ConstantinoplaCidade entre dois continentes
Devido à crise que afetava sobretudo a porção Ocidental do Império Romano, o imperador Constantino, em 330, transferiu a capital do Império Romano para Bizâncio, cidade fundada por marinheiros gregos em 657 a.C. Situada na passagem do mar Egeu para o mar Negro, Bizâncio era um importante entroncamento das rotas comerciais que interligavam os dois continentes (Europa e Ásia).
Constantino reuniu arquitetos, engenheiros e artesãos para remodelar a cidade, ordenando a construção de novas estradas, casas, igrejas, muralhas e outras edificações. Essas obras, iniciadas em 324, prolongaram-se até 330, e a cidade foi inaugurada com o nome de Nova Roma. Para a população, contudo, a cidade passou a se chamar Constantinopla, em homenagem a seu fundador, e ficou conhecida por esse nome até o século VII, quando voltou a ser designada por seu antigo nome grego: Bizâncio.
A Era de Justiniano
Desde a divisão do Império Romano (395), os imperadores do Ocidente e do Oriente encontravam dificuldades para governar, devido, principalmente, a ameaça das invasões bárbaras. Foi somente no século V, durante o governo de Justiniano (527-565), que o Império Bizantino se tornou mais bem estruturado e se expandiu para reconquistar territórios que haviam pertencido ao Império Romano, Justiniano promoveu campanhas militares, combatendo germanos, persas e eslavos.
Tantas guerras trouxeram grandes despesas: era preciso pagar os soldados, fornecer armas para o exército e sustentar seu abastecimento. Para cobrir esses gastos, os governantes cobravam altos impostos da população.
Como na “velha” Roma, a população pobre de Constantinopla recebia alimentos gratuitamente e se divertia, por exemplo, assistindo às corridas de cavalos no hipódromo. Essas diversões serviam, também, para aliviar as tensões dos grupos sociais descontentes.
Os trabalhadores livres eram mal remunerados, e a moradia tinha preços elevados, obrigando muitas pessoas a viverem pelas ruas da cidade. Mesmo assim, as condições de vida eram consideradas melhores em Constantinopla do que em outras cidades do império.
Em 532, explodiu nessa cidade uma violenta revolta, fruto da insatisfação popular com a opressão geral dos governantes e os elevados tributos – cobrados da população para sustentar os gastos militares e as demais despesas com a administração do império.
A revolta começou, de forma inesperada, no hipódromo, um dos poucos locais públicos onde a população podia entrar em contato mais direto com as autoridades máximas do governo.
Terminada uma disputada corrida de cavalos, houve dúvida sobre quem vencera a competição. O imperador, presente no hipódromo, quis intervir para escolher o vencedor. A multidão. A multidão, dividida entre grupos rivais (as facções políticas dos azuis e dos verdes), gritava nika, nika (vitória, em grego).
As tensões sociais, até então contidas, extravasaram num movimento de protesto contra as injustiças. Do hipódromo, o conflito ganhou as ruas da cidade e adquiriu o caráter de rebelião contra o governo. Durante seis dias, a capital foi pilhada e incendiada. Tropas imperiais foram reunidas para reprimir a revolta, que resultou na morte de quase 35 mil pessoas.
Revolta de Nika
O Hipódromo de Constantinopla era uma grande arena com capacidade para, aproximadamente, 50 mil pessoas. Lá eram realizados espetáculos teatrais, festas populares e corridas de cavalo. Era um dos poucos lugares públicos onde a multidão tinha certo contato com o imperador, que comparecia frequentemente aos espetáculos.
No hipódromo, dois grandes grupos rivais se reuniam e expressavam suas reivindicações ao imperador. Eram os Verdes, do qual participavam comerciantes e artesãos, e os Azuis, compostos sobretudo de aristocratas rurais. Esses grupos mantinham variadas disputas políticas, esportivas e religiosas. Segundo historiadores, eles se pareciam com as atuais “torcidas organizadas”.
Em 532, o hipódromo estava lotado de torcedores Verdes e Azuis. Após uma corrida de cavalos, houve dúvida sobre quem teria vencido a disputa. O imperador Justiniano estava presente e quis escolher o vencedor. Mas os grupos políticos, que estavam divididos entre os dois competidores, começaram a gritar: Nika! Nika! (“Vitória! Vitória!”, traduzido do grego). Cada grupo desejava que seu competidor favorito fosse o vitorioso.
A confusão do jogo tornou-se um violento protesto popular. Do hipódromo, o conflito foi para as ruas e se transformou em uma rebelião com saques, destruições e incêndios. Justiniano pensou em fugir, mas desistiu depois de ouvir os conselhos de sua esposa, Teodora. Ele mandou reprimir os revoltosos, massacrando cerca de 35 mil pessoas.
O estopim da Revolta de Nika ocorreu durante um espetáculo esportivo. No entanto, as causas da revolta eram amplas e profundas. Quando analisadas, revelam, por exemplo, a insatisfação popular em relação aos altos impostos cobrados pelo governo.
O Código de Justiniano
Durante o governo de Justiniano, os juristas bizantinos assimilaram muitos aspectos do antigo Direito romano, adaptando-os às necessidades de uma nova sociedade marcada pelo cristianismo. Esse trabalho deu origem ao corpus juris civilis, uma extensa obra constituída de leis, decretos, normas e códigos, entre eles o chamado Código de Justiniano.
Ao longo do tempo, o Código serviu de referência para a legislação de muitos países ocidentais, como França, Alemanha, Portugal e Brasil.
Economia e sociedade
O controle do Estado
A agricultura e o pastoreio eram atividades fundamentais na economia bizantina. No entanto, a produção de alimentos não era suficiente para atender satisfatoriamente às necessidades da maioria da população. Ao lado da produção agropastoril, o comércio bizantino era uma das principais atividades econômicas do império. Essa atividade era favorecida pela localização de Constantinopla, pois a cidade ficava no caminho de rotas comerciais que ligavam a Europa à Ásia.
Entre os produtos comercializados, podemos citar perfumes, tecidos de seda, porcelanas e peças de vidro – artigos de luxo asiáticos acessíveis à população mais rica da Europa, do Oriente Médio e do norte da África.
No entanto, apesar da importância do comércio, a agricultura era a atividade fundamental da economia bizantina. A maior parte da produção agrícola vinha das grandes propriedades agrárias (os latifúndios), que pertenciam, em sua maioria, aos mosteiros e à nobreza fundiária (proprietária de terras), esta última formada por militares que haviam recebido terras como recompensa por serviços prestados ao imperador. Quase todo o trabalho era feito pelos servos, que dependiam da terra para viver.
O comércio contribuiu para que a vida urbana no Império Bizantino fosse dinâmica. Sua principal cidade Constantinopla, chegou a ter cerca de um milhão de habitantes, seguidas por outras cidades importantes, como Tessalônica, Nicéia, Edessa e Tarso.
Nelas viviam grandes comerciantes, donos de oficinas artesanais, membros do alto clero e destacados funcionários do governo – pessoas que utilizavam artigos de luxo, como vasos de porcelana, tapeçarias e roupas finas de lã e seda ornamentadas com fios de ouro e prata. Além dessa elite, também viviam nas cidades outros grupos sociais, constituídos de artesãos, funcionários de médio e baixo escalão e pequenos comerciantes. Entretanto, a maior parte da população do Império Bizantino era composta de trabalhadores pobres, em sua maioria vivendo no campo.
Por meio de seus funcionários, o governo bizantino controlava as atividades econômicas artesanais e comerciais, supervisionando a qualidade e a quantidade da produção. O objetivo dessa intervenção estatal era controlar os preços e o abastecimento das cidades. A produção estava distribuída em corporação de ofício, formadas por oficinas de um mesmo ramo, como carpintaria, tecelagem ou sapataria, por exemplo.
Cesaropapismo e ruptura cristã
Justiniano e seus sucessores procuram, por meio da religião, impor sua autoridade e firmar a unidade política do império. Nesse contexto, os imperadores apresentavam-se como os principais representantes de Deus na terra, cabendo-lhes proteger a Igreja e dirigir o Estado. Assim, os imperadores foram chamados. “Vice-reis do Todo-Poderoso”; as suas ordens eram consideradas “ordens celestes” e seu palácio era o “palácio sagrado”.
Se Deus era o centro do Universo, o imperador, como seu representante, devia ser o centro do Estado e da religião, governando os assuntos humanos em nome de Deus. Essa união de poderes (estatal e religioso) é chamada de cesaripapismo ou cesaropapismo, isto é, o comando do Estado e a proteção da Igreja, nas mãos do imperador (que passou a ser chamado de basileu).
O relacionamento entre a Igreja Católica Romana e o Estado Bizantino não foi, porém, pacífico. Houve, ao longo do tempo, depois do reinado de Justiniano, uma série de conflitos teológicos e políticos entre os partidários dos imperadores bizantinos e a hierarquia católica comandada pelos papas. Esses conflitos culminaram, em 1054, com o Grande Cisma do Oriente. O mundo cristão dividiu-se em duas grandes igrejas: de um lado, a Igreja Católica do Oriente, conhecida como Igreja Ortodoxa, com sede em Constantinopla e chefiada pelo patriarca da cidade; de outro, a Igreja Católica Apostólica Romana, com sede em Roma e comandada pelo papa.
Religião e culturaIntegração do Oriente com o Ocidente
A língua predominante em Constantinopla era o grego. Mas o império agrupava povos de diferentes origens, como egípcios, gregos, persas, eslavos e judeus. Essa variedade de povos influenciou a produção cultural bizantina, que mesclou elementos como o idioma grego, a religião cristã, o Direito romano, o gosto pelo requinte oriental, a arquitetura de inspiração persa etc.
No Império Bizantino, a religião oficial era o cristianismo. A Igreja Cristã do Oriente exercia influência sobre diversos setores da sociedade: fundamentava o poder imperial, absorvia boa parte dos recursos econômicos e estava presente em grande parte da vida cotidiana.
A Igreja Cristã do Oriente tinha, entre seus líderes, o patriarca de Constantinopla, que era uma das principais autoridades da hierarquia eclesiástica. Em termos práticos, a autoridade do patriarca subordinava-se ao poder do imperador bizantino, considerado protetor da Igreja e principal representante da fé cristã.
O mundo bizantino foi bastante marcado pelo interesse nas questões religiosas. Gregório de Nissa, um dos padres da Igreja do século IV, deixou registrado que, em todo os lugares de Constantinopla, encontravam-se pessoas envolvidas em debates teológicos. Entre as mais famosas questões debatidas, destacavam-se:
• o monofisismo – doutrina que afirmava que Cristo tinha somente a natureza divina. Sua natureza humana, como alegava a Igreja Católica Romana, era negada.
• a iconoclastia – doutrina que repudiava as imagens dos santos, condenando sua utilização nos templos.
Crise do ImpérioA conquista de Constantinopla pelos turcos
Uma série de ataques externos foi enfraquecendo a administração central do Império Bizantino. Como consequência, muitos territórios conquistados no século VI acabaram perdidos para exércitos inimigos. Foi somente nos séculos X e XI que o Império Bizantino recuperou parte desses territórios, e Constantinopla voltou a ser sede de importante comércio. A administração tornou-se mais eficaz, a economia estabilizou-se e as fronteiras entre Europa, Ásia e norte da África foram fortalecidas, conferindo mais segurança ao império. A prosperidade durou alguns séculos e deixou suas marcas mais profundas no campo da arte.
Finalmente, depois de onze séculos de existência, bizâncio foi conquistada pelos turcos otomanos, em meados do século XV.
Uma das principais consequências da conquista de Constantinopla pelos turcos foi a migração de intelectuais bizantinos para a península Itálica, levando muitos conhecimentos da cultura clássica, preservada no Império Bizantino. Esse fato teve influência no movimento conhecido como Renascimento. Outra consequência importante do domínio turco sobre Constantinopla foi o aumento nos preços e nos tributos cobrados dos comerciantes europeus que compravam ali mercadorias provenientes da Ásia. Esse fato estimulou europeus ocidentais – como portugueses e espanhóis – na busca de um novo caminho até os fornecedores orientais, contribuindo para o movimento das Grandes Navegações.
A conquista de Constantinopla pelos turcos em 1453 é um marco tradicionalmente utilizado para assinalar o fim da Idade Média.