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UMA REFLEXÃO SOBRE A DIDÁTICA

  Origem da Didática 

O termo Didática deriva-se da expressão grega techné didaktiké), que se traduz por arte ou técnica de ensinar. Foi utilizado pela primeira vez por Wolfgang Ratke ou Ratichius, em 1629, em sua obra Aphorismi didactici praecipue (Principais aforismo didáticos). Comenius o empregou, em 1657, em sua Ditactica magna.

É, entretanto, com Commenius, através de sua Didáctica Magna, escrita no século XVII e considerada marco significativo no processo de sistematização da Didática, que o termo se populariza na literatura pedagógica. Sua obra deve ser analisada no contexto em que surgiu: o Renascimento e a Reforma Religiosa.

Sendo considerado o criador da Didática moderna e um dos maiores educadores do século XVII, Commenius pregava uma teoria humanista e espiritualista da formação do homem, embasado no respeito ao estágio de desenvolvimento da criança no processo de aprendizagem, a construção do conhecimento através da experiência, da observação e da ação, bem como uma educação fundamentada no diálogo. Abordava, também, a importância da necessidade da interdisciplinaridade, da afetividade do educador e de um ambiente escolar arejado, bonito, com espaço livre e ecológico. Estão, ainda, entre as ações propostas por Commenius: coerência de propósitos educacionais entre família e escola, desenvolvimento do raciocínio lógico e do espírito científico e a formação do homem religioso, social, político, racional, afetivo e moral.

A partir de 1628, Commenius percorre a Europa, após ser expulso de sua terra natal em função da guerra político-religiosa, e dá continuidade aos seus projetos científicos e educacionais, alimentando e divulgando seu sonho reformista por meio da Pansophia para promover a harmonia entre os indivíduos e as nações. Esta educação, idealizada por Commenius, constitui uma forma de organização do saber, um projeto educativo e um ideal de vida, desejo e possibilidades de ensinar tudo a todos, uma educação universal. Neste período, Commenius desenvolveu, então, suas principais ideias sobre educação e aprofundou um dos grandes problemas epistemológicos do seu tempo – que era o do método.

Seu método didático constituiu-se basicamente de três elementos: compreensão, retenção e práticas. 

- Qualquer coisa que se ensine deverá ser ensinada em sua aplicação prática, no seu uso definido;

- Ensinar as coisas em seu devido tempo;

- Deve ensinar-se de maneira direta e clara;

- Não abandonar nenhum assunto até sua perfeita compreensão;

- Explicar primeiro os princípios gerais;

- Tudo o que se deve saber deve ser ensinado;

- Dar a devida importância às diferenças que existem entre as coisas;

- Ensinar a verdadeira natureza das coisas, partindo de suas causas.

Em sua Didática Magna (1657) ele elabora uma proposta de reforma da escola e do ensino lançando as bases para uma pedagogia que prioriza a “arte de ensinar” por ele denominada de “Didática”, em oposição ao pensamento pedagógico da época, que era voltado para a educação sistemática, privilegiando alguns, cumprindo a função conservadora da instituição social.

Commenius apontava a necessidade da constante busca do desenvolvimento do indivíduo e do grupo, pois o autoconhecimento desperta a autocrítica levando a uma melhor vida social.

Salientava a importância da educação formal de crianças pequenas e preconizou a criação de escolas maternais por toda parte, pois deste modo às crianças teriam oportunidades de adquirir, desde cedo, as noções elementares das ciências que estudariam mais tarde. Defendia a ideia de que a aprendizagem se iniciava pelos sentidos, pois as impressões sensoriais obtidas através  da experiência com objetos seriam internalizadas e, mais tarde, interpretadas pela razão.

Sua proposta pedagógica dirige-se, sobretudo, à razão humana, convocando-a a assumir uma atitude de pesquisa diante do universo e de visão integrada das coisas. O homem deve ser educado com vistas à eternidade, pois, sendo Espírito imortal, sua educação deve transcender a mera realização terrena. 

                Evolução Histórica da Didática 

A didática como campo de investigação revela uma das seguintes tendências:

a)  Tradicionalista ou intelectualista (cultura formal, verbalismo, grande soma de dados informativos, memorização de textos, preferência pela abstração etc.);

b)  Vitalista (estudo em função da vida real, recurso ao estudo e trabalho de grupo, pesquisa e leitura, discussão dirigida, valorização da experimentação direta, da utilização prática do saber e da observação);

c)  Ativista (elaboração de programas de atividades pelos alunos, sob a orientação do professor; desenvolvimento da inteligência prática dos alunos e estimulo ao pleno desenvolvimento de sua personalidade)

d)  Sociointeracionista (o meio social em que vive o aluno passa a ponto fundamental de referencia da educação; os fatos concretos do ambiente social são fonte inspiradora dos programas de atividade do educando. 

O estudo da evolução da didática tem como objetivo promover uma visão crítica do processo histórico-educacional, ampliando conhecimentos e compreensão acerca de aspectos, procedimentos, execução e efetivação da prática educativa na modernidade. 

Para responder essa pergunta é necessário um olhar crítico quanto ao contexto histórico socioeconômico, político e educacional (a didática estava inserida no decorrer dessa evolução) para possibilitar a compreensão do passado com o presente. Perceber os caminhos e descaminhos da Didática que contribuíram para destoá-la da sua origem divulgado por Commenius por um determinado período. 

Evolução histórica da didática brasileira. 

Entre 1549 e 1759, a sociedade era de economia agrário-exportadora e dependente, explorada pela Metrópole e a educação não tinha valor social importante. Contudo, nesse período colonial os jesuítas eram os principais educadores e sua função educativa era voltada para a catequese e instrução dos índios.

“A ação sobre os índios se resume na cristianização e na pacificação, tornando-os dóceis para o trabalho”. (Maria Lúcia Aranha, 1996).

Segundo Aranha, existiam duas formas de educação: a dos catequizados e a dos instruídos. Na primeira, a didática se resumia a compreensão do português; para os filhos dos colonos, os jesuítas criaram três cursos: letras humanas, filosofia e teologia.

Os jesuítas utilizavam o “Ratio Studiorum” que enfocava instrumentos e regras metodológicas em que o mestre prescrevia o método de estudo, a matéria e o horário. As aulas eram ministradas, de forma expositiva e repetitiva, visando à assimilação e estimulando a competição.

Primeira compilação de regras de estudo para normatizar o trabalho desenvolvido nos colégios jesuítas, em 1599, descrevendo procedimentos para a elaboração de planos, programas e métodos de estudo, delimitando tempos e espaços de trabalho e de convivência.

A ação pedagógica jesuítica abalizada pelas formas dogmáticas de pensamento contra o pensamento crítico, privilegiava o exercício da memória e o desenvolvimento do raciocínio. Essa didática vai imprimir profundas marcas na cultura brasileira, pois dessa forma não se poderia pensar em uma prática pedagógica e muito menos em uma Didática que buscasse uma perspectiva transformadora na educação.

Vale salientar que, após o movimento pedagógico dos jesuítas, não existiu nenhum outro movimento de força modificativa na educação.

Com a criação de uma nova organização instituída por Pombal, provocou-se um retrocesso no processo pedagógico. Nessa ação pombalina, professores leigos começaram a ser admitidos para as “aulas régias”.

Em 1870 com a expansão cafeeira e a modificação de um modelo econômico agrário exportador para urbano-comercial-exportador, o Brasil inicia seu período de “iluminismo”.

No ano de 1890, é aprovada a reforma de Benjamin Constant sob a influência do positivismo. No âmbito educacional, o ensino religioso nas escolas públicas é extinto e o Estado assume a laicidade e a escola passa a difundir uma visão burguesa com a intenção de garantir a consolidação da burguesia industrial como classe dominante. Nesse período, a Didática visa garantir aos futuros educadores orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade docente é compreendida de forma autônoma face à política, dissociada das questões entre escola e sociedade fragmentando teoria da prática. 

A partir de 1930: A Didática nos cursos de formação de professores. 

Durante a revolução de 30, em meio às transformações sociais - políticas e econômicas sofridas pela sociedade brasileira, o âmbito educacional passa por profundas mudanças. A primeira delas é a constituída por Vargas na criação do Ministério de Educação e Saúde Pública organizando o ensino comercial, adotando o regime universitário e implantando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, que surge como o primeiro instituto de ensino superior que funcionava de acordo com o modelo Francisco Campos.

Essa modificação sofrida pela sociedade brasileira, em decorrência da crise mundial da economia capitalista, dá origem à Didática como disciplina dos cursos de formação de professores a nível superior. Segundo o art. 20 do Decreto-Lei nº 1190/39, a Didática passa a ser reconhecida como curso e disciplina, com duração de um ano, acentuando seu caráter prático-teórico do processo ensino-aprendizagem. 

1945 a 1960: Predomínio das novas ideias e a Didática 

Momento de aceleração e diversificação do processo de substituição de importações e à penetração do capital estrangeiro na economia brasileira. Nesse contexto, o Decreto Lei nº 9053 desobrigava o curso de Didática sob a vigilância da Lei Diretrizes e Bases, Lei 4024/61, o esquema de três mais um foi extinto pelo Parecer nº 242/62, do Conselho Federal de Educação. A Didática perdeu seus qualificativos geral e especial e introduziu-se a Prática de Ensino sob a forma de estágio supervisionado.

Nesse mesmo período, é celebrado um convênio entre o MEC/Governo de Minas Gerais – Missão de Operações dos Estados Unidos criou-se o PABAEE (Programa Americano Brasileiro de Auxílio ao Ensino Elementar), voltado para o aprimoramento dos professores do Curso Normal. Tal fato marca início de uma tecnologia educacional importada dos Estados Unidos de caráter multiplicador.

Em decorrência disso, a Didática passa a desconsiderar o contexto político-social no processo de ensino, acentuando um enfoque renovador tecnicista. 

Período Pós 1964: Os descaminhos da Didática 

Instalou-se no país um movimento que alteraria a ideologia política, modificando através de um projeto desenvolvimentista que objetivava acelerar o crescimento socioeconômico do país, mudando a forma de governo e consequentemente a educação, que passa a contribuir com tal projeto na preparação adequada de recursos humanos (mão-de-obra) necessários para o crescimento econômico e tecnológico da sociedade.

Esse movimento é tratado como marco histórico, pois a Pedagogia Nova entra em crise e suas articulações passam a ser assumidas pelo grupo militar e tecnocrata. A partir daí, essa pedagogia embasa-se na neutralidade científica inspirando-se nos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade. Então, instalou-se na escola a divisão de trabalho sob a justificativa de produtividade.

O acordo feito entre o MEC/USAID marcou o sistema educacional, sustentando as reformas do ensino superior e do ensino médio. Além disso, pelas influências dos professores americanos, foi implantada a disciplina “Currículos e Programas”, pelo Parecer 252/69 e Resolução nº 2/69, do Conselho Federal de Educação, nos cursos de Pedagogia, provocando a superposição de conteúdos da nova disciplina com a Didática.

      A Pedagogia Tecnicista enfoca o papel da Didática no desenvolvimento de uma alternativa não psicológica, trazendo uma perspectiva ingênua de neutralidade científica, tendo como preocupação básica a eficácia e a eficiência do processo de ensino. Logo, os conteúdos dos cursos de Didática passam a centrar-se na organização racional do processo de ensino, no planejamento didático formal e na elaboração de materiais instrucionais, nos livros didáticos descartáveis, o professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais, de estratégias de ensino e de avaliação, desvinculando a teoria da prática. Vê-se então, neste período, a Didática assumindo um discurso reprodutivista. Diante disso, a Didática é questionada e surgem movimentos reivindicando sua revisão apontando-a a novos rumos. 

A década de 80: Momento atual da Didática 

      A situação    socioeconômica do Brasil nesta época passava por problemas como: a alta elevação da inflação e desemprego, agravando a situação com o crescimento da dívida externa e pela política recessionária. Instala-se uma Nova República e o governo civil da Aliança Democrática finda a ditadura militar conservando, ainda, alguns aspectos desse regime.

Os professores se empenham para reconquistar os direitos e deveres de participarem na definição da política educacional. Ao mesmo tempo, fora realizado a I Conferência Brasileira de Educação, marco importante na história da educação brasileira, pois constituiu um espaço para se discutir e disseminar a concepção crítica da educação.

A Didática assume a função de clarificar o papel sociopolítico da educação, da escola e do ensino. Seus pressupostos enfocam uma Pedagogia Crítica que trabalha no sentido de ir além dos métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-forma, técnico-político, ensino-pesquisa e professor-aluno. Em seu âmbito pedagógico, passa a auxiliar no processo de politização do futuro professor despertando-o quanto à ideologia que inspira a natureza do conhecimento. Assim, a Didática crítica supera o intelectualismo formal do enfoque tradicional e recupera seus prestígios no âmbito educacional.


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