Com a deposição do presidente João Goulart e a ascensão dos militares ao poder, o Brasil viveu uma época na qual as liberdades e os direitos políticos foram suspensos. A ditadura civil- -militar brasileira vigorou de 1964 a 1985. Durante os 21 anos desse regime, os cidadãos brasileiros foram impedidos de escolher seus representantes para os principais cargos do Poder Executivo. As eleições para presidente da República, governadores dos estados, prefeitos das capitais e de municípios considerados áreas de segurança nacional passaram a ser feitas de maneira indireta, e os escolhidos eram, em geral, civis que apoiavam o regime. Nesse período, o país teve cinco presidentes, todos eles generais indicados pelo Exército e eleitos também indiretamente, sem disputar o cargo com qualquer outro adversário. Muitas pessoas que faziam oposição ao regime foram presas e torturadas, várias delas foram mortas e outras tiveram de se exilar para sobreviver. A imprensa e as manifestações culturais, como o teatro, o cinema, a música e a literatura, também foram cerceadas, sendo muitas vezes submetidas à censura prévia.
Primeiros tempos (1964-1968)
Entre as primeiras medidas da ditadura esteve a organização de uma rede de informações voltadas ao controle, repressão e censura aos oposicionistas e à proibição de estes participarem da vida política. Em 1965, os partidos políticos foram encerrados e instaurou-se o bipartidarismo. Assim, os políticos que apoiavam a ditadura – grande parte deles oriundos da antiga União Democrática Nacional (UDN) – uniram-se em torno da Aliança Nacional Renovadora (Arena); e os da oposição, em torno do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Ao adotar o bipartidarismo, visava-se dar um verniz democrático ao regime, uma vez que ele parecia acolher posições políticas divergentes no Legislativo.
Os atos institucionais
O golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart e colocou os militares no poder foi um ato que violou a Constituição em vigor. Para legitimar o regime então instalado, o comando militar criou o regulamento que ficou conhecido como ato institucional. Os atos institucionais (AIs) eram decretos que permitiam ao governo modificar leis, sem que tal decisão passasse pela aprovação do Congresso, como ocorre em uma democracia. Por meio desses atos, o governo procurava criar embasamento legal para suas decisões autoritárias. Com base no argumento de que os atos institucionais tinham por objetivo combater a corrupção e a subversão, entre 1964 e 1969 foram decretados 17 atos institucionais, bem como 104 atos complementares, que garantiram ao regime amplos poderes para interferir nos poderes Legislativo e Judiciário e conduzir a política nacional.
A oposição se fortalece
Setores variados da população reagiram ao autoritarismo implantado. Entre os estudantes, por exemplo, era forte o descontentamento com o governo. Nos sindicatos, começaram a surgir líderes contrários ao autoritarismo e à política de arrocho salarial do governo. Diversos filmes e peças de teatro faziam constantes críticas ao regime. Na música popular, as manifestações contrárias ao governo eram ainda mais fortes. Mesmo sujeitos à censura e ao controle, muitos artistas produziram canções que criticavam abertamente as ações do regime.
Os anos de chumbo (1969-1978)
Em 1968, ocorreram grandes greves e manifestações populares. Para conter esses movimentos, foi decretado, em 13 de dezembro, o Ato Institucional número 5, conhecido como AI-5, um conjunto de medidas que inauguraram o período mais autoritário e repressivo da ditadura. O decreto do AI-5 autorizava o presidente da República a fechar o Congresso Nacional, legislar sobre qualquer assunto e intervir em estados e municípios. Permitia ainda que o presidente suspendesse os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos, cassasse mandatos de deputados e senadores e estabelecesse censura prévia às manifestações culturais e à imprensa. O AI-5 também proibia o habeas corpus aos presos políticos e determinava que as decisões do governo, baseadas nesse ato institucional, não podiam ser discutidas na Justiça. Era, assim, um instrumento que impedia a manifestação dos que discordavam do governo e aumentava a perseguição contra eles. Muitos oposicionistas tiveram de deixar o país e se exilar. Entre essas pessoas estavam artistas, professores, intelectuais, políticos, estudantes etc. Outros, principalmente os mais jovens, passaram a fazer parte de grupos clandestinos que combatiam a ditadura por meio da luta armada. Isso deu origem a diversas organizações guerrilheiras, chamadas de organizações terroristas pelos militares.
O aumento da repressão
Em resposta às ações de guerrilha, o governo endureceu a repressão. Para isso, criou órgãos encarregados de desmantelar os grupos de esquerda, armados ou não, e prender seus integrantes. Assim, os grupos guerrilheiros, após uma fase inicial de organização da resistência, foram duramente reprimidos pela ditadura. Muitos militantes morreram em sessões de tortura, outros em confrontos com a polícia, outros ainda foram dados como desaparecidos. Seus familiares também eram vítimas do regime, que os torturava em troca de informações que muitas vezes não tinham. Organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que 210 militantes presos nessa época nunca mais foram vistos; entre eles, 191 foram oficialmente declarados mortos. Toda essa violência acabou por desmantelar não só os grupos de luta armada, mas também as organizações de esquerda que haviam optado por não pegar em armas naquele momento. No começo dos anos 1970, nenhum desses grupos estava em condições de prosseguir em seu combate à ditadura. Segundo os militares, as ações dos grupos guerrilheiros também provocaram diversas mortes. De acordo com dados das Forças Armadas, os confrontos com os militantes acarretaram a morte de 126 agentes do governo, entre militares e civis.
Milagre econômico e repressão Com a censura aos meios de comunicação, o governo militar impedia que jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão publicassem notícias contrárias a seus interesses. Ao mesmo tempo, fazia uso intenso da propaganda para divulgar sua ideologia e exaltar o regime e suas realizações. Dessa forma, a ditadura procurava isolar os opositores do regime, denunciando-os como inimigos do Brasil. Um dos slogans mais repetidos nessa época era: “Brasil, ame-o ou deixe-o.”, como se amar o país fosse apoiar o governo.
Grande parte da propaganda do governo alardeava o crescimento econômico e a realização de obras, como a rodovia Transamazônica, que atravessava parte da região Norte, e a ponte Rio-Niterói, que foi construída na época e é usada ainda hoje. Era a época do “Brasil grande”. Esse clima de exaltação da ditadura foi favorecido pela vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1970 e pela comemoração do Sesquicentenário (150 anos) da Independência do Brasil. O rápido crescimento econômico do país entre 1967 e 1973 foi chamado por entusiastas do regime de milagre econômico. Os índices resultavam da ampliação de investimentos internacionais no país, da intervenção do Estado em setores importantes da economia e da redução de salários. No entanto, a realidade não era tão positiva como o governo queria fazer parecer, já que o “milagre econômico” foi combinado a uma forte concentração de renda (aumento da desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres). No campo, o aumento da concentração de terras resultou na migração de muitos trabalhadores rurais sem-terra para as cidades. Entretanto, não havia habitações para todos nos centros urbanos e, consequentemente, milhares de trabalhadores passaram a morar em casas improvisadas e precárias nas periferias e em favelas. Além disso, diversas comunidades quilombolas tiveram suas terras expropriadas em decorrência das ações que privilegiavam os grandes fazendeiros e a monocultura. Os conflitos por terra aumentaram, e a população quilombola acabou articulando-se com o movimento negro urbano na luta por seus direitos. O período do “milagre econômico” foi também o mais repressivo. O governo montou uma rede de órgãos para investigar e reprimir a oposição. Alguns desses centros de investigação contavam com o apoio financeiro da iniciativa privada. Foi assim com a Operação Bandeirante (Oban), um centro de informações e investigações criado em São Paulo pelo exército, responsável por prender e torturar opositores da ditadura, e que recebeu verbas de grandes grupos comerciais e industriais.
A repressão à população indígena
Desde o início do século XX, os governos brasileiros adotaram políticas agressivas contra as populações indígenas, buscando intervir em seus modos de vida para utilizar suas terras. Essa política foi intensificada pela ditadura civil-militar brasileira.
Em 1967, foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo de garantir a “pacificação” de grupos indígenas que ameaçavam o avanço das atividades econômicas na Amazônia. Além disso, o órgão deveria organizar aldeamentos retirando os grupos indígenas de suas terras a fim de dar lugar ao avanço das fronteiras agrícolas, transformando esses indígenas em mão de obra acessível. O resultado dessa política foi desastroso. Muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras e outras dizimadas após o contato com as expedições governamentais. Um exemplo desse impacto foi o caso da população araweté, que vivia nas margens do Rio Xingu.
Em 1976, cerca de 200 pessoas formavam esse grupo. Com as obras da Transamazônica e a ocupação da região, 73 indígenas morreram por causa de doenças e da fome. Como forma de resistência, diversos povos indígenas se organizaram e exigiram o direito de permanecer em suas terras, contestando o modelo desenvolvimentista da ditadura em curso. Esse ato sensibilizou políticos e outros membros da sociedade brasileira, que passaram a se preocupar com a situação indígena e iniciaram investigações sobre as arbitrariedades cometidas na região amazônica. Todo esse movimento possibilitou a criação de leis que reconheceram os direitos indígenas de permanecer em suas terras, especialmente após a redemocratização do país.
Em 1974, realizou-se, em Diamantino (MT), uma grande assembleia de povos indígenas para discutir suas lutas e demandas. Depois desse primeiro encontro, muitos outros ocorreram e essa mobilização resultou na criação da União das Nações Indígenas (UNI), em 1980. Essa organização indígena é considerada a primeira a ter caráter nacional e cumpriu papel fundamental, ao final da ditadura, no processo de elaboração de uma nova Constituição em 1988.
A inflação e a mobilização popular No final de 1973, os preços internacionais do petróleo dispararam por iniciativa dos grandes países produtores. Isso afetou a economia mundial. No Brasil, como os salários continuavam controlados, o aumento dos preços das mercadorias reduziu significativamente o poder de compra da população. O país entrou em uma recessão. Era o fim do “milagre econômico”. Esse cenário, no entanto, não impedia que os órgãos de segurança do governo continuassem a reprimir violentamente os grupos de oposição.
Em outubro de 1975, o jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog foi assassinado em um quartel do Exército, na cidade de São Paulo. Em janeiro do ano seguinte, outro assassinato sob tortura ocorreu também em São Paulo. Dessa vez, a vítima foi o operário Manuel Fiel Filho, acusado de ser comunista. Apesar da repressão e dos desaparecimentos de grupos de oposição ao governo, nos anos de 1976 e 1977, estudantes universitários retomaram a mobilização estudantil contra o regime. Nos anos seguintes, entre 1978 e 1979, ocorreram importantes greves operárias por todo o Brasil, e as de maior repercussão foram organizadas na região do ABC paulista.
Diante da pressão, o governo foi obrigado a fazer reformas e concessões que favoreceram o processo de redemocratização do país. Desde 1975 já vinha ganhando força no Brasil um movimento reivindicando a anistia dos presos e exilados políticos brasileiros. As articulações em torno dessa ideia surgiram em 1975, com a formação do Movimento Feminino pela Anistia (MFA), liderado pela advogada e ativista Therezinha Zerbini. Aos poucos, a campanha espalhou-se pelo país.
A pressão popular deu resultado e, em 1979, o Congresso aprovou uma lei que anistiou tanto os presos políticos quanto as pessoas cassadas e perseguidas pela ditadura. Cerca de dez mil exilados retornaram ao Brasil ao mesmo tempo que presos políticos foram postos em liberdade. Em contrapartida, a lei da Anistia perdoou também os agentes da ditadura envolvidos em assassinatos e torturas de presos políticos.
As Diretas Já
Ainda em 1979, o Congresso Nacional aprovou o fim do bipartidarismo e cinco novos partidos se formaram logo em seguida. Alguns setores da ditadura eram contrários ao processo de redemocratização; por isso, decidiram utilizar estratégias terroristas para enfraquecer a oposição, promovendo atentados. Apesar disso, a luta pela redemocratização do país não se deteve, e surgiu o movimento Diretas Já. Esse movimento suprapartidário teve início em 1983, período em que partidos de oposição organizaram uma campanha por eleições diretas para presidente. Ganhou força em 1984, quando foram realizados comícios dos quais participaram milhões de pessoas, em todo o Brasil, em defesa da redemocratização. Nesse contexto, a oposição apresentou no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional destinada a restabelecer as eleições diretas para presidente. No entanto, tal iniciativa foi derrotada em abril de 1984. Dessa forma, a escolha do presidente continuaria a ser feita pelo Colégio Eleitoral, órgão formado por deputados e senadores. A eleição indireta para presidente estava marcada para janeiro de 1985. Com a derrota das Diretas Já, a oposição escolheu o político mineiro Tancredo Neves, do PMDB, como seu candidato. Para vice na chapa oposicionista, foi escolhido José Sarney, que havia sido presidente da Arena, partido que apoiara a ditadura, mas que então se alinhava com a oposição. O candidato do PDS, partido do governo, era Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário