sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

EUA - Da crise à vitória na Guerra Fria

O presidente republicano Richard Nixon (1969-1974) realizou a retirada das tropas americanas do “atoleiro vietnamita”, que já tinha custado a vida de 55 mil soldados, além dos trezentos mil feridos. Na política interna, o governo foi atingido por um escândalo de espionagem eleitoral, conhecido como Caso Watergate, que levou o presidente Nixon a renunciar, em 1974. A presidência foi assumida pelo republicano Gerald Ford (1974-1975), que completou o mandato de Nixon e retirou as últimas tropas do Vietnã.
A derrota no Vietnã e o escândalo Watergate mergulharam o país numa grave crise política e social. Essa crise foi agravada pelas dificuldades econômicas e pelo desemprego, causados principalmente pelos duzentos bilhões de dólares gastos na Guerra do Vietnã. A crise vivida pelo país levou a eleição do democrata Jimmy Carter (1976-1980), com um programa de governo baseado no respeito aos direitos humanos. Contudo, nessa época, os Estados Unidos se debilitaram ainda mais no plano internacional com a invasão soviética no Afeganistão, em 1979, o triunfo da Revolução Islâmica no Irã e a vitória da Revolução Sandinista na Nicarágua. Dentro do país agravou-se a crise econômica, com o aumento da inflação e do desemprego. Tanto interna como externamente parecia que os Estados Unidos haviam entrado em decadência. Alguns analista da política internacional passaram a usar a expressão “declínio americano”, prevendo uma continua perda de influência no plano internacional. Estavam errados.

A vitória na Guerra Fria

Foi no auge da crise norte-americana que Ronald Reagan (1981-1988), candidato do Partido Republicano, foi eleito presidente do país. Seu programa defendia a restauração da liderança política mundial e da supremacia militar dos Estados Unidos. Com esse objetivo, o governo Reagan desencadeou uma corrida armamentista contra os soviéticos, conhecida como Segunda Guerra Fria. Essa política belicista (a favor da guerra) foi denominada Iniciativa de Defesa Estratégica (IDE), mais conhecida como guerra nas estrelas.
A União Soviética não conseguia mais acompanhar o rival norte-americano, cujos gastos militares eram enormes. Isso contribuiu de forma decisiva para a vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria. Essa política armamentista, porém, acabou por endividar o governo norte-americano, que passou de credor a devedor do mundo. Esse foi o preço a ser pago para reconquistar a posição, sem rival, de primeira superpotência do mundo.


A Argentina peronista

Em 1941, o militar Juan Domingo Perón fundou o Grupo de Oficiais Unidos (GOU), de tendências fascistas. GOU organizou, em 1943, um golpe de Estado que depôs o então presidente Ramón Castillo. Afastando do governo argentino os conservadores e sua política de proteção aos ricos proprietários de terra, que mantinha a economia sob forte dominação estrangeira.
Chefiando o ministério do Trabalho, o coronel Juan Domingo Perón tornou-se o homem forte do novo regime e estabeleceu uma sólida base de apoio nas classes operárias, através da legislação trabalhista e previdenciária.
Em 1945, porém, Perón foi derrubado e preso pelos militares. O seu carisma e popularidade foram fundamentais nesse momento. O povo participou de campanhas pela sua libertação e Perón acabou sendo solto, graças à mobilização popular, encorajada por seus seguidores do Exército, da Igreja e da política.
Fortalecida numericamente em razão da industrialização do período da Guerra, a classe operária adquiria notável importância eleitoral, uma vez que a migração interna substituíra a vinda de imigrantes estrangeiros. Assim, nas eleições presidenciais de 1946, a vitória peronista marcou o início de uma nova era – a do Justicialismo, doutrina populista inspirada no nazi-fascismo e apresentada como uma terceira posição entre o comunismo e o capitalismo.
Nesse período, a Argentina acumulava divisas com suas exportações. Esse superávit permitiu que Perón adotasse uma política de fortalecimento das indústrias nacionais. Assim, com o financiamento do Estado, o parque industrial argentino cresceu e garantiu mais postos de trabalho. Perón aproximou-se dos sindicatos e introduziu políticas sociais paternalistas que beneficiavam os trabalhadores. Ao mesmo tempo em que atendia às reivindicações trabalhistas, fortalecia os sindicatos que apoiavam o governo.
Aproveitando a prosperidade econômica, o apoio operário foi mantido por uma política social paternalista, administrada com eficiência por Eva Perón, esposa do presidente, que assumiu o duplo papel de “fada madrinha” dos humildes (os “descamisados”) e porta-voz das reivindicações dos trabalhadores. Para tanto, o governo aumentou o controle do Estado sobre a economia e nacionalizou os serviços públicos – ferrovias, telefones, gás e transportes urbanos. Ao mesmo tempo, liquidou a oposição, impondo o unipartidarismo e estatizando os meios de comunicação e os sindicatos.
A Confederação Geral do Trabalho (CGT), uma das grandes organizações trabalhistas, aliou-se ao governo. Já os grupos que contestavam o governo – partidos de oposição, imprensa, setores conservadores e os socialistas – sofriam perseguições.
No início da década de 1950, a economia desacelerou e o custo de vida se elevou. A inflação galopante não permitia mais continuar a política distributiva sem afetar os lucros das classes dominantes. A morte de Evita em 1952 aprofundou a crise, robustecida por denúncias de corrupção no governo e pelo rompimento com a Igreja, acusada de interferir nos assuntos de Estado.
Com isso, a oposição ao regime ficou mais forte entre as Forças Armadas, a Igreja e os setores conservadores. Em 1955, o governo Perón foi derrubado pelos militares e ele partiu para o exílio.
Em 1973 os peronistas, agrupados na Frente Justicialista de Liberdade, lançaram a candidatura de Perón à presidência. Ele retornou ao país e à presidência da República, mas faleceu no ano seguinte. Sua segunda mulher Isabelita Perón, vice de Perón, assumiu a presidência.


Doutrina de Segurança Nacional

A Doutrina de Segurança Nacional foi elaborada pelos EUA com a função de consolidar suas posições no continente e principalmente de protege-lo contra avanços da URSS. Ela foi a base da formação das elites militares latino-americanas após a Segunda Guerra Mundial, realizada nos EUA no National War College e no Colégio Interamericano de Defesa.

Os princípios básicos da doutrina são:

Desenvolvimento – promover o desenvolvimento industrial e da renda nacional dos países subdesenvolvidos, baseado na integração ao capitalismo internacional;

Segurança – surge a noção de “fronteiras ideológicas”, ou seja, os países latino-americanos devem se preocupar com as influências ideológicas e não com a invasão de um inimigo estrangeiro. Assim, seu inimigo está dentro de seu próprio país, veiculando ideias contrárias aos interesses do capitalismo, da democracia e, sobretudo, dos EUA e, por isso, é preciso combatê-lo com todas as armas. O inimigo é, então interno (os “chamados subversivos”), e as atividades militares devem estar voltadas para seu combate (atividades “anti-subversivas”).
Essas ideias desenvolvimentista e da segurança nacional influenciaram dezenas de golpes e governos militares durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, formando um verdadeiro “cinturão” militar e autoritário, influenciado e sustentado pelos EUA.




OEA e Tiar

A Organização dos estados Americanos (OEA) foi instituída em 1948, na Conferência de Bogotá, e no início dos anos 60 englobava todos os estados americanos, com exceção de Cuba, expulsa da organização em 1962 devido a sua adesão ao regime comunista.
Com a OEA, cuja sede é em Washington, os países americanos assumiram o compromisso de garantir a paz e a segurança do continente, promover o desenvolvimento econômico, cultural e social, como também procurar soluções pacíficas para resolver os problemas que surgissem entre eles.
Do ponto de vista militar o tratado Interamericano de Ajuda Reciproca (Tiar), assinado no Rio de Janeiro em 1952, é uma reafirmação da OEA, na medida em que constitui uma aliança militar de ajuda mútua entre seus membros e de defesa continental contra agressões de países de outros continentes. O Tiar subordinou as forças Armadas dos Estados americanos à geopolítica de Washington.
O encerramento da Guerra Fria removeu os fundamentos estratégicos que sustentavam a política hemisférica dos Estados Unidos. A OEA já estava reduzida praticamente a um quadro de consultas diplomáticas. O Tiar foi desmoralizado durante a Guerra das Malvinas, em 1982, quando Washington apoiou abertamente a Grã-Bretanha, sua aliada na Otan, contra a Argentina, sua aliada no Tratado hemisférico.


O imperialismo norte-americano

Enquanto a América Latina mergulhava na dependência econômica, os Estados Unidos emergiam como potência, cuja economia, em desenvolvimento acelerado, exigia constantemente a abertura de novos mercados. Após promover a ocupação de seus territórios do Oeste, os norte-americanos voltaram-se para a América Latina, apossando-se de a metade do México em 1848. No final do século XIX, os Estados Unidos começaram a aplicar seus excedentes de capital na América Central, garantindo-os com intervenções militares. Nesse processo, destacam-se a anexação da Zona do Canal de Panamá, em 1903, e a Guerra Hispano-Americana de 1898, que colocou Cuba, Porto Rico e Filipinas sob o domínio de Washington. Essa prática foi justificada pela política do big stick (grande porrete) do presidente Theodore Roosevelt (1901-1909), que proclamava os Estados Unidos como “o guardião do continente”.
Ao contrário do modelo imperialista britânico, baseado na troca desigual de produtos industrializados por matérias-primas, os Estados Unidos definiam-se como uma potência exportadora e reimportadora de capitais, na forma de remessas de lucros obtido em outros países. No fim da Primeira Guerra Mundial, com a Grã-Bretanha abalada, os Estados Unidos avançaram sobre a América do Sul, tradicional mercado inglês. E já na década de 1920 o capital norte-americano superava o britânico em quase todo o continente.
A instalação, em Washington, na década de 1950, do Colégio Interamericano de Defesa, destinado a coordenar as atividades das Forças Armadas continentais, e a criação, em 1961, na Zona do Canal do Panamá, da Escola do Exército Americano para as Américas põem em prática a política anticomunista. Em dez anos, a Escola das Américas, verdadeiro centro formador de quadros para as ditaduras, diploma 33.147 oficiais latino-americanos.

ALGUMAS DAS PRINCIPAIS INTERVENÇÕES DOS ESTADOS UNIDOS NA AMÉRICA LATINA 

1898 Anexação de Porto Rico
1901 imposição de protetorado sobre Cuba
1903 Apoio à separação do Panamá da Colômbia; é firmado o tratado que dá aos Estados Unidos o domínio perpétuo do Canal
1906/1909 Intervenção em Cuba
1909/1912 Ocupação da Nicarágua
1914 Ocupação do Haiti
1914 Inauguração do Canal do Panamá
1916 Ocupação da República Dominicana
1916 Compra das Ilhas Virgens da Dinamarca
1916 Assinatura do tratado que dava direitos de construção de um canal interoceânico na Nicarágua
1927/1933 Ocupação da Nicarágua
1947 Os Estados Unidos forçam o rompimento diplomático entre os países latino-americanos e a União Soviética
1947 Criação do Tratado Interamericano de Ajuda Recíproca (Tiar)
1948 Fundação da Organização dos Estados Americanos (OEA)
1954 Apoio à derrubada do governo da Guatemala
1955 Apoio à derrubada do governo Perón na Argentina ;
1961 Tentativa de invasão de Cuba por exilados e mercenários financiados pela CIA
1962 Pressões diplomáticas para expulsar Cuba da OEA
1964 Apoio ao golpe militar no Brasil
1966 Apoio ao golpe militar na Argentina
1971 Apoio ao golpe militar na Bolívia
1973 Apoio aos golpes militares no Uruguai e Chile Apoio ao golpe militar na Argentina
1976 Apoio ao golpe militar na Argentina
1981/1988 Apoio aos "contras" da Nicarágua
1982 Apoio aos britânicos na Guerra das Malvinas
1983 Invasão de Granada
1985 Apoio à derrubada da ditadura no Haiti
1989 Invasão do Panamá


O populismo latino-americano

Em certos países latino-americanos surgiram então, a partir de 1930, regimes populistas: governos fortes e centralizados sob a direção de líderes reformistas, carismáticos, autoritários, com grande apoio popular. Os principais representantes do populismo foram Getúlio Vargas (1930-1945) no Brasil, Juan Domingo Perón (1946-1955) na Argentina e Lázaro Cárdenas (1934-1940) no México.
O Estado populista adotava uma política de conciliação de classes sociais, com o objetivo de alcançar um desenvolvimento econômico autônomo. Também defendia reformas sociais limitadas, para manter o apoio popular.
Durantes os governos populistas, o Estado investiu em indústria de base, com a finalidade de fornecer matéria-prima a energia a baixo custo, para o setor privado. “Mas a industrialização promovida pelo populismo tinha um limite. O mercado consumidor desses países era reduzido, em razão dos baixos salários. Nenhum desses governos procurou ampliar o mercado interno, mediante uma reforma agrária ou uma política de redistribuição de renda.
De qualquer forma, o populismo foi responsável por reformas importantes, como as leis trabalhistas no Brasil.

A crise do populismo

O Estado populista conheceu seu auge até o final da Segunda Guerra Mundial, que novamente beneficiou o desenvolvimento da indústria de substituição de importações na América Latina. Tal desenvolvimento favoreceu uma relativa estabilidade política.
Mas ao final da guerra as exportações latino-americanas de matérias-primas caíram outra vez. Por isso, faltaram divisas para continuar importando as máquinas e equipamento que se destinavam à expansão da indústria. A crise na zona rural, por sua vez, provocou a migração em massa de camponeses para as cidades, obrigando os governadores a fazer grandes despesas com obras de infraestrutura. Isso aumentou a dívida pública, gerando um processo inflacionário crônico, que demonstrou a incapacidade dos governos populistas em promover um desenvolvimento econômico autônomo.
Temendo a radicalização política das classes populares e o “perigo” socialista, as burguesias nacionais, até então beneficiárias dos projetos populistas de industrialização, aliaram-se às velhas oligarquias rurais. E estes dois setores convocaram as Forças Armadas para “manter a ordem”, permitindo que golpes militares liquidassem com o populismo.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Paraguai: uma meia democracia


No início da década de 1950, o general Alfredo Stroessner tomou o poder no governo do Paraguai. A ditadura de Stroessner foi a mais longa da América do Sul. O general Alfredo Stroessner liderou um golpe de Estado em 1954 e manteve-se no poder durante 35 anos, até 1989. O apoio dos latifundiários e do governo estadunidense garantiu que fosse candidato único em sete eleições presidenciais consecutivas e, consequentemente, vitorioso em todas elas.

Nesse período, o general foi eleito sucessivamente em eleições fraudulentas, nas quais era candidato único. Seu governo desrespeitou constantemente os direitos humanos, executando prisões extrajudiciais, tortura e assassinato de presos políticos. Como as demais ditaduras da América do Sul, a de Stroessner teve apoio dos Estados Unidos por meio de empréstimos e do envio de agentes treinados em táticas militares e paramilitares de combate e repressão aos movimentos de esquerda.

Em seu governo, a economia paraguaia sustentava-se principalmente por meio de grandes projetos, como a construção da usina hidrelétrica de Itaipu (em parceria com o Brasil) e também negócios ligados a cassinos e contrabando.

Durante a ditadura de Stroessner, o Paraguai vivenciou um crescimento econômico: tanto o setor industrial como o setor de agropecuária se fortaleceram por meio dos investimentos estrangeiros (vindos, especialmente, dos Estados Unidos). Esse crescimento econômico, porém, beneficiou as elites e não alcançou a maioria da população paraguaia. Na verdade, a concentração de riquezas nas mãos de poucos grupos da elite aumentou, juntamente com a desigualdade social. Ao longo do período da ditadura no Paraguai, estudos indicam que somente 1% da população detinha 80% de toda a riqueza nacional. Historiadores consideram que o “crescimento econômico” atenuava, em parte, a miséria em que a maior parte da sociedade vivia.

A partir da década de 1980, o governo de Stroessner foi afetado pelo declínio da economia paraguaia e, em 1989, ele foi deposto por mais um golpe de Estado liderado por um militar, o general Andrés Rodríguez. Mesmo assim, o país iniciou um período de abertura política.

Alfredo Stroessner (à esquerda) e o general Francisco Franco, ditador espanhol, em cerimônia em Madri, Espanha, 1973.

No dia 3 de fevereiro de 1989 caiu a ditadura do general Alfredo Stroessner, no Paraguai, a segunda mais antiga do planeta, até então na época (a primeira era a de Kim II Sung, dirigente da Coréia do Norte desde 1948). Stroessner assumiu o poder através de um golpe de Estado em 1954 e, com o apoio dos latifundiários, classe dominante no país, manteve uma ditadura violenta que por muito tempo conseguiu sufocar a oposição.
Em seu governo, Stroessner destacou-se por transformar o Paraguai – uma economia tradicionalmente agrícola – no paraíso latino-americano do contrabando. Em 1984, 60% de todo o comércio externo do país era ilegal. Nesse mesmo ano, teve inicio uma crise no Partido Colorado, oficial, com a formação de duas alas disputando o poder. A ala “militante” defendia a continuidade de Stroessner no poder, enquanto os “tradicionalistas” eram favoráveis a uma pequena abertura política.
A decisão de Stroessner de passar para a reserva o segundo homem forte do país, o general Andrés Rodriguez, aliado dos “tradicionalistas”, no início de 1989, detonou a crise. Tropas da Primeira Divisão de Cavalaria, leais a Rodriguez, enfrentaram e venceram o corpo de guarda do ditador, que pediu asilo político no Brasil.
O golpe de Estado teve apoio popular, bem como de amplos setores de oposição, que já vinham enfrentando a ditadura por vários anos. Enquanto Stroessner se estabelecia confortavelmente no litoral do Paraná, Rodriguez realizava, em maio de 1989, eleições semilivres para presidência. Semilivres porque os partidos de esquerda, ainda eram clandestinos, foram impedidos de concorrer. Rodriguez foi eleito com grande maioria. Embora o seu partido tivesse ganho as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte (1991), a nova Constituição (1992) proibiu que Rodríguez fosse novamente candidato nas eleições de 1993. Apesar das mudanças, porém, o partido Colorado ainda controlava a vida política e a máquina eleitoral paraguaia, caracterizando um regime onde a democracia havia sido restaurada pela metade.


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