quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A Igreja popular (do golpe de 1964 até a redemocratização)

De início, parcela significativa da Igreja mostrou-se simpática ao movimento militar de 1964. Para a maioria do clero, era preciso conter o avanço comunista. Por isso, o então cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Agnello Rossi, estava na primeira fila da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em março de 1964.

No entanto, não demoraram a surgir vários conflitos entre a Igreja e o Estado. Desde a vitória da revolução cubana, em 1959, muitos militantes católicos passaram a ver no socialismo uma opção viável para a luta contra a miséria do povo brasileiro. Quando a polícia começou a prender os militantes da Ação Católica e os colaboradores do MEB (Movimento de Educação de Base), por suas eventuais simpatias com o socialismo, a Igreja mobilizou-se em sua defesa.

Os conflitos cresceram em intensidade a partir de 1968: numerosos padres foram presos, torturados e expulsos do Brasil; o bispo de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hypólito, foi sequestrado e maltratado; houve órgãos da Igreja censurados e até fechados. A Igreja do Brasil teve também seus mártires: o padre Antônio Henrique Pereira Neto, assessor de Dom Hélder Câmara, foi sequestrado, torturado e morto no Recife; frei Tito de Alencar Lima suicidou-se na França em consequência das torturas sofridas no Brasil; o padre João Bosco Penido Burnier foi assassinado por um soldado da polícia militar, quando acompanhava o bispo Dom Pedro Casaldáliga à cadeia de Ribeirão Bonito, Mato Grosso, para defender duas mulheres que estavam sendo torturadas. São apenas alguns exemplos, entre tantos outros, do testemunho cristão de religiosos e leigos, operários e camponeses.

Acompanhando o relato do padre josé O. Beozzo sobre a atuação da Igreja em várias regiões brasileiras:

“No Nordeste, a crítica da Igreja dirigiu-se às condições de miséria da população, agravada pela industrialização forçada e o descaso do campo, à concentração da renda e aos desequilíbrios regionais. No Centro-Oeste, a crítica voltou-se mais à ocupação das terras por multinacionais e pelos empresários do Sul, com expulsão de posseiros, exploração de peões e massacre de indígenas.

O CIMI (Conselho Indigenista Missionário, 1973) veio dar grande alento a essa luta pelo índio, pela sua cultura e sobretudo por sua terra, como pressuposto de sua sobrevivência. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) estendeu a luta do CIMI pelas terras indígenas à luta por um pedaço de chão por parte de todos os deserdados da terra: camponeses e posseiros, boias-frias, peões e favelados das cidades.

Em São Paulo, a ação da Igreja destacou-se pelo dinamismo de sua Comissão de Justiça e Paz, sua posição firme contra as torturas em favor dos direitos humanos, a mobilização da periferia e sua ação em comum com intelectuais, imprensa, universidade e sindicatos para uma mudança do a regime vigente e a conquista da participação popular dentro de um Estado de pleno direito. A partir de 1977, a questão dos trabalhadores e seus direitos, nos conflitos e greves no ABC, encontraram uma Igreja aberta e solidária com a classe operária e com sua luta”. (Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns)

A essa reflexão sobre a prática do povo oprimido, iluminada pela doutrina da Igreja e pela Sagrada Escritura, chamou-se “Teologia da Libertação”. No Brasil, essa corrente teológica foi defendida e aplicada, entre outros, por frei Leonardo Boff, cujo livro Igreja: carisma e poder, provocou forte discussão.

No segundo semestre de 1984 o próprio Vaticano entrou na discussão, tornando públicas suas discordâncias em relação à Teologia da Libertação, através de um documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da fé e chamando frei Boff a Roma para discutir o assunto.

As comunidades eclesiais de base

O movimento mais importante dessa Igreja voltada para os pobres é o das comunidades eclesiais de base (CEBs). Elas “são pequenos grupos organizados em torno da paróquia (urbana) ou da capela (rural), por iniciativa de leigos, padres ou bispos. As primeiras surgiram por volta de 1960, em Nísia Floresta, arquidiocese de Natal, segundo alguns pesquisadores, ou em Volta Redonda, segundo outros. De natureza religiosa e caráter pastoral, as CEBs podem ter dez, vinte ou cinquenta membros. Nas paróquias de periferias, as comunidades podiam estar distribuídas em pequenos grupos ou formar um único grupão a que se dá o nome de comunidade eclesial de base. É o caso da zona rural, onde cem ou duzentas pessoas se reúnem numa capela aos domingos para celebrar o culto.

São comunidades, porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertence à mesma Igreja e moravam na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras. São eclesiais, porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidade de fé. São de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas-de-casa, operários, subempregados, aposentados, jovens e empregados dos setores de serviço, na periferia urbana; na zona rural, assalariados agrícolas, posseiros, pequenos proprietários, arrendatários, peões e seus familiares.”  (Frei Beto)

As CEBs, porém, não acabaram. Elas continuam se deixando conduzir pelo espírito do Concílio, agora renovado por Francisco. É claro que há muitos bispos e padres que ainda preferem aliar-se aos interesses dos poderosos, sem dar o devido valor aos grandes problemas que afligem o povo. Ainda há na Igreja estruturas e preconceitos que devem ser superados. No entanto, deve-se reconhecer que a Igreja avançou em direção ao povo, para caminhar junto com ele e partilhar a sua sorte.

Fonte: Nelson Piletti – História do Brasil; Ática

terça-feira, 22 de agosto de 2023

A presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961)

 

Em 3 de outubro de 1955, no final do mandato de Vargas, que era cumprido por seus substitutos, realizaram-se novas eleições presidenciais. Os vencedores – com cerca de 35% dos votos – foram os candidatos da Coligação PTB-PSD, partidos de origem getulista: Juscelino Kubitschek de Oliveira (PSD) elegeu-se presidente, e João Goulart (PTB), vice-presidente.

Golpismo da UDN

Mais uma vez, a UDN – grande adversária do getulismo – era derrotada. Inconformados, os udenistas lideraram uma tentativa de impedir a posse de Juscelino e Goulart. Alegavam que os candidatos vitoriosos recebiam apoio do comunismo internacional e não tinham obtido a maioria absoluta dos votos (ou seja, 50% e mais um voto).

O então presidente da República, Café Filho, mostrou-se favorável a essa tese e uniu-se ao golpistas, bem como a parte das Forças Armadas. No entanto, militares ligados ao ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott – de perfil legalista –, desmontaram a conspiração, forçaram o afastamento de Café Filho e garantiram a posse de Juscelino, em 31 de janeiro de 1956.

A UDN, porém, não desistiu. Logo após a posse, preparou novo golpe com a ajuda de alguns oficiais da Aeronáutica. A revolta começou em Jacareacanga; dias depois, os rebeldes dominavam Santarém, no Pará, em fevereiro de 1956. Mas o movimento foi contido pelo governo, e, numa prova de habilidade política, Juscelino anistiou os envolvidos em ambos os movimentos conspiratórios.



Desenvolvimentismo da Era JK

Antes de chegar à presidência, Juscelino Kubitschek, também conhecido como JK, havia sido prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais. Com ele, iniciaram-se as políticas desenvolvimentistas no Brasil.

O governo de Juscelino foi marcado por intenso e acelerado crescimento econômico: “Cinquenta anos de progresso em cinco de governo” era o seu lema. Sua política econômica, delineada no Plano de Metas, privilegiou, entretanto, particularmente o setor industrial. O sociólogo Gabriel Cohn afirma: “Encarado do ponto de vista do que se propunha, esse programa (Plano de Metas) foi bem-sucedido, ao menos no se refere à produção industrial, que se expandiu amplamente (cerca de 80% entre 1955 e 1961 e, o que é mais importante, com predominância de bens de capital (siderurgia, indústria mecânica, de material de transporte etc.). no tocante ao setor de produção alimentar, entretanto, o mesmo sociólogo diz que “(...) os resultados foram menos brilhantes, em razão da própria inércia relativa do setor agrário”.

Durante o governo de Juscelino houve um considerável avanço industrial, principalmente nos setores da indústria de base e na produção de bens de consumo duráveis e não duráveis. O governo procurou atrair o capital estrangeiro para investir no país, obtendo empréstimos e incentivando empresas internacionais a se instalarem no Brasil.

JK também pretendia oferecer vantagens para as multinacionais que desejassem se instalar no Brasil, como reserva de mercado para seus produtos, facilidades na remessa de lucros para o exterior e baixa tributação na importação de maquinário industrial.

O principal símbolo da expansão da indústria de bens duráveis no período foi o automóvel. Atraídas pelo novo mercado, empresas europeias e estadunidenses do setor automobilístico instalaram montadoras e fábricas de autopeças no país. Além delas, multinacionais estrangeiras de alimentos e empresas farmacêuticas, petroquímicas e de eletroeletrônicos ampliaram sua atuação no Brasil.

Plano de Metas

O Governo Juscelino Kubistchek foi marcado por transformações de grande alcance, sobretudo na área econômica, estabeleceu-se um plano de metas, 31 metas, sendo energia, transporte, alimentação, educação e construção da nova capital, esta considerada a mais importante.

Para realizar as mudanças necessárias o governo idealizou um programa minucioso que priorizava setores: 

- Energia:  construção de usinas hidrelétricas (Furnas e Três Marias);

- Indústria de base: indústria automobilística destaca-se entre outras; novas fábricas produziriam mais de 300 mil veículos por ano, com 905 das peças fabricadas no Brasil;                      

 - Transporte: abertura de rodovias (Belém x Brasília, Rio Branco x Brasília, Belo Horizonte x Brasília).  Cerca de 20 mil quilômetros de rodovias foram construídos.

A realização do Plano de Metas resultou na expansão e consolidação do:” capitalismo associado ou dependente” brasileiro, pois o processo de industrialização ocorreu em torno das empresas estrangeiras (as multinacionais). Estas empresas controlaram os setores chaves da economia nacional – maquinaria pesada, alumínio, setor automobilístico, construção naval – ocasionando a desnacionalização econômica.

A política econômica adotada por Juscelino baseava-se na realização de investimentos diretos, quase sempre precedidos de intensa emissão monetária, e na abertura ao capital estrangeiro. Tal estratégica econômica resultou na expansão e consolidação de um capitalismo extremamente dependente. A intensa emissão monetária agravou o processo inflacionário, enquanto a expansão do capital estrangeiro no país, atraído por favores ou privilégios concedidos pela Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), ocasionou uma desnacionalização da econômica. as empresas estrangeiras apossaram-se do controle das indústrias-chaves de nossa economia e, em pouco tempo, passaram a remeter ao exterior lucros e royalties superiores aos montantes de investimentos introduzidos originalmente. 

“Modernização” da administração e industrial 

Sob a alegação da necessidade de se modernizar a administração pública, Juscelino criou uma série de órgãos públicos e ministérios, proporcionando a um enxame de funcionários ingressarem nos diversos setores do governo.

Até essa época, a parte desenvolvida do Brasil era apenas a região próxima do litoral. JK propôs a interiorização do desenvolvimento, isto é, a participação do interior do país no progresso. Assim, criou um programa de construção de rodovias, que além de interligar diferentes regiões do país serviram para o uso da crescente frota de automóveis e caminhões. Também iniciou a construção de uma nova capital, Brasília.    

Construção de Brasília 

O maior símbolo do otimismo dos anos que ficaram conhecidos como “anos dourados” foi, sem dúvida, a construção de Brasília − a nova capital do Brasil, a partir de 1960.

Durante a campanha eleitoral de 1955, JK assumiu o compromisso de transferir a capital para a região central do Brasil. A ideia vinha sendo defendida por políticos desde a metade do século XIX, mas até então nenhum governante tinha levado o projeto adiante.

Obras de construção de Brasília (DF), 1959.

Projetada pelo urbanista Lúcio Costa e pelo arquiteto Oscar Niemeyer, Brasília foi construída por centenas de migrantes, muitos deles mineiros e nordestinos, que ficaram conhecidos como candangos. Durante as obras, os candangos viviam em péssimas condições: moravam em acampamentos com habitações improvisadas, sem um sistema de saneamento básico nem alimentação adequados, o que provocava graves problemas de higiene e saúde. Além disso, as regras de segurança do trabalho e de horas extras previstas na CLT foram ignoradas nas obras de Brasília.

O governo JK acelerou a construção da capital, e a cidade foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Ícone da arquitetura moderna, Brasília, contudo, apresentava um grande contraste social. Os milhares de candangos que decidiram permanecer na capital foram afastados do centro e obrigados a se deslocar para regiões periféricas, onde se formaram as chamadas cidades-satélites.

O Centro-Oeste do país, tal como ocorreria com com a região Sudeste, passou a ser visto por milhares de brasileiros excluídos economicamente como uma terra prometida.

Sem dúvida, a menina dos olhos de Juscelino foi a construção de Brasília com dinheiro que o país nunca teve. Os volumosos empréstimos para gastos desta natureza, aliados ao déficit público com a “modernização” administrativa, iniciaram um processo inflacionário descontrolado.

A industrialização gerou, sobretudo, bens de capital e bens de consumo duráveis. Para isso criou:  

- GEICON: grupo executivo da indústria de construção naval, modernizando a Marinha.

- GEIA: grupo executivo da indústria automobilística, atraindo vários grupos internacionais.

- GEIMP: grupo executivo da indústria de máquinas pesadas.

O processo de industrialização no Brasil passava a desenvolver-se em torno das empresas estrangeiras, vinculando o capital nacional aos seus interesses e flutuações.

JK visita uma fábrica de caminhões na cidade de São Paulo (SP), 1956.

Após a Segunda Guerra Mundial, as potências capitalistas hegemônicas, particularmente os Estados Unidos, passaram a instalar empresas industriais denominadas multinacionais em países menos desenvolvidos. Aproveitando-se da existência de mão-de-obra e de matéria-prima local, criaram nesses países uma elite consumidora. Os lucros obtidos eram enviados para o exterior, muitas vezes burlando as próprias leis locais. A política econômica traçada por Juscelino, contrapondo-se à do segundo governo de Getúlio Vargas, enquadrava o Brasil a essas novas exigências do capitalismo internacional. A gestão de Juscelino foi marcada também pelo cumprimento de ambicioso programa de obras públicas, onde se destacou a construção de Brasília, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo urbanista Lúcio Costa.

Em 1959 foi criada a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), órgão que objetivava auxiliar essa região e integrá-la ao mercado nacional. Criou-se também o Grupo de Estudos da Indústria Automobilística (GEIA), visando a implementar a indústria automobilística, que viria a ser o “carro-chefe” de nossa industrialização.

Outro órgão surgido na época foi o Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval (GEICON), visando o desenvolvimento dessa indústria de base.

No entanto, o progresso econômico dessa época apresentou alguns problemas: a concentração de riquezas, cada vez maior da Região do Sudeste; o aumento da dívida externa; e a crescente desvalorização da moeda brasileira. Durante o governo Juscelinista, recrudesceram-se as disparidades regionais, destacando-se o Nordeste como a região mais pobre do país. A preocupação com essas áreas agravou-se após nova seca. 

Na tentativa de atenuar os contrastes internos por meio da modernização da agricultura e do estímulo à implantação de projetos de irrigação em áreas assoladas pela seca, o governo criou, em 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Subordinada diretamente à Presidência da República, a Sudene atuava em parceria com outro órgão federal, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). A ação da Sudene, no entanto, não alterou significativamente o panorama das áreas rurais do sertão nordestino, acarretando ainda o aumento do aparato burocrático governamental.

Urbanização e desigualdades regionais

As políticas de desenvolvimento nacional provocaram efeitos variados. Entre eles, a concentração das indústrias em algumas regiões do país, o aumento da migração interna e o crescimento das cidades, com o êxodo rural.

O intenso fluxo migratório do campo para as cidades era um sinal das desigualdades entre as regiões do país, pois os investimentos do Estado e dos empresários foram concentrados no Sudeste. Entre 1950 e 1960, por exemplo, cerca de 1 milhão de pessoas que viviam na região Nordeste migraram para a cidade de São Paulo, em busca de emprego e melhores condições de vida. Esses migrantes trabalharam em diversos setores da indústria e de serviços e foram fundamentais para o desenvolvimento econômico e cultural de São Paulo.

No entanto, eles enfrentaram preconceitos e foram explorados em suas atividades profissionais. Eram chamados “baianos” ou “paraíbas”, independentemente do estado onde tivessem nascido. Os migrantes eram responsabilizados por vários problemas urbanos, como a expansão de favelas e cortiços e o aumento da criminalidade. Entretanto, sabe-se que não eram os migrantes que causavam esses problemas. Ao contrário, eles sofriam as consequências da falta de investimentos públicos em habitação, educação, saúde e segurança pública.

Custos sociais e econômicos do governo JK

O governo JK passou para a História como um momento de estabilidade política e de grande crescimento econômico. A política de desenvolvimento de Juscelino trouxe, porém, aumento da inflação, que levou o Brasil para uma crise econômica que seria “empurrada” para os governos futuros.   

- Um desenvolvimento populista: O plano de JK, que saiu da presidência com um altíssimo índice de popularidade, podia ser politicamente muito positivo, porém não se pode dizer que foi tão bom para a economia. Esta teve um pique de desenvolvimento que levou a uma série de problemas que virariam obstáculos ao crescimento econômico futuro.

- Corrupção: As várias obras do governo, especialmente a construção de Brasília, eram acusadas de terem várias formas de corrupção como: desvio de verbas, licitações fraudadas, utilização de materiais caros etc. Esta foi tão grande que foi o tema da campanha política do vencedor nas eleições seguintes, Jânio Quadros.

- Inflação e baixos salários: O crescimento acelerado do período, sem estabilidade, gerou uma inflação em seguida. O governo seguinte teve que lidar com esta herança. Essa inflação ainda tira poder de compra do trabalhador aumentando a concentração de renda no país.

- êxodo rural: atraídos pelo desenvolvimento industrial, que se concentrava em São Paulo, rio de Janeiro e Minas Gerais, milhões de brasileiros do campo continuaram migrando para as cidades, em busca de emprego na indústria e no setor de serviços. Em 1960, a população urbana brasileira já atingia cerca de 45% da população total do país. A maioria, quando se instalava nas cidades, encontrava a miséria.

- Dívida pública: Os fortes investimentos do Estado e, novamente, a construção da monumental capital consumiram uma soma absurda do dinheiro público. Este foi conseguido com empréstimos estrangeiros e nacionais, que geraram uma forte dívida pública, outro fardo para o governo posterior.

- Dependência: O projeto nacionalista foi claramente abandonado na gestão de Juscelino. A instalação das multinacionais no Brasil levaria à definitiva dependência da economia nacional dos capitais estrangeiros. Além disso, essas empresas remetem anualmente uma soma elevada de lucros para as suas sedes no exterior. 

- Recessão: Tudo isso levou a economia a parar de crescer nos anos seguintes ao governo JK. A primeira metade da década de 60 é de crescimento muito pequeno da economia brasileira, em função dessa forma populista de desenvolvimento.

- aumento da dívida externa: os empréstimos obtidos para realização das obras aumentaram enormemente a dívida externa brasileira.

Levantes contra JK

Revolta de Jacareacanga (1956): oficiais da Aeronáutica insatisfeitos com a permanência do ministro Vasco Alves Seco (nomeado por Lott) no governo JK tomam as bases aéreas de Jacareacanga, Aragarças, Santarém, Itaituba, Cachimbo e Belterra;  

Intervenção das tropas legalistas: prisão do líder Haroldo Veloso seguida da anistia concedida por JK;

Revolta de Aragarças (1959): oficiais da Aeronáutica ligados aos movimentos de 1955 e 1956 se voltam contra o governo de JK, acusado de influência comunista e corrupção, tomando a base de Aragarças para dar início ao bombardeio dos palácios Laranjeiras e do Catete (RJ).

O governo JK ficou gravado na memória dos brasileiros como um período bom. Foi um tempo de liberdade e grande atividade cultural. O salário mínimo atingiu seu maior valor e havia pouco desemprego, devido ao surto desenvolvimentista. A inflação nesta época tornou-se um problema: de cerca de 20% ao ano, aumentou o custo de vida e levou os trabalhadores a organizarem greves exigindo aumento de salário. Aliás, JK a criou propositadamente. Por isso mesmo, rompeu com o FMI. 

O FMI queria que o governo cortasse os gastos públicos. Se fizesse isso, haveria muito menos incentivo para a industrialização. Pois é, e onde arrumaria dinheiro para sustentar o desenvolvimentismo? Parte veio de bancos internacionais, a juros altíssimos. A dívida externa brasileira simplesmente dobrou de tamanho. Outro recurso foi a emissão de papel moeda, ou seja, fabricou mais notas de cruzeiros. Causando mais inflação. Inflação que engolia o salário dos pobres. 

Juscelino Kubistchek realizou um governo marcado pela garantia das liberdades democráticas. Agindo com habilidade, Juscelino procurava evitar os exageros dos radicais. Durante seu governo não houve cidadãos presos por motivos políticos. ". A tranquilidade política alcançada durante quase todo o quinquênio permitiu-lhe uma série de realizações que modificaram o panorama econômico do país.

Politicamente fez um governo democrático apesar de manter o PCB na ilegalidade, e culturalmente incentivou as manifestações artísticas e científicas, dando origem a Bossa Nova (Presidente Bossa Nova), com Tom Jobim e João Gilberto; O Cinema Novo iniciado com Nelson Pereira dos Santos no “Rio 40 graus”, além de Glauber Rocha “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Ruy Guerra “Os Fuzis” e outros; “Atlântida e Vera Cruz” eram duas cias. produtoras e distribuidoras; O teatro de ARENA e o TBC (Teatro Brasileiro de Comédias) formavam as duas grandes cias. teatrais, além do surgimento do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE com manifestações engajadas.

A Bossa Nova 

Em 1957, conhecendo o novo ritmo criado pelo violonista baiano João Gilberto, o músico Roberto Menescal apresentou-o a Tom Jobim, que ficou maravilhado com o novo tipo de levada e sugeriu a João Gilberto adaptá-la à música “Chega de Saudade”, com letra de Vinícius de Moraes, musicada pelo próprio Tom Jobim. No ano seguinte, em 1958, por intermédio de Tom Jobim, João Gilberto gravava seu primeiro disco “Samba do amor demais”, pela gravadora Odeon, com a música “Chega de saudade” tocada no novo ritmo que passaria a ser chamado de bossa nova. Mais que um novo ritmo, tornou-se um novo estilo musical que conquistou prontamente a adesão da classe média carioca até se tornar uma referência musical brasileira no mundo todo. Identificada inicialmente com o virtuoso violão e a voz baixa de João Gilberto, a bossa nova foi misturando elementos do samba e do jazz, transformando-se em um estilo musical altamente sofisticado, com músicas marcantes como “Garota de Ipanema”, “Águas de Março”, “Desafinado”, “Wave” etc. A bossa nova teve ainda a adesão de outros importantes músicos como Carlos Lyra, Baden Powell, Chico Buarque, Francis Hime e Toquinho, além de intérpretes como Nara Leão, Elis Regina e Maysa, entre outros.

Ao final de 1960, Juscelino chegava ao fim de seu mandato, superando no correr de sua gestão duas tentativas de golpe, o levante de Jacareacanga e o de Aragarças. A eleição sucessória teve como candidatos. Jânio Quadros, apoiado pela UDN, o Marechal Henrique Teixeira Lott, com o apoio de PTB e do PSD, e Ademar de Barros, pelo PSP. A vitória – através de maciça votação – coube a Jânio Quadros, que, apesar de apoiado pela UDN, não escondia sua desconsideração pelos partidos políticos, apoiava para a vice-presidência João Goulart, do PTB, ignorando Milton Campos, candidato da UDN, João Goulart foi novamente eleito vice-presidente.

Você já deve ter observado que a lei eleitoral daquele tempo permitia que os eleitores votassem em candidatos de partidos diferentes para presidente e vice-presidente. Foi o que aconteceu: Jânio Quadros foi eleito presidente com 48% dos votos, apoiado por um conjunto de partidos liderados pela UDN. O vice presidente eleito foi o candidato do PTB, João Goulart, conhecido por Jango e considerado uma espécie de afilhado político do falecido presidente Getúlio Vargas.

A gestão de Café Filho e a crise sucessória

Durante os quinze meses de seu mandato (de agosto de 1954 a novembro de 1955), o presidente Café Filho enfrentou um castigado pela crise econômica. Além da crise política gerada pelo suicídio de Vargas, a inflação estava em alta e os preços do café no mercado internacional continuavam caindo.
Diante da crise econômica que atingia o país, a recessão aumentou e, com isso, as lideranças sindicais apoiadas pelos comunistas se fortaleceram. Os comunistas, mesmo atuando na ilegalidade, organizaram uma gigantesca greve operária em São Paulo, em setembro de 1954.
Diante da possibilidade eleitoral da aliança nacionalista PSD-PTB – partidos fundados por Getúlio Vargas –, militares como o tenente-coronel Golbery do Couto e Silva e o general Humberto de Alencar Castelo Branco, além do deputado udenista Carlos Lacerda, procuraram impedir a realização das eleições. No início de 1955, corriam rumores de que as Forças Armadas preparavam um golpe de Estado para impedir a candidatura Kubitschek.
Em setembro, Lacerda divulgou uma nota em seu jornal, Tribuna da Imprensa, em que acusava João Goulart, ex-ministro do Trabalho de Vargas e atual candidato à vice-presidência pelo PTB, de perigoso incitador de greves.
Apesar dessa campanha difamatória, Juscelino e Goulart conseguiram mais votos do que seus adversários: Juarez Távora (candidato à presidência pela UDN), Ademar de Barros (pelo PSP) e o integralista Plínio Salgado.
Após o resultado das urnas, entretanto, ainda persistia a ameaça de um golpe, com o apoio militar de setores da Marinha e Aeronáutica, descontentes com a vitória de Juscelino. Somente a intervenção do general Henrique Teixeira Lott, então ministro da Guerra, tornou possível que o processo sucessório continuasse de acordo com a Constituição. Em novembro de 1955, ele e outros treze generais impuseram estado de sítio na capital federal, forçando Carlos Lacerda a exilar-se do país e garantindo a posse do presidente eleito, em Janeiro de 1956.

domingo, 13 de agosto de 2023

Populações e Terras Indígenas no Brasil

A história dos indígenas brasileiros é marcada pela luta por suas terras, desde a época em que foram invadidas por europeus, a partir do século XVI. Quanto às populações que habitavam o interior, de penetração penosa e arriscada, as notícias são escassas e imprecisas. A maioria das estimativas aponta, contudo, para a existência de 2.000.000 a 5.000.000 de indígenas à época da chegada dos portugueses às praias brasileiras. Dois séculos após a vinda das primeiras caravelas, esse número não alcançava 2.000.000 de índios. Atualmente, os índios representam 0,2% da população brasileira. Portanto, em cinco séculos desapareceram mais de 800 etnias e milhares de indígenas, vítimas chacinas, das doenças trazidas da escravização e da catequese jesuíta, todos promovidos pelos europeus.
Atualmente, há mais de 250 povos indígenas no território brasileiro no território brasileiro, sendo que cerca de 40 deles tem parte da população em países vizinhos. Cada povo tem cultura, tradições e manifestações próprias.
No Brasil há grande diversidade de povos indígenas, cada um com sua cultura, vivendo em lugares diferentes, trabalhando, estudando, ensinando, usando os recursos tecnológicos atuais e reivindicando seus direitos políticos.
O contato dos indígenas com os colonizadores europeus trouxe doenças, escravidão e conflitos que causaram a redução da população e do número de povos. Muitos grupos foram exterminados ou integrados à cultura dos colonizadores. outros foram gradativamente expulsos para o interior do Brasil, devido à ocupação do litoral. Ao longo do tempo, os territórios antes ocupados pelos indígenas deram lugar a cidades, extensas áreas agrícolas e de pastagens, áreas de mineração,  estradas etc.
Até os anos 1970, a população indígena brasileira sofreu grande redução. No entanto, a partir dos anos 1980, passou a apresentar índices de crescimento.
Desde a década de 1980, porém, tem havido certa recuperação das taxas de crescimento de maior parte dos povos indígenas. apesar de lento, esse crescimento reverteu o processo de extinção de alguns desses povos. Atualmente, porém, a maior parte dos indígenas brasileiro está aculturado,. ou seja, adaptou-se aos costumes da sociedade dominante. No entanto, ainda se consideram indígena e tentam preservar suas tradições. O critério utilizado para o reconhecimento de um indivíduo como pertencente a etnia é a autoidentificação, ou seja, é o fato de a pessoa se considerar indígena, conservar costumes e hábitos.
Entretanto, se a maioria da população indígena no Brasil já se adaptou aos costumes da sociedade dominante, existe uma minoria que se mantém praticamente isolada e evita o contato com ""o homem branco": os chamados indígenas isolados. Vivendo em lugares distantes e de difícil acesso para evitar o contato com os não indígenas, esses povos procuram preservar sua cultura e sobrevivem ainda basicamente da caça, da pesca, da coleta e da agricultura.

Povos tutelados

Em 1973 foi promulgado e Estatuto do Índio, segundo o qual os indígenas seriam relativamente capazes, ou seja, não estariam aptos a exercer plenamente seus direitos civis, devendo ´por isso serem tutelados por um órgão indigenista estatal, até que estivessem integrados à sociedade nacional (o que na prática significaria assimilação da cultura dominante). De acordo ainda com o Estatuto do Índio, caberia ao Estado proteger esses povos e provê-lo de educação e saúde.
A Funai, criada em 1967, substituiu o Serviço de Proteção ao Índio (criado em 1910) e tornou-se o órgão responsável pela tutela dos indígenas. A Constituição brasileira de 1988 reconheceu direitos permanentes aos indígenas, entre eles o direito à terra e à manutenção de suas organizações social e cultural.
Segundo o Censo de 2010, dos 817 963 indígenas que vivem no Brasil, 315 180 encontra-se em áreas urbanas e 502 783 nas áreas rurais. A maioria vive em Terras Indígenas e em áreas urbanas próximo a elas. 
Entre os fatores que explicam a retomada do crescimento da população indígena, podemos destacar.
- aumento do número de pessoas que passaram a assumir suas origens, se autodeclarando indígenas;
- maior acesso a atendimento médico, vacinas e medicamentos.
Embora muito tenha sido feito para preservação dessas etnias, ainda persistem indicadores sociais preocupantes. Ao comparar os indicadores sociais da população indígena, como educação, saúde, expectativa de vida, com os do restante da população, é possível identificar  uma grande diferença. Daí a importância da luta desses povos por direitos e pela maioria na oferta e na qualidade de serviços públicos essenciais.
As terras, tradicionalmente, ocupadas pelos povos indígenas são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as que são utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar. Garantindo assim, as condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Nessas terras, deve haver condições necessárias para sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Atualmente, a falta de demarcação das terras indígenas permanece como um dos problemas mais graves do Brasil. Apesar disso, os territórios habitados por indígenas possuem uma legislação própria, definida na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, garante aos índios, o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas.
As terras indígenas são consideradas propriedades da União, porém o direito de usá-la é dos índios. Entretanto, os povos indígenas precisam solicitar ao governo a demarcação de suas terras. "Demarcar terras" significa estabelecer os limites de uma terra indígena. como cada povo possui um estilo de vida, o reconhecimento e definição da área de uma terra indígena é demorado. O governo, por meio de seus técnicos, acompanha a vida cotidiana do povo para identificar o que ele precisa para viver. A partir das informações coletadas em campo, é definida a área do território indígena.                         
Existem muitas Terras Indígenas que ainda não foram demarcadas, ou seja, delimitadas, definidas e regularizadas pelo Governo Federal. Mesmo aquelas que estão regularizadas sofrem invasões e explorações ilegais.
O direito dos povos indígenas à terra, garantido por lei, envolve o processo de demarcação, que deveria ter sido concluído no ano de 1993. No entanto, órgãos responsáveis pelos processos de demarcação demoram para agir. Com isso, os territórios ocupados por povos indígenas ficam sujeitos a invasões por aqueles que têm interesse na exploração comercial dos recursos naturais. Isso ajuda a aumentar a violência no campo, da qual muitos indígenas são vítimas.
Seja morando em, aldeias, seja em agrupamentos mistos ou reservas indígenas, esses povos vivem em constante disputa por terras com fazendeiros, construtores de estradas, madeireiras, empresas mineradoras e grileiros.
Nas décadas de 1970 e 1980 surgiram vários movimentos e entidades nacionais e internacionais de apoio à causa indígena. Um exemplo é o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), criado em 1972. esse organismo, vinculado à Igreja católica, buscou favorecer a integração entre aldeias e povos dispersos, promover assembleias indígenas e garantir a diversidade cultural.
Depois de muito lutarem por seus direitos, lideranças indígenas ingressaram em diversas instituições da sociedade brasileira e passaram a participar dos mecanismos políticos nacionais. Atualmente, diversos indígenas exercem cargos públicos, pois não há qualquer restrição ao indígena votar e ser candidato, desde que ele seja capaz de se expressar em português.
Povos, lideranças e organizações indígenas conquistaram algumas vitórias, como inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988, avanços na demarcação e regularização das Terras Indígenas e implantação de políticas educacionais e de saúde.
Muitos afirmam que os povos indígenas são a melhor resistência contra a destruição da floresta amazônica, uma vez que utilizam os recursos naturais apenas para subsistência. No entanto, mesmo com terras demarcadas, o desmatamento aumenta nos limites das reservas e avança dentro delas. Em Mato Grosso, nos últimos anos aumentaram o cerco às terras indígenas com a expansão da soja em propriedades mecanizadas. Além disso, a demarcação de terras indígenas contraria interesses de grandes madeireiras, mineradoras, entre outras empresas, atraídas pelas enormes reservas minerais que se concentram nessas terras; daí os inúmeros conflitos.
Grandes grupos econômicos - empresas e investidores ligados à extração de minérios e de madeira - faziam fortes críticas às demarcações. muitos fazendeiros entraram com ações na justiça contra as demarcações. Essa batalha jurídica interrompe e atrasa a demarcação de terras indígenas Apesar disso, segundo muitos antropólogos, as demarcações foram ocorrendo em maior número, principalmente a partir da Constituição de 1988, o que contribuiu para o crescimento populacional dos índios.
A demarcação das terras ianomâmis, ocorrida em 1991, por exemplo, gerou críticas de setores militares, que veem nessa nova situação uma "abdicação da soberania" sobre faixa de fronteiras. Com 9,4 milhões de hectares - aproximadamente o tamanho do território de Portugal - os indígenas dessa reserva habitam o Brasil e a Venezuela, com trânsito livre entre as fronteiras. Também foi motivo de preocupações a grande quantidade de ONGs estrangeiras com interesse na região, com seus integrantes circulando livremente nessas áreas. Uma região rica em biodiversidade, madeira, minérios diversos e água possa suscitar o interesse de outros países.
Em abril de 2005, o presidente Lula aprovou a criação de uma reserva indígena de 1,7 milhão de hectares no estado de Roraima. Conhecida como Raposa Serra do Sol, a reserva deveria beneficiar cerca de 18 700 índios dos povos Patamona, Macuxi Ingaracó,Uapixana e Taurepangue.
Em anos anteriores, porém, seis ou sete empresas agropecuárias haviam se instalado ilegalmente na região, ou seja, sem título de propriedade. Ocupando cerca de 16 mil hectares, essas empresas produzem principalmente arroz. A ocupação ilegal criou uma situação de conflito, pois legalmente a terra pertence à União, que cede aos índios.
Em agosto de 2007, o ministério da Justiça tentou retirar os arrozeiros da região, utilizando como instrumentos para isso a Polícia Federal. Em resposta, os arrozeiros, liderados por Paulo César Quartiero, ameaçaram resistir à mão armada, utilizando táticas de guerrilha. Algumas semanas depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a expulsão dos fazendeiros. Em maio de 2008, dez índios ficaram feridos em confronto com seguranças de Quartiero em uma das suas fazendas no interior da reserva. Quartiero foi preso mais não permaneceu mais do que uma semana na prisão.
Um grande debate girou em torno do comprimento da lei que demarcou definitivamente a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma área contígua de 1,6 milhão de hectares no nordeste de Roraima, na qual vivem uma população superior a 15 mil indígenas. O governo estadual e setores das Forças Armadas lutaram para que a reserva fosse fracionada, de forma a garantir a presença dos agricultores e do Exército na região. Para cumprir o que está previsto em lei, a população de não indígena foi retirada das terras, o que foi objeto de muita resistência.
Apesar dos avanços, os povos indígenas continuam lutando para garantir que as conquistas, previstas em lei, sejam colocadas em práticas. Ainda falta muito para que eles tenham os seus direitos respeitados. As comunidades espalhadas pelo país lutam ainda por muitos direitos: acesso à educação, à saúde, aos meios de comunicação, alimentação de qualidade, uso sustentável dos recursos do meio ambiente etc.
Manifestação de povos indígenas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, contra o Marco Temporal, que visava à alteração na demarcação de Terras Indígenas.
O Estado, as organizações não governamentais, as associações indígenas e outras instituições preocupadas com a situação do índio devem buscar conjuntamente novas perspectivas, ações e práticas diante do atual cenário dos grupos indígenas brasileiros. O Estado brasileiro precisa garantir que os direitos previstos na lei sejam de fato cumpridos.

A educação indígena

Na década de 1990, o Ministério da Educação estabeleceu diretrizes específicas para os indígenas brasileiro. A partir de então, vem sendo tomadas medidas para garantir o acesso à educação, o que tem diminuído aceleradamente os índices de analfabetismo em suas comunidades. Atualmente, os indígenas recebem uma educação bilíngue, ou seja, na língua da sua etnia e, também, em língua portuguesa. Além disso, tem-se buscado formar professores indígenas, a fim capacitá-los para ensinar tanto em língua portuguesa quanto nas línguas nativas.

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Anos de Chumbo: a luta armada

Logo após o golpe de 1964, jovens universitários de esquerda acusaram a direção do Partido Comunista (PCB) de não resistir ao golpe militar e agir com moderação e cautela. Muitos deles julgavam que o momento era de luta armada contra a ditadura.

A luta armada contra o regime militar foi influenciada por outros vários outros movimentos revolucionários na América Latina, no início dos anos 1970. A principal fonte de inspiração para os revolucionários brasileiros era o triunfo da Revolução Cubana. Militantes dos grupos de esquerda acreditavam que era possível derrubar a Ditadura com a Luta Armada. Estavam certos de que os trabalhadores apoiariam e se engajariam em um movimento revolucionário liderado por essas vanguardas.

Vários grupos revolucionários que pegaram em armas contra a ditadura militar brasileira formaram-se nesse período, quando o Brasil era governado pelo general Emílio Garrastazu Médici. Destaca-se a ALN e a VPR.

- Aliança Libertadora Nacional. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) posicionava-se contra a luta armada. Diante disso, uma importante liderança do partido, Carlos Marighela, reuniu um grupo de simpatizantes e fundou a ALN.

- Vanguarda Popular Revolucionária. Essa organização era formada, sobretudo, por militares de esquerda, contrários ao golpe militar de 1964. A principal liderança do movimento era Carlos Lamarca. Ex-capitão do exército. Lamarca rompeu com a VPR, em 1971, para ingressar no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), onde permaneceu até ser morto pelos militares.

O projeto político dessas organizações era desencadear a revolução no campo, mas para isso era preciso arranjar dinheiro nas cidades. A luta armada contra o regime, além de sequestros para libertar presos políticos, promovia também assaltos a bancos e a instalações militares para financiar e armar o movimento. Eram as chamadas expropriações em nome da revolução. O dinheiro conseguido era gasto no aluguel de apartamentos (os aparelhos das células revolucionárias), no sustento dos militantes e no financiamento de novas operações de expropriação. Manter um guerrilheiro urbano na clandestinidade custava muito dinheiro.

O maior problema dessas organizações revolucionárias consistia em que a sociedade brasileira, no seu conjunto, simplesmente não desejava nenhuma revolução socialista, nem estava disposta a apoiar a luta armada. Os trabalhadores não se entusiasmaram com as ações revolucionárias e a maioria dos brasileiros não entendia o que estava acontecendo, tomando conhecimento dos embates entre guerrilheiros e policiais em silêncio. Além disso, o “milagre econômico” começava a deslanchar. Os guerrilheiros somente encontravam algum apoio no que restava do movimento estudantil.

Os militares reagiram criando novos mecanismos de repressão: em 1969, criaram a Obam (Operação Bandeirantes), com o propósito de organizar a repressão na Região Sudeste do país. Logo após, em vários estados, formaram-se os DOI-CODI (Destacamentos de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna), locais onde eram torturados os suspeitos de envolvimento com os grupos revolucionários.

A tortura dos guerrilheiros era praticada em suas instalações. Tão logo eram presos, sofriam bárbaras torturas para entregar os companheiros à repressão. Alguns desses métodos foram ensinados por agentes norte-americanos. Muitos militantes presos não resistiram e morreram em função das torturas, que incluíam o pau de arara, espancamentos variados e choques elétricos em várias parte do corpo.

Para libertar os companheiros, os militantes realizaram várias ações, como o sequestro do embaixador norte-americano, exigindo a libertação de 15 prisioneiro e a leitura, em rede nacional de televisão, de um manifesto revolucionário. Foram sequestrados também os embaixadores alemão e suíço, além do cônsul do Japão. Com os sequestros, a repressão política tornou-se ainda mais dura e cruel.

A luta armada era desigual: jovens de classe média armados com revólveres enfrentando militares profissionais e agentes treinados. Os grupos guerrilheiros estavam derrotados ao final de poucos anos. No entanto, o fator decisivo para a derrota da luta armada foi, como vimos, o isolamento dos guerrilheiros em relação à sociedade. Calcula-se que cerca de 800 pessoas se engajaram na luta armada, sendo que 386 foram mortas ou desapareceram.

Muitos empresários, satisfeitos com os lucros provenientes do “milagre”, apoiaram e inclusive financiaram a repressão ao movimento sindical. Diversos políticos concordaram com o fim das eleições diretas. Nesse período, conhecido como os “anos de chumbo”, restou uma única instituição fora do controle dos militares: a Igreja católica.


O MST

Desde meados dos anos 1980, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, tornou-se um dos mais importantes movimentos sociais no Brasil contemporâneo. Herdeiro das lutas camponesas dos anos 1940-1960, ele surgiu da confluência de vários conflitos rurais nos anos 1970, quando “camponeses sem terra” ocuparam terras no noroeste do Rio Grande do Sul.

Ao mesmo tempo, agricultores que estavam sendo desalojados no sudoeste do Paraná para construção da usina de Itaipu formaram o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja católica, conseguiu articular esses e outros movimentos rurais, contribuindo para a construção do MST, em 1984.

O MST inaugurou novas formas de luta e deu início a uma nova identidade social: o “sem-terra”, em que se considera desde aquele que perdeu sua pequena propriedade no Rio Grande do Sul, o desalojado no Paraná, até o desempregado egresso das grandes cidades e o “morador” nos latifúndios do Nordeste. Pode ser também qualquer pessoa que sinta socialmente marginalizada e se identifique com a causa do movimento. Todos esses são definidos como “trabalhadores sem terra”.

Outra novidade é a organização do movimento, cujas direções são plurais, coletivas. Embora haja líderes que se destacam no MST, como João Pedro Stédile, não há um “presidente”, evitando dessa forma a centralização do poder em um só indivíduo. O trabalho de organização é dividido em setores, como educação, saúde, produção e comunicação.

Inicialmente, a grande bandeira do MST era a reforma agrária. Depois, o próprio movimento percebeu que não bastava apenas ter acesso à terra. Assim, passou também a lutar por créditos e financiamento, bem como pelo escoamento da produção para os mercados. Para os líderes do movimento, o grande problema no Brasil era o desenvolvimento econômico social, sobretudo recusando o chamado “agronegócio” e tendo o socialismo como grande objetivo.

Atualmente, o movimento vem dando ênfase à formação de cooperativas voltadas para a produção, para serviços e para o crédito.

Outra inovação nos métodos de atuação do MST são as ocupações, cujo objetivo é criar fatos políticos, ganhando as manchetes de jornais e televisões, mobilizando a população. Com marchas, romarias, apropriação de prédios públicos, embarreiramentos de estradas e invasões de fazendas. O MST faz com que a sociedade tome conhecimento das suas reivindicações. As caminhadas de uma cidade a outra mostram a força dos militantes e a solidariedade entre eles.

O movimento também inovou no trabalho da educação para jovens e adultos. Ao valorizar a cultura do campo, formulou-se uma “pedagogia da terra”, em que professores e militantes são formados em cursos técnicos oferecidos nas Universidades especialmente para eles.

Por vezes, o MST recorre a estratégias radicais, com métodos considerados à margem da lei – como destruição de plantações e depredação de sedes de fazendas produtivas e de laboratórios de pesquisa. Apesar dessas ações, o MST tornou-se um dos movimentos sociais mais importantes no Brasil contemporâneo. Defensor intransigente da luta pela democratização da terra, acena para milhares de pessoas marginalizadas.
Dois massacres de sem-terra, ocorridos no início do governo FHC, não deixam dúvidas quanto à gravidade do problema da terra no Brasil: o de Corumbiara (Roraima), em agosto de 1995, com 11 mortos, e o de Eldorado dos Carajás (Pará), em abril de 1996, com 19 mortos.
Por lei, os latifúndios (grandes propriedades rurais improdutivas) podem ser desapropriados pelo governo federal e entregues à reforma agrária. Isso, porém, envolve muitos interesses. Os grandes fazendeiros contam com uma bancada ruralista formada por deputados e senadores no Congresso Nacional para defender seus interesses. além do mais, os critérios que determinam se uma propriedade é improdutiva ou não são muitos brandos.
Outro problema é consegui fazer uma reforma agrária de qualidade. Muitas vezes as famílias são assentadas, mas as condições para que de fato produzam naquele pedaço de terra não são garantidas. Assim, muitas acabam vendendo suas terras ou abandonam e seguem para as grandes cidades em busca de emprego.

Massacre em Eldorado

Em 17 de abril de 1996, dezenove sem-terra foram mortos num confronto com a Polícia Militar em Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. O confronto ocorreu quando 1 500 sem-terra protestavam contra a demora na desapropriação de terras da fazenda Macaxeira. Acusados de estarem obstruindo uma rodovia, a Polícia Militar foi encarregada de tirá-los do local por meios pacíficos ou pela violência. Um dos líderes do movimento, Oziel Alves Pereira, de apenas 17 anos, foi torturado e executado com um tiro no rosto. A operação esteve sob o comando do coronel Mário Pantoja de Oliveira.
Em junho de 2002, 124 soldados e cabos acusados de terem participado do massacre foram a julgamento. Todos foram absolvidos. Quanto ao coronel Mário Pantoja, em 2004 foi condenado a 228 anos de prisão.

As Ligas Camponesas

Em meados da década de 1950, os trabalhadores rurais do Nordeste, ameaçados de expulsão das terras em que trabalhavam como parceiros ou arrendatários, começaram-se a se organizar para garantir o acesso à terra e conquistar melhores condições de trabalho e de vida. Essa mobilização deu origem as Ligas Camponesas, associações que reuniam, principalmente, pequenos proprietários rurais e trabalhadores não assalariados (boias-frias, parceiros, arrendatários, etc.).

A primeira e mais famosa das ligas foi fundada em 1954, em Vitória de Santo Antão, no estado de Pernambuco, reunindo cerca de 1200 pessoas. Antes dela, em 1945 já haviam surgido ligas camponesas em algumas regiões do país, mas foram resultado de ações isoladas de militantes do Partido Comunista que não tiveram continuidade.

Apesar da forte repressão que sofriam por parte dos fazendeiros e da polícia, a partir de1958 as Ligas Camponesas se espalharam pelo Nordeste e, posteriormente, chegaram a Minas Gerais e ao interior do Rio de Janeiro.

Tendo como lema “Reforma agrária na lei ou na marra”, as Ligas Camponesas eram lideradas pelo advogado e deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) Francisco Julião (1915-1999), que procurava orientar os trabalhadores rurais a respeito de seus direitos. Em 1961, foi realizado em Belo Horizonte o Primeiro Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, durante o qual representantes das Ligas Camponesas e de sindicatos rurais de todo o país reivindicavam a reforma agrária e a extensão das leis trabalhistas ao campo. Com o Golpe militar de 1964, a atuação das Ligas Camponesas foi proibida e elas foram extintas.

Produção de energia no Brasil

Movimentar máquinas, cargas e pessoas por longas distâncias demanda muita energia. No Brasil, usam-se combustíveis derivados de fontes não r...