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REALISMO – NATURALISMO EM PORTUGAL

 

  

 

Falaremos sobre o Realismo português. Mas para começarmos é importante que você saiba o que é realismo. Veja:

                        REAL (do Latim res) = fato

REAL+ISMO                                                 = REALISMO

                        ISMO = crença, doutrina

 

Assim, Realismo é a doutrina do fato, é o movimento literário pautado na realidade. O Realismo é considerado a estética de reação aos ideais românticos, principalmente contrária ao seu idealismo e subjetivismo exagerados. Como pregava um de seus principais autores:

        “... a tendência agora é manter-se dentro do campo dos fatos e de nada mais do que fatos”.

Gustave Flaubert

Como fizemos com o Romantismo, é preciso diferenciarmos o Realismo enquanto escola literária da atitude realista. A atitude realista, entendida como a tentativa do artista em reproduzir o fato de maneira objetiva, sempre existiu em maior ou menor intensidade e sempre existirá. O que nos interessa neste curso é o Realismo com letra maiúscula, o Realismo enquanto estética literária.

Veja a próxima imagem:

 


“As fábricas na sociedade europeia”

A Revolução Industrial, iniciada no século anterior, entra numa segunda fase, marcada pelo crescente aumento das fábricas e da mão-de-obra assalariada, do proletariado. É o período da utilização do petróleo, da eletricidade, do aço, da construção das estradas de ferro, da invenção do telégrafo, entre outras transformações. É o início da estruturação do capitalismo.

O Realismo também reflete uma série de doutrinas filosóficas que eram muito difundidas na época. Entre elas, destacam-se, cronologicamente, o Positivismo de Augusto Comte, que rejeitava interpretações metafísicas da vida e defendia o pensamento científico; o Socialismo de Marx, através de seu Manifesto Comunista e o Evolucionismo de Charles Darwim, através da teoria da origem das espécies que punha em xeque as verdades pregadas pela igreja.

De acordo com os estudiosos, o marco inicial do Realismo na literatura universal é a publicação de Madame Bovary de Gustave Flaubert.

A grande característica do Realismo, como o próprio nome já sugere, era a preocupação com a realidade, com a expressão da verdade, mesmo que essa não fosse a desejada, mas também se caracterizava por muitos outros aspectos.

 – CARACTERÍSTICAS

 Veja as principais características do Realismo:

*    OBJETIVISMO – Preocupado principalmente com a verdade, o autor realista devia manter-se distante dos fatos narrados, buscando o máximo de imparcialidade e impessoalismo.

*    UNIVERSALISMO – Ao contrário do subjetivismo e individualismo da estética romântica, o Realismo buscava o que era universal. O “eu” neste período cede lugar ao “não-eu”.

*    PERSONAGENS ESFÉRICAS – Também ao do Romantismo, o

Realismo apresentava personagens mais complexas e dinâmicas, pois evoluíam psicologicamente ao longo da narrativa. Lembre-se de que no Romantismo quase todas as personagens eram lineares, ou seja, eram previsíveis, construídas a partir de um aspecto, ou eram os heróis ou eram os vilões.

*    CONTEMPORANEIDADE – O que interessa ao autor realista é o tempo presente, o hoje. Daí a frequente crítica social, procurando desmascarar a imoralidade da igreja e da burguesia da época.

*    DETALHISMO – As personagens e os locais são descritos detalhadamente pelo autor que buscava um retrato mais fiel da realidade.

O Realismo apresentou uma outra vertente, que representava a intensificação de algumas de suas características. É o chamado Naturalismo, em encontramos o Realismo levado ao extremo, principalmente no que diz respeito ao cientificismo da época e ao determinismo.

Embora dependentes, Realismo e Naturalismo, apresentam algumas diferenças:

Quadro Comparativo entre Realismo e Naturalismo:

REALISMO

NATURALISMO

      Romance documental

      Análise exterior e interior

      Ênfase psicológica

      Classes sociais dominantes

      Interpretação indireta

      Romance experimental

      Análise exterior

      Ênfase biológica

      Classes sociais inferiores

      Interpretação direta

Realismo em Portugal tem como marcos inicial a famosa Questão Coimbrã. Vamos entendê-la:


 
                             Lisboa

Mesmo com todas as transformações do período, Lisboa se mantinha como palco dos grandes escritores românticos, representados por Antônio Feliciano de Castilho.

Coimbra, por sua vez, abrigou um grupo de jovens estudantes, que representados por Antero de Quental, identificava-se mais com as novas ideias realistas.

A Questão Coimbra foi justamente o choque de ideias entre esses dois grupos.

Tudo começou quando Antônio Feliciano de Castilho fez algumas referências irônicas aos jovens escritores de Coimbra, atacando principalmente a obra de Antero de Quental.

Anos depois, praticamente o mesmo grupo de escritores realistas participou das chamadas Conferências Democráticas Lisbonense. Essas conferências eram reuniões em que se discutiam as novas tendências realistas, livres do conservadorismo português.

A grande figura da prosa realista portuguesa foi sem dúvida alguma Eça de Queirós.

EÇA DE QUEIRÓS E O REALISMO

 

Nós já vimos que o Realismo foi a estética literária da segunda metade do século XIX, considerado como um movimento de reação aos ideais românticos. Sua principal característica foi a preocupação com a realidade, buscando reproduzi-la através do objetivismo. Eça de Queirós foi o autor que, como nenhum outro, conseguiu trabalhar a temática realista. Veja sua imagem:


Eça de Queirós é considerado o maior romancista português de todo o século XIX.

 

Eça de Queirós, assim como os jovens escritores realistas, também estudou na Universidade de Coimbra, mas não participou com eles da polêmica Questão Coimbrã, que como já vimos, foi o choque entre os novos escritores, mais identificados com as novas tendências realistas, e os velhos escritores românticos de Lisboa. Eça assistiu a tudo com distância.

Mas, anos mais tarde, participou ativamente das Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense:

Dez conferências estavam programadas, mas apenas cinco foram proferidas, pois o governo português fechou o cassino e proibiu qualquer reunião. Segundo ele, elas atacavam a religião e as instituições do Estado. Mesmo assim, elas foram responsáveis pela consolidação da nova estética.

Eça de Queirós proferiu a 4ª conferência, nela atacou diretamente o Romantismo e apresentou as principais características realistas, destacando o papel da literatura enquanto veículo de denúncia dos desequilíbrios da sociedade. Nessa ocasião, influenciado pelas idéias deterministas Eça afirmou:

“ O homem é um resultado, uma conclusão e um procedimento das circunstâncias que o envolvem. Abaixo os heróis!”.

Eça de Queirós

Segundo o determinismo, o homem era influenciado por três grandes forças: o meio, a raça e o momento. Eça nesse trecho reafirma a posição determinista ao dizer que o homem é resultado de seu meio e a amplia numa clara oposição aos românticos, daí a expressão: “Abaixo os heróis”.

Para Eça de Queirós o Realismo era uma nítida oposição ao Romantismo:

“O Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento: - o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houver de mau na nossa sociedade”.

Eça de Queirós

Realismo é crítica. Crítica é a palavra síntese de Eça de Queirós. O grande autor realista denunciou, como nunca fora visto, sociedade portuguesa.

Frequentemente os grandes vestibulares do Brasil incluem livros de Eça de Queirós em suas bibliografias e elaboram questões sobre as características de sua obra. Veja um exemplo de uma questão extraída de um desses exames vestibulares:

Para buscarmos a resposta é preciso verificar como sua obra esta dividida:

DIVISÃO DE SUA OBRA

Divisão da obra de Eça de Queirós

1ª Fase

(influência romântica)

O mistério da estrada de Sintra

2ª Fase

(caráter realista/naturalista)

      O crime do Padre Amaro

      O primo Basílio

      Os Maias

3ª Fase

(pós-realista)

      A ilustre casa de Ramires

      A cidade e as serras

      A relíquia

       A obra de Eça é comumente dividida em três fases. Numa primeira fase encontramos um autor ainda preso aos ideais românticos. É dessa fase o livro O Mistério da Estrada de Sintra, escrito em parceria com o amigo dos tempos de escola, Ramalho Ortigão.

       Na segunda fase encontramos a consolidação das características realistas. Essa fase tem início com a publicação de O crime do padre Amaro, considerado o primeiro romance realista português, e se estende até a publicação de Os Maias.

Já na terceira fase, encontramos um autor mais preocupado com os valores tradicionais da vida portuguesa, com a existência humana e a vida campestre. São dessa fase os livros A ilustre casa de Ramires e A cidade e as serras.

A Segunda fase é a melhor parte de sua produção literária, nela Eça de Queirós monta um amplo painel da sociedade portuguesa, retratando-a sob vários aspectos, criticando principalmente a decadência dos valores morais, a burguesia e o clero.

Eça dedicou-se ao romance de tese, muito popular na época. Esse tipo de romance parte de uma ideia central, de uma tese que vai ser demonstrada pela ação das personagens.

Foi isso que ele fez ao elaborar a trilogia dessa segunda fase:

TRILOGIA –“Cenas Portuguesas”

     O crime do Padre Amaro

     O primo Basílio

     Os Maias

Ao elaborar um painel da sociedade portuguesa, através de minuciosas descrições, Eça analisa e critica os comportamentos femininos, as ambições masculinas, a corrupção do clero, entre outros aspectos da sociedade lisboeta do século XIX.

 

LIVROS

O crime do padre Amaro tem como enredo a história de sedução de Amélia pelo padre Amaro. Amélia era uma moça solteira que acreditava em tudo o que os padres diziam. Tanto que ironicamente, Eça subtitulou o romance como cenas da vida devota. A história se passa numa cidade provinciana do norte de Lisboa, fortemente influenciada pela igreja católica. O livro foi um escândalo na época em que foi escrito.

Veja dois fragmentos do livro em que Amaro e Amélia falam sobre seus sentimentos:

 

“ Era este um dos grandes gozos de Amaro – ouvir gabar aos colegas a beleza de Amélia, que era chamada entre o clero “a flor das devotas”. Todos lhe invejavam aquela confessada. Por isso insistia muito com ela em que se ajano tasse aos domingos, à missa; zangara-se mesmo ultimamente de a ver quase sempre entrouxada num vestido de merino escuro, que lhe dava um ar de velha penitente.

(...)

            Cessaria as suas relações com Amaro, se o ousasse; mas receava quase tanto a sua cólera como a de Deus. Que seria dela se tivesse contra si Nossa Senhora e o senhor pároco? Além disso, amavao. Nos seus braços, todo o terror do céu, a mesma idéia do céu desapareceria; refugiada ali, contra o seu peito, não tinha medo das iras divinas; o desejo, o furor da carne, como vinho muito alcoólico, davamlhe uma coragem colérica; era com um brutal desafio ao céu que se enroscava furiosamente ao seu corpo”.

Existem três versões sobre O crime do padre Amaro, nas duas primeiras Amaro mata o filho assim que ele nasce. Na última versão, Amaro não mata a criança, mas essa morre misteriosamente pouco antes de Amélia, sua mãe.

Outra obra significativa é O primo Basílio, que tem como subtítulo – episódio da vida doméstica. Ao contrário de O crime do padre Amaro, ambienta-se na cidade. Nesse livro, como o próprio autor afirma está uma crítica à família lisboeta. O livro conta a história de Luisa, mulher sentimental e ociosa, que ficava a maior parte do tempo lendo romances românticos. Numa viagem do marido ela  entrega-se a um caso amoroso com seu primo Basílio. Basílio era um malandro que buscava apenas mais uma aventura, ao contrário de Luisa que estava realmente apaixonada.

Uma das partes mais conhecidas do romance corresponde à chantagem da empregada Juliana ao descobrir o adultério da patroa:

“ – Seiscentos mil-réis! Onde quer você que eu vá buscar seiscentos mil-réis?

               _ Ao inferno!_ gritou Juliana. _ Ou me dá seiscentos mil-réis, ou tão certo como eu estar aqui, o seu marido há de ler as cartas!

              Luísa deixou-se cair numa cadeira, aniquilada.

              _ Que fiz eu para isto, meu Deus? Que fiz para isto?                 Juliana plantou-se-lhe diante, muito insolente”.

Os Maias, último livro da trilogia “Cenas portuguesas” conta a história do amor incestuoso dos irmãos Carlos Eduardo da Maia e Maria Eduarda. Os dois foram separados enquanto crianças e cresceram em países diferentes. Mas acabam se apaixonando. Ao lado dessa trama central, Eça critica a futilidade e o falso moralismo da alta sociedade lisboeta.

 Veja um trecho da cena em que Carlos Eduardo descobre que Maria Eduarda era sua irmã:

“ _ E tu acreditas que isso seja possível? Acreditas que suceda a um homem como eu, como tu, numa rua de Lisboa? Encontro uma mulher, olho para ela, conheço-a, durmo com ela e, entre todas as mulheres do mundo, essa justamente há-de ser minha irmã! É impossível ... Não há Guimarães, não há papéis, não há documentos que me convençam!”.

Na terceira fase de sua obra, considerada pós-realista, Eça de Queirós identifica-se com outros ideais, como o resgate dos valores tradicionais e o elogio da vida no campo, temas tratados em A ilustre casa de Ramires e A cidade e as serras.

Já o livro A relíquia, tem como temas a crítica à hipocrisia religiosa e à falsidade humana. O romance conta a história de Teodorico Raposo, o Raposão, que faz de tudo para agradar a tia rica e herdar sua fortuna, inclusive se fingindo de beato.

A resposta correta seria não, pois mesmo falando de certas injustiças sociais, prioritariamente, a obra de Eça de Queirós critica o clero e a sociedade burguesa.

 Para finalizarmos nossa aula, nada melhor do que um fragmento do próprio Eça a respeito de sua obra, numa carta que escreveu a Teófilo Braga:

“A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa, e mostrar-lhe, como num espelho, que triste país eles formam - eles e elas. É o meu fim nas Cenas portuguesas. É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso - e, com todo respeito pelas instituições de origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas realizações que lhe dá uma sociedade podre. Não lhe parece você que um tal trabalho é justo?”

Eça de Queirós

 

 

 

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