Pular para o conteúdo principal

Escravidão no Brasil Colônia

Conceitos de escravidão

A escravidão é uma prática antiga e cruel. Sua principal característica é o domínio que uma pessoa (senhor) exerce sobre outra pessoa (escravizado). As formas desse domínio variaram ao longo da história, mas podemos dizer que, em muitas situações:
• o escravizado não tinha liberdade de decidir sobre seu próprio destino. Não era livre, por exemplo, para escolher e organizar a rotina de seu trabalho;
• o escravizado devia obedecer às ordens de um senhor, principalmente nas relações de trabalho. A desobediência era punida com castigos físicos e até com a morte;
• o escravizado era considerado um bem que podia ser comprado ou vendido.
Calcula-se que cerca de 40% da população da Península Itálica era formada por escravizados no auge do Império Romano (século II). De modo geral, eram escravizadas pessoas aprisionadas em guerras ou que praticavam crimes graves. Não pagar dívidas foi, durante certo tempo, um motivo para a escravização do devedor, sendo também escravizados seus filhos até que a dívida fosse paga.
A situação dos escravizados na Antiguidade era diversificada. Eles trabalhavam em oficinas, mercados, portos e minas, mas também podiam exercer atividades intelectuais, nas funções de secretário ou professor.
Durante a Idade Média, a escravidão continuou existindo, mas deixou de ser a principal forma de exploração do trabalho. A dominação adquiriu a forma de servidão, na qual o servo trabalhava na terra para o seu próprio sustento e para manter o senhor feudal, que, em troca, o protegia. O servo podia ser proprietário de alguns instrumentos de trabalho e não podia ser vendido.
A partir do século XV, época da expansão colonial europeia, foi estabelecida a escravidão moderna. Essa forma de escravidão tornou-se muito lucrativa para os Estados europeus que controlavam o fluxo de escravizados da África para a América. Milhões de homens e mulheres africanos foram arrancados de seus lares, de seu continente e separados de seus povos, de suas línguas e de suas culturas. Quando comparada à escravidão antiga e à servidão medieval, a escravidão moderna distingue-se por tratar o africano cativo como “peça” ou semovente, procurando extinguir sua condição humana.

Escravidão de índios

Nos primeiros tempos de exploração do pau-brasil, o índio não foi escravizado. A madeira era obtida através do trabalho indígena, mas em troca de objetos que despertassem interesse dos nativos, como espelhos, colares, enxadas, machados, etc. Mesmo que o ritmo de trabalho dos indígenas fosse lento demais e incompreensível para os portugueses ávidos por lucros, pode-se dizer que as relações eram satisfatórias para os lusos.
As coisas começariam a mudar com a colonização. Quem iria se submeter a condições desumanas de trabalho, necessárias a tocar pra frente a produção açucareira ou mesmo para trabalhar nas vilas que começavam a aparecer pelo litoral? Ora, de boa vontade ninguém iria se submeter a isso. Por isso, iniciava uma nova relação entre brancos e índios: a aquisição de prisioneiros de aldeias próximas para serem transformados em escravos. Observe, os primeiros escravos indígenas eram “comprados” de aldeias indígenas vizinhas. Eram os chamados índios de corda. Com as necessidades de trabalhadores aumentando, a pressão para que tribos aliadas obtivessem mais cativos também aumentava. Com o passar do tempo, as relações entre colonos e nativos foram se deteriorando. É que à medida que a colonização se expandia e o abastecimento de índios de corda se tornou insuficiente, os próprios colonos passaram a atacar as tribos consideradas inimigas. Depois, passaram a nvestir até contra as aliadas.
As estratégias que os colonos passaram a utilizar para obter cativos eram as mais diversas, como os saltos, em que os nativos eram convencidos a subir nos navios a pretexto de observar mercadorias atraentes. Estando a bordo, eram feitos prisioneiros e vendidos nas capitanias.
A violência contra os indígenas os levou a resistir, atacando as comunidades de colonos do litoral. A Coroa vendo nisso um risco para o sucesso da colonização, instruiu Tomé de Souza a coibir os “saltos” e outras violências contra os indígenas. Ocorre que a colonização dependia dos braços escravizados. Por isso a Coroa não podia simplesmente impedir a escravização do nativo.
A solução foi permitir que fossem aprisionados “apenas os verdadeiros índios de corda” ou aqueles capturados nas “guerras justas”, que eram autorizadas pelas Coroa. As “guerras justas” deveriam ser feitas em legítima defesa, contra tribos que fossem consideradas uma ameaça aos colonos Através delas, inúmeras tribos foram tornadas escravas. Veja, como os índios conheciam a agricultura, os portugueses avançavam sobre essas terras, que eram terras apropriadas para o cultivo da cana, por exemplo. Se os índios reagiam, essa resistência acabava servindo de pretexto para a organização de “guerras justas”, que, como se vê, de “justas” não tinham nada. Outra forma de obtenção de mão-de-obra indígena eram os “resgates”, que consistiam da “troca” ou captura de um ou mais prisioneiros que estavam destinados à morte certa nos rituais de antropofagia. Havia ainda os “descimentos”, quando tribos inteiras eram convencidas a se deslocar para o litoral, ocupando núcleos de povoamento de brancos ou áreas próximas.
Os jesuítas muito praticaram esses descimentos, levando tribos inteiras a se transferir para seus aldeamentos ou colégios. Esses índios poderiam ser utilizados pelos brancos, desde que pagassem pelos seus serviços. Mas os jesuítas quase sempre denunciavam que os colonos não faziam esse pagamento e, pior, transformavam os índios em escravos, chegando até a vendê-los como tal. Outro aspecto que deve ser considerado é que os portugueses muito se beneficiaram da grande rivalidade existente entre os indígenas. Essas guerras constantes não apenas favoreceram a dominação lusa como facilitavam a obtenção de escravos. A importância da escravidão indígena é maior do que normalmente consta nos livros didáticos. Ela não existiu apenas no início da colonização.
Mas conviveu, até no mesmo espaço, com a escravidão negra africana. Foi através dela que se implantou a produção açucareira, com sucesso para os portugueses. E mesmo depois da introdução do negro, o índio continuou sendo utilizado largamente. No Nordeste, somente no século XVII é que o número de escravos negros superou o de indígenas. No Rio de Janeiro e em São Vicente, o índio foi amplamente utilizado até o século XVIII. Na Amazônia, incluindo aí o Maranhão, o índio era a mão-de-obra básica até o século XIX, mesmo sendo escravizado ilegalmente.
Ou seja, não houve, como normalmente se aprende, a substituição pura e simples do índio a partir da chegada do negro. Perigosa também é a afirmação de o índio não se adaptou à escravidão e o negro sim. Escravidão não se impõe por aptidão ou disposição de quem é escravizado. E sim pela violência.

Escravidão na África

No continente africano, havia uma forma de escravidão que não tinha relação com a cor da pele. Homens e mulheres podiam ser escravizados ao serem derrotados e capturados em guerras ou punidos por crimes e dívidas não pagas. Se um escravizado tivesse filhos, seus descendentes também se tornavam escravizados. Por isso, a escravidão em várias partes da África atingia a linhagem ou a família dessas pessoas.
Em grande parte do continente, os cativos cumpriam ordens de seus senhores e dependiam deles para obter alimento, vestimenta e moradia. Os escravizados trabalhavam na agricultura, no artesanato, na mineração, no comércio etc. Havia algum comércio de pessoas escravizadas, mas essa não era a atividade predominante.
A escravidão comercial ou mercantil foi desenvolvida no final do século XV, quando os europeus conquistaram partes do litoral africano. Guerras, dívidas e punições continuaram a ser motivos de escravização, mas um número cada vez maior de escravizados passou a ser vendido para comerciantes europeus. A escravidão de linhagem diminuiu e a escravidão comercial cresceu, envolvendo interesses de grupos escravistas na Europa, na África e na América.
À medida que o comércio atlântico de escravizados crescia, os europeus faziam acordos com soberanos africanos. Esses soberanos aceitavam trocar escravizados por armas, aguardente, tabaco, tecidos e búzios (espécie de concha usada como moeda). As armas de fogo foram introduzidas na África pelos europeus e contribuíram para que as guerras no continente ficassem ainda mais violentas e destrutivas.
Tornar-se escravizado
O comércio de africanos escravizados ocorrido no Oceano Atlântico foi chamado
tráfico negreiro. De modo geral, o tráfico negreiro envolveu a captura de africanos, seu
deslocamento em viagens nos navios negreiros e venda nos portos da América.

Captura

As pessoas eram capturadas em guerras ou emboscadas em várias regiões do continente africano. Feitas prisioneiras, elas eram levadas para portos litorâneos. Se fosse necessário, percorriam mais de 400 quilômetros a pé. Estima-se que mais de 10% dessas pessoas morriam no caminho em direção à costa africana.
No litoral, as pessoas aprisionadas eram colocadas em barracões precários e com pouca ventilação. Podiam ficar dias ou meses amontoadas nesses barracões, esperando haver número suficiente de pessoas para encher um navio.
Antes de serem embarcados, homens e mulheres eram marcados com ferro em brasa no peito ou nas costas. Essa marca servia para identificar o traficante ao qual o cativo pertencia, já que um mesmo navio podia carregar escravizados de diversos proprietários. Algumas das marcas eram dos reis europeus, que cobravam impostos pelo comércio de escravizados.
Os barracões precisavam ser abastecidos de alimentos e eram vigiados constantemente. Nessa etapa da escravização, havia a participação de comerciantes locais e de traficantes europeus ou traficantes que vinham do continente americano.

Navios negreiros

A travessia do Oceano Atlântico era demorada. Os navios que saíam de Angola levavam, em média, 35 dias até Pernambuco, 40 dias até a Bahia e 50 dias até o Rio de Janeiro. Crianças, mulheres e homens ficavam presos nos porões dos navios, em um espaço apertado e muito quente. Durante a viagem, eram frequentes os castigos físicos, as doenças, a falta de água e de comida.
Calcula-se que entre 5 e 25 de cada 100 africanos embarcados morriam nessas viagens. Não é por acaso que os navios negreiros ficaram conhecidos como tumbeiros ou túmulos flutuantes.
Os africanos capturados se revoltaram em diversos momentos da escravização, desde a captura até a permanência nos barracões. Mas as revoltas nos navios eram as mais temidas pelos traficantes e tripulantes.
Para os africanos, era a última chance de resistir antes de fazer uma viagem provavelmente sem volta. Essas revoltas, mesmo quando não eram bem-sucedidas, podiam provocar grandes estragos no navio.

Mercado de escravizados

O tráfico de pessoas escravizadas movimentou diversos portos na América, entre eles: Rio de Janeiro, Salvador e Recife, no Brasil; Cartagena, em Nova Granada (atual Colômbia); Nova Orleans, nos Estados Unidos; e Havana, em Cuba.
Nas áreas portuárias, o grande fluxo de pessoas e o movimento de mercadorias levaram a transformações. Por exemplo, foram construídos armazéns, lojas de alimentos e estaleiros (locais para construção e conserto de navios).
Os traficantes pagavam os tributos para entrar com sua “carga” de pessoas no Brasil. Os africanos aprisionados eram registrados e levados para os mercados, onde eram vendidos.
Em razão das péssimas condições de viagem, várias pessoas
ficavam desnutridas, enfraquecidas e doentes (com vermes, escorbuto, oftalmia etc.). Muitos africanos morriam nesses portos em decorrência das doenças contagiosas que dali se espalhavam pelo interior do continente, como varíola e sarampo.
Nos mercados, os escravizados eram organizados por sexo, idade e origem. Os proprietários e traficantes negociavam as condições e os preços de venda. Para negociar valores mais elevados, os vendedores mandavam alimentar os escravizados, limpá-los e passar óleo em seus corpos. Depois de vendidos, eles eram levados por seus novos senhores para o trabalho forçado em fazendas, residências, comércios ou minas.

Escravidão negra

De forma geral, os negros que foram trazidos ao Brasil são denominados de:
· Bantos, originários das regiões litorâneas da África Central (Angola e Congo, e trazidos para Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais).
· Sudaneses originários da costa da Guiné - Daomé, Benin e Guiné, e trazidos principalmente para a Bahia.
Deve-se levar em conta, entretanto, que muitos escravos eram buscados no interior, longe da área de embarque, o que tornava bem mais variadas as origens étnicas. Dentre os chamados sudaneses, por exemplo, havia iorubas (aqui chamados nagôs), hauçás, jêjes e outros. Já os bantos incluíam cabindas, moçambiques e banguelas, por exemplo. Essa diversidade favorecia também os senhores aqui no Brasil, pois preferiam escravos de etnias diferentes por acreditarem que isso inibiria a organização de rebeliões, visto que, possuindo culturas, línguas e religiões diferentes, dificultaria a afinidade entre eles.

O Desembarque no Brasil:

Os escravos chegados ao Brasil desembarcavam, a maioria, no Nordeste ou Rio de Janeiro, que eram os principais portos receptores de escravos nos séculos XVI e XVII. Depois de uma viagem que variava de 35 dias a dois meses, dependendo do destino da navegabilidade, os escravos chegavam em péssimas condições. Por essa época, era comum proprietários encomendarem diretamente os escravos, ou os obterem através de outra pessoa que financiava e organizava a compra. Havia também a venda direta no porto, por meio de negociações ou de leilões. Com o advento da mineração no século XVIII, essas condições vão sofrer alterações significativas, que mais tarde vão ser descritas e analisadas.

Tipos de escravidão:

Os escravos que sobreviviam e chegavam ao Brasil, nessa época, eram destinados, a maioria, para o trabalho nas propriedades rurais ou para o trabalho nas minas, como ocorreu intensamente no século XVIII. O escravo rural podia tanto trabalhar diretamente na plantação de açúcar, o chamado escravo do eito, como ser utilizado na residência do senhor, esse era o escravo doméstico. Havia escravos domésticos também nas vilas e cidades.
O escravo do eito era submetido a longas e repetidas tarefas. Chegavam a trabalhar mais de 15 horas por dia. E em épocas de safra, o descanso quase não existia. O não cumprimento das tarefas podia implicar em duros castigos. Calcula-se que a vida média de um escravo nessas condições penosas chegava, em média, a dez anos.
“Vida rude, monótona e regrada na qual o trabalho jamais parece deter-se e o lazer depende unicamente da boa vontade dos chefes e senhores ou das intempéries que inutilizam o canavial.”
Essa rotina é detalhada pelo artista Rugendas, que esteve no Brasil nos inícios do século XIX. Leia:
"Enviam-se os escravos para o trabalho logo ao nascer do sol. A frescura da manhã parece ser-lhes muito mais desagradável do que o grande calor do dia, e eles ficam entorpecidos até que o sol, erguendo-se, os queime com seus raios. Às oito horas concede-se-lhes meia hora para almoçar e descansar. Em algumas fazendas fazem os escravos almoçar antes de partirem para o trabalho, isto é, imediatamente depois do nascer do sol. Ao meio-dia eles têm duas horas para o jantar e o repouso e, em seguida, trabalham até as dezoito horas.
Entretanto, na maioria das fazendas, em vez de fazê-los trabalhar nos campos de cinco a sete horas, empregam-nos a juntar forragem para os cavalos ou procurar palmitos nas florestas vizinhas ou ainda lenhar; muitas vezes, eles voltam fortemente carregados e muito tarde. Também acontece, ao voltarem dos campos, fazê-las moer farinha de mandioca durante duas horas. Mas esse trabalho, na maioria das fazendas, só se faz duas vezes por semana, pois quase nunca se prepara mais do que o necessário ao consumo dos próprios escravos. Costumam estes, quando voltam de seu trabalho, apresentar-se ao senhor e desejar-lhe boa noite.”
Outra observação que ele faz é quanto à pratica de alguns senhores em conceder um pedaço de terra para alguns desses escravos. Estima-se que uma das mais fortes razões para isso seria diminuir a tensão causada pela própria escravidão. Veja o que ele diz:
“No domingo, ou dias de festas, tão numerosos que absorvem mais de cem dias no ano, os escravos são dispensados de trabalhar para seus senhores e podem descansar ou trabalhar para si próprios. Em cada fazenda existe um pedaço de terra que lhes é entregue, cuja extensão varia de acordo com o número de escravos, cada um dos quais cultiva como quer ou pode. Dessa maneira, não somente o escravo consegue, com o produto do seu trabalho, uma alimentação sadia e suficiente, mas ainda, muitas vezes, chega a vendê-la vantajosamente.”
Nas minas de ouro e diamantes o trabalho também era duríssimo. O trabalho curvado provocava dores e fazia com que alguns deles, ainda adolescentes, ficassem deformados para o resto da vida. Eles podiam ter a coluna curvada ou mesmo as pernas tortas. A labuta com os pés na água o dia inteiro também trazia sérios danos à saúde.
Os escravos domésticos trabalhavam no interior das residências. Eram cozinheiras, lavadeiras, copeiros, cocheiros, moleques de recado, além de amas-secas, amas-de-leite, mucamas e pajens. Eram escolhidos entre aqueles que os senhores consideravam de melhor aparência.
Recebiam boas roupas, limpas e, por vezes, até luxuosas. O tratamento era diferenciado dos demais escravos. A proximidade fazia que chegassem até a ter certa intimidade com os familiares do proprietário e mesmo com este. Por vezes, criando vínculos de afeição.
Mas o trabalho doméstico também não era fácil. Ao contrário, era extremamente cansativo. Lavar a roupa, limpar e cozinhar eram tarefas que exigiam muito esforço. Não havia máquinas, modernos produtos de limpeza nem fogão a gás. Também não havia esgotos, água encanada nem energia elétrica. Cozinhar, por exemplo, exigia buscar e rachar lenha. A casa tinha de ser abastecida de água para a higiene pessoal, alimentação e para a limpeza.
Nas cidades, mesmo famílias pobres deveriam ter um ou dois escravos. Aí, nos centro urbanos, devido a inexistência de esgotos, senhores, sinhás e sinhazinhas se valiam de urinóis para suas necessidades fisiológicas durante a noite. Esse dejetos eram esvaziados em espécies de vasos com tampas, chamados de cabungos ou tigres, e depois despejados em rios ou outro curso d'água. Mas não podiam ser jogados em valas ou terrenos baldios. Escravos domésticos ou cativos destinados a esse serviço –os cabungueiros ou escravos-tigres- faziam esse serviço.
Aí mesmo nas cidades, havia também os escravos de ganho, que executavam tarefas, muitas vezes, como vendedores ambulantes. Estes obtinham o ganho do seu dono, mas recebiam uma parte desse lucro para se manter. Além desses ambulantes, havia também barbeiros, pedreiros e até aqueles que praticavam a medicina popular, vendendo ervas, poções ou mesmo realizando procedimentos de cura.
Havia senhoras que enfeitavam sua escravas e as prostituíam. Há casos em que ex-escravas exploravam algumas cativas nessa atividade. Em geral, os escravos de ganho não moravam na mesma casa dos seus senhores.

Distinção entre escravos

Havia outra forma de distinção entre os escravos. Chamavam-se boçais os recém chegados da África, que ainda não dominavam o idioma. Já o ladino era o nascido na África, mas que já dominava o português e estava integrado na rotina de trabalho. Os escravos nascidos no Brasil eram chamados de crioulos.

Resistência à escravidão

A história da submissão do negro à escravidão no Brasil é também a história de sua resistência. Apesar de quase só se falar dos quilombos – e são importantíssimos- como meio de resistência, outras práticas também foram muito usadas pelos escravos para fugir do cativeiro.
A fuga, evidentemente, era a reação mais comum do escravo. Pelo menos a mais perceptível. Mas, além disso, eles chegavam a se suicidar em meio à depressão profunda. Também não eram incomuns os abortos, e mesmo os infanticídios. Observe este documento:
“esse horror à escravidão chega a tal ponto que os negros, para escapar a ela, matam não só a si próprios como também os filhos. As mulheres negras têm fama de ser excelentes mães, e tive a oportunidade de ver sempre confirmada essa fama em todas as ocasiões; não obstante, essa mesma afeição que têm pelos filhos leva-as a cometer infanticídio. Muitas delas, principalmente as negras minas, repelem violentamente a idéia de ter filhos, empregando vários meios para matar a criança ainda no ventre, evitando assim – conforme declaram – a desgraça de por mais escravos no mundo...”
Também reagiam matando seus patrões e feitores, além das rebeliões.

Os quilombos

Os escravos negros constituíam a sustentação da produção açucareira: plantavam, colhiam, transportavam cana para as moendas, participavam das várias etapas de produção do açúcar no engenho e do transporte das caixas de açúcar para os navios. Sua alimentação era à base de mandioca. As condições em que trabalhavam podem ser resumidas cruamente a três "pês": pau, pano e pão. "Pau" eram os castigos corporais pelas faltas cometidas; "pano" significava a roupa mínima para esconderem "as vergonhas", e "pão" o alimento para não morrerem de fome.
As reações do negro contra a exploração e a violência eram severamente reprimidas. Os rebeldes eram punidos com o viramundo (instrumento de ferro que servia para prender as mãos e os pés dos escravos) e surrados com o bacalhau (chicote de couro cru). As feridas eram curadas com sal. Faltas graves recebiam tratamentos mais duros, como a castração, a amputação dos seios, a quebra dos dentes com martelo.
À noite, após doze a quinze horas de trabalho, os negros recolhiam-se na senzala - habitação de compartimento único onde muitos dormiam com correntes prendendo pés e mãos. As mulheres cuidavam dos feridos nos castigos e dos doentes por excesso de trabalho.
Existem poucos documentos que registram as formas de resistência adotadas pelos negros diante da brutalidade dos senhores brancos. Mas sabe-se que havia suicídios, assassinato de feitores e capitães-do-mato (homens encarregados de buscar os foragidos na mata). Muitas vezes entravam num estado de apatia total, o chamado banzo ou 'nostalgia da África ': em profunda depressão, não se alimentavam mais nem trabalhavam, acabando por morrer.
Além dessas formas de resistência, eram comuns as fugas e a formação dos quilombos. Os quilombos eram núcleos autônomos de aldeias de negros foragidos, que buscavam na mata reconstituir a vida africana.
Vários quilombos formaram-se no final do século XVI até o final do século XIX. Apesar de não termos o registro da maioria deles, sabe-se da existência dos quilombos de Rio Vermelho (1632), Itapicuru (1636), Mocambo (1646), Orobó (1796), Urubu (1826), todos na Bahia; Rio das Mortes (1751), em Minas Gerais; Malunguinho (1836), em Pernambuco.
O mais importante reduto da resistência negra foi o quilombo dos Palmares, que se instalou na Serra da Barriga, no atual. Estado de Alagoas. Liderados por Ganga Zumba e depois por Zumbi, os negros formaram um verdadeiro Estado livre, dentro do rígido e aristocrático sistema colonial. Durante a invasão holandesa, com a desorganização das tropas luso-brasileiras ocorreram fugas em massa de escravos, engrossando a população de Palmares, que já existia desde o começo do século XVII. Em 1640, o quilombo abrigava cerca de 6 000 fugitivos e trinta anos depois havia 20000 a 30 000 indivíduos.
Em Palmares, cultivou-se feijão, banana, mandioca, batata-doce, milho e cana-de-açúcar. Essa agricultura desenvolveu-se a ponto de os quilombos palmarinos realizarem até atividades comerciais com os vilarejos brancos próximos à serra.
A repressão a Palmares tornou-se uma necessidade aos senhores de engenho e à metrópole, pois, 'ó quilombo era um constante chamamento, um estimulo, uma bandeira para os escravos das vizinhanças - um apelo à rebelião, à fuga para o mato. à luta pela liberdade. As guerras na Serra da Barriga e as façanhas dos quilombos assumiram caráter de lenda, alguma coisa que ultrapassava os limites da força dos engenhos humanos. Os negros de fora dos quilombos consideravam "imortal" o chefe Zumbi - a flama da resistência contra a incursões dos brancos '.
Durante o século XVII, holandeses, senhores de engenhos e a Coroa lusitana uniram-se para destruir Palmares. Vários ataques foram realizados ao longo de muitos anos. Os latifundiários contratavam o bandeirante Domingos Jorge Velho para combater os quilombos. As tropas do bandeirante eram formadas por aproximadamente mil homens e, na maior parte, constituíam-se de índios.
A violência e a brutalidade dos homens comandados por Domingos Jorge Velho resumem a prática das lutas dos brancos contra índios e negros: “Certa vez, Domingos assassinou duzentos indígenas, cortando-lhes a cabeça, exclusivamente porque estes se recusaram a acompanha-lo na luta contra Palmares".
Todos os tipos de artimanhas foram usados pelos bandeirantes: realizaram-se desde ataques-surpresa até "um hediondo expediente para enfraquecer os palmarinos: vestiu alguns negros capturados com roupas de doentes e pestilentos, permitindo-lhes fugir para o reduto. espalhando ali moléstias contagiosas..." Até que, em 20 de novembro de 1695, Zumbi, após resistir com apenas vinte homens, foi morto e decapitado.
20 de novembro é o dia da consciencia negra



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Zabala - Os ‘materiais curriculares’

  Os ‘materiais curriculares’ e outros recursos didáticos O PAPEL DOS MATERIAIS CURRICULARES Os materiais curriculares, corno variável metodologicamente são menosprezados, apesar de este menosprezo não ser coerente, dada a importância real que têm estes materiais. Uma olhada, mesmo superficial, permite que nos demos conta de que os materiais curriculares chegam a configurar, e muitas vezes a ditar, a atividade dos professores. A existência ou não de determinados meios, o tipo e as características formais, ou o grau de flexibilidade das propostas que veiculam são determinantes nas decisões que se tomam na aula sobre o resto das variáveis metodológicas. A organização grupai será cie um tipo ou de outro conforme a existência ou não de suficientes instrumentos de laboratório ou de informática; as relações interativas em classe serão mais ou menos cooperativas conforme as caraterísticas dos recursos; a organização dos conteúdos dependerá da existência de materiais com estruturações disc

A Revolução Francesa

O Antigo Regime – ordem social que garantia os privilégios do clero e da nobreza – foi sendo abalado e destruído lentamente por uma série de fatores, como as revoluções burguesas na Inglaterra, o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Independência dos Estados Unidos da América. Mas o fator que aboliu de vez o Antigo Regime foi a Revolução Francesa (1789-1799), uma profunda transformação sócio-política ocorrida no final do século XVIII que continua repercutindo ainda hoje em todo o Ocidente. O principal lema da Revolução Francesa era “liberdade, igualdade e fraternidade”. Por sua enorme influência, a Revolução Francesa tem sido usada como marco do fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea. Embora não tenha sido a primeira revolução burguesa ocorrida na Europa, foi, com certeza, a mais importante. 1. Situação social, política e econômica da França pré-revolucionária a) Sociedade A França pré-revolucionária era um país essencialmente agrícola. O clero e a nobreza possuíam en

SIMBOLISMO EM PORTUGAL E NO BRASIL

  O Simbolismo, assim como o Realismo-Naturalismo e o Parnasianismo, é um movimento literário do final do século XIX. No Simbolismo , ao contrário do Realismo , não há uma preocupação com a representação fiel da realidade, a arte preocupa-se com a sugestão. O Simbolismo é justamente isso, sugestão e intuição. É também a reação ao Realismo/Naturalismo/Parnasianismo, é o resgate da subjetividade, dos valores espirituais e afetivos. Percebe-se no Simbolismo uma aproximação com os ideais românticos, entretanto, com uma profundidade maior, os simbolistas preocupavam-se em retratar em seus textos o inconsciente, o irracional, com sensações e atitudes que a lógica não conseguia explicar. Veja as comparações: Parnasianismo 1. Preocupação formal que se revela na busca da palavra exata, caindo muitas vezes no preciosismo; o parnasiano, confiante no poder da linguagem, procura descrever objetivamente a realidade. 2. Comparação da poesia com as artes plásticas, sobretudo com a escultura. 3. Ativid