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A CULTURA NA REPÚBLICA VELHA

O fim do século XIX foi marcado, no Brasil, por transformações que acarretaram a queda do Império e o advento da República. Essas rupturas políticas se traduziram em rupturas sociais: a Abolição, a imigração, a introdução do trabalho assalariado, e a nível econômico ocorreu a ascensão da aristocracia cafeeira, a industrialização e a urbanização. Essas transformações tiveram seus reflexos a nível cultural apenas alguns decênios mais tarde.

Assim, podemos identificar, no período da República Velha, dois momentos bastante distintos. No primeiro, tanto a manifestação artística como os comportamentos e modos de vida ainda estavam presos aos padrões vigentes no final do Império. A referência da moda, dos costumes e dos comportamentos era Paris, que naquela época vivia a chamada Belle Époque, um estilo de vida difundido pela burguesia que se apoiava na idolatria da ciência e da técnica, na busca do belo e do prazer. Na Europa, a ruptura ocorreu de forma dramática com a eclosão da I Guerra Mundial. No Brasil, essa ruptura foi mais simbólica com a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo em 1922. Apesar das vaias, da reação negativa do público, em particular dos estudantes da Faculdade de Direito, reduto do conservadorismo, as novas ideias, as novas manifestações artísticas frutificaram nos anos seguintes.

As cidades se modernizam

Na virada do século, a sociedade brasileira ainda respirava os ares de fazenda e de campo, e as cidades tinham aspecto de vilarejos da época da colônia. No Rio de Janeiro, capital da República, que, desde a vinda da Família Real, era o centro político e econômico mais importante do país, havia em 1910 um pouco mais de 900 000 habitantes; dez anos depois a cidade contava com mais de 1 milhão de pessoas. O Rio de Janeiro, apesar de sua beleza natural, possuía becos, cortiços e muito lixo nas ruas; não havia rede de esgoto, o abastecimento de água era precário, os focos de epidemias eram constantes e a população morria de febre amarela, cólera, tifo e tuberculose. No governo de Rodrigues Alves, o Rio ganhou novo aspecto. As ruas foram alargadas, casas derrubadas e a cidade foi saneada. Em 1922, na época da instalação da Exposição Internacional do Centenário da Independência, o centro do Rio já contava com grandes edifícios, cinemas, teatros, cafés e uma fervilhante vida social e intelectual.
Também São Paulo cresceu e se urbanizou nesses decênios. Em 1900, havia na cidade 240.000 habitantes, incluindo um elevado contingente de imigrantes. Também os ricos fazendeiros vieram se instalar em São Paulo, surgindo, assim, os bairros residenciais da elite, como Campos Elíseos e Higienópolis. Em 1917 já existiam mais de 1700 automóveis e várias oficinas de consertos e garagens de aluguel onde se podiam alugar automóveis de luxo. Até 1907, o, Rio de Janeiro liderou a produção manufatureira do país. Em 1920, porém, São Paulo passou à frente: 31,5% da produção do Brasil estava concentrada nesta cidade.

Cotidiano e cultura: esperança de tempos melhores

O início do século XX no Brasil foi marcado por grande entusiasmo, que se refletiu em diferentes setores da sociedade, principalmente nas elites. 
Diversas novidades tecnológicas passaram a fazer parte do cotidiano das grandes cidades, como o telefone, o automóvel, o avião, a iluminação elétrica, o rádio, o refrigerador e o fogão a gás. O cinema foi uma das inovações de mais destaque na época, com filmes estrangeiros sendo exibidos à população.
Assim, artistas europeus e estadunidenses passaram a influenciar a moda e o comportamento dos espectadores brasileiros.

Novos hábitos

Influenciadas por essas novidades e pelo entusiasmo que marcou a entrada do novo século, muitas pessoas começaram a buscar diferentes maneiras de viver e de conviver nos grandes centros urbanos.
Alguns costumes e modismos tornaram-se referência para o estilo de vida das pessoas, sobretudo dos membros da elite, que promoviam festas e bailes com novos tipos de música e dança, como o charleston ou o foxtrote.
Homens e mulheres que procuravam seguir as tendências da moda passaram a usar roupas inspiradas nos figurinos usados pelas estrelas do cinema internacional. Isso influenciou também os cortes de cabelo e a maneira de se maquiar de muitas mulheres.

Movimentos modernistas na arte

Na Europa, desde meados do século XIX, o desenvolvimento tecnológico e as mudanças sociais e culturais influenciaram diversos movimentos artísticos que buscavam romper com os padrões acadêmicos nas artes visuais, na música e na literatura.
Surgiram, então, vários movimentos artísticos de vanguarda, como o Cubismo (1907), o Futurismo (1909), o Expressionismo (1910) e o Dadaísmo (1916). Esses movimentos, também conhecidos como movimentos modernistas, buscavam mais originalidade e liberdade de estilo.
No Brasil, o Modernismo surgiu no início do século XX por meio do contato de artistas brasileiros com movimentos da vanguarda europeia. Esses artistas passaram a defender a ideia de que a arte produzida no Brasil precisava de grande renovação. Por isso, eles ficaram conhecidos como modernistas.
Na arte, buscava-se superar as escolas anteriores, como o Parnasianismo e Simbolismo, e se afirmava uma nova posição irreverente e contestadora que passou a ser chamada de Modernismo. Esta corrente rompia com a métrica e o formalismo estéril dos movimentos anteriores e buscava as feições e formas populares, valorizando o regionalismo.
Esse caráter renovador era apoiado, em parte, pelos setores progressistas da burguesia brasileira, especialmente a burguesia industrial paulista que controlava a imprensa e os espaços culturais, como o Teatro Municipal de São Paulo, onde explodiu a Semana de Arte Moderna.
"Vamos assustar essa burguesia que cochila na glória de seus lucros." Essa foi a intenção dos organizadores da Semana, os irmãos Prado, ricos fazendeiros de café e o pintor Di Cavalcanti.
Nos dias 13,15 e 17 de fevereiro de 1922, jovens artistas e intelectuais reuniram-se no Teatro Municipal de São Paulo para apresentar sua arte, suas ideias e ler seus manifestos.
Foram duramente vaiados e criticados, mas permaneceram firmes, pois confiavam em sua arte. Estavam presentes artistas que seriam posteriormente as maiores figuras da cultura brasileira: os escritores Mário de Andrade e Oswald de Andrade, os pintores Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, o músico Heitor Vila-Lobos, o escultor Victor Brecheret e tantos outros.
Em todos os campos os artistas, que representavam a nova classe intelectual do país, buscavam a ruptura com as tradições acadêmicas, a destruição do espírito conservador e conformista, a atualização da cultura brasileira e a formação de uma consciência criadora nacional. O principal papel do movimento foi fazer ruir as velhas fórmulas culturais, como afirmou Paulo Prado, um dos organizadores da Semana.
Após o escândalo da Semana de 22, alguns artistas e intelectuais se reuniram para formar o grupo Pau-Brasil, apoiando as ideias e orientações políticas de esquerda.
Mas dessa ebulição intelectual também surgiu o Movimento Verde-Amarelo, em 1926, de posições nacionalistas e conservadoras, liderado por Plínio Salgado e Menotti del Picchia, que daria origem ao Grupo Anta, defensor do Integralismo.
Em 1928, Oswald de Andrade, em seu Manifesto Antropofágico, já iniciava a crítica ao Modernismo: “pensamento novo não criamos. Continuou o pensamento velho de importação (...). O grande erro dos modernistas foi esse. A preocupação estética exclusiva”.

A pintura modernista no Brasil

Entre as diversas expressões artísticas do movimento modernista brasileiro, como a literatura e a música, a pintura foi um dos destaques. As pinturas modernistas apresentavam características até então pouco exploradas pelos artistas brasileiros.
Pinceladas ágeis, cores fortes e mais liberdade de formas passaram a ser muito valorizadas pelos pintores modernistas. Observe as pinturas a seguir e procure identificar nelas alguns elementos modernistas.

A Semana de 1922

Para divulgar suas ideias, os modernistas promoveram a Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, na cidade de São Paulo. Esse evento teve a participação de diversos intelectuais e artistas, como os pintores Anita Malfatti e Di Cavalcanti; os escritores Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira; e o músico Heitor Villa-Lobos.
As obras de arte e as demais produções apresentadas nesse evento chocaram muitas pessoas, pois os artistas propunham novas ideias e perspectivas sobre a arte, que eram desconhecidas até então para grande parte do público. Por causa do impacto que ela provocou, a Semana de 1922 é considerada um marco simbólico do movimento modernista brasileiro.
Em Paris, Alberto Santos Dumont voou pela primeira vez, em 23 de outubro de 1906, em um aparelho mais pesado que o ar, o 14 Bis. Foi Santos Dumont também o primeiro a dirigir um carro pelas ruas da cidade de São Paulo, provocando espanto e curiosidade em todos.

Futebol e samba

O foot-ball, esporte inglês, introduzido no Brasil por Charles Miller em 1894, passou a ser cada vez mais popular. Fundaram-se clubes como a A.A. Ponte Preta, em 1900, o Palestra-Itália (Palmeiras) e outros. Em 1919, o Fluminense, fundado em 1902, inaugurou o primeiro grande estádio de foot-ball com capacidade para 18 000 pessoas. Em São Paulo sobem as chaminés, apitam as sirenes, bondes cruzam a cidade e nas ruas se discute o último match. O futebol começava a ser o grande lazer das massas. Suas regras e estilo inglês sofreram transformações e adaptações, saindo dos clubes aristocráticos para as várzeas, praias e subúrbios. Só que comprar uma bola de couro era caríssimo; então, o jeito era improvisar bolas de meias, de pano, para realizar o match ou fazer o gol.
No Rio de Janeiro tornara-se moda a promoção de saraus, onde as conversações e as canções tocadas ao piano eram em francês, e poemas parnasianos ou árcades eram recitados. Os jovens escreviam trovas nos lencinhos de papéis importados, passando-os sorrateiramente às moças na hora do chá. Mas, no morro, um ritmo novo se afirmava; com um gingado estonteante, ia descendo a ladeira e chegando aos salões: o samba. Em 1917, foi gravado o primeiro samba do Brasil: Pelo Telefone. A princípio o samba foi muito combatido por quem queria continuar ouvindo as canções francesas, valsas ou modinhas.
Durante o Carnaval, o morro organizava blocos e grupos que desfilavam pela cidade. Porém, severas proibições restringiam os desfiles das futuras escolas de samba. Também a capoeira era proibida, por causa de seus gestos "obscenos" e jeitos "desengonçados".


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