Pular para o conteúdo principal

A cultura medieval

A Idade Média foi chamada pelos renascentistas de Idade das Trevas. Esse nome surgiu porque eles consideravam que naquele período da história europeia as artes e o conhecimento pouco teriam se desenvolvido. Mas será que o mundo medieval foi mesmo época de trevas, ignorância e escuridão?

Na verdade, os renascentistas desejavam salientar a diferença entre o momento em que viviam e o período anterior que, segundo eles, era dominado pela religião. Tudo era explicado pelos dogmas da Igreja católica, tudo ocorria conforme a vontade de Deus. Os renascentistas não desacreditavam na existência de Deus, mas desejavam colocar o ser humano no centro das artes e do conhecimento.
O historiador Roberto Lopez defendendo outro ponto de vista, afirma que a Idade Média ocidental foi “a grande caluniada”. Impingiram-lhe expressões como “Idade das Trevas”, “longa noite de mil anos” e outros tantos títulos pejorativos. Esses julgamentos parciais tendem a ser ultrapassados, pois a riqueza da cultura medieval salta aos olhos. Foi durante a Idade Média que ocorreram: o triunfo do cristianismo como força unificadora da Europa; o desenvolvimento das línguas e literaturas europeias; a criação das universidades, das catedrais, da arte gótica, da filosofia cristã, entre muitos outros eventos culturais.
Na época medieval, ainda não existia o conceito geográfico de Europa nem, portanto, de europeu. E como a maioria dos europeus tinha se convertido ao cristianismo, eles se denominavam simplesmente “cristãos”, tal era a sua identificação com a religião cristã. Foi só a partir do século XIV que o conceito geográfico e cultural de Europa começou a se firmar, substituindo, aos poucos, a noção de cristandade. Esse fato é uma expressão da importância do cristianismo dentro da sociedade medieval europeia. Sua influência impactou uma série de elementos culturais dessas sociedades: os costumes, a moral, as normas jurídicas, a produção literária, o ideal das figuras heroicas, a criação artística (música, pintura, escultura, arquitetura etc.).

A produção cultural na Idade Média

A partir dos séculos IV e V, como vimos, o Império Romano do Ocidente começou a se desestruturar. Crise econômica, dificuldades em manter as fronteiras e a invasão de povos inimigos, sobretudo de origem germânica, eram alguns dos problemas enfrentados pelos romanos.
Esse cenário contribuiu para uma transformação radical na vida cultural dos povos europeus. Com o tempo, os costumes romanos e germânicos se misturaram, dando origem ao mundo feudal. Nele, os mosteiros e as abadias tornaram-se um dos principais centros de produção cultural.
Além da produção teológica, essas instituições contribuíram para conservar a cultura da Antiguidade por meio do trabalho dos monges copistas, que passavam longo tempo reproduzindo manuscritos antigos.
Na Idade Média, assim como na Antiguidade, eram poucas as pessoas que sabiam ler e escrever. A maioria da leitura era feita em voz alta para um grupo de ouvintes, como nas missas. Por isso, os textos eram todos preparados para serem lidos em público, com imagens fortes e teatralizadas.
As pessoas mais instruídas pertenciam à Igreja, que controlava grande parte das atividades artísticas, literárias e intelectuais da época. O controle da leitura e da escrita era uma forma de a Igreja manter seu poder e de impedir que as pessoas pensassem diferentemente de seus dogmas.

A produção literária

A maior parte da literatura foi escrita em latim e tratava de temas religiosos. O principal objetivo dessa produção era comprovar a existência de Deus e da alma.
Nessa época, o universo era compreendido dentro de uma hierarquia de seres. No topo dessa hierarquia estava Deus, seguido pelos arcanjos, anjos, chegando até os seres humanos, os animais, os vegetais e os minerais. A concepção de um universo hierarquizado foi importante para justificar a ordem social existente, na qual os reis deviam obediência à Igreja, os servos aos senhores, etc.
As ideias dos filósofos gregos Platão e Aristóteles foram as que mais influenciaram o pensamento medieval. A obra dos gregos soma-se as de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino. Ensinado nas universidades, que surgiram a partir do século XII, esse conjunto de ideias ficou conhecido como Escolástica.
Por volta do século XII, começaria a surgir uma literatura não mais voltada apenas para a compreensão do universo cristão. Ela não seria escrita exclusivamente em latim, mas também na língua própria de cada região. Por exemplo, poemas narrando feitos heróicos sobre as batalhas de Carlos Magno foram escritos no idioma falado no norte de seu império.
Na península Itálica, no final do século XIII e início do século XIV, destacou-se o poeta Dante Alighieri, considerado o fundador da literatura italiana.

O conhecimento na Idade Média


A educação era controlada basicamente pelo clero católico. Além das escolas dos mosteiros, fundaram-se, no século XI, as escolas junto às catedrais. Quase todo o ensino estava sob o controle da Igreja e era voltado para a vida religiosa. Os primeiros estudos eram feitos em escolas que funcionavam nos conventos e nas Igrejas das vilas, onde se aprendia a ler e a escrever, noções de cálculo e canto religioso.
Posteriormente, surgiram as primeiras universidades, entre as quais destacaram-se as de Salerno, Paris, Oxford, Cambridge, Montpellier, Salamanca, Nápoles, Roma e Coimbra. Em todas elas havia a influência da Igreja na transmissão da cultura. As universidades medievais eram corporações que reuniam mestres e estudantes para o estudo de determinadas áreas do conhecimento. De modo geral, as aulas eram ministradas em latim e, basicamente, estudava-se Teologia (Filosofia), Ciências, Letras, Direito e Medicina. O estudante universitário podia tornar-se: bacharel (aprendiz de professor) licenciado (apto para o ensino) e doutor (professor de professores).
Na Idade Média, a maior parte dos estudos estava ligada à teologia. Os clérigos, os principais estudiosos, não tinham praticamente nenhum interesse pelo conhecimento da natureza. “Discutir a natureza e a posição da Terra”, disse Santo Agostinho, não nos auxilia em nossa esperança de vida futura. Interessava conhecer o mundo de Deus, já que a vida na terra era apenas um momento passageiro.
A vida intelectual concentrava-se nos mosteiros e o estudo do universo cristão permaneceu mais importante do que o estudo das ciências naturais.

Música sacra e popular

A música sofreu grande influência da Igreja Católica, sendo adaptada aos ideais religiosos do cristianismo. Na música sacra, destacou-se o canto gregoriano (introduzido pelo papa Gregório Magno), caracterizado por uma melodia simples e suave cantada em uníssono por várias vozes. Outro nome de destaque foi o do monge beneditino Guido d’Arezo (990-1050), que batizou as sete notas musicais, aproveitando para isso, as sílabas iniciais dos versos de um hino a São João Batista.
Na música popular, destacaram-se as canções dos trovadores e menestréis, inspiradas em temas românticos ou feitos heroicos dos cavaleiros. Surgida na França por volta do século XI, a canção trovadoresca espalhou-se para outros países da Europa, como Inglaterra, Alemanha, Portugal, Espanha e Itália.

Produções culturais: pintura e religião

A pintura medieval foi dominada por temas religiosos. Muitas obras desse período tinham como tema a vida dos santos, de Cristo e de Nossa Senhora. Nessa época, a pintura foi usada para ensinar a religião católica, pois a maioria das pessoas não sabia ler nem escrever. No século VI, por exemplo, o papa Gregório explicou em poucas palavras como a pintura podia servir a esse propósito. Segundo ele, a pintura seria o “livro dos analfabetos”. Isso quer dizer que os quadros expostos nas igrejas deviam fazer com que homens, mulheres e crianças pudessem ver o que ouviam nos sermões e não conseguiam ler nos livros.
Além dos quadros, a pintura de murais, vitrais e miniaturas também teve grande importância. Entre os pintores mais destacados estavam os italianos Giotto (1266-1337) e Cimabue (1240-1302).

Literatura

Na literatura destacaram-se: a poesia épica, a lírica, e o romance.
A poesia medieval procurou enaltecer os valores e as virtudes do cavaleiro: a justiça, o amor, a prudência e a cortesia. Na poesia épica, exaltava-se a ação corajosa dos cavaleiros em prol da cristandade. Na poesia lírica, exaltava-se o amor cortês dos cavaleiros em relação às suas damas.
O romance desenvolveu-se de várias formas. O de aventura refletia os ideais da aristocracia (fidelidade, bravura, etc.). Os foram Robin Hood (herói-bandoleiro) e o Ciclo da Távola Redonda.
Já o romance idílico destaca o amor e nesse gênero sobressaiu-se Tristão e Isolda, escrito por Gottfried Strasburgo.
Há que se destacar ainda os Fabliaux (fabulários), literatura urbana e burguesa que refletia novas concepções em relação à sociedade feudal e criticava a sociedade e as instituições.

Ciência e filosofia

A ciência medieval desenvolveu-se principalmente após o século XI, sob influência das Cruzadas. Diversas obras traduzidas do árabe e do grego influenciaram os estudos da matemática, da astronomia, da biologia e da medicina. Houve também avanços na arte da navegação, com a utilização da bússola, de mapas, do astrolábio e de outros instrumentos.
Um dos grandes nomes da ciência medieval foi o monge franciscano Roger Bacon (1214-1294), que introduziu a observação da natureza e a experimentação como métodos básicos do conhecimento científico. Conhecido como “Doutor Admirável”, Bacon desenvolveu estudos em diversos campos do saber (Geografia, Filosofia, Física). Bacon recomendava a observação e a experimentação como meios indispensáveis para chegar ao conhecimento. Isso lhe custou a condenação pela Igreja ao cumprimento de uma pena de catorze anos de prisão.
Na filosofia cristã, destacaram-se os pensadores Santo Agostinho (século IV) e Santo Tomás de Aquino (século XIII).
Em sua obra, Agostinho argumentou em favor da supremacia do espírito sobre o corpo, a matéria. Para ele, a alma foi criada por Deus para reinar sobre o corpo. Mas o ser humano, pecador, utilizando-se do livre-arbítrio, inverteu essa relação, fazendo o corpo assumir o governo da alma. Essa inversão resultou na submissão do espírito à matéria, o que seria, para ele, equivalente à submissão do eterno ao transitório, da essência a aparência.
Ao refletir sobre as diferenças entre fé cristã e razão, Agostinho defendia que a fé nos leva a crer em coisas nem sempre entendidas pela razão. Assim, muitas vezes era necessário crer para compreender, pois a fé ilumina os caminhos da razão.
Já Tomás de Aquino entendia que, se é correto que a verdade da fé ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os princípios básicos da razão podem estar em contradição com a fé. Assim, Aquino reviveu grande parte do pensamento do grego Aristóteles em busca de um conjunto de argumentos que se harmonizassem com a fé cristã. No caminho aberto por ele, a Escolástica – movimento que reunia as ideias de Tomás de Aquino – representou uma tentativa de conciliar fé e razão com base no pensamento de Aristóteles.

Cultura popular

Além da cultura “oficial”, promovida, em grande parte, pelas autoridades da Igreja e pelos governantes feudais, havia também muitas criações populares. Enquanto a cultura oficial era austera e consagrava a divisão social dominante, a cultura popular era impregnada de humor e sátira. Segundo o crítico literário Mikhail Bakhtin, o riso era condenado pelo cristianismo oficial da Idade Média. O tom sério era a forma de expressão da cultura oficial, que valorizava o medo, a veneração, a docilidade, a resignação e a permanência da tradição.
Já a cultura popular, com risos, alegria e irreverência, manifestava-se por meio de festejos carnavalescos (como as “Festas dos Loucos”) das encenações teatrais burlescas (cômica, satírica), dos gracejos dos “bufões” e “bobos”, das paródias literárias que recriavam trechos da Bíblia (evangelhos, salmos etc.), das orações e hinos religiosos, das lendas clássicas. Nessas atividades, as pessoas viviam e representavam seu mundo e promoviam o riso, divertindo o povo e criticando os costumes.

As artes

A arte medieval também era essencialmente religiosa. No campo das artes, destaca-se a arquitetura, com a construção de templos, igrejas, mosteiros e palácios.
Na arquitetura da Idade Média, predominaram dois estilos: o românico e o gótico.
As construções em estilo românico (século X, XI e XII) caracterizam-se pelos arcos redondos, paredes baixas e grossas, grandes colunas, janelas pequenas e interior pouco iluminado.
As construções em estilo gótico (final do século XII ao século XV) caracterizam-se pelos arcos em formato ogival, janelas maiores e mais numerosas, paredes altas e interior iluminado.
As janelas eram ornamentadas com belíssimos vitrais. Estes eram formados por pequenas placas de vidro colorido, unidas por chumbo, formando desenhos e mosaicos.
Na pintura, destacam-se as miniaturas ou iluminuras, feitas para ilustrar os manuscritos e os murais.
Os murais eram pinturas feitas nas paredes, geralmente retratando figuras religiosas.
Na escultura, utilizava-se o metal, o marfim e a pedra. Um grande número de imagens decorava o interior do templos.
A maior parte das obras de arte da Idade média não tem autoria definida. Isso porque, de acordo com o alto clero medieval, o verdadeiro autor era Deus, que por meio dos seres humanos, expressava suas vontades.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Zabala - Os ‘materiais curriculares’

  Os ‘materiais curriculares’ e outros recursos didáticos O PAPEL DOS MATERIAIS CURRICULARES Os materiais curriculares, corno variável metodologicamente são menosprezados, apesar de este menosprezo não ser coerente, dada a importância real que têm estes materiais. Uma olhada, mesmo superficial, permite que nos demos conta de que os materiais curriculares chegam a configurar, e muitas vezes a ditar, a atividade dos professores. A existência ou não de determinados meios, o tipo e as características formais, ou o grau de flexibilidade das propostas que veiculam são determinantes nas decisões que se tomam na aula sobre o resto das variáveis metodológicas. A organização grupai será cie um tipo ou de outro conforme a existência ou não de suficientes instrumentos de laboratório ou de informática; as relações interativas em classe serão mais ou menos cooperativas conforme as caraterísticas dos recursos; a organização dos conteúdos dependerá da existência de materiais com estruturações disc

A Revolução Francesa

O Antigo Regime – ordem social que garantia os privilégios do clero e da nobreza – foi sendo abalado e destruído lentamente por uma série de fatores, como as revoluções burguesas na Inglaterra, o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Independência dos Estados Unidos da América. Mas o fator que aboliu de vez o Antigo Regime foi a Revolução Francesa (1789-1799), uma profunda transformação sócio-política ocorrida no final do século XVIII que continua repercutindo ainda hoje em todo o Ocidente. O principal lema da Revolução Francesa era “liberdade, igualdade e fraternidade”. Por sua enorme influência, a Revolução Francesa tem sido usada como marco do fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea. Embora não tenha sido a primeira revolução burguesa ocorrida na Europa, foi, com certeza, a mais importante. 1. Situação social, política e econômica da França pré-revolucionária a) Sociedade A França pré-revolucionária era um país essencialmente agrícola. O clero e a nobreza possuíam en

SIMBOLISMO EM PORTUGAL E NO BRASIL

  O Simbolismo, assim como o Realismo-Naturalismo e o Parnasianismo, é um movimento literário do final do século XIX. No Simbolismo , ao contrário do Realismo , não há uma preocupação com a representação fiel da realidade, a arte preocupa-se com a sugestão. O Simbolismo é justamente isso, sugestão e intuição. É também a reação ao Realismo/Naturalismo/Parnasianismo, é o resgate da subjetividade, dos valores espirituais e afetivos. Percebe-se no Simbolismo uma aproximação com os ideais românticos, entretanto, com uma profundidade maior, os simbolistas preocupavam-se em retratar em seus textos o inconsciente, o irracional, com sensações e atitudes que a lógica não conseguia explicar. Veja as comparações: Parnasianismo 1. Preocupação formal que se revela na busca da palavra exata, caindo muitas vezes no preciosismo; o parnasiano, confiante no poder da linguagem, procura descrever objetivamente a realidade. 2. Comparação da poesia com as artes plásticas, sobretudo com a escultura. 3. Ativid