Se Phileas Fogg, personagem do romance do francês Júlio Verne, escrito no século XIX, fizesse hoje uma nova Volta ao mundo em 80 dias, com certeza não deixaria de notar dois fenômenos marcantes que afetam o planeta: a explosão tecnológica e a explosão demográfica. E perceberia, inclusive, que ambos estão geograficamente separados entre si.
segunda-feira, 25 de setembro de 2023
Iniciando o século XXI
O desenvolvimento da tecnologia se concentra nos países desenvolvidos situados no Hemisfério Norte. Quase todos eles têm pequenas taxas de crescimento demográfico, uma população que está estabilizada ou mesmo diminuindo. Por outro lado, o aumento populacional ocorre nos países subdesenvolvidos localizados no Hemisfério Sul, que têm sido pouco ou nada beneficiados pela atual revolução tecnológica. Ao lado de aspectos positivos, nesses países as técnicas inovadoras têm gerado vários problemas ou agravado os já existentes, como a concentração de renda, a alta do desemprego e o incremento da exclusão social. Por sua vez, a explosão demográfica também contribui para que novas doenças se generalizem. É importante ressaltar que, em relação ao crescimento demográfico, o problema não está na opção das famílias por terem filhos ou não, mas sim na falta de acesso delas a condições básicas de vida.
As projeções estimam que, em 2025, a economia mundial estará controlada por apenas quinhentas empresas multinacionais de origem norte-americana, europeia e japonesa. A população mundial, que é atualmente de seis bilhões de pessoas, atingirá então um patamar de 8,5 bilhões de habitantes. Cerca de 90% do crescimento populacional ocorrerá nas regiões asiática, africana e latino-americana. Esses dois processos paralelos e excludentes – avanço da tecnologia e crescimento populacional – são parte integrante daquilo que se convencionou chamar de Nova Ordem Mundial.
A expressão Nova Ordem Mundial foi usada pela primeira vez pelo presidente George Bush (pai), após a vitória norte-americana na Guerra do Golfo, em 1991. O governante se referia à nascente situação surgida com o fim da Guerra Fria e a ascensão dos Estados Unidos à posição de única superpotência global do planeta.
Essa Nova Ordem Mundial, do século XXI teria seu funcionamento assegurado, em última instancia, pelo avassalador poderio militar norte-americano. Esse sistema nascente ficou conhecido também como unimultipolar, porque combina a liderança de uma única superpotência global com a existência de várias potências de âmbito regional. O poder maior é representado pelos Estados Unidos, seguidos por poderes de importância desigual: a China na Ásia Oriental, a Índia na Ásia do Sul, a Rússia na Eurásia, a Alemanha na Europa, o Brasil na América do Sul e a África do Sul na África subsaariana.
A rigor, a globalização não é um fenômeno recente. Suas origens, segundo alguns analistas, remontam ao século XV, quando a expansão marítima europeia levou à formação de um mercado mundial que se estendeu por todos os continentes do globo. A mundialização da economia, conhecida como Revolução Comercial, continuou no século XVIII com a Revolução Industrial. Esse processo atingiu o auge no final do século XX, com a incorporação da Rússia, da Europa Oriental e da China ao mercado mundial. O planeta se tornou verdadeiramente uma aldeia global, interligada pela revolução ocorrida na ciência, na tecnologia, nos transportes, na comunicação. A globalização é um fenômeno controverso, com pontos positivos e negativos, elogiado por uns e atacado por outros. No processo de globalização atual, destacam-se três aspectos principais, que veremos a seguir.
Existe uma globalização econômica, que é resultado da revolução científica e tecnológica em curso, da expansão do comércio, dos serviços e das finanças. Esse processo se caracteriza pela derrubada das fronteiras dos Estados, pela abertura dos mercados, pela interdependência dos países e pela retirada do Estado das atividades econômicas. As empresas multinacionais, os grandes bancos e os investidores capitalistas são os principais agentes da globalização econômica. A informática, a internet e a telefonia celular contribuem para acelerar e dinamizar a economia do mundo. Para se ter uma ideia do que significa a globalização econômica, bastaria dizer que em meio século o comércio mundial cresceu cem vezes, saltando de sessenta bilhões para seis trilhões de dólares no ano 2000. Por outro lado, a globalização não é um processo homogêneo e te beneficiado principalmente os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Seus críticos afirmam que ela tem intensificado a concentração de renda, aumentando, assim, as taxas de desemprego e expandindo os níveis de exclusão social.
A internet possibilitou ao mundo dos negócios uma enorme integração entre empresas de todo o planeta. Além disso, grande parte das companhias de todo o mundo tem página na internet. Assim, é possível que qualquer indivíduo tenha acesso a conhecimentos mais aprofundados sobre um produto ou serviço, sem precisar ir até o local de compra. A facilidade com que se tem acesso a qualquer assunto atualmente é outra forte característica da internet, que é uma enorme fonte de pesquisa. Apesar de todas essas comodidades, a necessidade de saber lidar com um computador gera hoje um fenômeno chamado “exclusão digital”. A maior parte da população do planeta ainda não tem acesso a computadores, principalmente por causa do alto custo desse eletrônico, mas o mercado de trabalho hoje exige que os funcionários tenham conhecimentos de informática. Dessa forma, aqueles que fazem parte dessa exclusão digital tendem a ser excluídos também social e economicamente.
Está em curso também uma globalização cultural, bastante interligada com a globalização econômica e a revolução tecnológica. Sua manifestação mais visível é o processo de padronização e uniformização dos produtos culturais, principalmente os de origem anglo-americana. Nesse processo, o inglês está se tornando a língua franca ou o idioma universal. Os hábitos de consumo, os padrões de comportamento e idiomas locais estão sendo bastante afetados por um processo de “americanização” que atinge todos os campos do conhecimento humano, desde a técnica e a ciência até as letras, as artes e a filosofia. Os críticos desse tipo de globalização afirmam que a exportação da cultura ocidental é uma política deliberada e sutil de conquista dos “corações e mentes” de outros povos e culturas, transformando-se num instrumento de consolidação da hegemonia mundial dos Estados Unidos.
Existe ainda uma globalização política, intimamente relacionada com as globalizações econômica e cultural. Esta última forma de globalização se caracteriza pelo predomínio dos Estados Unidos coo a única superpotência de todo o planeta. Nesse novo sistema político do século XXI, alguns países rebeldes são globalizados “na marra”, por via da guerra e da ocupação militar, como aconteceu com o Afeganistão e o Iraque. Esses países eram apelidados pelos governos norte-americanos de Eixo do mal. Existem, porém, outras nações que procuram resistir a essa globalização forçada, como é o caso de Cuba, do Irã e da Coréia do Norte.
Finalmente, diversas entidades não estatais procuram se organizar a sociedade internacional para oferecer resistência a um tipo de globalização que consideram elitista, desigual e excludente. São entidades sociais como os movimentos ambientalistas, organizações não governamentais (ONGs), partidos políticos, sindicatos trabalhistas e as mais variadas associações que buscam oferecer alternativas ao atual processo de globalização econômica, cultural e política. O Fórum Social Mundial tem sido um dos centros de troca de ideias e propostas mais aglutinador dessas entidades.
Junto com a globalização está ocorrendo também no planeta um processo de regionalização. Na verdade, globalização e regionalização são as duas faces da mesma moeda. Dentro do processo de globalização, países de determinados continentes procuram se juntar a seus vizinhos para formar os blocos econômicos regionais. Esses blocos de países procuram abolir diversas barreiras, como as alfandegárias, que os separam para expandir suas relações comerciais e facilitar a livre circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas. Podemos distinguir alguns tipos de blocos econômicos regionais, conforme veremos a seguir.
A zona de livre comércio reduz ou elimina as tarifas protecionistas internas, permitindo a ampla circulação de mercadorias entre todos os países-membros. Esse tipo de bloco não permite a livre circulação de pessoas. Como exemplo temos o Nafta; o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca), que, se vier a s concretizar, englobará 34 países do continente americano; e o bloco da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, que criará uma área de livre comércio entre 20 países dessa região e deve ser efetivado até 2020.
A união aduaneira procura igualmente baixar ou suprimir as tarifas internas que dificultam a expansão do intercâmbio entre os países-membros desse bloco comercial. Mas, além disso, estabelece também uma tarifa alfandegária externa única para seus integrantes. Qualquer produto vindo de fora do bloco econômico deve pagar o mesmo imposto de importação para entrar em qualquer um dos países-membros. Tal imposto é chamado de Tarifa Externa Comum (TEC). Esse é o caso do Mercado Comum do Sul (Mercosul), formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, em 1991. Outro exemplo é o Pacto Andino (ou Comunidade Andina), instituído pela Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, em 1969.
A união econômica e monetária tem como único exemplo na atualidade a União Europeia (EU). Ela adotou como moeda única o euro, que em 2005 já era usado por 12 dos 25 países que integram o bloco.
Essa divisão por tipos de bloco, contudo, é complexa, pois eles estão em constante mudança e tendem a mesclar essas características que os distinguem.
Para se ter uma ideia do peso econômico dos blocos regionais, bastaria mencionar o seguinte. Os blocos mais importantes do planeta são os da América do Norte, da Comunidade Europeia e da Ásia Oriental, que são liderados, respectivamente, pelos Estados Unidos, Alemanha e Japão. Esses três blocos dominam conjuntamente 75% do comércio mundial.
O prefixo neo é utilizado no vocábulo neoliberalismo para distinguir o liberalismo atual do antigo liberalismo, que influenciou políticas econômicas desde antes da Revolução Industrial até a crise mundial do capitalismo de 1929. O velho liberalismo defendia a economia de mercado e a liberdade de comércio e produção. Defendia também o “Estado mínimo”, visto como um “mal necessário” para preservar o direito de propriedade e garantir o respeito à lei e à ordem. O Estado liberal era “mínimo” porque não interferia nas atividades econômicas nem em questões sociais, como os baixos salários, as condições de trabalho e o desemprego.
Durante a década de 1930, o Estado voltou a adotar uma política intervencionista para enfrentar a crise econômica e social agravada pela Grande Depressão. Os governos realizam obras públicas para reativar a economia e criar empregos, tomavam medidas para evitar a falência das empresas e o fechamento das fábricas e adotavam uma legislação social para combater a miséria,a fome e a exploração do trabalho. Essa política ficou conhecida como Keynesianismo, em homenagem a seu formulador, o economista inglês John Mynard Keynes. A política de bem-estar social (welfare state), concebida por Keynes, foi adotada por muitos dos países desenvolvidos depois da Segunda Guerra Mundial.
O neoliberalismo surgiu na década de 1970 como a política econômica como uma política econômica do capitalismo na época da globalização. Este novo liberalismo prega o abandono da política econômica do bem-estar social e o retorno às características do liberalismo econômico, entre elas, a redução do papel do Estado e sua retirada da economia. Para os neoliberais, o Estado não soluciona os problemas, mas, ao contrario, o Estado é o grande problema. Na sua visão, o Estado se tornou caro demais e é preciso retirá-lo das costas dos contribuintes, já sobrecarregados de tributos. O neoliberalismo defende a abertura da economia, a abolição das tarifas alfandegárias e a liberação dos mercados nacionais à livre circulação de mercadorias, serviços e capitais estrangeiros. Seu grande objetivo é a integração e a interdependência da economia em âmbito global. Essa liberalização deve ser feita em escala mundial, por cima das fronteiras das nações, tendo como agentes os grandes bancos e as empresas multinacionais. Cabe ao Estado “enxugar” a máquina governamental, isto é, cortar os gastos públicos e reduzir as despesas com políticas sociais.
Segundo a visão neoliberal, o governo deve se desfazer das empresas e serviços públicos, transferindo-os para a iniciativa privada. Esse é o processo de privatização da economia. A partir daí, a única função do Estado seria deixar o mercado se auto-regular sem nenhuma interferência, mas procurando coibir os abusos e evitar os excessos da livre-concorrencia. Problemas sociais como a concentração de renda, a redução dos postos de trabalho e o aumento do desemprego seriam resolvidos naturalmente com o desenvolvimento da economia, a expansão da produção, a redução dos impostos e o incremento do comércio externo. Exemplos clássicos de neoliberalismo foram políticas econômicas adotadas pela primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, e pelo presidente republicano Ronald Reagan, nos Estados Unidos, durante a década de 1980.
O desmanche do Estado de bem-estar social nesses países se deu sob a alegação de que a política keynesiana estaria se mostrando inflacionária à medida que as despesas públicas subiam e a capacidade fiscal estagnava. Segundo Thatcher e Reagan, a redução do crescimento significava problemas para o Estado de bem-estar social. Na realidade, a ideia de Estado de bem-estar social era algo que os países capitalistas utilizavam para conter a difusão das ideias e o avanço do comunismo pelo mundo. Mas, como no início da década de 1980 os regimes comunistas já estavam em declínio, os governos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos não viam mais motivos para evitar um enorme aumento na concentração de renda.
Segundo o historiador Paul Kennedy, desde o aparecimento das primeiras comunidades humanas até o ano de 1825 a população mundial atingiu o número de um bilhão de habitantes. Nos cem anos seguintes ela saltou para dois bilhões de pessoas e meio século depois, em 1975, havia dobrado para quatro bilhões. Em 2005, a população do planeta ultrapassava seis bilhões de seres humanos. Daí para frente as previsões demográficas são divergentes. A estimativa mais provável é que, em 2025, nosso planeta terá por volta de 8,5 bilhões de habitantes. Os demógrafos afirmam que a curva de crescimento tenderá a se estabilizar por volta de 2050 em torno dos nove bilhões de pessoas.
Do total previsto, cerca de 7,5 bilhões estarão concentrados nos países subdesenvolvidos da Ásia, África e América Latina. Cerca de 1,5 bilhão habitará os países desenvolvidos do Hemisfério Norte. É de se resaltar que, na metade deste século, somente a Índia terá uma população de 1,5 bilhão, ultrapassando inclusive a China, que terá 1,4 bilhão de habitantes. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a previsão é que, até meados do século XXI, mais de 90% da população mundial estará vivendo nas áreas hoje subdesenvolvidas do Hemisfério Sul. Não é difícil prever os efeitos dessa explosão demográfica na propagação da miséria e da fome, na devastação do meio ambiente e dos recursos naturais, bem como na transmissão de doenças epidêmicas, caso não haja uma mudança na redistribuição de renda entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos e entre os próprios habitantes, um grande investimento na área de saúde e uma nova mentalidade da relação entre o ser humano e o meio ambiente.
Um dos reflexos do desequilíbrio demográfico é o aumento crescente das migrações populacionais dos países subdesenvolvidos para os países desenvolvidos. N realidade, houve como que uma radical inversão na direção dos fluxos migratórios. No passado havia uma certa coincidência geográfica entre o desenvolvimento tecnológico e o crescimento demográfico. Ambos os processos ocorreram principalmente na Europa. O resultado foi que o excedente populacional europeu migrou para as regiões periféricas do globo, indo povoar as Américas, a África do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. A primeira onda migratória ocorreu nos séculos XVI-XVII, após a expansão marítima europeia e a colonização dos novos continentes. A segunda onda transcorreu nos séculos XIX-XX quando a industrialização e as guerras levaram mais de cinquenta milhões de europeus a buscar uma nova vida e condições de trabalho nas terras de além-mar.
As correntes imigratórias atuais percorrem, desde o final do século XX, exatamente o caminho inverso. Os contingentes humanos partem da América Latina, da África, do Oriente Médio e da Europa oriental para a América do Norte, a Europa ocidental, o Japão e a Oceania. Sob a pressão de desemprego, da fome, da miséria e da exclusão social, os novos imigrantes vão da periferia para o centro em busca de empregos e de uma existência mais digna. Além disso, uma parte dos imigrantes deste século é obrigada a deixar sua terra natal fugindo das guerras externas, dos conflitos civis e das perseguições étnicas e religiosas. O fato é que, em consequência desta terceira onda migratória, mais de cem milhões de estrangeiros vivem, hoje, de forma legal ou clandestina, nos países desenvolvidos.
Nestes países desenvolvidos, setores sociais ultraconservadores desenvolveram uma reação hostil diante das levas de imigrantes, assumindo atitudes excludentes, discriminatórias ou violentas contra os trabalhadores estrangeiros e suas famílias. Os atuais movimentos de extrema-direita, como os neonazistas, os skinheads e os adeptos do poder branco (White powers), dirigem sua propaganda, sua ação e seus preconceitos étnicos e raciais contra esses recém-chegados “diferentes”. Aliás, é importante resaltar que esse fenômeno anti-social não se restringe aos países da Europa e aos Estados Unidos. Ele tem ocorrido também aqui no Brasil e suas principais vítimas são esses “outros” representados pelos migrantes nordestinos, pelos homossexuais e pelos judeus.
As explosões tecnológica e demográfica, e principalmente o modo como a sociedade lida com o os recursos naturais, são responsáveis por uma série de graves impactos ambientais no planeta. Isso significa que a responsabilidade pelo processo de degradação ambiental é compartilhada, ainda que em medidas desiguais, tanto pelos países desenvolvidos quanto pelos países subdesenvolvidos. A degradação ambiental afeta a terra, a água, o ar e as espécies vivas, estando em curso tanto no Hemisfério Norte quanto no Hemisfério Sul. Neste novo século defrontamos com diversos problemas em âmbito regional e global, que requerem soluções baseadas na cooperação internacional. Alguns desses problemas são, por exemplo, a exploração predatória de recursos naturais não-renováveis; a poluição do solo, da atmosfera, dos rios e oceanos; a destruição da fauna e da flora; a extinção de espécies do mundo animal e vegetal; as alterações climáticas que podem colocar em risco a própria existência humana na Terra.
Atualmente, cerca de 24% das espécies de mamíferos e 12% das aves do planeta estão ameaçadas de extinção. O desmatamento do solo pelas queimadas e a destruição das florestas pela extração de madeira, atividades de mineração, construção de barragens e atividades agropastoris já eliminaram quase 50% da cobertura vegetal do globo terrestre. De um total de 62 milhões de km². Nas últimas décadas foram destruídas mais de 20% das florestas tropicais asiáticas, africanas e latino-americanas. É difícil acreditar que 40% dos seres humanos não dispõem de água suficiente para suas mais elementares necessidades, por causa da desertificação do solo, da contaminação dos rios e do esgotamento dos lençóis freáticos.
Existem vários outros graves impactos produzidos pela ação predadora da sociedade sobre a natureza. Um dos mais importantes é denominado efeito estufa, ou seja, o aumento da temperatura média do planeta, que pode causar o degelo das regiões polares e a desertificação de áreas continentais. Uma das prováveis consequências do aquecimento global seria a elevação do nível dos oceanos, inundando muitas regiões costeiras, provocando o despovoamento de cidades litorâneas e a destruição de áreas cultivadas em todos os continentes. Somente a título de exemplo, diversos especialistas afirmam que a camada de gelo do Oceano Ártico ficou 40% mais fina e perdeu 14% de sua área total nas últimas décadas.
Diante desses desafios, é necessário desenvolver nas novas gerações uma consciência ecológica voltada para a preservação ambiental. A defesa de um ecossistema equilibrado é fundamental para a continuidade da vida no planeta, seja ela humana, animal ou vegetal. Nesse contexto assume bastante relevância a noção de desenvolvimento sustentável, ou seja, sem que os recursos naturais consumidos se esgotem e o meio ambiente seja danificado.
É preciso colocar um freio à busca suicida de um crescimento a todo custo e combater a mentalidade de um consumismo egoísta e irresponsável. É necessário difundir uma nova visão de mundo baseada num princípio altruísta que pode ser resumido numa única frase: “sabendo usar não vai faltar”. Assim, a ideia de desenvolvimento sustentável defende o princípio de que as gerações atuais precisam procurar atender suas necessidades básicas com parcimônia, evitando destruir o patrimônio natural que deve garantir a sobrevivência das gerações futuras em nosso planeta.
A globalização: internacionalização do capitalismo
Desde seu aparecimento, no início dos tempos modernos, o capitalismo tendeu para a internacionalização. Essa tendência já se manifestava nos séculos XV XVI, com as Grandes Navegações abrindo os caminhos para a expansão do capitalismo comercial em escala mundial.
No século XIX, o processo de internacionalização tomou a forma de imperialismo, caracterizado pela expansão do capital financeiro e pela divisão internacional do trabalho. No fim do século XX, esse processo ganhou novos contornos. Devido ao avanço tecnológico, sobretudo nas áreas de informática e de comunicações, capitais e mercadorias passaram a circular de forma mais intensa por todo o mundo, dando origem à globalização.
Esse processo está conduzindo os povos do mundo uma interdependência cada vez maior. Mas a riqueza gerada pela globalização não chega a ser apropriada de forma igualitária por todas as nações, o que amplia os contrastes entre países ricos e pobres, gerando conflitos ao redor do mundo.
Uma nova ordem mundial
Após a Segunda Guerra Mundial, foi inaugurada outra etapa na internacionalização do capitalismo, comandada pelo poder militar e econômico dos Estados Unidos, cuja moeda – o dólar – se converteu na base do sistema monetário mundial. Essa fase, encerrada na década de 1970 em consequência das crises do petróleo (1973 e 1979), já foi chamada de Era de Ouro do capitalismo, em virtude dos altos índices de crescimento da produção e de geração de empregos, apresentados pelos países capitalistas industrializados.
Durante os “anos dourados”, contudo, a humanidade viveu sob o risco permanente de uma guerra nuclear, que ameaçava destruir todo o planeta. Nesse período, como vimos, o mundo estava dividido em dois grandes blocos antagônicos, separados por um abismo ideológico. Com a economia estatizada, o bloco soviético era uma barreira intransponível para a internacionalização do capital sob a égide dos EUA.
Com a desintegração da União Soviética e o fim da Guerra Fria, caíram as barreiras que impediam a completa internacionalização da economia mundial. Por isso, costuma-se dizer que, desde o início dos anos 1990, surgiu uma nova ordem mundial, construída a partir do processo de globalização.
Uma das características da economia globalizada consiste na circulação de grandes massas de capital pelo planeta, em busca das aplicações mais lucrativas no mercado financeiro. Até a China, onde o socialismo ainda se mantém, flexibilizou sua economia por meio de reformas que a inseriram no mercado internacional.
Empresas transnacionais
Nos últimos 250 anos, a humanidade passou por três processos de transformação econômica conhecidos como “revoluções industriais”. O primeiro deles, iniciado por volta de 1750, foi marcado pelo desenvolvimento da máquina a vapor de 1850, surgiram a ferrovia, a eletricidade, o telégrafo e o automóvel.
Atualmente, está em curso a terceira revolução industrial, iniciada na década de 1970, quando chegaram ao mercado importantes inovações tecnológicas, como computadores, os telefones celulares, a fibra óptica, etc. Esse avanço tecnológico, impulsionado principalmente pelo setor de informática, permitiu a automação da indústria e, em consequência, o aumento e a diversificação da produção, além do barateamento de numerosos produtos. Na década de 1980, por exemplo, um computador vendido no Brasil custava tanto quanto um carro de porte médio. Hoje, milhares de computadores são vendidos em todo o país a preços muito acessíveis.
Para chegar ao barateamento nos custos de produção, as grandes empresas investem maciçamente em pesquisa e desenvolvimento de novos métodos produtivos. Como as pequenas não têm como investir no próprio crescimento, elas não conseguem acompanhar o ritmo imposto pelo mercado e são absorvidas pelas empresas de grande porte. Por isso, uma das características do processo de globalização é a formação de gigantescos grupos econômicos pela fusão de várias empresas ou de companhias líderes do mercado.
Outro aspecto dessa política econômica que também concorre para baixar os custos da produção consiste na formação de empresas transnacionais. Uma empresa transnacional é uma espécie de “fábrica mundial” que produz bens montados com peças fabricadas em diversas partes do mundo. Uma empresa de capital estadunidense, por exemplo, fabrica computadores. Os componentes que ela utiliza, entretanto, podem ter sido produzidos na China, em Taiwan, na Coreia do Sul, no Japão, no Vietnã ou até mesmo nos EUA. O que determina, nesses casos, em que país deve ser fabricada tal ou qual peça é o preço da mão de obra, paga com salários mais baixos nos países do Terceiro Mundo.
Mais um exemplo: a empresa estadunidense Ford fabrica automóveis e é dona de 25% da Mazda japonesa. Juntas, as duas produzem carros de pequeno porte. As duas companhias são sócias da empresa coreana Kia Motors. A Kia vende certas peças para a Ford/Mazda. Outra fábrica japonesa, a Yamaha, fornece os motores. O produto final é um carro da marca Ford, mas ele não tem identidade nacional: não é coreano, nem estadunidense nem japonês.
O comércio em escala mundial
Ao longo da história, o comércio sempre desempenhou importante papel no intercâmbio entre os povos e na dinamização das atividades econômicas. Desde que os europeus começaram as viagens marítimas interoceânicas, no início da Idade Moderna, o comércio vem se ampliando de modo contínuo e crescente. A expansão das trocas internacionais, porém, tem sido mais acentuada em épocas recentes, particularmente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Isso porque, em 1948, foi criado o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (cuja sigla em inglês é GATT), que pôs em prática uma política de redução das tarifas alfandegárias. Assim, as tarifas, que eram em média de aproximadamente 40% em 1940, baixaram para cerca de 5% na década de 1990. Como resultado dessa política, as exportações mundiais cresceram muito mais rapidamente do que a produção entre os anos de 1960 e 1990.
Em janeiro de 1995, o GATT foi substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que ainda hoje tem, entre outras, as atribuições de administrar acordos comerciais, atuar como fórum de negociações entre países e resolver disputas comerciais. Ao ser criada, a nova entidade manteve e ampliou ainda mais a política de estímulo ao intercâmbio mundial de mercadorias. Para ter ideia do êxito dessa política, o comércio internacional passou de 61 bilhões de dólares, em 1950, para 5,2 trilhões de dólares, em 1998.
O capital especulativo
Nas últimas décadas, as trocas comerciais têm sido acompanhadas de um gigantesco crescimento nos movimentos de capitais, feitos com o objetivo de buscar aplicações lucrativas de diversos tipos, nos mais diferentes mercados. Boa parte desses capitais está voltada a aplicações de curto prazo (capital especulativo), em mercados de ações, moedas e títulos emitidos pelos governos de muitos países.
Esse tipo de capital surgiu de dois processos combinados. Um deles foi resultado da adoção de políticas neoliberais, durante a década de 1980, pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e pela primeira-ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher. Como se sabe, o neoliberalismo é uma doutrina que defende a não intervenção do Estado nas atividades econômicas, a privatização das empresas estatais e a abertura das economias nacionais. Com essa política, Reagan e Thatcher estimularam a queda de barreiras econômicas entre os países e contribuíram para a intensificação do intercâmbio comercial e financeiro no mercado mundial. O segundo processo foram as inovações introduzidas nas telecomunicações e na informática, que imprimiram incrível rapidez às transações financeiras. Essa nova modalidade de investimento consiste em capitais especulativos, que circulam com grande velocidade pelos mercados financeiros de todo o mundo, explorando as melhores taxas de juros em cada país.
Um exemplo de especulação financeira é o seguinte: o investidor estrangeiro converte seus dólares (ou outra moeda forte) em moeda nacional ( o real, por exemplo) e aplica-os no mercado de ações, aproveitando-se de um momento favorável da Bolsa de Valores. Ao menor sinal de instabilidade, o investidor vende as ações, faz a conversão da moeda e leva os dólares embora. Se vários investidores fizerem isso ao mesmo tempo, pode haver uma crise na economia local que rapidamente se propaga para outros países em virtude da integração das economias. Crises desse tipo afetaram recentemente o México (1995), a Tailândia (1997), a Rússia (1998), o Brasil (1999) e os EUA (2008), repercutindo em quase todo o mundo.
A era dos computadores
A globalização financeira foi facilitada pelas inovações no campo das telecomunicações. Como vimos, a rápida evolução da tecnologia da informação colocou em uso o computador pessoal, o telefone celular, a videoconferência, etc. a introdução dos cabos telefônicos de fibra óptica aumentou em milhares de vezes a capacidade das ligações telefônicas simultâneas. Essas mudanças tiveram um efeito revolucionário na expansão do comércio, nos fluxos de investimentos e na atuação das empresas multinacionais, possibilitando a unificação do mercado mundial.
O salto decisivo da globalização das comunicações ocorreu com a popularização da internet no início dos anos 1990. Essa rede computadorizada de informações surgiu no fim da década de 1960, patrocinada pelos órgãos de defesa dos Estados Unidos, na época da Guerra Fria. Tinha a finalidade de interligar centros de comando e de pesquisa militar. Pouco depois, a rede começou a ser utilizada pelas universidades. À medida que os computadores pessoais se tornaram acessíveis e se desenvolveram dispositivos especiais de localização, mais pessoas puderam “navegar” na rede. A internet constitui, hoje, o principal meio de transmissão de dados, de pesquisa, de comunicação entre pessoas e empresas, devendo causar também uma revolução na telefonia mundial.
O estado em face da globalização
O papel do Estado passou por diversas mudanças nos últimos anos, particularmente a partir do fim da década de 1980. Para isso, contribuíram:
A onda neoliberal que, a partir dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, se propagou pelo planeta defendendo a redução do papel do Estado tanto na economia quanto nas funções de previdência social;
O fim da Guerra Fria, que reduziu ainda mais a possibilidade de conflitos armados entre as grandes potências.
Além disso, as novas tecnologias digitalizadas de comunicação (satélites, fax, redes de computadores) tiraram do Estado o controle exclusivo da informação em seu próprio território. A mídia internacional ignora as distâncias tanto quanto as fronteiras e possibilita, de forma crescente, que pessoas de países diferentes se interliguem. Como consequência. Há hoje forte tendência para a globalização dos padrões culturais e de consumo, enquanto a língua inglesa se impõe como idioma universal.
Para alguns estudiosos, a aceleração desse processo poderia provocar o enfraquecimento do Estado e a perda da soberania nacional. Essa posição, no entanto, é polêmica, visto que o Estado continua sendo responsável pela integração dos mais diversos setores da sociedade.
A precarização do trabalho
Com a revolução tecnológica das três últimas décadas, o trabalho humano passou a ser substituído por máquinas e processos produtivos cada vez mais complexos e sofisticados. Esse processo, conhecido como automação, provocou a extinção de milhões de postos de trabalho em todo o mundo, levando à demissão em massa de trabalhadores na indústria e no setor de serviços.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que, em janeiro de 2003, havia no mundo cerca de 180 milhões de pessoas desempregadas. Além delas, cerca de 550 milhões de trabalhadores sem remuneração fixa que não contam com os benefícios da legislação trabalhista, como as de camelô, catadores de papel, engraxates, etc.
Para alguns economistas, a automação extingue funções e, portanto, o aumento do desemprego é inevitável. Para outros, trata-se de uma situação passageira, semelhante à que ocorreu durante a primeira Revolução Industrial, quando as máquinas começaram a substituir o trabalho humano. Nesse caso, a atual onda de desemprego seria seguida da criação em grande escala de novos postos de trabalho, ligados à tecnologia de ponta.
Seja qual for a causa do desemprego, é certo que, na maioria dos países a globalização está associada à precarização do trabalho. A competição entre empresas e a necessidade de reduzir custos levaram os patrões e exigir mais de seus empregados, nem sempre aumentando os salários.
Embora em condições precárias, muitos empregos haviam sido criados por conta do crescimento econômico registrado nos últimos anos em muitos países, sobretudo na zona do euro e nos Estados Unidos. Esses países, para suprir a falta de braços, vinham atraindo trabalhadores estrangeiros, principalmente para o setor de construção civil.
A crise econômica iniciada em 2008 mudou esse quadro. A recessão que se espalhou pelo mundo fez desaparecer muitos postos de trabalho e os países ricos tomaram medidas mais rígidas contra a imigração. Cálculos da OIT divulgados no início de 2009 previam que a crise poderia eliminar até 40 milhões de empregos em todo o mundo até o fim daquele ano.
Globalização e desigualdade
O processo de globalização é considerado irreversível pelos especialistas, mas seus rumos são criticados por diversos por diversos grupos políticos em todo o mundo. Uma das principais críticas é que a globalização não favorece a distribuição da riqueza entre os países, agravando a exclusão social. Enquanto países desenvolvidos detêm mais de 70% do comércio internacional, as nações em desenvolvimento não conseguem usufruir dos lucros gerados pela globalização.
Com as desigualdades denunciadas por diversos países em desenvolvimento e ONGs (organizações não governamentais) internacionais, as instituições financeiras supranacionais, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (Bird) e Organização Mundial do Comércio (OMC), começam a se preocupar com o aumento do “abismo” que separa os países ricos dos países pobres.
O espírito de Seattle
O primeiro grande protesto contra a globalização ocorreu em dezembro de 1999, em Seattle (EUA), durante uma reunião da OMC que pretendia lançar a Rodada do Milênio – um novo cronograma para a redução de tarifas comerciais. Do lado de dentro, países ricos e pobres divergiam quanto a metas e prioridades. Nas ruas de Seattle, cerca de 100 mil representantes de sindicatos e ONGs realizavam protestos contra a OMC e a globalização, entrando em choque com a polícia. Os confrontos duraram três dias e deixaram um saldo de mais de 500 pessoas presas e centenas de feridos. Estabelecimentos comerciais considerados símbolos da globalização, como as lanchonetes da rede McDonald’s e lojas de artigos da Nike, foram depredados.
A partir de Seattle, as manifestações antiglobalização cresceram. Nascia o chamado espírito de Seattle, que envolve grupos políticos de todo o mundo.
Em abril de 2000, durante a reunião semestral do FMI e do Banco Mundial, em Washington, mais de 10 mil manifestantes tomaram as ruas da capital dos Estados Unidos com bandeiras e cartazes com slogans antiglobalização. Cinco meses depois, novamente num encontro entre o FMI e o Banco Mundial, em Praga (República Tcheca), os protestos terminaram num conflito violento entre os manifestantes e a polícia.
Em janeiro de 2001, a reunião anual do Fórum Econômico Mundial – entidade que reúne representantes dos países mais ricos, banqueiros, economistas e empresários –, realizada em Davos (Suíça), contou com um esquema de segurança rigoroso: a polícia suíça isolou a cidade e fechou temporariamente as fronteiras do país. Os poucos mais de mil ativistas que conseguiram romper o bloqueio seguiram para Zurique, onde queimaram carros e enfrentaram os policiais.
Enquanto isso, em Porto Alegre (Brasil), aproximadamente 10 mil pessoas representando ONGs, sindicatos, movimentos de esquerda, entidades estudantis, etc. se reuniram no Fórum Social Mundial. Devido à grande quantidade de críticas Á globalização e discursos exigindo dos países ricos o cancelamento das dívidas dos países pobres, o encontro foi logo chamado de anti-Davos.
Em julho de 201, em Gênova (Itália), pela primeira vez um confronto entre os ativistas antiglobalização e a polícia terminou em tragédia. O italiano Carlo Giuliani, de 23 anos, morreu quando protestava, ao lado de mais de 150 mil manifestantes, contra uma reunião de G-8 (grupo das sete maiores economias mundiais mais a Rússia). Cerca de 200 ativistas foram presos e 560 pessoas ficaram feridas.
Em busca de soluções globais
Aspecto interessante da globalização é que ela está levando povos do mundo a pensar em soluções globais para seus problemas.
Em Kyoto (Japão), em dezembro de 1997, foi firmado um tratado internacional (Protocolo de Kyoto) que prevê a redução pelas nações industrializadas das emissões de gases-estufa (causadores do efeito estufa, que é o aquecimento anormal da atmosfera), os EUA, país que mais polui o planeta (são responsáveis por 25% de todo o dióxido de carbono emitido no mundo), foram a única nação que não ratificou o protocolo. Os outros países industrializados concordaram em, até 2012, reduzir em 5,2% suas emissões de gases-estufa.
Em junho de 2001, foi realizada em Nova York (EUA) a Assembleia Geral das Nações Unidas sobre aids, cujo objetivo era discutir a prevenção e o combate à doença. Além de reafirmar que o acesso aos medicamentos é um direito humano, os países participantes decidiram intensificar a prevenção entre grupos vulneráveis, como homossexuais, prostitutas e usuários de drogas; ampliar o tratamento dos portadores do HIV; e criar um fundo internacional para a realização desses trabalhos. A aids já atingia, nessa época, mais de 36 milhões de pessoas em todo o mundo.
Outra solução global foi buscada na Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância, que reuniu 173 países em Durban (África do Sul), entre agosto e setembro de 2001.
O documento final do encontro reconheceu a escravidão como crime contra a humanidade. Também reivindicou medidas efetivas dos países ricos para reverter as injustiças históricas cometidas contra os povos africanos. Foram exigidos o alívio das dívidas, a erradicação da pobreza e investimentos em saúde e no combate à aids.
A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Desde o começo da Era espacial, no início da década de 1960, novas tecnologias são criadas e aprimoradas a cada dia. Nas décadas mais recentes, devido à rapidez com que ocorrem as inovações, essas tecnologias se popularizaram e tornaram-se mais comuns no cotidiano das pessoas, mudando seu modo de vida.
A necessidade de acompanhar o s avanços da tecnologia está provocando, em muitas sociedades, uma transformação profunda nos mecanismos de produção, armazenamento, administração, comercialização e consumo.
Esse conjunto de transformações pelas quais estamos passando pode ser considerada uma Terceira revolução Industrial. Essa revolução seria caracterizada pela grande rapidez com que os avanços científicos e tecnológicos surgem e são implementados nas linhas de produção das fábricas.
Além disso, vem ocorrendo um grande aumento no fluxo de informações e de capital monetário (com o uso dos meios de comunicação) e também na velocidade e na quantidade dos deslocamentos mundiais de mercadorias e de pessoas (pela utilização dos meios de transporte). A rapidez dos transportes e das comunicações colaboram para que as pessoas convivam diariamente com os avanços tecnológicos, contribuindo para a consolidação de uma sociedade tecnológica e globalizada.
Vários meios de comunicação se tornaram mais populares nas últimas décadas. Inúmeros telefones celulares, televisores, rádios, jornais, revistas são vendidos todos os dias, permitindo a troca de uma grande quantidade de informações. No entanto, com o advento da informática e dos computadores, a velocidade com que ocorre a troca dessas informações aumentou principalmente depois do desenvolvimento das chamadas “redes”, que interligam computadores, por exemplo, por meio de sistemas de telecomunicação, como a Internet. Com a expansão da internet, o acesso à informação se tornou muito mais ágil e fácil, interligando pessoas de diferentes lugares do mundo. A Internet criou um novo tipo de relação social, estabelecendo a chamada Era da Informação.
O desenvolvimento dos meios de transporte aumentou a integração entre as pessoas e os mercados de diversas partes do mundo. Atualmente, entre os exemplos da grande velocidade que os meios de transporte podem alcançar, estão: trens que transportam passageiros a 500 km/h, carros que chegam a atingir 400 km/h e aviões que voam a 3500 km/h. Além da velocidade, a capacidade de carga dos meios de transporte também aumentou. Veja alguns exemplos: há trens com capacidade para carregar mais de 20 000 toneladas e navios cargueiros com capacidade de carga de mais de 300 000 toneladas.
As tecnologias de interação
Outra inovação que tem provocado várias mudanças no comportamento das pessoas é a tecnologia da interação em tempo real, que permite a transmissão imediata de informações. Essa tecnologia é utilizada em atividades que exigem alta precisão, por exemplo, o lançamento de foguetes.
A transmissão de informações em tempo real é utilizada também em computadores e videogames para criar as chamadas realidades virtuais (ou espaços virtuais), que permitem a interação por meio de sons e imagens entre pessoas que estão em lugares diferentes ou, ainda, uma maior interação das pessoas com as próprias realidades virtuais criadas por esses aparelhos. As pessoas que têm acesso a esses avanços meios de comunicação acabam adquirindo novas noções de tempo e de espaço.
A robótica e a automação
A robótica, tecnologia voltada à automação das máquinas, surgiu no século XX. As máquinas automáticas, também chamadas de robôs, realizam trabalhos programados pelo ser humano. Os robôs têm sido utilizados em diversas indústrias, o que tem gerado muitas críticas pelo fato de substituírem o trabalho humano.
A BIOTECNOLOGIA
Os grandes avanços tecnológicos do final do século XX permitiram aos cientistas desenvolver novas pesquisas, principalmente nas áreas da biologia e da genética. Dessa forma, eles alcançaram um alto nível de conhecimento sobre o organismo humano e a natureza.
Nesse contexto, destacou-se a biotecnologia, ramo da ciência que estuda a utilização de material genético dos seres vivos para desenvolver organismos (plantas e animais) geneticamente modificados.
As principais pesquisas que estão sendo realizadas nessa área se dedicam a estudar o genoma humano, utilizar as células-tronco para tratamentos médicos e produzir alimentos transgênicos. As células-tronco são células que podem originar qualquer órgão ou tecido humano.
O mapeamento do genoma humano e as células-tronco
Durante 13 anos (de 1990 a 2003), cientistas de vários países trabalharam no Projeto Genoma Humano, que tinha o objetivo de mapear o genoma dos seres humanos. Esses cientistas conseguiram descobrir a sequência dos genes do nosso organismo e, atualmente, procuram descobrir qual é a função deles, para utilizar esse conhecimento na cura de doenças como o câncer, a hemofilia e a doença de Parkinson.
Além do mapeamento do genoma humano, os cientistas têm pesquisado o uso de células-tronco no tratamento de doenças, na fabricação de medicamentos e na produção de órgãos e tecidos para transplantes.
A transgenia
Além da manipulação dos genes dos seres humanos e de outros animais, muitos cientistas têm se especializado no desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas, chamadas de transgênicas.
Para produzir o milho transgênico, por exemplo, os cientistas introduzem genes de outras espécies de plantas no milho para que ele apresente a característica desejada, como maior resistência às pragas que prejudicam a produção da lavoura ou o aumento da quantidade de nutrientes do alimento.
No entanto, a manipulação dos genes das plantas para a produção de alimentos transgênicos podem prejudicar o meio ambiente, afetando a biodiversidade natural do planeta.
A BIOÉTICA
Com os avanços científicos no campo da biotecnologia torna-se indispensável que os profissionais que pesquisam o funcionamento dos serem vivos levem em consideração a bioética, que busca garantir a integridade e a dignidade dos seres vivos acima de qualquer pesquisa científica.
A bioética foi estruturada como disciplina na década de 1970 de 1970 nos EUA e congrega vários saberes, entre eles a biologia, a medicina, a filosofia e o direito.
Os campos de atuação da bioética
Sendo um campo de estudos que integra várias disciplinas, a bioética atua na tentativa de resolver diversas questões – por meio de leis, diretrizes e regulamentações –, que relacionam avanços científicos com problemas de ordem social e moral da contemporaneidade, tais como aborto, fertilização in vitro, clonagem, eutanásia, células-tronco embrionárias, transgênicos e muitos outros. Leia o texto a seguir.
À primeira vista parece que as questões relativas à bioética só interessam a profissionais da área de saúde (medicina, enfermagem, odontologia, farmácia etc.) e a cientistas. Tal impressão é falsa.
Os assuntos da bioética são importantes para todas as pessoas, porque cientistas e profissionais de saúde existem para “atender” às necessidades das pessoas; todas, portanto, têm direito de reconhecer bem os procedimentos e o grau de risco, e então fazer sua escolha. Enfim, todas as pessoas têm o direito de decidir.
A bioética apresenta-se como um instrumento importante para a socialização do debate sobre as tecnociências. Não é simples nem fácil para quem não é especialista compreender o que se passa na arena das ciências biológicas, em particular porque a celeridade com que os saberes são gerados é alucinante, assim como são muito rápidas as repercussões das pesquisas básicas na frente industrial e financeira. Tal realidade forçosamente impede que não especialistas percebam as dimensões de tudo isso no cotidiano e as possíveis perspectivas de futuro para a humanidade. [...].
É preciso haver regulamentação pública sobre a atividade científica e os produtos das ciências, que de nenhum modo significa adotar uma postura contra a ciência e a tecnologia. Vivemos uma época na qual a ciência não é tão somente uma inocente e poética tentativa de explicar a natureza. Suas aplicabilidades tecnológicas (industrialização da ciência) impactam quase todos os domínios de nossas vidas, daí a necessidade de proteger “consumidores(as)” e produtores”as” de ciências. Caíram por terra, pois, a universalidade, a inocência e autoridade, supostamente intrínsecas à atividade cientifica. Essa regulamentação é uma tentativa de circunscrever os direitos e deveres de cientistas e demais profissionais da saúde e, de exigir que o compromisso e a responsabilidade social sejam o esteio de suas atividades.
A QUESTÃO ENERGÉTICA
O desenvolvimento tecnológico ocorrido nas últimas décadas provocou um grande aumento no consumo mundial de energia, pois tanto as máquinas industriais quanto os meios de transporte e de comunicação precisam dela para funcionar. Além disso, o atual modo de vida da maioria da população mundial, principalmente nos grandes centros urbanos, depende da utilização de diferentes fontes de energia.
Energias não renováveis
Além do petróleo, existem outras importantes fontes de energia, como o carvão mineral, muito utilizado pelas indústrias. A queima do carvão e do petróleo, no entanto, é uma das formas de produção de energia mais prejudiciais ao meio ambiente, pois ela provoca a poluição do ar e é uma das principais causas das alterações climáticas que vêm ocorrendo no planeta.
A força das águas dos rios também é utilizada para gerar energia elétrica e, para tanto, são construídas usinas hidrelétricas. Apesar de essa fonte de energia ser renovável e não poluente, a construção de uma usina também prejudica o meio ambiente, pois, para formar uma represa, é necessária a inundação de uma grande área, afetando a flora e a fauna da região, além das populações ribeirinhas.
Energias renováveis
Atualmente, devido aos problemas ambientais que os meios tradicionais de produção de energia provocam, muitos cientistas têm trabalhado no desenvolvimento de novas formas de obtenção de energia a partir da biomassa, que é todo tipo de resíduo de matéria orgânica, como a cana-de-açúcar, a soja, o dendê e a mamona, além de restos de madeira, que pode ser usado para esse fim.
Além disso, vários países têm investido na geração de energia eólica, produzida pela forçados ventos, e de energia solar, obtida por meio de painéis que captam os raios solares. A produção de energia nuclear é muito promissora, no entanto, tem provocado grandes polêmicas. A quantidade de gases liberados na atmosfera é muito pequena, porém essa energia produz lixo atômico, que é extremamente nocivo. Além disso, acidentes ou mau uso dessa energia podem causar grandes catástrofes.
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Desde sua formação, há cerca de 4,6 bilhões de anos, o planeta Terra passou por vários ciclos naturais de aquecimento e de resfriamento do clima. O clima pode variar quanto à temperatura, à precipitação pluviométrica e à frequência de fenômenos como tempestades, inundações e secas.
O aquecimento global
Nas últimas décadas, organismos internacionais de pesquisas e investigação sobre o clima intensificaram os alertas sobre uma tendência de aquecimento atmosférico acentuado. Os cientistas argumentam que a segunda metade do século XX foi particularmente quente, e que, até o final do século XXI, a temperatura atmosférica média pode sofrer uma elevação entre 1 °C e 5 °C.
Um dos maiores responsáveis por esse aquecimento é o aumento do efeito estufa devido às atividades humanas. O efeito estufa é um fenômeno natural que evita o resfriamento excessivo do planeta. Ele é responsável pela retenção na atmosfera de parte da energia solar refletida pela superfície terrestre, o que mantém a temperatura aquecida.
Ao liberar na atmosfera grande quantidade de gases poluentes como o CO2, produzido com a queima do petróleo e do carvão mineral, as sociedades industriais colaboram para que a atmosfera retenha mais calor do que o normal. Esse processo pode ocasionar o aquecimento excessivo do planeta, que, entre outros problemas, tendem a provocar uma elevação do nível dos mares e oceanos em decorrência do derretimento das geleiras e calotas polares; o aumento das doenças tropicais; a desarticulação das atividades agrícolas em escala mundial; além de afetar a biodiversidade do planeta como um todo.
O que pode ser feito
Entre as medidas que podem ser adotadas visando reduzir o aquecimento global, a mais importante é a redução da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão mineral, e sua substituição por fontes de energia menos poluentes.
As fontes de energia alternativas mais promissoras na atualidade são a energia solar, a eólica, e também a das marés. Essas fontes de energia são renováveis e, além disso, não são poluentes.
Outras medidas importantes para reduzir os riscos de alterações climáticas são: a redução do desmatamento, o reflorestamento e a recuperação de áreas degradadas ambientalmente. Nesse sentido, é necessário a existência de leis ambientais rígidas, com o objetivo de abrigar os industriais, e também os consumidores em geral, a reduzirem ao máximo a degradação do meio ambiente e a produção e emissão de substâncias poluentes.
PROBLEMAS DO MUNDO CONTEPORÂNEO
A expansão da globalização tem causado profundos impactos na vida econômica, social e política, em âmbito mundial. Os problemas que se apresentam no mundo contemporâneo são muitos, com destaque para a disseminação das práticas racistas e xenófobas, a propagação da AIDS nas regiões mais pobres planeta e, também, a aumento das atividades ligadas ao crime organizado.
A característica seletiva dos benefícios da globalização, que exclui do sistema grandes áreas geográficas e contingentes populacionais, com o consequente crescimento das desigualdades sociais, está na base desses problemas que atualmente afligem o mundo.
Racismo e xenofobia
O recente crescimento de forças políticas de estrema direita em diversas regiões do planeta demonstra como as atuais condições culturais e socioeconômicas contribuem para a emergência do neofascismo e do neonazismo. O problema do desemprego, somado à intensificação dos fluxos de novos imigrantes, está criando um campo fértil para a disseminação da xenofobia (medo e aversão a estrangeiro), sobretudo em países europeus.
Um exemplo do crescimento do racismo e da xenofobia pode ser visto em movimentos de jovens simpatizantes do nazismo, como os skinheads. Esses jovens, atuantes em quase toda a Europa, na América Latina, nos EUA, na Austrália e na Nova Zelândia, costumam agredir judeus, ciganos, negros, homossexuais e imigrantes. Com um discurso irracionalmente nacionalista e racista, costumam defendera identidade cultural nacional e a “pureza” étnica do país, atribuindo aos estrangeiros a culpa pelo suposto declínio econômico e moral da sociedade.
A AIDS
Em uma conferência mundial sobra a AIDS, realizada em julho de 2000 na cidade de Durban, na África do Sul, o número estimado de infestados no planeta era de 34 milhões, sendo 25 milhões apenas no continente africano. Esses números refletem uma realidade assustadora, indicando que, se não forem tomadas medidas enérgicas, em um futuro próximo as sociedades africanas mais afetadas se constituirão majoritariamente por adolescentes órfãos.
Estudos recentes demonstram que a disseminação da AIDS ocorre sobretudo em sociedades pobres, sem apoio do Estado. Esse dado desmente antigos preconceitos que associavam a doença aos homossexuais e viciados em drogas. A importância da ação do Estado na redução dos casos de AIDS pode ser observada no Senegal e em Uganda, países africanos onde medidas políticas importantes foram tomadas, como a distribuição de preservativos e o trabalho educativo, principalmente entre jovens do sexo feminino, divulgando a importância de exigir que o parceiro use preservativo. Essas medidas reduziram significativamente o número de pessoas contagiadas pela AIDS.
O crime organizado
O crime organizado pode ser definido como uma atividade ilegal exercida por um grupo hierarquicamente estruturado nos moldes de uma empresa, que divide as funções de acordo com uma logística bem planejada visando atingir altos lucros. Alimentado pela ineficiência, conivência e corrupção dos poderes públicos, o crime organizado opera em estreita relação com as atividades consideradas legais, exercendo o que se convencionou chamar de “poder paralelo”, desafiando a autoridade do Estado.
As atuais facilidades de comunicação, deslocamento e acesso a informações, proporcionadas pela Revolução Científico-Tecnológica, propiciaram a rápida internacionalização ou globalização do crime organizado. Praticamente todos os países estão de alguma forma articulados a essas redes ilegais. As atividades que elas exercem são variadas, mas, entre as que mais se destacam, estão o contrabando e o tráfico de drogas, de armas e de pessoas. No caso de tráfico de pessoas, a finalidade pode ser a prostituição, o trabalho forçado ou, até mesmo, a venda de órgãos.
A dinâmica das atividades ilícitas
As redes internacionais que controlam as atividades ilícitas atuam de forma integrada, estabelecendo alianças entre si para se fortalecerem. O caso do tráfico de drogas, por exemplo, envolve as áreas de produção, beneficiamento e distribuição.
A produção geralmente é feita nos países periféricos, onde o poder do Estado é fraco ou muito corrupto para reprimi-la de forma eficiente. Além disso, essas regiões contam com abundante mão de obra barata. Assim, países da Ásia Central, como o Afeganistão, ou do Sudeste Asiático, como Myanmar, produzem a papoula, matéria-prima do ópio e da heroína. Bolívia e Peru fornecem folhas de coca para a produção de cocaína, enquanto a produção da cannabis (maconha ou cânhamo) é forte no interior do Paraguai, no Marrocos e no Nordeste brasileiro.
As regiões mais ricas, como a Europa e os EUA, formam os maiores mercados consumidores das drogas produzidas no planeta, e são as principais distribuidoras de produtos químicos usados no beneficiamento dessas substâncias. No entanto, países de economia emergente, como o Brasil, além de fornecerem produtos para o beneficiamento, estão inseridos nas rotas do tráfico internacional e constituem um importante mercado consumidor.
O tráfico internacional de drogas está intimamente ligados a outros tipos de comércio ilícito, como o tráfico de armas. Com o final da Guerra Fria, grandes estoques de armamentos entraram no mercado de forma irregular. Assim, grupos guerrilheiros, organizações separatistas e grupos criminosos em geral tiveram o acesso facilitado a metralhadoras, granadas, lançadores de mísseis e demais artefatos bélicos que antes eram monopolizados pelos exércitos nacionais.
O dinheiro e os bens patrimoniais arrecadados pelo crime organizado geralmente servem para a manutenção e expansão das atividades ilícitas, mas uma boa parte, considerada como o “lucro”, acaba sendo investida em atividades legalmente reconhecidas. Para isso, esse capital passa pelo processo chamado de “lavagem de dinheiro”, que consiste em apagar os vestígios de sua origem criminosa. Um dos meios mais usados para isso é a remessa de dinheiro para os “paraísos fiscais”, que são Estados onde há pouca ou nenhuma restrição à entrada de capitais estrangeiros de origem desconhecida, além de garantirem o sigilo quanto à identidade dos proprietários desses capitais.
A Europa Contemporânea
Rumo à Europa unida
Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, um sentimento era comum à maioria dos governos e das sociedades europeias: era preciso encontrar um caminho que assegurasse uma paz duradoura para a reconstrução dos países destruídos. Essa reconstrução exigia um esforço gigantesco dos governos e recursos financeiros em grande escala para reerguer cidades, restabelecer as comunicações e reorganizar a economia.
Os recursos financeiros vieram dos Estados Unidos por meio do Plano Marshall, que transferiu para a Europa cerca de 14 bilhões de dólares entre 1947 e 1952. Em 1948, os líderes dos países europeus que se beneficiaram do Plano Marshall criaram a Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE). O objetivo da OECE era planejar como e onde utilizar os recursos do Plano Marshall nas atividades de reconstrução da Europa. Essa organização ofereceu uma das bases para outras experiências de integração do continente.
Assim, em 1951 os governos da França, Alemanha Ocidental, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Países Baixos (Holanda) criaram a Comunidade Europeia dos Carvão e do Aço (CECA). Seis anos depois, em 24 e 25 de março de 1957, representantes desses países assinaram o Tratado de Roma que deu origem à Comunidade Econômica Europeia (CEE), ou Mercado Comum Europeu (MCE). Era o ponto de partida do longo caminho em direção à atual Europeia (EU).
Vejamos agora em que condições estavam as três maiores potências europeias nesse período.
França: guerras coloniais e crise política
Na década de 1950 e no começo dos anos 1960, a vida política na França foi marcada pelas lutas de independência de suas colônias na África e na Ásia. Entre 1945 e 1954, o governo francês enfrentou a Guerra da Indochina, no fim da qual foi obrigado a reconhecer a independência do Vietnã do Norte, do Vietnã do Sul, do Laos e do Camboja. Na África em 1956 o Marrocos e a Tunísia tornam-se independentes. A eles se seguiram, em 1960, o Senegal, Togo, Camarões, Benin, Níger, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Chade, Congo, Gabão, Mali, Mauritânia e Madagascar, todos ex-colônias francesas.
Entretanto, a luta de libertação nacional que mais afetou a estabilidade política da França ocorreu na Argélia (norte da África). Nessa região, a guerra de independência teve início em 1954 e só terminou em 1962. Durante o conflito armado, estima-se que morreram cerca de meio milhão de argelinos e centenas de milhares de franceses, entre soldados e colonizadores.
De Gaulle e a Quinta República
Em maio de 1958, as sucessivas derrotas do exército francês na Argélia levaram o general Charles de Gaulle, herói da Segunda Guerra Mundial, a assumir o governo. Dias depois, a Assembleia acional (Parlamento) concedeu-lhe poderes especiais para governar. Nascia assim a chamada Quinta República francesa.
De Gaulle deu início a negociação com a Frente de Libertação Nacional argelina em 1959, contrariando os interesses dos colonialistas que esperavam uma reação militar contra os argelinos. Essas negociações levaram aos acordos de 1962 e ao fim da guerra, com o reconhecimento da independência da Argélia pelos franceses.
Em política externa, De Gaulle procurou se contrapor à hegemonia dos Estados Unidos no mundo ocidental. Assim, em 1966 levou a França a se afastar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Ao mesmo tempo, estimulou as pesquisas que levariam ao controle da bomba atômica pela França.
Em 1968, o apoio popular ao seu governo diminuiu graças a dois acontecimentos: as manifestações estudantis de maio de 1968 e um plebiscito no qual De Gaulle foi derrotado pelo voto. No ano seguinte, De Gaulle renunciou e novas eleições foram realizadas.
Grã-Bretanha: o fim da grande potência
Em 1945, com o fim da Segunda Guerra, o primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill, do Partido Conservador, foi derrotado nas eleições por Clemente Atlee, líder do Partido Trabalhista. Atlee realizou amplas reformas sociais e estatizou serviços e empresas estratégicas. Seu governo trabalhista deu origem ao Welfare State (Estado de bem-estar social) na Inglaterra, ou seja, um Estado baseado em programas de assistência aos cidadãos que incluíam educação, saúde, habitação, auxílio-desemprego, aposentadoria, etc.Ao contrário dos franceses e dos alemães, os ingleses não mostraram interesse em participar de acordos como o que criou o Mercado Comum Europeu. O governo e a elite britânica imaginavam que esses acordos limitariam sua política de livre-comércio e diminuiriam suas possibilidades de voltar a ser uma grande potência europeia e mundial. Entretanto, as duas grandes guerras, a ascensão da União Soviética e o ritmo de crescimento dos Estados Unidos não dariam margem para uma nova hegemonia britânica.
Em 1956, uma disputa internacional pelo cana de Suez (no Egito) revelou definitivamente o papel secundário do país diante do poder da União Soviética e dos Estados Unidos.
Sete anos depois, em 1963, a Grã-Bretanha solicitou sua integração à Comunidade Econômica Europeia (CEE), mas o pedido foi vetado pelo presidente De Gaulle. Apenas em 1973 o pedido seria aceito. Entretanto, apesar de fazer parte da União Europeia, o governo britânico mantém reservas quanto à política econômica do bloco. Enquanto quinze países europeus já adotaram o euro como moeda corrente, os ingleses ainda conservam a libra como moeda nacional.
A Europa na década de 1970
Em 1973, além da Grã-Bretanha, passaram a integrar o Mercado Comum Europeu a Irlanda e a Dinamarca. Formou-se assim a chamada Europa dos Nove. Em 1979, a população dos nove países elegeu pela primeira vez os 410 membros do Parlamento Europeu por meio do sufrágio universal.
Em meados dos anos 1970, crises políticas em Portugal e Espanha marcaram o fim das mais longas ditaduras da Europa ocidental. Em Portugal a Revolução dos Cravos, em abril de 1974, sob a liderança de jovens oficiais do exército, provocou a derrubada do governo de Marcelo Caetano, sucessor do ditador Oliveira Salazar. As primeiras eleições livres do país, em 1975, levaram à vitória de Mário Soares, líder do Partido Socialista.
Na Espanha, a morte do general Franco, em 1976, encerrou quatro décadas de ditadura e deu início a um processo de democratização sob a liderança do rei Juan Carlos de Borbón. Um novo governo foi organizado sob a chefia de Adolfo Suárez, um político conservador. Em 1986, a Espanha e Portugal ingressaram na Comunidade Econômica Europeia.
A rebelião de maio de 1968 na França
No início de maio de 1968, estudantes universitários e secundaristas saíram às ruas de Paris para protestar contra as velhas estruturas de ensino e para exigir mais democracia nas escolas e universidades. A repressão policial, sob as ordens do presidente De Gaulle, não foi suficiente para impedir as manifestações. Pelo contrário, provocou a solidariedade dos trabalhadores. Uma greve geral foi decretada e, em alguns dias, cerca de 9 milhões de operários cruzaram os braços, exigindo melhores condições de vida.
Rapidamente, o movimento ganhou novos adeptos das mais diversas classes sociais e assumiu significados mais amplos. No início, era uma forma de criticar a universidade. Com o passar dos dias, os jovens começaram a contestar igualmente os valores tradicionais e conservadores. Também criticavam o apelo ao consumo exagerado das sociedades capitalistas. Eles afirmavam que a família, a escola e o Estado reprimiam os indivíduos, transformando-os em seres infelizes e obedientes.
Em fins de maio o governo assinou um acordo com as organizações dos trabalhadores, aumentando o salário mínimo e ampliando a liberdade sindical. Entretanto, as bases operárias consideraram insuficientes os termos do acordo e mantiveram a greve geral. Em 30 de maio, De Gaulle dissolveu a Assembleia Geral e convocou novas eleições, esperando reconquistar a legitimidade de seu governo. De fato, as eleições legislativas do mês seguinte garantiram ampla maioria para o partido gaulista. A ordem foi restabelecida e o movimento grevista foi pouco a pouco se extinguindo.
Apesar de ao ter alcançado todos os seus objetivos, o maio de 1968 na França marcou profundamente a cultura de grande parte da juventude ocidental, a tal ponto que alguns historiadores se referem a ele como uma revolução cultural.
A partir de Paris, os ideais do Maio Frances se irradiaram para outras grandes cidades do mundo, como a cidade do México, o Rio de Janeiro e São Paulo. Em cada lugar, os estudantes articularam os lemas da rebelião francesa às demandas das sociedades nacionais. No Brasil, por exemplo, as lutas estudantis tornaram-se nitidamente, um foco de contestação ao regime militar.
A reunificação da Alemanha
A divisão da Alemanha em dois países independentes marcou sua história desde fins dos anos 1940. Região estratégica na Guerra Fria, a Alemanha foi palco de disputas ideológicas entre o bloco capitalista e o bloco comunista.
Em 1961, o governo da Alemanha Oriental (comunista) ergueu um muro de aproximadamente 66 km, separando Berlim Ocidental do território comunista. O muro foi construído por ordem do governo soviético para impedir que os alemães do lado comunista fugissem para a área capitalista.
Durante as décadas de 1950 e 1960, as relações entre as duas Alemanhas foram politicamente tensas. Não havia trocas comerciais ou culturais entre elas. A partir do governo socialdemocrata de Willy Brandt, eleito Chanceler (primeiro-ministro) em 1969, a situação começou a mudar. Brandt adotou novas estratégias políticas para se aproximar da Alemanha Oriental e dos demais países do bloco comunista.
A política de Brandt diminuiu as tensões diplomáticas e representou o primeiro passo para a reaproximação dos dois países. Nos aos 1980, a chegada do democrata-cristão Helmuth Kohl ao governo não modificou as negociações com a União Soviética e a Alemanha Oriental.
A queda do muro, em novembro de 1989, acelerou o fim da divisão. Em outubro do ano seguinte, era proclamada a reunificação da Alemanha sob a liderança de Helmuth Kohl. No início, o novo país enfrentou sérias dificuldades, pois as duas regiões haviam passado por experiências muito diferentes.
Enquanto a Alemanha Federal (Capitalista) havia crescido num ritmo acelerado, com intensa industrialização, a Alemanha Democrática (Socialista) tinha sérios problemas econômicos e um baixo nível tecnológico.
Atualmente, um dos grandes desafios do governo alemão ainda continua sendo diminuir as desigualdades entre as duas regiões do país.
Da Europa dos Nove à Europa dos Doze
No início dos anos 1980, importantes acordos foram assinados para fortalecer a cooperação econômica e unidade política entre nove países-membros da Comunidade Europeia.
Em 1986, a Grécia, Portugal e Espanha aderiram aos acordos da Comunidade Europeia. O bloco passava agora a ser chamado de Europa dos Doze. No mesmo ano, a Comunidade Europeia ampliou os poderes do Parlamento Europeu e suprimiu os obstáculos ao livre-comércio.
O fim do bloco socialista, no final dos anos 1980, deu início a tentativas de incorporação dos países do Leste europeu à Comunidade Econômica Europeia. Entretanto, as diferenças econômicas, políticas e culturais entre os países-membros e os futuros integrantes transformaram-se em obstáculos para a integração.
O nascimento da União Europeia
Ainda como Europa dos Doze, em 1992 foi assinado na Holanda o Tratado de Maastricht, que substituiu o nome Comunidade Europeia pelo atual União Europeia (UE). No tratado foram definidas também novas regras para a futura moeda comum, o euro, e para uma política externa conjunta. O tratado avançou ainda na integração e na cooperação entre os países no campo da Justiça e dos assuntos internos.
Em janeiro de 1933, foi estabelecida a livre circulação de mercadorias, serviços, pessoas e capitais entre os países integrantes da união Europeia. Dois anos depois, a Suécia, a Finlândia e Áustria ingressaram na União Europeia, que passou a contar com quinze países-membros. No mesmo ano, os acordos de Schengen aboliram os postos de controle de passaporte nas fronteiras entre sete países: Alemanha, Bélgica, Espanha, Portugal, França, Luxemburgo e Holanda. Mais tarde, outros países foram incluídos nos acordos.
Em 2004, vários países do Leste europeu – Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Eslováquia, Estônia, Eslovênia e República Checa – ingressaram o bloco. O mesmo fizeram as ilhas do Mediterrâneo Malta e Chipre. Em 2007, a Bulgária e a Romênia também se integraram, formando uma comunidade de 27 países. Hoje são candidatos a ingressar na União Europeia a Macedônia, a Turquia e a Croácia.
A partir de janeiro de 1999, diversos países-membros adotaram o euro como moeda para transações comerciais e financeiras. Atualmente, o euro é utilizado como moeda única em quinze países que representam dos terços da população da União Europeia.
Uma Constituição para a Europa
No segundo Tratado de Roma, firmado em 2004, foi anunciada uma Constituição assinada pelos chefes de Estado das 25 nações que compunham na época a União Europeia. A carta, entretanto, só poderia ter validade se fosse aprovada pela população dos países membros. Em alguns desses países, a aprovação deveria ser feita pelo Parlamento. Em outros, por intermédio de referendos. Em dois desses últimos países (França e Holanda), o resultado da consulta popular foi negativo: em 2005, franceses e holandeses rejeitaram o projeto de Constituição Europeia.
Desafio: a imigração
Nos aos 1950, o imigrante era recebido na Europa com benefícios do Estado, pois havia necessidade de mão de obra para reconstruir a economia do continente. Hoje, ao contrário, os líderes da União Europeia discutem formas de controle da imigração e procuram fechar os acessos em portos e aeroportos. Novas leis dificultam a permanência de estrangeiros nos países europeus.
Em janeiro de 2006, estimativas da União Europeia indicavam que havia no continente cerca de 18,5 milhões de imigrantes, cerca de 4% da população do bloco. Com o aumento do desemprego e o agravamento da crise social, vários países começaram a responsabilizar o imigrante pelos problemas.
As políticas europeias de imigração diferenciam dois tipos de imigrantes: de um lado, o imigrante pobre, sem qualificação profissional e originário de países subdesenvolvidos; de outro, o imigrante com alto nível de formação profissional, que estudou em boas universidades e tem domínio fluente de mais de um idioma.
Os sem-direitos
Os imigrantes pobres chegam em maior número. Em geral, aceitam condições precárias de vida. Vivem em moradias pequenas e trabalham em empregos ilegais na construção civil, no setor de limpeza doméstica, nos bares e restaurantes ou na agricultura. Inúmeras empresas preferem contratar imigrantes em situação ilegal. Assim, podem pagar salários mais baixos e se livrar de impostos, pois o trabalhador ilegal não tem direitos assegurados.
Em geral, o imigrante pobre é visto como responsável pelo aumento do desemprego e dos índices de violência, pela introdução de costumes estranhos a cultura da região e pelas tensões sociais. Entretanto, muitas dessas pessoas provêm de ex-colônias europeias na África, arrasadas por décadas de exploração colonial e sem condições de oferecer oportunidades de emprego e desenvolvimento humano. A emigração para a Europa é, muitas vezes, a última esperança de encontrar trabalho e melhorar de vida.
Dados oficiais da União Europeia estimam que existem no continente entre 3 e 8 milhões de imigrantes ilegais (pobres) e que, a cada ano, entram ilegalmente de 350 e 500 mil novos estrangeiros. Ainda segundo estimativas da União Europeia, o trabalho dos imigrantes ilegais representa hoje de 7% a 16% do Produto Interno Bruto (PIB) europeu.
Já os imigrantes com boa formação profissional são bem-vistos por governos e sociedades da União Europeia. Eles chegam em número reduzido e ocupam postos de trabalho para os quais não há profissionais suficientes na Europa. Isso porque o número de jovens em relação a população adulta europeia tem diminuído a cada ano. Nas áreas de alta tecnologia não existem jovens suficientes em vários países.
A África contemporânea
África: pobre ou empobrecida?
A África é o mais pobre todos os continentes. Embora seu subsolo guarde muitas riquezas em recursos naturais, como ouro, diamantes e petróleo, amplos setores de sua população passam fome. Como explicar essa situação? Por que esse continente, berço da humanidade e de onde partiu o Homo sapiens sapiens para ocupar o restante do mundo, vive uma situação tão precária?
A África é um continente mais de três vezes maior que o Brasil, com uma população de quase 900 milhões de pessoas, que falam um terço de todas as línguas existentes no planeta. Um continente, portanto, que abriga uma grande diversidade de culturas, de histórias, de religiões, de tradições, bem como de recursos econômicos, de vegetação e de relevo. No norte, encontram-se países de influência árabe e de maioria muçulmana, como é o caso do Egito, da Líbia e da Argélia.
Ao sul desses países, a África é cortada de leste a oeste pelo deserto do Saara. Ao sul do Saara, encontra-se a África subsaariana, da qual falaremos mais especificamente neste capítulo.
A África depois da descolonização
Após o fim da Segunda Guerra Mundial as antigas colônias africanas foram uma a uma conquistando sua independência.
Todo o continente viveu, até a década de 1980, esse processo de libertação. Os novos governos, não importa qual fosse a sua orientação política, tiveram de enfrentar uma situação muito parecida: possuíam pouca ou nenhuma indústria, viviam da exportação de alguns produtos primários, praticamente não contavam com técnicos – como engenheiros, médicos, administradores competentes – e seus líderes quase não tinham experiência de governo. Essa era a herança que a dominação europeia havia deixado.
Mais todos almejavam o que lhes fora negado durante o domínio colonial: educação para as crianças, atendimento médico, hospitais, água potável em abundância, bons preços para os produtos agrícolas e uma vida digna e minimamente confortável. O problema era: de onde sairiam os recursos para a esperada modernização?
Para promover as mudanças necessárias à superação das precárias condições sociais e econômicas, os novos países africanos precisavam de dinheiro e tecnologia. Já que não havia recursos, o dinheiro (assim como a tecnologia) teria de vir de fora – através de empréstimos ou por meio das exportações de suas riquezas minerais e agrícolas. Isso quer dizer que, ou precisariam se endividar, ou precisariam produzir muito do que os países compradores tinham necessidade.
A dependência econômica
A prioridade era produzir aquilo para o qual havia mercado internacional – especializando a produção agrícola e deixando de lado a cultura de alimentos. Esse movimento continua ainda hoje. Vejamos alguns exemplos. Em 2002, 73% do valor das exportações do Mali provinham do algodão; 55% das exportações do Malauí eram devidas ao tabaco; na Mauritânia, a pesca representava 50% das vendas externas.
Os minérios foram a solução para outro grupo de países. Para a Argélia, Guiné Equatorial, Líbia e Nigéria, o petróleo significa 90% das receitas de exportação. Em Moçambique, 54% do valor das vendas internacionais provêm do alumínio. No Níger, 50% vêm do urânio.
Em contrapartida, os países africanos importam máquinas e bens industrializados, que ainda não conseguem produzir internamente. Esses bens são caros e em geral têm valor maior do que os produtos primários. São, contudo, indispensáveis para o crescimento econômico.
A crise dos anos 1980
No início da década de 1980, a economia dos países industrializados viveu significativas transformações, que resultaram no aumento dos juros dos empréstimos internacionais e na queda dos preços dos produtos primários. No Brasil, esse fenômeno se refletiu na “crise da dívida externa” (em 1987, o governo brasileiro suspendeu o pagamento dos juros da dívida). Para os países africanos não foi diferente, quanto mais pagavam, mais deviam. E não sobravam recursos para investir na sonhada modernização. Muitas vezes, faltavam condições até para importar remédios!
A produção de alimentos já não era suficiente para alimentar a todos. Para fugir da fome nos campos, a população buscava as cidades, mas não tinham empregos para oferecer. Ao mesmo tempo, os programas assistenciais dos governos eram insuficientes.
Sem recursos e endividados, os governos africanos ainda viam o pouco que tinham ser levado pelo pagamento da dívida externa.
Além disso, essa crise essa crise era acompanhada na África por grave instabilidade política e pela corrupção de numerosos governantes. Insatisfeita, a opinião pública de diversos países passou a exigir mudanças. Sem coseguir apresentar resultados positivos em suas administrações, contestados pela oposição e pela opinião pública, recorrendo cada vez mais à repressão política, os governos começaram a perder a confiança da população.
O caso extremo desse tipo de coverno corrupto e autoritário foi o de Idi Amim, ditador de Ruanda entre 1971 e 1979. Mas também em outros países surgiram governos igualmente autoritários e corruptos, como o de Joseph Mobuto, na atual República Democrática do Congo, entre os anos 1960 e 1990. Particularmente autoritário é também o governo de Robert Mugabe, que chegou ao poder no Zimbábue como primeiro-ministro em 1980, elegeu-se presidente em 1987 e, mediante sucessivas reeleições, mantinha-se governando em junho de 2008, quando venceu novas eleições.
Avanços democráticos
Entretanto, se as pressões populares e os conflitos aumentam, por outro lado também começam a surgir mudanças positivas, como governos mais representativos e democráticos. Hoje, diversos países africanos já podem ser classificados sem reservas como democráticos ou semidemocráticos. Cabo Verde, África do Sul, São Tomé e Príncipe, Botsuana, Gana, Mali, Angola, Moçambique e Namíbia estão entre eles. Em outros, a pressão para que se amplie a efetiva participação da sociedade na condução da política e da economia nacional tem crescido de forma considerável.
Alguns desafios
A permanência prolongada da pobreza, da fome e das dificuldades econômicas traz ainda outras complicações. Epidemias, guerras entre etnias diferentes, violência, desertificação, e má utilização dos recursos naturais são algumas delas.
Um dos maiores problemas da África atualmente é o flagelo da Aids: de cada três infectados pelo HIV no planeta, dois vivem no continente africano. Em 2006, havia cerca de 25 milhões de africanos com Aids. Somente naquele ano, 930 mil pessoas morreram na África vitimadas pela doença. Os órfãos deixados chegam a 11 milhões. Países como Zimbábue convivem com índices de contaminação de mais de 30% da população.
Nem o país mais rico, a África do Sul, que marcou a história da medicina ao realizar em 1967 o primeiro transplante de coração no mundo, foi poupado da epidemia. Em pouco mais de uma década, são 2,9 milhões de casos, deixando um rastro de 360 mil mortos. Um entre cada dez portadores do vírus no mundo é sul-africano. A Aids atinge principalmente a população pobre, e traz graves prejuízos para a economia do continente. A falta de recursos dificulta as campanhas de prevenção e o tratamento dos doentes.
A desertificação, que é hoje uma ameaça a todo o mundo, assume na África proporções ainda mais dramáticas.
Quer por causas naturais, quer pelo uso abusivo do solo, várias regiões do mundo vêm se tornando impróprias para o cultivo. O Mali, país localizado no oeste da África e que já foi o maior exportador de algodão do continente, é um exemplo extremo dos efeitos da desertificação. Cerca de 70% de sua população, não conseguindo sobreviver no país, encontra-se hoje em outras regiões africana ou na Europa.
Assim como a população do Mali, 65% dos habitantes da África vivem em áreas afetadas pela degradação do solo. Para um continente no qual a maioria das pessoas sobrevive da agricultura, a desertificação significa aumento da miséria e crescimento das favelas, nas grandes cidades. Em Nairóbi, capital do Quênia, por exemplo, a favela de Kibera registrava, em 2005, 1 milhão de habitantes, o equivalente a quase um terço da população total da cidade.
O drama dos refugiados
As guerras, as perseguições políticas, os desastres naturais e a fome produziram outro tipo de drama: o dos refugiados, ou seja, daqueles que se veem forçados a deixar para trás as terras de seus ancestrais e com as quais mantêm laços afetivos e até religiosos. São milhões de crianças, mulheres e homens de todas as idades impedidos de viver nos seus países, que esperam uma chance de sobrevivência em outras regiões.
Os países que mais produziram refugiados foram, até 2008, a África do Sul, Gana, Quênia, Chade, Angola, Ruanda, Burundi, Moçambique, Etiópia, Somália e Sudão.
São mais de 5 milhões de refugiados africanos reconhecidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Esse número se elevaria para mais de 10 milhões se incluíssemos aqueles que, sem serem oficialmente reconhecidos, vivem em campos de refugiados.
Nos campos de refugiados a vida é extremamente precária, pois faltam água, comida, condições sanitárias mínimas, médicos e, em muitos casos, até mesmo o auxílio internacional e a solidariedade.
Tolerância religiosa
A esperança que se faz e refaz no dia a dia tem na religiosidade dos povos africanos um grande aliado. Essa religiosidade se manifesta através de várias crenças: ao lado das ancestrais religiões africanas, o cristianismo, o islamismo, o hinduísmo, o budismo e o judaísmo também são praticados. Longe de ser intolerante, a sociedade africana cultiva o contato e a convivência com as diferentes crenças.
Contando histórias
Uma das figuras mais interessantes da vida cotidiana na África é a dos contadores, ou contadoras de histórias. Figuras tradicionais nas sociedades africanas, são responsáveis pela transmissão de ensinamentos e de conhecimentos de geração em geração. Desde os tempos pré-coloniais, contam as origens das aldeias, dos clãs e das famílias, os acontecimentos que interviram na história dessas famílias e aldeias, a forma pela qual devem ser praticados os rituais religiosos e as regas a serem observadas na vida.
Em países africanos de fala francesa, como Gana, Mali e Senegal, o contador de história é chamado de griot (griô). Tanto nessa região quanto no restante da África, a função do contador de histórias é altamente valorizada pela sociedade. Atualmente, aliás, está havendo um renascer da função de griot, sobretudo por meio da gravação de CDs e da divulgação de sua arte pelos meios de comunicação.
A arte de contar histórias literalmente elaboradas já resultou em quatro prêmios Nobel de Literatura conquistado por africanos: Naguib Mahfouz (Egito), Wole Soyinka (Nigéria), Nadine Gordimer e J. M. Coetzee (ambos da África do Sul). Vários e importantes autores do continente escrevem em português. Entre eles, os angolanos Agostinho Neto, Luandino Vieira e José Eduardo Agualusa e o Moçambique Mia Couto. Nas páginas de seus livros podemos conhecer um pouco mais da realidade africana e, ao mesmo tempo, perceber a grande proximidade entre a África e o Brasil.
O papel da mulher
Se as tradições religiosas e culturais vêm possibilitando aos povos africanos resistir aos inúmeros problemas que os afetam, as mulheres são, sem dúvida, os principais agentes dessa resistência.
Apesar de serem vítimas de ações resultantes de uma sociedade que as consideravam inferiores – violência sexual, falta de acesso à educação e aos postos formais de trabalho –, as mulheres da África são hoje responsáveis pela manutenção da maioria das famílias pobres. É com seu trabalho que se desenvolve a agricultura de subsistência, e são elas que permanecem criando os filhos quando os homens partem em busca de trabalho ou são requisitados pelas guerras.
Programas como o Cinturão Verde, por exemplo – criado pela queniana Wangari Maathai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 2004, que paga por muda de árvore plantada por mulheres –, baseia-se na atuação e na solidariedade das mulheres para gerara renda e reflorestar parte da África.
É sobre elas também que se apoia a tarefa de conter a epidemia de Aids na maior parte dos programas de prevenção que estão sendo desenvolvidos.
Rompendo séculos de opressão e domínios dos homens, as mulheres também começaram a se tornar líderes políticas em seus países, como Ellen Johnson-Sirleaf, presidente da Libéria, que venceu as eleições de novembro de 2005. Na campanha eleitoral ela afirmava: “Todos os homens falharam na Libéria, deixemos que seja uma mulher a tentar”.
Ou ainda a combativa Wangari Maathai, vice-ministra do Meio Ambiente do Quênia, que hoje comanda a luta continental pelo crescimento econômico sustentável e pelo fim da opressão feminina.
Se não são poucos os problemas que atingem o continente, também não são poucos os sinais de que é possível pensar-se em construir uma nova África. Pois, como disse Wangari Maathai, a “África não é um continente pobre; e sim, um continente empobrecido”.
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