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Abolição da Escravatura

Dois conceitos históricos são entendidos por abolição da escravatura: o conjunto de manobras sociais empreendidas entre o período de 1870 a 1888 em prol da libertação dos escravos e a própria promulgação da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, que promove a oficialização da abolição do regime.

Os movimentos pela abolição da escravatura são iniciados a partir de alguns eventos ocorridos: a cessação do tráfico negreiro da África, em 1850; a volta vitoriosa de negros da Guerra do Paraguai, que se estendeu de 1865 a 1870, a promulgação da Lei do Ventre Livre; a criação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão (tendo José do Patrocínio e Joaquim Nabuco como fundadores); a Lei Saraiva-Cotegipe (mais popularmente conhecida como a Lei dos Sexagenários).
As mudanças ocorridas afetavam diretamente a economia de produção neste período do Brasil. Os negros chegaram a participar da luta anti-escravista e muitos deles, perseguidos por seus atos insurrecionais ou mesmo fugindo do jugo escravista, reuniam-se em povoados como os quilombos (Quilombo dos Palmares, Quilombo de Jabaquara). Após as medidas oficiais anti-escravistas determinadas pela Lei Áurea, os senhores escravistas, insatisfeitos com a nova realidade, intencionavam exigir indenizações pelos escravos libertos, não obtendo nenhum aval do Império. Desta forma, surgiram os movimentos republicanos, que foram engrossados com a participação dos mesmos senhores que eram antigos detentores da "mercadoria escrava" e que, descontentes com as atitudes do Império, acabaram por defender um novo sistema de governo, decorrendo daí um dos principais motivos da derrocada final do Império. Por outro lado, a mão de obra proveniente das novas correntes imigratórias passa a ser empregada. Os negros, por um lado libertos, não possuíam instrução educacional ou a especialização profissional que passa a ser exigida, decorrendo destes aspectos a permanência dos negros à margem da sociedade frente à falta de oportunidades a eles oferecidas. A liberdade dada aos negros anteriormente escravizados é relativa: embora não mais escravizados, nenhuma estrutura que garantisse a ascensão social ou a cidadania dos negros foi oferecida.

Campanha abolicionista

Após a Guerra do Paraguai, cresceu no país a campanha abolicionista, um movimento social e popular a favor da abolição. Os abolicionistas se manifestavam por meio de panfletos, artigos, charges e comícios. Multidões reuniam-se para exigir o fim da escravidão. Vários descendentes de africanos faziam parte desse grupo, como o advogado Luiz Gama, o engenheiro André Rebouças, o jornalista José do Patrocínio e a musicista Chiquinha Gonzaga.
Luiz Gama (1830-1882) – escritor, jornalista, advogado e abolicionista baiano. Ele era filho da ex-escravizada Luiza Mahin e de um fidalgo de origem portuguesa. Conta-se que Luiza participou da Revolta dos Malês e da Sabinada. Gama nasceu livre, mas, aos 10 anos, foi vendido como escravo por seu pai para sanar uma dívida de jogo.
Aos 18 anos, ele aprendeu a ler e a escrever e conseguiu provar na Justiça que tinha direito à liberdade. Atuou na cidade de São Paulo, onde acompanhou aulas de Direito como ouvinte e ajudou a libertar mais de 500 pessoas escravizadas. Quando não conseguia vencer nos tribunais, ele comprava a alforria dos escravizados. Em 2015, Luiz Gama foi reconhecido como advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
• André Pereira Rebouças (1838-1898) – engenheiro e abolicionista baiano. Seus irmãos, Antônio e José, também se tornaram engenheiros. André foi um dos mais importantes especialistas em engenharia ferroviária e hidráulica da época e realizou obras para o abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro.
Foi também professor de cálculo, botânica, zoologia, arquitetura e construção. Além da abolição, defendia a democratização do acesso à terra. Ajudou a criar a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e participou da Confederação Abolicionista.
• José do Patrocínio (1853-1905) – jornalista, farmacêutico, escritor e abolicionista fluminense. Iniciou a carreira de jornalista em 1877, trabalhando na Gazeta de Notícias como redator. Nesse jornal, publicou textos sobre a abolição. Entre 1880 e 1888, participou da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e da Confederação Abolicionista. Patrocínio também preparou fugas de cativos e coordenou campanhas de arrecadação de fundos para a compra da liberdade deles. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL).
• Chiquinha Gonzaga (1847-1935) – nascida na cidade do Rio de Janeiro, era compositora, pianista, regente e defensora da abolição. Pioneira para os padrões da época, compôs músicas para peças teatrais e criou cerca de 2 mil composições. Participou de festivais artísticos destinados a arrecadar fundos para a compra de liberdade para os escravizados. Assim como Chiquinha, outras mulheres tomaram parte em campanhas abolicionistas, como a escritora Maria Firmina dos Reis (1825-1917), a poetisa Maria Amélia de Queirós, a escritora Inês Sabino (1853-1911) e a costureira Leonor Porto, que fundou a associação abolicionista Ave, Libertas em 1884.

Leis abolicionistas

Em meio às pressões internas e externas, na segunda metade do século XIX, os parlamentares brasileiros votaram leis que libertaram parte dos escravizados.
• Lei do Ventre Livre (1871): libertava os filhos de mulheres escravizadas nascidos no Brasil, mas os obrigava a ficar com os donos de suas mães até os 8 anos. Depois dessa idade, os senhores poderiam escolher entre libertar as crianças e receber indenização do governo ou continuar explorando o trabalho delas até que completassem 21 anos. Essa segunda alternativa foi a adotada na maioria dos casos. A lei instituiu também o fundo de emancipação destinado à compra da liberdade dos cativos. Tudo parecia favorável aos senhores, mas os escravizados também tiveram o reconhecimento de um direito conquistado ao longo de muito tempo: poupar recursos para comprar a própria liberdade.
• Lei dos Sexagenários (1885): libertava as pessoas escravizadas com mais de 60 anos. Os abolicionistas e parte da sociedade ficaram indignados com essa lei, favorável aos senhores. Afinal, libertar homens e mulheres com mais de 60 anos, depois de uma vida toda de trabalho, significava livrar os antigos donos da obrigação de sustentar os poucos idosos que tinham conseguido sobreviver à escravidão. Por conta das terríveis condições de vida impostas a eles, a maioria dos cativos morria antes de chegar a essa idade.
Essas leis permitiram aos senhores de escravizados ganhar tempo e adiar a abolição. Elas não resolveram o problema da escravidão, mas transformaram a justiça em um campo de luta pela liberdade.
Em 13 de maio de 1888, a escravidão foi extinta no Brasil com a promulgação da chamada Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel. Ela exercia a regência do império enquanto dom Pedro II, seu pai, viajava pela Europa. Mais de 700 mil escravizados foram libertados a partir da promulgação da Lei Áurea.

Heranças da escravidão

Apesar da abolição, a vida dos africanos e dos negros brasileiros continuou difícil depois de 1888 e eles continuaram não sendo tratados como cidadãos. Entre aqueles que haviam sido escravizados, eram raros os que conseguiam trabalhar por conta própria ou em algum emprego. Muitos continuaram a trabalhar nas mesmas fazendas ou nos locais onde antes eram cativos.
Mais de 130 anos se passaram desde a abolição; porém, os séculos de escravidão ainda pesam sobre a sociedade brasileira atual. Dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a pobreza e a violência afetam mais a população negra (a soma das populações preta e parda) do que a branca. A taxa de desemprego entre os negros é maior do que entre os brancos, e o salário médio dos trabalhadores brancos é superior ao dos negros nas mesmas funções. 
Dados como esses demonstram ser inegável que os negros enfrentam o racismo no Brasil. Em função disso, o movimento negro tem lutado em várias frentes. Uma delas é pela implementação de ações afirmativas que levem à construção de uma sociedade mais igualitária e justa. De modo geral, as ações afirmativas são medidas especiais que visam combater desigualdades históricas, rompendo discriminações raciais, étnicas, religiosas, de gênero, entre outras.

Conquistas recentes

Graças à mobilização do movimento negro brasileiro, no início do século XXI foram aprovadas leis que estabelecem a obrigatoriedade do ensino de história da África e de cultura afro-brasileira nas escolas. Essas leis são bem-vindas, pois fortalecem a escola como espaço para a superação de preconceitos e formação de cidadãos.
Há outros exemplos de conquistas recentes, como o crescimento do número de mulheres negras chefiando e provendo domicílios. Isso revela o aumento da presença delas no mercado de trabalho. As estatísticas também indicam uma pequena melhora no acesso ao ensino. Se em 2005 apenas 5,5% dos jovens negros cursavam Ensino Superior, em 2015 esse índice passou para 12,8%. Em 2018, 50,3% dos estudantes de universidades federais do Brasil eram negros, mas ainda estão sub-representados, já que pretos e pardos são 55,8% da população brasileira, conforme dados do IBGE.

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