imortal.
A data da morte de Zumbi ficou registrada nos anais da História como o “Dia da Consciência Negra”, para que se possa sempre lembrar que os negros até hoje lutam contra a marginalização e a discriminação de que são vítimas.



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