quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA

A União Africana é uma organização internacional que tem como objetivo promover a aproximação dos países africanos de modo a fortalecer a democracia, impulsionar o crescimento econômico e ajudar na superação de desigualdades e problemas sociais. Ela existe desde 2002 e é composta de 55 Estados-membros que têm poder de voto para decidir políticas em comum. Em 2018, a maioria desses países aprovou o tratado da Zona de Comércio Livre Continental Africana. Isso abriu caminho para a criação de uma das maiores zonas de livre-comércio do planeta. A expectativa é que essa zona de livre-comércio, que começou a funcionar em 2021, não só promova o desenvolvimento econômico do continente, como também contribua para aproximar cultural e politicamente diversas nações da África. Essa ideia de aproximação de diversas regiões da África como forma de fortalecer o continente é antiga. No início do século XX, muitos já defendiam a criação de alianças políticas entre grupos de diversas partes da África para lutar contra o neocolonialismo e criar governos independentes no continente. Esse conceito de união foi chamado de pan-africanismo.

O pan-africanismo teve suas origens no século XIX entre os africanos e seus descendentes que viviam nos Estados Unidos, Caribe e Europa. Os pioneiros do movimento, entre eles o sociólogo afro-americano W.E.B Du Bois (1868-1963), defendiam uma identidade única e comum a todos os afrodescendentes. Essas pessoas criaram, a partir do início do século XX, entidades em prol da independência de países africanos e organizaram conferências para divulgar suas ideias e projetos. Seu lema era: “A África para os africanos”.

A via pacífica

Os governos da União Soviética e dos Estados Unidos defendiam a autodeterminação dos povos e, portanto, o fim do colonialismo. Essa tomada de posição das duas maiores potências da época foi um fator de pressão sobre os governos das nações colonialistas. A isso se somava a própria luta dos povos africanos pela independência. Nessas condições, algumas potências colonialistas passaram a negociar o processo de independência com as lideranças africanas. Tentavam, dessa forma, preservar seus interesses econômicos no continente, como a manutenção das empresas europeias e da exploração de riquezas minerais nas ex-colônias. Como parte dessa política de conciliação, o governo da Inglaterra aceitou a independência de muitas de suas colônias na África. Esse foi o caso do Sudão (1956), da Costa do Ouro (atual Gana, 1957), da Nigéria (1960), de Serra Leoa (1961), do Quênia (1963) e de Zâmbia (antiga Rodésia do Norte, 1964), entre outros (confira o mapa nesta página). Com o objetivo de manter sua influência nas regiões colonizadas, o governo da Inglaterra convidou esses países a fazerem parte da Comunidade Britânica das Nações, o Commonwealth, uma associação de Estados soberanos formada pelo Reino Unido e suas antigas colônias. O governo da França também administrou pacificamente a independência de algumas de suas colônias, e, em 1960, quase todas as colônias francesas na África estavam emancipadas, entre elas Camarões, Madagascar, Costa do Marfim, Senegal e Mali. Para manter os Estados independentes sob sua órbita, criou, em 1958, a Comunidade Francesa.

Contudo, muitas antigas colônias francesas decidiram romper completamente com a metrópole, como a Guiné, que optou por cortar todos os vínculos com a França. Em represália, o governo francês suspendeu os recursos econômicos destinados ao país. Apesar disso, o exemplo da Guiné incentivou outras ex-colônias francesas a cortar relações com seus antigos colonizadores. Assim, até 1960, praticamente todas as ex-colônias que inicialmente haviam integrado a Comunidade Francesa decidiram se retirar dela.

Revoltas armadas 

Um dos principais líderes do pan-africanismo foi Jomo Kenyatta, o homem de kufi em destaque na imagem condutora deste capítulo. Ele desempenhou papel central na conquista da independência do Quênia, país que estava sob o domínio britânico e do qual se tornou primeiro-ministro em 1963. Na década de 1950, Kenyatta liderou um movimento que promovia ações armadas contra os ingleses e, por isso, foi preso pelas autoridades britânicas. Na mesma época, a França começou a enfrentar revoltas armadas na Tunísia, no Marrocos Francês e na Argélia, as três colônias francesas no norte da África. Enquanto a Tunísia e o Marrocos conquistaram a independência em 1956, na Argélia, a luta contra os franceses se estendeu até 1962. Também no caso das colônias de Portugal, a emancipação política só foi possível por meio da luta armada. Uma das razões para isso é que a economia portuguesa era muito dependente das riquezas exploradas nas colônias africanas. Por isso, o governo de Portugal se recusava a ceder às pressões dos africanos que lutavam pela independência de seu povo. Outra razão que levou os movimentos de independência das colônias portuguesas a empregar a luta armada foi o caráter ditatorial do governo de Portugal. Desde 1926, a nação portuguesa era governada por uma ditadura que reprimia toda e qualquer manifestação de oposição. Como costuma acontecer em ditaduras, as autoridades portuguesas eram incapazes de dialogar e de negociar com aqueles que discordavam do regime, ou que lutavam por seus direitos.

Diante dessas intransigências, surgiram movimentos guerrilheiros de caráter popular na maioria das colônias de Portugal: Cabo Verde, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Foi somente com a queda da ditadura em Portugal, em 1974, que o novo regime democrático reconheceu oficialmente a independência de suas colônias na África.

PROBLEMAS APÓS AS INDEPENDÊNCIAS

As nações africanas enfrentaram muitas dificuldades após a emancipação. Boa parte desses problemas era consequência direta dos anos de dominação e exploração do continente pelas potências europeias.

A ocupação da região do Rio Congo pelos belgas, a partir de 1879, deu início a uma das mais dramáticas e violentas experiências de colonização na África. Milhares de pessoas foram escravizadas, mutiladas e assassinadas para que o governo belga impusesse seu domínio na região. Nasceu, assim, o Congo Belga. Em janeiro de 1959, ocorreram no Congo Belga grandes manifestações populares contra o colonialismo. Acuado por essas mobilizações, o governo da Bélgica reconheceu a independência de sua antiga colônia. Durante os 70 anos em que dominaram o Congo, os belgas nada fizeram para melhorar a vida da população congolesa. Ao saírem da ex-colônia, não deixaram universidades nem indústrias. Também não promoveram uma transição de poder tranquila para que as autoridades locais pudessem garantir a estabilidade do novo país. Em junho de 1960, Joseph Kasavubu assumiu o cargo de presidente da jovem república. Para o cargo de primeiro-ministro foi escolhido Patrice Lumumba (1925-1961), principal líder da luta pela independência do Congo.

A interferência da CIA e as ditaduras militares 

Logo ressurgiram as velhas rivalidades existentes entre os diversos grupos étnicos que viviam na região antes da chegada dos belgas, e o país atravessou um período de grande instabilidade política. Considerado comunista pelo governo dos Estados Unidos, Lumumba foi preso e assassinado em 1961, em uma ação que contou com o apoio da Agência Central de Inteligência (CIA), do governo estadunidense. Em meio à crise, o país entrou em uma verdadeira guerra civil. As disputas de poder envolveram milhares de assassinatos e a separação de regiões que não aceitavam se submeter a um governo controlado por uma etnia diferente da sua. A Organização das Nações Unidas (ONU) realizou intervenções na região, mas o conflito persistia. Em 1965, o próprio Kasavubu foi deposto por um golpe que colocou o poder nas mãos de Joseph Mobutu (1930-1997), general que implantou uma ditadura militar na então chamada República Democrática do Congo. Esse não foi um caso isolado. A partir de 1965, ditaduras militares foram implantadas em diversos países africanos, como a Nigéria, a Argélia e Gana. Algumas dessas ditaduras foram resultado de lutas pelo poder entre grupos do próprio governo. Outras foram implantadas por influência ou com o apoio direto da União Soviética, dos Estados Unidos, ou de grupos econômicos europeus ou estadunidenses. No caso das duas superpotências, o grande interesse de seus governos era evitar o crescimento das zonas de influência do regime adversário. Os grupos econômicos, por sua vez, queriam garantir para si a exploração das riquezas dos territórios africanos, como diamantes e petróleo.

O caso de Uganda: décadas de ditadura

A população de Uganda é formada por diversos grupos étnicos, alguns deles rivais entre si. Na época da colonização, a rádio estatal dessa antiga colônia britânica chegava a transmitir sua programação em 24 línguas africanas diferentes. Isso dá uma ideia da diversidade étnica da região. Milton Obote se tornou primeiro-ministro de Uganda em 1962, ano da independência do país. Algum tempo depois, foi acusado de corrupção e de contrabando de ouro. Em resposta, Obote suspendeu a Constituição, destituiu o presidente e prendeu líderes da oposição. Em 1971, foi deposto pelo general Idi Amin (c. 1925-2003), que assumiu todos os poderes. Durante a ditadura de Amin, cerca de 400 mil ugandenses foram mortos, boa parte de forma brutal. Por causa dessa violência, ele era chamado pela população de “açougueiro” e “senhor do horror”. Seu governo durou até 1975, quando tropas da Tanzânia, com o apoio da população de Uganda, o tiraram do poder.

A ÁFRICA DO SUL

Os primeiros europeus a colonizar o extremo sul da África foram os holandeses, ainda no século XVII. No século seguinte, chegaram os ingleses, que entraram em conflito com os antigos colonizadores, chamados de bôeres ou africânderes. Esses conflitos deram origem às Guerras dos Bôeres (a primeira entre 1880 e 1881, e a segunda entre 1899 e 1902), vencidas pelos ingleses. Embora cerca de 75% da população sul-africana fosse negra, os brancos detinham o poder político-econômico da região no início do século XX. Os negros enfrentavam uma série de restrições: só podiam circular em determinadas áreas, não tinham pleno direito de voto etc. Para lutar pelos seus direitos, em 1912, eles organizaram o Congresso Nacional Africano (CNA), partido político que reivindicava a igualdade racial. No entanto, a situação dos negros agravou-se ainda mais quando, em 1948, o primeiro-ministro e pastor protestante, Daniel Malan, instituiu a política do apartheid, que legalizava o racismo e segregava a população negra. Os negros passaram então a precisar de passaportes para circular por seu próprio país. Também foram impedidos de utilizar os mesmos ônibus ou hospitais, frequentar as mesmas escolas ou morar em áreas residenciais reservadas aos brancos.

Com o apartheid, os bairros e os serviços voltados para os negros eram sempre de qualidade muito inferior em relação aos utilizados pela população branca. Além disso, as pessoas negras eram tratadas com muita truculência pela polícia. Em 1960, durante um protesto contra o regime segregacionista, 67 manifestantes foram mortos pela ação policial, e 180 ficaram feridos. Nesse mesmo ano, o CNA foi declarado ilegal, e seu líder, Nelson Mandela, condenado à prisão perpétua. O apartheid provocou protestos no mundo inteiro, particularmente a partir da década de 1970. Isso levou diversos governos a adotar medidas para isolar a África do Sul no cenário mundial: sanções econômicas e políticas foram impostas pela ONU, o país foi expulso da Comunidade Britânica e seus atletas foram impedidos de participar de torneios internacionais. Diante das pressões externas e das lutas internas, Nelson Mandela foi libertado, mas o CNA foi legalizado apenas em 1990. Em 1994, o apartheid chegou ao fim, e Mandela foi eleito presidente.

Congo 

No século XIX a região do Congo foi dominada pelo rei belga Leopoldo II. Diamantes, zinco e cobre foram explorados por empresas internacionais, que pagaram tributos ao rei. Em 1908, o território foi entregue ao governo belga. A exploração do Congo foi feita por meio do trabalho compulsório dos nativos, envolvendo extrema violência, como chibatadas, mutilações e mortes. Mas essa crueldade nunca impediu a constante resistência: houve sempre fugas, recusa ao trabalho e revoltas coletivas. No final dos anos 1950, organizações políticas como o Movimento Nacional Congolês (MNC), liderado por Patrice Lumumba, posicionaram-se contra a exploração. Diante da força das lutas anticoloniais, a Bélgica se retirou do Congo em 1960 e Lumumba foi eleito chefe do governo. Mas nem todos os congoleses apoiaram Lumumba e seu projeto de união nacional. O embate entre governistas e separatistas resultou em uma guerra civil entre as forças de Lumumba, apoiadas pela União Soviética, e os partidários do general Mobutu Sese Seko, apoiados pelos Estados Unidos. Em 1961, Lumumba foi preso e assassinado. Em 1965, por meio de um golpe de Estado, Mobutu implantou uma ditadura militar. Renomeado Zaire, o país foi governado por Mobutu até sua deposição em 1997, quando passou a ser denominado República Democrática do Congo. 

Argélia 

No século XIX a França dominou a região da Argélia, rica em petróleo e produtos agrícolas. A colonização foi muito violenta e as manifestações contra o domínio francês e o tratamento dado aos árabes e berberes intensificaram-se após a Segunda Guerra Mundial, sendo duramente reprimidas pelas tropas francesas. Em 1954, membros da elite política e cultural argelina fundaram a Frente de Libertação Nacional (FLN), de orientação socialista, que liderou a luta contra os franceses. Diante das revoltas na Argélia e da pressão internacional contra o prolongamento do conflito, a França cedeu. Em 1962, foi assinado um cessar-fogo e, pouco depois, foi feito um plebiscito no qual a maioria dos argelinos optou pela independência do país.

Colônias portuguesas

As lutas pela libertação das colônias portuguesas cresceram a partir dos anos 1950, com destaque para os jovens universitários africanos que estudavam em Portugal e se reuniam em torno da Casa dos Estudantes, em Lisboa. O grupo incluía Amílcar Cabral, de Cabo Verde, Noémia de Sousa, de Moçambique, e Agostinho Neto, de Angola, entre outros que combinavam ideais socialistas com a negritude e a luta contra a exploração colonial. Nos anos 1970, aproveitando-se da crise do salazarismo, as ações dos movimentos por independência política se intensificaram, e a maioria das colônias portuguesas conquistou sua independência.

Guiné-Bissau e Cabo Verde 

Em 1956, Amílcar Cabral e outros guineenses fundaram o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). De inspiração socialista, o partido defendia a independência política, o progresso econômico, os interesses nacionais e o avanço sociocultural. Em 1961, teve início a luta armada pela independência. Em setembro de 1973, o PAIGC declarou a independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, reconhecida por Portugal no ano seguinte.

Moçambique 

Nos anos 1950, a luta pela independência de Moçambique se intensificou, com greves e passeatas ocorrendo frequentemente. Em 1962, foi fundada a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), sob a liderança de Eduardo Mondlane. Partindo da Tanzânia, país vizinho, o grupo passou à luta armada contra as tropas portuguesas em Moçambique. A independência moçambicana foi proclamada em 25 de junho de 1975. 

Angola 

Em 1956, formou-se o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), liderado por Agostinho Neto. O governo português respondeu com força e a luta do MPLA e de outros grupos armados, como a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), estourou em 1961. Em 1975, após catorze anos de luta, o MPLA proclamou a independência de Angola. A guerra em Angola, contudo, não terminou com a independência. No contexto da Guerra Fria, iniciou-se uma guerra civil, opondo o MPLA, apoiado pelos soviéticos, à União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), suportada pelos Estados Unidos. Essa violenta guerra civil só terminou em 2002.

Desafios após a independência 

Após a independência, os novos países africanos se depararam com enormes desafios, como a subordinação econômica aos interesses dos países ricos. Além disso, continuaram a ocupar a periferia do sistema econômico, exportando produtos primários e importando bens industrializados. Ademais, havia a questão das fronteiras artificiais. Como integrar grupos étnicos com histórias e interesses tão distintos? Como a colonização europeia não respeitou as divisões populacionais existentes antes da partilha da África, os processos de independência ocorreram dentro dessas fronteiras territoriais impostas pelos europeus. A fragilidade econômica, associada a uma união nacional frágil, causou e continua a gerar grande instabilidade social e política, culminando em guerras civis que assolam o continente até hoje. Por isso, ainda há um longo caminho até a efetiva independência dos povos africanos, estabelecendo como prioridade o bem-estar humano. 

Nenhum comentário:

Geografia da Paraíba

    Localização e Área Territorial  da Paraíba     A população paraibana chegou a 4.059.905 em 2021, segundo nova estimativa divulgada pelo ...