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A sociedade no Brasil imperial

 Na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento da economia cafeeira, o surto de industrialização, o fim do tráfico de escravos e a entrada em larga escala de imigrantes, a sociedade brasileira sofreu profundas mudanças.

É preciso levar em consideração as dimensões territoriais do Brasil. Em são Paulo e no Rio de Janeiro, os fazendeiros do café formavam o grupo dominante; no Nordeste, os senhores de engenho; no Rio Grande do Sul, os pecuaristas, e assim por diante, dependendo das peculiaridades econômicas de cada província.

Nas regiões em que o café dominava, o fazendeiro é quem detinha o poder econômico e político. Construía palacetes nas cidades, investia em comércio, bancos e indústrias, formando uma verdadeira aristocracia do café.

Muitos desses fazendeiros recebiam títulos de nobreza, tornando-se “barões” e tendo grande influência política.

Nas fazendas predominavam o trabalho escravo. Isso não quer dizer que não existisse trabalhadores livres.

“Em princípio, a mão-de-obra era bastante variada. Fora da fazenda, os sitiantes cultivavam sozinhos as suas próprias terras, e eventualmente vendiam a produção ao fazendeiro ou a algum comerciante local. Os parceiros exploravam um terreno confinado pelo grande proprietário e dividiam com ele o produto da venda. Os agregados eram ocupantes precários de uma parcela da fazenda; eram tolerados contanto que fornecessem regularmente um certo número de dias de trabalho. Finalmente, havia os trabalhadores livres assalariados, de rendimento muito baixo. Portanto, era principalmente com os escravos que o senhor contava (...).”

Quase nada se fazia sem escravos, os quais trabalhavam nas mais diversas atividades. Os senhores saíam às ruas em liteiras carregadas por cativos. Para comer, vestir, montar, enfim, para qualquer tarefa, simples ou dispendiosa, o escravo era utilizado. Mucama da casa, ama-de-leite, objeto de prazer sexual, para tudo isso e mais a escrava era usada. Desde pequeno o escravo servia como moleque de brinquedo, negro de recado, era enfim “pau para toda obra”.

A escravidão fazia com que mesmo os brancos pobres tivessem horror ao trabalho manual, considerado “coisa de negro”.

Os negros libertos, os mestiços e os brancos pobres eram vítimas de uma sociedade conflituosa e repleta de injustiças.

O racismo antinegro teve raízes na exploração dos escravos. Para agravar a situação, na segunda metade do século XIX, surgiram na Europa várias teses defendendo a superioridade racial do homem branco. Sendo assim, o negro liberto vivia numa situação muito parecida com a do escravo; já o mestiço aspirava ao branqueamento e assumia posições racistas, assim como o branco pobre, que se considerava superior, endossando os mais absurdos preconceitos.

“(...) os capitalistas agrários e industriais, em nosso país, criaram o exército de reservas às custas da imigração europeia e asiática nas regiões de forte dinamismo e fizeram dos escravos o que, a meu ver, constitui uma reserva (de mão-de-obra). Classificar as pessoas segundo a cor tem sido vantajoso ao funcionamento do capitalismo, pois mantém a reserva de segunda linha dos discriminados, sempre disponível para o trabalho em troca de salários rebaixados.”

GORENDER, J. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990. p. 2003.

Era comum as pessoas investirem na compra de escravos para alugá-los depois, vivendo das rendas auferidos pelos cativos. Os negros de ganho eram encarregados dos serviços urbanos, como transporte de pessoas e de mercadorias.

A mulher

A situação da mulher branca mudou um pouco durante o século XIX. Porém, é preciso não exagerar, pois a maioria continuava subordinada aos pais e depois aos maridos.

A maioria das mulheres não sabia ler, nem escrever, viva trancafiada em sua casas, tinha uma grande quantidade de filhos, pouco trabalhava, engordava em excesso e, geralmente, morria muito cedo, muitas vezes por causa de complicações do parto.

É preciso, porém, tomar cuidados. Existiam diferenças entre as mulheres da elite e as mulheres pobres; entre escravas libertas e mestiças; entre as mulheres que viviam nos centros urbanos e as que viviam no interior; bem como existiam diferenças dependendo da região do país.

As mulheres da elite eram educadas para desempenhar o papel de mãe e administrar a casa, dando ordens à criadagem. Algumas, em função da decadência, davam aulas de piano, faziam doces, bordavam e costuravam por encomendas. Essas mulheres que trabalhavam não eram bem-vistas socialmente.

Algumas poucas receberam instrução elevada, dominando várias línguas, escrevendo com desenvoltura, discutindo filosofia, artes e ciências naturais com destaque, para o espanto de uma sociedade ainda conservadora e machista.

“Por ser mulher e escrava, a negra era explorada e ofendida em sua dignidade de ser humano. Era comum as escravas serem exploradas sexualmente, tendo de se prostituir e entregar o que ganhavam aos seus proprietários”.

Já as mulheres pobres tinham de trabalhar para o sustento da família. As atividades eram as mais variadas, de lavadeiras a roceiras. Algumas acabavam – em função da miséria ou de dramas pessoais – caindo na prostituição.

Ser mulher e ser escrava era duplamente difícil. Esta trabalhava nas mais diversas atividades, era explorada sexualmente e sofria com os atos de certas senhoras, que descarregavam suas frustrações naquelas que não tinham como se defender. É verdade, porém, que muitas mulheres negras resistiram das mais variadas maneiras à vida opressiva que levavam. Por meio do suicídio, do infanticídio, das fugas, lutando nos quilombos, sabotando no trabalho e “seduzindo” os senhores, a mulher negra não foi omissa ou passiva: ela atuou contra a escravidão mediante revoltas cotidianas e insurreições organizadas.

“nos centros urbanos, mulheres e crianças passaram a ter, o final do século XIX, uma importância econômica cada vez maior: no Rio, uma fábrica de algodão e lã empregava sessenta mulheres estavam empregadas nos estabelecimentos fabris da cidade”.

ANDREW, Christopher Columbus.

A família

Os casais – ricos ou pobres – tinham um grande número de filhos. A mortalidade infantil era grande, por isso poucos atingiam a idade adulta. Segundo Moritz Lambert, que visitou o Brasil em 1887: “o carinho dos pais pelos filhos, enquanto pequenos, chega a não ter limites, e é principalmente o pai quem se ocupa com eles, quando tem um minuto livre. Ama-os até a fraqueza e, até certa idade, atura as suas más criações. Não há nada que mais o moleste do que ver alguém corrigir seu filho”.

Eram os pais – especialmente as famílias de elite – que acertavam os casamentos. As alianças políticas e os interesses patrimoniais contavam muito. Nem sempre os filhos se subordinavam. Quando isso ocorria, as consequências eram muitas vezes trágicas, com pais maltratando ou enviando para conventos as filhas insubmissas.

O respeito a figura do pai era muito grande. Um jovem jamais ousava fumar em frente do seu pai ou dar uma resposta áspera após uma reprimenda. Além disso, fazer a barba perto do pai era sinal de péssima educação.

A alimentação e a saúde

Com raras exceções, os brasileiros se alimentavam mal. Os mais abastados comiam demais. Alimentos gordurosos, exageradamente apimentados, poucas frutas, raramente comiam verduras, alimentos açucarados e uma mistura infernal de bebidas provocavam problemas intestinais, estomacais e vasculares os mais diversos, além de um verdadeiro regime de engorda.

Os pobres livres se contentavam com carne-seca, bacalhau, farinha, batata-doce, e raramente comiam carne fresca. Muitos bebiam em excesso vinhos e cachaças de má qualidade. A alimentação do escravo também variava. Era melhor na cidade do que no campo.

Nas regiões onde havia carência de mão-de-obra, os escravos eram mais bem  

Em algumas regiões, onde as culturas eram mais variadas, o regime alimentar era melhor; porém, nos grandes centros produtores de açúcar e de café, comia-se muito mal. O que chamava a atenção dos visitantes estrangeiros era a falta de interesse da população em cultivar legumes e frutas que poderiam melhorar a dieta diária dos mais pobres.

Predominava a má alimentação, especialmente nas regiões de monocultura, onde o consumo de proteínas era pequeno; proliferavam úlceras crônicas. Cegueira noturna, escalartina,  catapora, rubéola, varicela, febre tifoide e doenças parasitárias contribuíram decisivamente para a expansão das grandes epidemias de febre amarela, cólera e varíola.

Chegando ao Rio de Janeiro, os visitantes estrangeiros ficavam encantados com a beleza da cidade. Porém, logo vinha a decepção. As casas não tinham fossas, os detritos domésticos armazenados em barris eram despejados por escravos no mar, à noite. A senhora Toussaint Samson, que visitou a cidade em 1833, escreveu: “As margens da baía não passam de um vaso infecto, em que toda espécie de detrito apodrece espalhando emanações nauseabundas. Essa foi a primeira desilusão. As praias, que de longe nos pareciam tão belas e perfumadas, eram receptáculos das imundícies da cidade.”

A entrada em larga escala de escravos entre 1845 e 1850 também deve ter contribuindo para a grande epidemia de febre amarela que atingiu o Rio de Janeiro no verão de 1849-50. Em uma população de 226 mil habitantes, de 10 a 12 mil foram vítimas fatais da doença.

Mais tarde, entre 1855 e 1856, uma devastadora epidemia de cólera atingiu diversas cidades do Império – sobretudo o Rio de Janeiro – fazendo milhares de óbitos.

A partir de 1870, o Governo procurou atacar por todos os meios a febre amarela, especialmente depois dos graves surtos epidêmicos ocorridos entre 1873 e 1876.

A varíola era outro mal que atingia o país. No final do século XVIII, o inglês Edward Jenner havia descoberto a vacina antivariólica que chegou a ser aplicada no Brasil no início do século XIX. A má qualidade, o descaso das autoridades e a desconfiança da população fizeram com que o número de vacinados caíssem dia a dia. Com isso, o número de pessoas mortas por causa da varíola aumentou bastante.

O aumento da prostituição nos centros urbanos fez com que a sífilis, um mal antigo, se espalhasse ainda mais.

Quanto aos hospitais, eram poucos e deixavam muito a desejar.

A educação e a cultura

A educação primária no Brasil, durante o Segundo Reinado, era das piores, conforme o testemunho de Christopher C. Andrew, que aqui esteve em 1887.

“É deplorável a condição da instrução primária no Brasil. Considerando a população livre de mais de sete milhões, existe uma escola para cada 1 356 habitantes. Muitas das escolas não têm professores; quase todas ficam em casas alugadas e mal situadas do ponto de vista sanitário.

Alunos de sexos diferentes não podem frequentar a mesma escola. Os professores carecem de qualificação. O pagamento é frequentemente inadequado (...) A intolerância religiosa fecha a escola a todos que não sejam católicos.”

Durante o Império, apenas uma pequena elite tinha acesso ao saber. O Brasil era um país formando por uma multidão de analfabetos e alguns poucos bacharéis. A maioria avassaladora dos jovens que frequentaram as faculdades de Direito de São Paulo e Recife (fundadas em 1827) era filhos de grandes proprietários de terras.

Os métodos de ensino, quer primário ou superior, consistia em leituras e cópias de ensaios volumosos, fazendo uso de modelos estrangeiros, além de apresentações orais. Caracterizavam-se assim o dia-a-dia dos estudantes da elite de então.

Na literatura, sobressaiu o Romantismo. Escritores românticos, com seus romances e poesias em que a imaginação triunfava sobre a razão, deliciavam os poucos leitores. Esse estilo literário caracterizou a época.

Dentre os poetas, vale destacar: o indigenista Gonçalves Dias; os sentimentais Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu e, sobretudo, o combativo Castro Alves, que colocou a sua arte a serviço da causa abolicionista.

Dentre os romancistas, os que mais se sobressaíram foram: José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e Bernardo Guimarães.

O teatro, um grande nome foi Martins Pena, que em suas peças abordavam o cotidiano da burguesia, bem como os costumes de nossa gente.

A produção historiográfica brasileira teve em Francisco Adolfo Varnhagen e em Capistrano de Abreu suas figuras mais expressivas.

Na música, destacaram-se Francisco Manoel da Silva, um liberal que ficou tão contente com a abdicação de D. Pedro I que fez uma música que acabou se tornando o Hino Nacional; e Carlos Gomes, que se consagrou com a ópera O guarani.

Na pintura se sobressaíram-se: Vítor Meireles e Pedro Américo, este último autor do quadro O grito do Ipiranga, em que apresenta uma visão romântica da nossa independência.

Bacharelismo e mania de doença caracterizavam a elite brasileira da época.

“O bacharelismo, ou seja, a educação acadêmica e livresca, desenvolveu-se entre nós com sacrifício do desenvolvimento harmônico do indivíduo. É curioso salientar, nos homens novos que no reinado de Pedro II tomaram tão grande relevo na política, nas letras, na administração, na magistratura, o traço, quase romântico, da falta de saúde. Não eram só doentes: tinham a volúpia da doença (...).

Mas tornara-se tão bonito ser doente que até as meninas elegantes da primeira metade do século XIX vivam pondo bichas, sustentando-se de caldo de pintainho e papinhas de sagu.

E os rapazes, o rosto, o cabelo, a barba que imitavam eram as do Nazareno – o Jesus convencional, das imagens da crucificação.”

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p. 83.

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