Pular para o conteúdo principal

A África contemporânea

 África: pobre ou empobrecida?

A África é o mais pobre todos os continentes. Embora seu subsolo guarde muitas riquezas em recursos naturais, como ouro, diamantes e petróleo, amplos setores de sua população passam fome. Como explicar essa situação? Por que esse continente, berço da humanidade e de onde partiu o Homo sapiens sapiens para ocupar o restante do mundo, vive uma situação tão precária?
A África é um continente mais de três vezes maior que o Brasil, com uma população de quase 900 milhões de pessoas, que falam um terço de todas as línguas existentes no planeta. Um continente, portanto, que abriga uma grande diversidade de culturas, de histórias, de religiões, de tradições, bem como de recursos econômicos, de vegetação e de relevo. No norte, encontram-se países de influência árabe e de maioria muçulmana, como é o caso do Egito, da Líbia e da Argélia.
Ao sul desses países, a África é cortada de leste a oeste pelo deserto do Saara. Ao sul do Saara, encontra-se a África subsaariana, da qual falaremos mais especificamente neste capítulo.

A África depois da descolonização

Após o fim da Segunda Guerra Mundial as antigas colônias africanas foram uma a uma conquistando sua independência.
Todo o continente viveu, até a década de 1980, esse processo de libertação. Os novos governos, não importa qual fosse a sua orientação política, tiveram de enfrentar uma situação muito parecida: possuíam pouca ou nenhuma indústria, viviam da exportação de alguns produtos primários, praticamente não contavam com técnicos – como engenheiros, médicos, administradores competentes – e seus líderes quase não tinham experiência de governo. Essa era a herança que a dominação europeia havia deixado.
Mais todos almejavam o que lhes fora negado durante o domínio colonial: educação para as crianças, atendimento médico, hospitais, água potável em abundância, bons preços para os produtos agrícolas e uma vida digna e minimamente confortável. O problema era: de onde sairiam os recursos para a esperada modernização?
Para promover as mudanças necessárias à superação das precárias condições sociais e econômicas, os novos países africanos precisavam de dinheiro e tecnologia. Já que não havia recursos, o dinheiro (assim como a tecnologia) teria de vir de fora – através de empréstimos ou por meio das exportações de suas riquezas minerais e agrícolas. Isso quer dizer que, ou precisariam se endividar, ou precisariam produzir muito do que os países compradores tinham necessidade.

A dependência econômica

A prioridade era produzir aquilo para o qual havia mercado internacional – especializando a produção agrícola e deixando de lado a cultura de alimentos. Esse movimento continua ainda hoje. Vejamos alguns exemplos. Em 2002, 73% do valor das exportações do Mali provinham do algodão; 55% das exportações do Malauí eram devidas ao tabaco; na Mauritânia, a pesca representava 50% das vendas externas.
Os minérios foram a solução para outro grupo de países. Para a Argélia, Guiné Equatorial, Líbia e Nigéria, o petróleo significa 90% das receitas de exportação. Em Moçambique, 54% do valor das vendas internacionais provêm do alumínio. No Níger, 50% vêm do urânio.
Em contrapartida, os países africanos importam máquinas e bens industrializados, que ainda não conseguem produzir internamente. Esses bens são caros e em geral têm valor maior do que os produtos primários. São, contudo, indispensáveis para o crescimento econômico.

A crise dos anos 1980

No início da década de 1980, a economia dos países industrializados viveu significativas transformações, que resultaram no aumento dos juros dos empréstimos internacionais e na queda dos preços dos produtos primários. No Brasil, esse fenômeno se refletiu na “crise da dívida externa” (em 1987, o governo brasileiro suspendeu o pagamento dos juros da dívida). Para os países africanos não foi diferente, quanto mais pagavam, mais deviam. E não sobravam recursos para investir na sonhada modernização. Muitas vezes, faltavam condições até para importar remédios!
A produção de alimentos já não era suficiente para alimentar a todos. Para fugir da fome nos campos, a população buscava as cidades, mas não tinham empregos para oferecer. Ao mesmo tempo, os programas assistenciais dos governos eram insuficientes.
Sem recursos e endividados, os governos africanos ainda viam o pouco que tinham ser levado pelo pagamento da dívida externa.
Além disso, essa crise essa crise era acompanhada na África por grave instabilidade política e pela corrupção de numerosos governantes. Insatisfeita, a opinião pública de diversos países passou a exigir mudanças. Sem coseguir apresentar resultados positivos em suas administrações, contestados pela oposição e pela opinião pública, recorrendo cada vez mais à repressão política, os governos começaram a perder a confiança da população.
O caso extremo desse tipo de coverno corrupto e autoritário foi o de Idi Amim, ditador de Ruanda entre 1971 e 1979. Mas também em outros países surgiram governos igualmente autoritários e corruptos, como o de Joseph Mobuto, na atual República Democrática do Congo, entre os anos 1960 e 1990. Particularmente autoritário é também o governo de Robert Mugabe, que chegou ao poder no Zimbábue como primeiro-ministro em 1980, elegeu-se presidente em 1987 e, mediante sucessivas reeleições, mantinha-se governando em junho de 2008, quando venceu novas eleições.

Avanços democráticos

Entretanto, se as pressões populares e os conflitos aumentam, por outro lado também começam a surgir mudanças positivas, como governos mais representativos e democráticos. Hoje, diversos países africanos já podem ser classificados sem reservas como democráticos ou semidemocráticos. Cabo Verde, África do Sul, São Tomé e Príncipe, Botsuana, Gana, Mali, Angola, Moçambique e Namíbia estão entre eles. Em outros, a pressão para que se amplie a efetiva participação da sociedade na condução da política e da economia nacional tem crescido de forma considerável.

Alguns desafios

A permanência prolongada da pobreza, da fome e das dificuldades econômicas traz ainda outras complicações. Epidemias, guerras entre etnias diferentes, violência, desertificação, e má utilização dos recursos naturais são algumas delas.
Um dos maiores problemas da África atualmente é o flagelo da Aids: de cada três infectados pelo HIV no planeta, dois vivem no continente africano. Em 2006, havia cerca de 25 milhões de africanos com Aids. Somente naquele ano, 930 mil pessoas morreram na África vitimadas pela doença. Os órfãos deixados chegam a 11 milhões. Países como Zimbábue convivem com índices de contaminação de mais de 30% da população.
Nem o país mais rico, a África do Sul, que marcou a história da medicina ao realizar em 1967 o primeiro transplante de coração no mundo, foi poupado da epidemia. Em pouco mais de uma década, são 2,9 milhões de casos, deixando um rastro de 360 mil mortos. Um entre cada dez portadores do vírus no mundo é sul-africano. A Aids atinge principalmente a população pobre, e traz graves prejuízos para a economia do continente. A falta de recursos dificulta as campanhas de prevenção e o tratamento dos doentes.
A desertificação, que é hoje uma ameaça a todo o mundo, assume na África proporções ainda mais dramáticas.
Quer por causas naturais, quer pelo uso abusivo do solo, várias regiões do mundo vêm se tornando impróprias para o cultivo. O Mali, país localizado no oeste da África e que já foi o maior exportador de algodão do continente, é um exemplo extremo dos efeitos da desertificação. Cerca de 70% de sua população, não conseguindo sobreviver no país, encontra-se hoje em outras regiões africana ou na Europa.
Assim como a população do Mali, 65% dos habitantes da África vivem em áreas afetadas pela degradação do solo. Para um continente no qual a maioria das pessoas sobrevive da agricultura, a desertificação significa aumento da miséria e crescimento das favelas, nas grandes cidades. Em Nairóbi, capital do Quênia, por exemplo, a favela de Kibera registrava, em 2005, 1 milhão de habitantes, o equivalente a quase um terço da população total da cidade.

O drama dos refugiados

As guerras, as perseguições políticas, os desastres naturais e a fome produziram outro tipo de drama: o dos refugiados, ou seja, daqueles que se veem forçados a deixar para trás as terras de seus ancestrais e com as quais mantêm laços afetivos e até religiosos. São milhões de crianças, mulheres e homens de todas as idades impedidos de viver nos seus países, que esperam uma chance de sobrevivência em outras regiões.
Os países que mais produziram refugiados foram, até 2008, a África do Sul, Gana, Quênia, Chade, Angola, Ruanda, Burundi, Moçambique, Etiópia, Somália e Sudão.
São mais de 5 milhões de refugiados africanos reconhecidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Esse número se elevaria para mais de 10 milhões se incluíssemos aqueles que, sem serem oficialmente reconhecidos, vivem em campos de refugiados.
Nos campos de refugiados a vida é extremamente precária, pois faltam água, comida, condições sanitárias mínimas, médicos e, em muitos casos, até mesmo o auxílio internacional e a solidariedade.

Tolerância religiosa

A esperança que se faz e refaz no dia a dia tem na religiosidade dos povos africanos um grande aliado. Essa religiosidade se manifesta através de várias crenças: ao lado das ancestrais religiões africanas, o cristianismo, o islamismo, o hinduísmo, o budismo e o judaísmo também são praticados. Longe de ser intolerante, a sociedade africana cultiva o contato e a convivência com as diferentes crenças.

Contando histórias

Uma das figuras mais interessantes da vida cotidiana na África é a dos contadores, ou contadoras de histórias. Figuras tradicionais nas sociedades africanas, são responsáveis pela transmissão de ensinamentos e de conhecimentos de geração em geração. Desde os tempos pré-coloniais, contam as origens das aldeias, dos clãs e das famílias, os acontecimentos que interviram na história dessas famílias e aldeias, a forma pela qual devem ser praticados os rituais religiosos e as regas a serem observadas na vida.
Em países africanos de fala francesa, como Gana, Mali e Senegal, o contador de história é chamado de griot (griô). Tanto nessa região quanto no restante da África, a função do contador de histórias é altamente valorizada pela sociedade. Atualmente, aliás, está havendo um renascer da função de griot, sobretudo por meio da gravação de CDs e da divulgação de sua arte pelos meios de comunicação.
A arte de contar histórias literalmente elaboradas já resultou em quatro prêmios Nobel de Literatura conquistado por africanos: Naguib Mahfouz (Egito), Wole Soyinka (Nigéria), Nadine Gordimer e J. M. Coetzee (ambos da África do Sul). Vários e importantes autores do continente escrevem em português. Entre eles, os angolanos Agostinho Neto, Luandino Vieira e José Eduardo Agualusa e o Moçambique Mia Couto. Nas páginas de seus livros podemos conhecer um pouco mais da realidade africana e, ao mesmo tempo, perceber a grande proximidade entre a África e o Brasil.

O papel da mulher

Se as tradições religiosas e culturais vêm possibilitando aos povos africanos resistir aos inúmeros problemas que os afetam, as mulheres são, sem dúvida, os principais agentes dessa resistência.
Apesar de serem vítimas de ações resultantes de uma sociedade que as consideravam inferiores – violência sexual, falta de acesso à educação e aos postos formais de trabalho –, as mulheres da África são hoje responsáveis pela manutenção da maioria das famílias pobres. É com seu trabalho que se desenvolve a agricultura de subsistência, e são elas que permanecem criando os filhos quando os homens partem em busca de trabalho ou são requisitados pelas guerras.
Programas como o Cinturão Verde, por exemplo – criado pela queniana Wangari Maathai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 2004, que paga por muda de árvore plantada por mulheres –, baseia-se na atuação e na solidariedade das mulheres para gerara renda e reflorestar parte da África.
É sobre elas também que se apoia a tarefa de conter a epidemia de Aids na maior parte dos programas de prevenção que estão sendo desenvolvidos.
Rompendo séculos de opressão e domínios dos homens, as mulheres também começaram a se tornar líderes políticas em seus países, como Ellen Johnson-Sirleaf, presidente da Libéria, que venceu as eleições de novembro de 2005. Na campanha eleitoral ela afirmava: “Todos os homens falharam na Libéria, deixemos que seja uma mulher a tentar”.
Ou ainda a combativa Wangari Maathai, vice-ministra do Meio Ambiente do Quênia, que hoje comanda a luta continental pelo crescimento econômico sustentável e pelo fim da opressão feminina.
Se não são poucos os problemas que atingem o continente, também não são poucos os sinais de que é possível pensar-se em construir uma nova África. Pois, como disse Wangari Maathai, a “África não é um continente pobre; e sim, um continente empobrecido”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Zabala - Os ‘materiais curriculares’

  Os ‘materiais curriculares’ e outros recursos didáticos O PAPEL DOS MATERIAIS CURRICULARES Os materiais curriculares, corno variável metodologicamente são menosprezados, apesar de este menosprezo não ser coerente, dada a importância real que têm estes materiais. Uma olhada, mesmo superficial, permite que nos demos conta de que os materiais curriculares chegam a configurar, e muitas vezes a ditar, a atividade dos professores. A existência ou não de determinados meios, o tipo e as características formais, ou o grau de flexibilidade das propostas que veiculam são determinantes nas decisões que se tomam na aula sobre o resto das variáveis metodológicas. A organização grupai será cie um tipo ou de outro conforme a existência ou não de suficientes instrumentos de laboratório ou de informática; as relações interativas em classe serão mais ou menos cooperativas conforme as caraterísticas dos recursos; a organização dos conteúdos dependerá da existência de materiais com estruturações disc

A Revolução Francesa

O Antigo Regime – ordem social que garantia os privilégios do clero e da nobreza – foi sendo abalado e destruído lentamente por uma série de fatores, como as revoluções burguesas na Inglaterra, o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Independência dos Estados Unidos da América. Mas o fator que aboliu de vez o Antigo Regime foi a Revolução Francesa (1789-1799), uma profunda transformação sócio-política ocorrida no final do século XVIII que continua repercutindo ainda hoje em todo o Ocidente. O principal lema da Revolução Francesa era “liberdade, igualdade e fraternidade”. Por sua enorme influência, a Revolução Francesa tem sido usada como marco do fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea. Embora não tenha sido a primeira revolução burguesa ocorrida na Europa, foi, com certeza, a mais importante. 1. Situação social, política e econômica da França pré-revolucionária a) Sociedade A França pré-revolucionária era um país essencialmente agrícola. O clero e a nobreza possuíam en

SIMBOLISMO EM PORTUGAL E NO BRASIL

  O Simbolismo, assim como o Realismo-Naturalismo e o Parnasianismo, é um movimento literário do final do século XIX. No Simbolismo , ao contrário do Realismo , não há uma preocupação com a representação fiel da realidade, a arte preocupa-se com a sugestão. O Simbolismo é justamente isso, sugestão e intuição. É também a reação ao Realismo/Naturalismo/Parnasianismo, é o resgate da subjetividade, dos valores espirituais e afetivos. Percebe-se no Simbolismo uma aproximação com os ideais românticos, entretanto, com uma profundidade maior, os simbolistas preocupavam-se em retratar em seus textos o inconsciente, o irracional, com sensações e atitudes que a lógica não conseguia explicar. Veja as comparações: Parnasianismo 1. Preocupação formal que se revela na busca da palavra exata, caindo muitas vezes no preciosismo; o parnasiano, confiante no poder da linguagem, procura descrever objetivamente a realidade. 2. Comparação da poesia com as artes plásticas, sobretudo com a escultura. 3. Ativid