CONTEXTO HISTÓRICO
Arcadismo vem da palavra Arcádia, nome de uma região
montanhosa do Peloponeso, na Grécia. Essa região era considerada, no plano
mitológico, como o lugar de morada dos deuses. E no plano real, Arcádia era uma
região habitada por pastores, que além do pastoreio, dedicavam-se à poesia.
Em Portugal, o Arcadismo corresponde ao período literário
que marca a segunda metade do século XVIII. Didaticamente, ele tem início em
1756 com a fundação da Arcádia Lusitana e se estende até 1825 com a publicação
do poema Camões, de Almeida Garrett,
considerado o texto inicial do Romantismo português.
O Arcadismo corresponde a um período de mudanças marcantes
na vida europeia como um todo. Essas mudanças fazem parte de um movimento
cultural chamado Iluminismo. O
Iluminismo, como o próprio nome já sugere, era a tentativa iluminar, de
atualizar os conceitos e as verdades da época a partir da razão e da ciência.
Por isso o século XVIII é conhecido como o “século das luzes”. E, ao contrário da tensão do período
anterior, do Barroco, em muitos momentos, a produção literária da época parece
ter encontrado a síntese entre a fé e a razão.
Nesse momento surgem
as primeiras arcádias, reuniões, grupos de poetas que se encontravam com o
objetivo de restaurar a simplicidade e a sobriedade da Antiguidade clássica e
renascentista. Daí o Arcadismo também ser chamado de Neoclassicismo (neo =
novo + classicismo)
A fundação da Arcádia Lusitana representou, entre outros
aspectos, um movimento rebeldia contra o Barroco. Vejamos o seu símbolo:
CARACTERÍSTICAS
Os poetas árcades
buscavam a recuperação dos ideais clássicos, e como já vimos, os clássicos,
foram considerados fontes de equilíbrio e sabedoria. Daí o nome Arcadismo, pois a Arcádia, morada
dos pastores, representava o lugar ideal para a obtenção do equilíbrio e da
sabedoria. É por esse motivo que muitas vezes os poetas árcades se
autodenominavam pastores e adotavam pseudônimos gregos e latinos.
É a partir da clara reação contra os exageros do Barroco
que surgem os principais temas do Arcadismo:
• |
EQUILÍBRIO |
• |
BUCOLISMO |
• |
CONVENCIONALISMO |
• |
CARPE DIEM |
Os árcades propunham o retorno aos modelos clássicos,
porque neles encontravam o equilíbrio dos sentimentos por meio
da razão, que seria a força controladora dos excessos. Buscavam, ao contrário
do Barroco, uma linguagem simples, com períodos diretos e vocabulário fácil,
sem o uso exagerado de figuras de linguagem, cortando tudo o que fosse inútil,
desnecessário. Para eles, a literatura deveria ter um caráter mais didático,
contribuindo para a formação da consciência. Os árcades exaltavam a virtude, a
humildade, o comedimento. Seus heróis eram sempre pastores anônimos e felizes.
Essa felicidade era basicamente conseguida através da segunda característica do
Arcadismo.
Inspirados pelo preceito do poeta latino Horácio “fugere
urbem” = “fugir da cidade, da civilização” os árcades acreditavam que somente no contato com a natureza, com
o “locus amoenus”, “lugar ameno” o
homem poderia alcançar o equilíbrio e a espiritualidade. Numa época em
acontecia o crescimento das cidades, através do acelerado processo de industrialização,
o Arcadismo pregava a volta à vida simples do campo. Daí a frequência de temas
pastoris e cenas campestres durante todo esse período. É importante observar
que essa natureza correspondia a um cenário artificial, criado pelo poeta, que
fala de riachos cristalinos, lindos campos, relva verde, mas que se encontra em
pleno centro urbano, é o chamado “fingimento poético no Arcadismo”,
observado por vários estudiosos.
Outra característica é o convencionalismo, ou
seja, as frases feitas, os clichês e os lugares comuns. Como: as ovelhas, os
pastores e as pastoras, os montes, as ninfas e todos os demais elementos da
natureza artificial criada pelo poeta árcade. Esse convencionalismo torna a
poesia árcade, de uma maneira geral, marcada pela pouca expressividade e
artificialismo. Além da monotonia provocada pela repetição, por vezes
exaustiva, de temas bucólicos e pastoris.
Um último aspecto marcante dessa poesia é a filosofia do Carpe
Diem – “aproveitar o dia”, o
“viver intensamente os momentos”. O
tema da fugacidade da vida é muito comum em toda a literatura ocidental, o
próprio Barroco o utilizou, mas visto por um ângulo negativo, próximo da idéia
da morte. Agora o poeta árcade vai utilizá-lo como um convite amoroso, como
insinuação erótica. O pastor, o poeta, consciente da brevidade da vida chama a
pastora, a amada para que juntos aproveitem a vida.
Dentre os vários poetas árcades de Portugal, o que mais se destacou foi Manuel Maria Barbosa du Bocage, ou simplesmente Bocage. Vejamos sua imagem:
Bocage teve uma vida muito conturbada, após alguns anos de
estudo dedica-se a vida boêmia e passa a frequentar os bares portugueses e a
conviver com prostitutas, marinheiros, vagabundos e com algumas poucas pessoas
de nível social e literário mais elevado. Era conhecido com arruaceiro e
aventureiro e, assim como Camões, foi soldado e durante alguns anos viveu e
viajou pelas colônias portuguesas no Oriente. Há várias semelhanças entre sua
vida e a de Camões, a tal ponto que em muitos momentos Bocage traça um paralelo
entre elas, como nesse soneto:
“Camões, grande Camões,
quão semelhante Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez,
perdendo o Tejo, Arrostar co’o sacrilégio gigante;
Como tu, junto ao
Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no
horror me vejo; Como tu, gostos vãos, que em vão desejo, Também carpindo estou,
saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da
Sorte dura
Meu fim demando ao Céu,
pela certeza De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és ...
Mas, oh tristeza! ... Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons
da Natureza.”
Bocage, assim como outros tantos poetas árcades adotou um
pseudônimo pastoril, assinava suas poesias como o nome de Elmano Sadino. Elmano
é um anagrama de Manuel, seu primeiro nome, ou seja, uma nova palavra formada
pela troca das letras de uma primeira palavra. E Sadino é uma referência ao rio
Sado, que corta a cidade de Setúbal, onde o poeta nasceu.
Os estudiosos costumam dividir a obra de Bocage em dois momentos: um lírico e um satírico.
Sua poesia lírica mostra-se presa aos modelos do Arcadismo,
povoada por pastores e imagens campesinas. Também se dedicou à poesia encomiástica, que como já vimos,
era destinada à exaltação, à bajulação dos poderosos da época. Conta-se que
Bocage, assim como outros poetas da época, viveu à sombra dos nobres, como
faziam os bobos da corte durante a Idade Média.
Como poeta satírico,
Bocage tinha por alvos principais os habitantes das colônias portuguesas, o absolutismo
político e religioso, e muitas vezes os seus próprios colegas árcades.
Como poeta erótico,
Bocage foi censurado em sua época e até hoje, muitos livros escolares não
trazem exemplos dessa poesia erótica, marcada pela força poética e pela força
em ser grosseira, vulgar, e referindo-se, muitas vezes, a atos obscenos.
Mas é sua poesia
pré-romântica, contrária ao impessoalismo e ao convencionalismo, que o distingue
dos demais árcades. Bocage valorizou o subjetivo, o sentimental através de uma frequente
luta entre a razão e a emoção, luta essa, que muitas se reflete numa visão
pessimista e fatalista da existência. Em vários poemas os riachos e os pastores
são substituídos por imagens fúnebres e sentimentos negativos. Como nos mostra
o famoso soneto “Sobre estas duras, cavernosas fragas”.
Sobre estas duras,
cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai
carcomendo, Me estão negras paixões n’ alma fervendo Como fervem no pego as
crespas vagas.
Razão feroz, o coração
me indagas,
De meus erros a sombra
esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!)
palpando, e vendo De agudas ânsias venenosas chagas.
Cego a meus males,
surdo a teu reclamo, Mil objetos de horror co’a ideia eu corro, Solto gemidos,
lágrimas derramo.
Razão; de que me serve
o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu
ardo, eu amo; Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.
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