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PERSPECTIVAS PARA A DIDÁTICA NO ATUAL CONTEXTO POLÍTICO PEDAGÓGICO

  


É dual o motivo que nos leva à elaboração deste trabalho: atender, de alguma forma à solicitação manifesta pelo GT de Didática de que se fizesse uma avaliação dos rumos tomados pela Didática nas últimas décadas e trazer ao nível do debate acadêmico as experiências vividas, nas últimas décadas, como professora de Didática, mais especificamente, como professora de Didática/Licenciatura e de Didática/Ensino Superior da Faculdade de Educação da UFMG. As experiências pedagógicas das últimas décadas Em seu livro "Escola e Democracia", Saviani (1991) nos fala das correntes pedagógicas que influenciaram o panorama educacional brasileiro nas últimas décadas. Ele começa por analisar as correntes que denominou de não-críticas, pelo fato de não se preocuparem com o contexto global em que se insere a Educação. Contrariamente a esse pensamento, acreditamos que, especialmente na corrente pedagógica denominada "Escola Nova", há, sim, uma grande preocupação com o contexto sócio-político-cultural, tanto que o representante maior dela, John Dewey, teria, nos dizeres da professora Mirian Warde, contribuído para, via educação, colocar os EUA na modernidade, um projeto originariamente europeu: "Aqueles norte-americanos que desde o final do século XIX tomaram nas mãos a tarefa de construir a cultura americana no lastro da modernidade não tiveram dúvida de tudo pensar a partir do tema central da educabilidade dos indivíduos. Tinham nas mãos a heterogeneidade étnica, racial, social e apostaram na possibilidade de uni-la num caldeirão de cultura. Homens como Dewey e Mead acreditaram na pluralidade de instituições sociais que efetuasse o amálgama do heterogêneo, tementes de que ele se fizesse de forma mutilada pelas mensagens padronizadas das igrejas, por um lado e, por outro, prevenidos contra a mutilação operada pelos adestramentos da fábrica. Homens como esses engajaram os EUA na modernidade porque foram capazes de recriar, com muita originalidade, o projeto europeu". (Warde, 1993, p. 58-9). Ainda que a educação proposta e implantada por John Dewey nos EUA tenha sido significativamente transformadora e que os seus seguidores no Brasil tivessem expectativas de grandes transformações sociais via educação (haja vista a proposta educacional de Anísio Teixeira), por ter sido gestada e divulgada sob a égide do Liberalismo, ela não recebeu, por parte de seus críticos, uma análise diferenciada: foi arrolada na mesma categoria da Escola Tradicional e do Tecnicismo. Não obstante o cunho altamente político da Escola Nova –– educação para a democracia –– ela foi focalizada como uma escola centrada na psicologia infantil e nos métodos de ensino, e com tal, preocupada com a micro dimensão da educação. A Didática assume, nessa perspectiva, tanto quanto na Escola Tradicional e no Tecnicismo, o papel de "zeladora" do processo ensino-aprendizagem que passa a ser estudado no espaço físico e temporal determinado pela sala de aula.

Em meados dos anos sessenta, começam a se esboçar as teorias de educação ditas crítico-reprodutivistas, de inspiração marxista, que passam a ver a escola como reprodutora das relações sociais capitalistas. Bourdieu e Passeron, Baudelot e Establet e ainda Althusser, na França, e Bowles e Gintis nos EUA, pela perspectiva determinista de suas teorias, trouxeram grandes preocupações e angústias aos educadores de todo o mundo, colocados no "beco sem saída"em que se colocara a educação. No mínimo, um enorme desconforto pelo carater de "naïveté" emprestado ao compromisso com a educação que tinham os educadores "sérios" Passado o impacto da "reprodução", ainda sob inspiração marxista e neo-marxista, desenvolve-se no Brasil uma nova linha de caráter "progressista", "libertador" ou "libertário", ou, nas palavras de Saviani, um teoria crítica da educação. Ganha importância a macro dimensão da educação: absorvido pelos macro-estudos referenciados por uma sociologia de orientação marxista ou neo-marxista, o processo ensino-aprendizagem dilui-se no sistema escolar, este visto como parte integrante de um sistema mais abrangente –– o sistema sócio-político-econômico. Se, no tecnicismo, os economistas haviam dado as cartas em matéria educacional, nesse momento, o discurso que ganha hegemonia é o discurso dos sociólogos. A Didática, entendida como disciplina "instrumental", passa a ser vista como um campo de conhecimento "menor", utilitário, "receitual", e seus professores, como ingênuos artífices de uma disciplina cuja pseudo-neutralidade torna-os responsáveis pela contribuição às estruturas arcaicas vigentes. Envergonhada de seus saberes e de seu papel instrumental, a Didática vai-se descaracterizando como disciplina investigadora e normativa. Em determinados momentos, tem dificuldades em delimitar o objeto e o seu campo de estudos. Volta-se contra si mesma e absorve o discurso que combatia o "didatismo". Acusada de uma postura subserviente às classes dominantes, sacrifica seus aspectos técnicos em favor de um discurso ideologizado, que não é seu apenas, o que lhe rouba a especificidade e a importância. A rigor, esse fenômeno atingiu, também, outros campos do saber. Em que pese a grande contribuição trazida pelos sociólogos à educação, mormente no que diz respeito ao desvelamento das grandes distorções do processo educacional, o processo ensino-aprendizagem –– objeto de estudo da Didática, das Metodologias, dos professores e dos pedagogos por excelência –– ficou esvaziado e esquecido, à margem das pesquisas e inovações tecnológicas e pedagógicas que aconteciam no resto do mundo, e que poderiam ajudar a enfrentar os novos desafios trazidos pelas altas taxas de repetência apresentadas pela clientela emergente. Variáveis importantes desse processo foram esquecidas em nome do grande e único divisor de águas: classe social. (Amaral, 1996). Não é preciso lembrar que toda essa estrutura teórica foi arquitetada a partir de um referencial teórico que apontava para transformações sociais, para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, "sem classes". Depois do imobilismo gerado pelas teorias reprodutivistas, a educação se mobilizara para encarar a escola como uma arena onde se reproduziam todos os conflitos sociais e, em conseqüência, um espaço para o início de lutas pelas transformações sociais. A busca de novos paradigmas O quadro que se nos apresenta hoje é muito diverso. Os caminhos nos apontam para o surgimento de novos paradigmas, numa macro/micro dimensão. No âmbito cultural, o pós-modernismo trouxe à tona as "diferenças sociais", a voz das minorias, os "fragmentos da estrutura social". A recusa das grandes narrativas, a rejeição da razão universal como um fundamento para as questões humanas, seu descentramento do sujeito humanista, a celebração da pluralidade e da política da diferença racial, étnica e de gênero têm colocado o pós-modernismo no centro de grandes discussões (Giroux, 1993). O desconhecimento dessas diferenças é o exercício do autoritarismo, enquanto que o acirramento delas tem levado a graves conflitos sociais. O multiculturalismo na educação tem sido uma tentativa de trazer aos currículos escolares essas diferenças, com o intuito de fazer com que sejam compreendidas e respeitadas. No âmbito político, "a crença na revolução", segundo Paul Singer (Singer, 1996), "desapareceu para todos, exceto um pequeno número de fiéis, por boas razões históricas. 

O século 20 foi, sem dúvida, o século das revoluções vitoriosas. E grande parte delas deu resultados lamentáveis. As únicas revoluções que valeram a pena foram as que desembocaram em regimes democráticos. Mas estas, a esquerda tendia a considerar ‘burguesas’ ". Uma das questões que se colocam hoje, para a educação, em uma macro-perspectiva, é o que por no lugar da crença na revolução que se perdeu. Segundo Singer, a força do neoliberalismo vem da veracidade de algumas de suas denúncias, o que não significa que suas propostas de reformas sejam as melhores. Ele chama a atenção para o perigo de que a esquerda se acomode a uma situação em que suas hostes se desgastam em batalhas perdidas de antemão, ao mesmo tempo em que outras parcelas de seus partidários se desencantam da política e se recolhem à passividade: "Em vez de crer na revolução, deveríamos crer na luta política democrática. Mas esta luta só vale a pena se a esquerda deixar de ser uma barreira ao neoliberalismo para se tornar uma alternativa histórica. Para tanto, terá que superar sua ojeriza pelo mercado e pelo individualismo, os quais, dentro de certos limites, devem ser preservados e aperfeiçoados. O verdadeiro desafio está em conceber um nova utopia, e que a liberdade e a iniciativa individual estejam ao alcance de todos mediante a sistemática integração social dos que a competição pelo acesso à escola e ao comando do capital tende a marginalizar." (Singer, 1996). No campo socioeconômico é importante ressaltar a perspectiva planetária caracterizada pela globalização da economia, pelo neoliberalismo, pela guerra ao isolacionismo dos países, pela emergência de blocos internacionais de poder, a universalização da informação. As mudanças se processam com rapidez assustadora. Os países que não têm condições de desenvolver sua própria capacidade científica e tecnológica estão fadados à dependência e à dominação. Assistimos à internacionalização das empresas, à ênfase à produtividade e à competitividade. Todos esses são fatores que trazem imensos desafios à educação, entre outros: –– a educação deve ser dinâmica e criativa; –– deve estabelecer um diálogo com o mundo do trabalho; –– deve acompanhar, de perto, os avanços científicos e tecnológicos; –– deve desenvolver a capacidade de aprender a aprender. Todos esses desafios se transportam para a sala de aula: –– que tipo de formação e/ou aperfeiçoamento deveria receber um professor para tornar-se apto a lidar com tais problemas? como é o "ofício" de professor? (Perrenoud, 1994) –– que tipo de educação ou formação deveria receber um aluno de determinada idade, de determinado contexto social para lidar satisfatoriamente com esse problemas? que tipo de homem pretendo formar? como é o "ofício" de aluno? (idem) –– qual seria a relação ideal entre alunos e professores, de modo a satisfazer as necessidades dos alunos e atender também às necessidades do contexto sociocultural? –– que conteúdos seriam os mais adequados a tal situação e/ou contexto, a tal tipo de educando, a tais propósitos? –– que métodos e técnicas seriam os mais adequados para alcançar determinados objetivos, para desenvolver determinados conteúdos, para um tipo específico de aluno, em determinado contexto? que dinâmicas conduziriam com mais eficiência a uma aprendizagem significativa e duradoura? –– é aconselhável planejar de antemão um curso, uma unidade, uma aula? É aconselhável fazê-lo coletivamente? –– devo avaliar? são necessárias as notas neste determinado contexto? para que avaliar? como avaliar corretamente conteúdos ministrados? quais as consequências sociais dessa avaliação? 

A busca de respostas nos conduz para uma teia interdisciplinar em que os olhares da psicologia, da sociologia, da biologia, da administração escolar, da economia, da filosofia, se reúnem numa síntese integradora que, nos parece, só a Didática, pela sua própria natureza, tem condições de realizar. Abandonado o nível do dogma e da rotina, à luz de novos paradigmas científicos e conceptualizações julgadas pertinentes, se interrogam as práticas e os discursos ( Carvalho, 1995). Como nos fala Galetanu (1996), o discurso pedagógico ultrapassa o limite da disciplina, do conteúdo a ser transmitido. Em busca do caráter técnico Como professora de Didática/Licenciatura e Didática/Ensino Superior tenho coletado, a cada semestre, avaliações dos cursos que ministro. Embora satisfeitos com a metodologia por mim adotada, com a relação professor-alunos, com o conteúdo ministrado, 90% dos alunos vêm se manifestando a favor de uma orientação mais cuidadosa sobre como conduzir o ensino. Entendem que a prática é importante, mas gostariam de ter referenciais teóricos que a orientassem. Gostariam, também, de não ter de partir do nada em sua prática pedagógica. Conseguimos, juntos, reconhecer que o sentido técnico da Didática está muito distante do caráter "tecnicista" de outrora: ela é mediadora da construção dos objetivos da educação. Daí recusarmos uma pedagogia espontaneísta ou mecânica. Ultimamente, tenho enveredado pela teoria e pelas técnicas, levando-os a refletir sobre a especificidade de cada situação: cada turma é única, cada aluno é único, cada momento é único. As teorias, tanto quanto as técnicas, existem para tornar o ensino e a aprendizagem melhores e mais eficazes, jamais para escravizar professores e alunos. Temos analisado o contexto sócio-político-econômico e suas implicações educacionais e didáticas. Temos discutido teorias, temos discutido métodos, temos aprendido diferentes técnicas (muitas vezes aprendi técnicas novas com os próprios alunos), na mediada em que elas nos auxiliam a alcançar os objetivos da educação. Temos constatado o valor da prática, como base para reflexão até o nível da teorização, para melhoria da própria prática. Estamos redescobrindo juntos a Didática.

Em feitio de conclusão nessa tarefa de integrar a macro e a micro-visão da educação, entendemos que a Didática não deve minimizar uma em detrimento da outra. Assim como entendemos que não deve priorizar a prática em detrimento da teoria. Nem mesmo, voltar as costas ao que de importante e significativo já se fez em educação ao longo de séculos. "Ler os clássicos" tem sido uma tônica em sociologia, filosofia, política. Por que não em educação? Ao retomar a macro-microdimensão da Didática, é interessante constatar, por exemplo, a atualidade de John Dewey (Dewey, 1916, 1938): a importância do aprender fazendo (learning by doing), aprender a aprender (learning to learn), a importância do interesse, a importância da experiência, a importância da participação como base para a vida em uma democracia. Em Dewey encontramos extraordinárias reflexões sobre as maneiras de fazermos de nossas crianças, cidadãos. É extremamente significativa a frequência com que tem sido citado nas mais modernas obras educacionais e didáticas, levando educadores a se perguntar: "Is Dewey eternal?" As modernas pedagogias têm apontado na direção da aprendizagem ativa, do trabalho coletivo, da participação, da pesquisa, da construção do conhecimento e ... porque não, da transmissão do conhecimento também (Forquin, 1993). À Didática cabe dizer porque, para que, e como fazer. Didaticamente.

Ana Lúcia Amaral, Ph.D. Prof. Adjunto / FaE/ DMTE/ UFMG

Bibliografia 

AMARAL, A. L. As correntes pedagógicas e suas implicações. FaE/UFMG (mimeo). 1993. CARVALHO, A. D. (Org.) Novas Metodologias em Educação. Porto: Porto Ed., 1995. Introdução.p. 5-7. DEWEY, J. Democracy and Education. New York: Macmillan, 1916. ___. Experience & Education. New York: Macmillan, 1938. GALETANU, O. O discurso didático. Palestra pronunciada na FaE/UFMG, 17/04/96 GIROUX, H. O pós-Modernismo e o Discurso da Crítica Educacional. In: SILVA, T. T. Teoria Educacional em Tempos Pós-Modernos. Cap. 2. p.41-69. PERRENOUD, P. Ofício de Aluno e Sentido do Trabalho Escolar. Porto: Porto Ed., 1994. SAVIANI, D. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1991. SINGER, P. A nostalgia das revoluções perdidas. Folha de São Paulo, 14/abr/95. Cad. MAIS! p.3. WARDE, M. J. História e Modernidade ou De como tudo parece em construção e já é ruína. Cadernos ANPEd, 4, set/93


 

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