Camões épico – Os Lusíadas
Já vimos que Camões teve uma vida muito atribulada e que viajou bastante, inclusive refazendo a rota de Vasco da Gama na viagem do descobrimento do caminho marítimo para as Índias. Conta a história que numa dessas viagens Camões e sua amada Dinamene naufragam às margens do rio Mekong, no Camboja. Nessa viagem Camões também trazia consigo um manuscrito de sua grande obra, Os Lusíadas. Muitas pessoas brincam com esse episódio dizendo que no momento do naufrágio, com aquela confusão, Camões não sabia a quem salvar, se a amada ou sua obra prima. No final do incidente, a amada morre e o manuscrito permanece intacto.
Publicado em 1572, o texto Os Lusíadas é considerado o maior poema épico da língua portuguesa,
não só por sua extensão, mas por seu imenso valor literário e histórico. E
porque sua extensão? Muitos alunos se assustam com o tamanho da obra, composta
por dez cantos organizados contendo em média cento e dez oitavas, perfazendo um
total de oito mil oitocentos e dezesseis (8.816) versos decassílabos. Como já
vimos, os versos decassílabos são os versos compostos por dez sílabas poéticas
e as oitavas são composições com estrofes de oito versos.
Mas o que é um poema épico ou uma epopeia?
A epopeia, uma das formas clássicas, é a narrativa de cunho histórico que registra poeticamente os grandes feitos, as aventuras de um herói ou de um povo. Para facilitar nossa compreensão, podemos falar que a epopeia é um longo poema narrativo.
A linguagem empregada na epopeia é sempre nobre, formal e muito solene, diferentemente da linguagem que usamos no dia-a-dia, daí a dificuldade de muitos alunos para compreender a beleza de tamanha obra. Mas a partir dessa aula eu espero que a linguagem rebuscada e a extensão do texto não sejam empecilhos para a sua leitura.
Todo poema épico apresenta uma estrutura rígida, herdada da Antiguidade Clássica. As partes de uma epopéia são as seguintes:
1ª - Proposição
2ª - Invocação
3ª - Dedicatória
4ª - Narração
5ª - Epílogo
1ª - Proposição = parte
em que se apresenta o assunto.
2ª - Invocação = parte
em que o poeta pede auxílio aos deuses ou às musas (figuras femininas, musas
inspiradoras dos poetas) para a realização da sua árdua tarefa, ou seja, escrever
o próprio poema.
3ª
- Dedicatória ou oferecimento = parte em que o poeta oferece a sua obra a
uma figura ilustre.
4ª
- Narração = parte em que ocorre a história propriamente dita.
5ª - Epílogo = é
o final da história, é o desfecho da narrativa.
Por que será que Camões chamou sua obra de Os Lusíadas? E não O Lusíada? Ou a História de Vasco da Gama?
A palavra lusíadas significa
“lusitanos”, palavra derivada do termo luso. Segundo a história, Luso teria
sido o primeiro português. A partir dessa explicação fica fácil identificar
quem é o herói de Os Lusíadas. Muitos, numa leitura superficial da obra, afirmam
que é Vasco da Gama, mas como o próprio título já sugere, o herói de Os
Lusíadas, ao contrário das epopeias da Antiguidade Clássica de Virgílio e
Homero, é um herói coletivo, ou seja, todo o povo português, do qual com
certeza, Vasco da Gama pode ser considerado um digno representante. A
confirmação dessa interpretação nos é dada pelo próprio Camões logo na primeira
estrofe do texto. Veja:
I
“As armas e os Barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram (...)”
Veja que Camões na PROPOSIÇÃO faz uma introdução do assunto do poema: os grandes
feitos dos célebres portugueses “os barões assinalados”. Taprobana era o nome
de uma ilha localizada no Oceano Índico, mais tarde denominada Ceilão, atual
Sri Lanka. Ir além dessa ilha demonstrava a superioridade náutica dos
portugueses que se lançaram nas grandes navegações. Os três últimos versos da
estrofe, “Mais do que prometia a força
humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram (...)”
referem-se aos navegadores portugueses que realmente conquistaram as Índias
e edificaram o Reino Português no Oriente.
Camões, além da descoberta do caminho marítimo
para as Índias, das grandes navegações portuguesas, da conquista do império
Português no Oriente narra também toda a história de Portugal, seus reis, seus
heróis e as batalhas por eles vencidas.
Além desses aspectos, a PROPOSIÇÃO nos apresenta outros
elementos fundamentais do Classicismo. Veja se você os encontra nas próximas
estrofes:
II
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando, E
aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte, Se a
tanto me ajudar o engenho e arte.
III
Cessem do sábio Grego, e do troiano, As
navegações grandes que fizeram:
Cale-se de Alexandro e de Trajano,
A fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta (...)”
CARACTERÍSTICAS
Antropocentrismo =
que como já vimos, corresponde à valorização do homem.
Camões canta os grandes feitos dos homens, capazes de superar os perigos
naturais e as próprias imposições divinas.
Nacionalismo
= corresponde à exaltação dos
heróis e das virtudes do homem português. “A memória gloriosa dos reis que
foram dilatando a Fé e o Império...” Até as musas são nacionalizadas, as
Tágides, musas do rio Tejo.
Fusionismo
= Ao mesmo tempo em que fala da missão do homem português de expandir o
cristianismo, de dilatar a Fé em “terras viciosas” apresenta a intervenção de
divindades pagãs, como Netuno, Marte, as ninfas, entre outras personagens
mitológicas.
Linguagem
rebuscada = marcada pelo uso dos hipérbatos, inversões na ordem direta das
frases, que dificultam a compreensão, ou seja, sujeito nem sempre aparece antes
do predicado. Além dessa inversão na estrutura da frase há também, como vimos,
a utilização dos decassílabos e da forma fixa, oitava.
Na INVOCAÇÃO
o poeta pede inspiração às Tágides, ninfas do Tejo, importante rio
português.
Quanto à DEDICATÓRIA,
veja esta imagem:
O poema é dedicado a D. Sebastião, rei
de Portugal na época em que Os Lusíadas foi publicado. D. Sebastião era visto
desde pequeno como a garantia de independência de Portugal.
A NARRAÇÃO
compreende três principais ações: a Viagem de Vasco da Gama às Índias, a
narrativa da história de Portugal e paralelamente Camões narra os conflitos
entre os deuses do Olimpo (nome de um monte da Grécia, onde, segundo a
mitologia, seria a morada dos deuses).
Temos em Os Lusíadas uma dupla ação histórica
(história de Vasco da Gama e de Portugal) e uma ação mitológica (esse conflito
dos deuses - Vênus e Marte eram favoráveis aos portugueses, enquanto Baco e
Netuno queriam a todo custo impedir a viagem de Vasco da Gama).
A narrativa começa já no meio da viagem
de Vasco da Gama, quando ele e sua tripulação já estavam em pleno Oceano
Índico, próximos à Moçambique, onde aportaram. Depois passaram por outros
lugares da África até chegarem a Melinde, onde Vasco da Gama narra os
acontecimentos anteriores, e a história de Portugal. Saindo de Melinde chegaram
finalmente ao destino – Calicute, nas Índias. Na viagem de volta, como
recompensa por seus grandes feitos, os heróis portugueses são recepcionados por
Vênus e várias ninfas, numa ilha paradisíaca. É o famoso episódio da Ilha dos Amores.
No EPÍLOGO,
no final da narrativa, ocorre uma mudança brusca no tom vibrante e ufanista que
permeou as outras partes. Nos últimos versos, Camões apresenta um tom
pessimista, de descrédito, de crítica aos portugueses que estavam se esquecendo
dos valores nacionais. Camões parece prever o que aconteceria anos depois,
quando Portugal é forçado a submeter-se ao domínio espanhol.
Hoje em dia, infelizmente, poucas
pessoas leem todo o poema. É comum a leitura dos principais episódios dos dez
cantos. Os cantos correspondem aos capítulos da prosa ou aos atos do teatro.
Entre os mais pedidos nos exames vestibulares de todo o Brasil estão: o
episódio da Inês de Castro, no Canto III e o episódio do Velho do Restelo, no
Canto IV.
Inês de Castro, no Canto III, é um
episódio lírico-amoroso que conta a história amorosa da jovem Inês de Castro
com o Príncipe D. Pedro. D. Pedro já era casado e possuía um filho legítimo,
mas também tinha outros filhos com a amante Inês. Quando sua esposa morre, o
príncipe se vê obrigado a casar novamente, então declara já ser casado com
Inês. O rei e a corte com medo de que um de seus filhos bastardos assumissem o
trono, na ausência de D. Pedro, mandam matar Inês. Quando fica sabendo do
acontecido, D. Pedro ordena que sua amada, mesmo morta, seja coroada rainha.
Daí a conhecidíssima frase do episódio de Inês de Castro, “aquela que depois de
ser morta foi rainha”.
O Velho do Restelo, no Canto IV é o
episódio que narra a saída das naus de Vasco da Gama ainda no Porto de Belém.
No momento da partida aparece um velho, o Velho do Restelo, e faz uma série de
críticas à ambição expansionista dos portugueses, numa clara postura medieval e
conservadora.
O texto Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões é a grande obra épica da língua
portuguesa de todos os tempos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário